CAPÍTULO 5: Ação afirmativa na Nigéria
O autor Thomas Sowell inicia esse capítulo afirmando que a Nigéria, a exemplo de muitas outras nações, emergiu da era colonial, que era uma amálgama de muitas diversificadas comunidades da África Ocidental, fato que teria mais fatídicas explicações para o seu futuro como um Estado multiétnico. A Nigéria possui uma população maior que qualquer país da África, um em cada oito africanos é nigeriano. Internamente, a Nigéria é fragmentada pela etnia (p. 129).
Sowell enfatiza que em se tratando da Nigéria, estão envolvidas mais do que diferenças demográficas ou mesmo culturais. As divisões tribais são acompanhadas por alienações e hostilidades profundamente sentidas entre muitos desses grupos. Um levantamento de 1970, feito por estudantes nigerianos mostra que, entre os iorubas, mais de 40% dos homens e mais de 60% das mulheres excluíram qualquer possibilidade de amizade com um hauçá. O casamento como um hauçá era considerado impossível por mais de 80% dos homens e mais de 90% das mulheres. Tal alienação tem implicações sociais, econômicas e políticas (p.130).
A região da África Ocidental, hoje conhecida como Nigéria, abrange o Rio Níger e seus afluentes, facilitando o desenvolvimento de cidades e vilas, que vêm sendo por longo tempo mais comum nessa região do que na maior parte da África Tropical. Cerca da metade da população da Nigéria vivia nessas comunidades urbanas antes do início do século XX. O país também possuía os maiores e mais complexos sistemas políticos indígenas que as outras regiões da África Subsaariana, e tinha progredido mais em outros aspectos, por exemplo, o ferro foi fundido na área que hoje é a Nigéria cinco séculos antes de Cristo (p. 130-131).
O islã chegou à região Norte do país há cinco séculos, enquanto a região Sudeste, habitada pelos ibós, tornou-se predominantemente cristã na esteira da atividade missionária inglesa e, mais tarde, a hegemonia política britânica. A região Sudoeste, habitada pelos iorubas, tornou-se metade islâmica e metade cristã, ao mesmo tempo que as religiões africanas endógenas continuaram sendo praticadas. Os povos litorâneos perseguiam e escravizavam seus irmãos menos afortunados do interior, os ibós (p.131).
Os ingleses se envolveram com a África ocidental no século XIX, instauraram uma espécie de imperialismo de orçamento barato, deixando, o máximo possível, as sociedades locais, estruturas políticas e culturais, tais como eram. A despeito dessa agenda conservadora, a presença britânica por si só teve influência transformadora e revolucionária. Não desejando arcar com os altos custos do preenchimento dos cargos de alto a baixo dos cargos da administração colonial com pessoas da Inglaterra, os ingleses contrataram nigerianos locais como serventes e para outras funções subordinadas. Isto significou a criação de toda uma classe de africanos com educação no idioma inglês, familiarizada com os conceitos ocidentais e experiente na maneira ocidental de fazer as coisas. Essa classe tendeu a criticar as instituições e autoridades indígenas africanas e, por fim, a criticar também as autoridades britânicas e seu mando colonial (p.132),
Quando a Nigéria se aproximou da independência em 1960, as invejas e fricções intergrupos retardaram a formulação de uma Constituição e a criação de um Governo, o que, por sua vez, atrasou a própria independência. Em meados do século XX, com a aproximação da independência, a renda per capta na região ocidental(ioruba) era o dobro da do norte (hauçá-fulá), e da região Sudeste (ibó) ficava mais ou menos no meio das duas. Essas diferenças econômicas refletiam parcialmente o fato de que a diversidade educacional entre as tribos e regiões permaneceu extrema durante toda a era colonial. Por volta de 1912, por exemplo, havia menos de mil estudantes nas escolas básicas do Norte da Nigéria, onde vivia mais da metade da população do país, ao passo que havia cerca de 35 mil estudantes nas escolas primárias da região do Sul. Existiam também grandes diferenças na educação superior com reflexos nas profissões qualificadas. (p.133-134).
No tocante à independência, as primeiras manifestações surgiram no Sul e Leste da Nigéria. O Norte da Nigéria, onde vivia a maioria da população do país, era a região politicamente dominante, mas o aparato do governo central necessário para implementar a política, ou seja, a burocracia, claramente não seria ali se a contratação para as posições governamentais tivesse que ser feita apenas com base nas qualificações individuais. Em síntese, a posição nortista dava mais importância à representação dos grupos do que às habilitações individuais. Os temores nortistas e a dominação do Sul no aparato administrativo do governo levaram a oposição a uma independência antecipada, sem garantias prévias de representação na burocracia para os nigerianos do Norte. (p. 138)
Sowell enfatiza que em razão da hostilidade intergrupos, a primeira década de independência da Nigéria foi marcada por levantes, tramas e golpes: “Soldados nortistas caçaram tropas ibós em seus quartéis e mataram quantidades delas a golpes de baioneta. Turbas muçulmanas aos gritos caíram sobre os quartéis ibós de todas as cidades nortistas, assassinando suas vítimas com porretes, lanças envenenadas e armas de fogo. Dezenas de milhares de ibós foram mortos nos massacres sistemáticos que se seguiram”. Depois desses eventos traumáticos, mais de um milhão de ibós fugiram do Norte para se juntar aos irmãos de etnia do Sudeste do país. Eles então decidiram separar tal região da Nigéria, onde não mais se sentiam seguros, e formar seu próprio país independente, que chamaram de Biafra. Esse fato desencadeou uma guerra civil que durou dois anos. O governo nigeriano bloqueou essa área do interior, a fim de evitar que alimentos e suprimentos militares chegassem lá. Os ibós definharam até a morte, mais de um milhão de pessoas morreu em Biafra por uma combinação de fome, ações militares e epidemias. Biafra entrou em colapso e foi reabsorvida pela Nigéria(p.139-140).
O Governo Federal Militar tomou o poder com o golpe de julho de 1966 e lá permaneceu até 1979, quando uma nova Constituição foi formulada, estipulando o retorno do mando civil. O que persistiu foi a corrupção, esfolamento de um grupo étnico em benefício de outro, atraso no pagamento de salários, a inflação dispara e o produto interno bruto do país decai. Com a desconfiança do povo em seus representantes eleitos também declinante, armou-se o cenário para outro golpe Militar em 1983(p.141-142).
No que tange às preferências e cotas na Nigéria, Sowell assevera que além das várias maneiras informais com as quais, em níveis nacional e estadual, o governo nigeriano vem praticando o favoritismo para com um grupo étnico sobre outro, sistemas mais formais de preferências étnicas e cotas têm sido impostas sob a alegação de que numerosas atividades têm que refletir o “caráter nacional” do país. Isso significa preferências étnicas em termos regionais. Com o intuito de reparar os desequilíbrios regionais- e portanto étnicos na educação, o governo federal organizou instituições universitárias e pré-universitárias de reforço nas regiões mais atrasadas em termos de educação, com uso de cotas étnicas para admissões e matrículas em universidades do país. Sowell afirma que os benefícios colocados à disposição pelo processo de balanceamento étnico foram primordialmente coisas do interesse e da preocupação dos membros mais afortunados dos vários grupos étnicos, tal como a admissão às universidades, em vez da educação obrigatória universal e gratuita para os pobres (p.143).
Sowell considera que grupos étnicos territorialmente separados e politicamente polarizados têm sido a fórmula para o desastre em muitos países do planeta. Alguns deles degeneraram em guerra civil, casos do Sri LanKa e da Iugoslávia, devido ou não à ação militar. A guerra civil na Nigéria pode ser incluída nesse padrão geral. Se o objetivo dos grupos de preferências e cotas era criar um senso de unidade nacional, não há provas de que eles concorreram para a consecução de tal propósito ou mesmo encaminharam o país para aquela direção; “os nigerianos raramente classificam as pessoas pela riqueza ou profissão, e sim pela etnia”. Isso tem implicações políticas: “para o nigeriano médio, só é bom líder político aquele capaz de ajudar os membros de sua família às expensas de outras famílias, de promover a causa de sua tribo à custa da causa nacional e, se necessário defender os erros de “um irmão” em detrimento da própria justiça” (p.144-145).
Do ponto de vista dos que desejam auferir algumas lições da experiência da Nigéria, claramente o espetáculo de grupos étnicos organizados em diferentes partidos políticos- cada um deles exclusivamente dependente dos votos de seu grupo e todos lutando pelas benesses da generosidade do governo - não deve encorajar emulação em lugar algum, vez que encorajam a guerra civil. O que salvou os Estados Unidos do destino da Nigéria, foi que a tática da polarização política ficou por mais de um século confinada a uma só região do país e a desaprovação dos outros americanos limitou até onde essa tática podia ir. Onde não houve essa desaprovação à polarização ilimitada, os americanos também tiveram guerra civil, embora entre grupos que não eram racial ou etnicamente diferentes, mas territorialmente separados(p.149-150)
Thomas Sowell rechaça a ideia de que as tentativas para equalizar os resultados por meio de grupos preferenciais e cotas fortalecem “a unidade nacional” na Nigéria ou em qualquer outro país, ao contrário, têm proporcionado aos grupos alguma coisa pela qual lutar, em vez de alguma coisa para uni-los. Enfim, as rixas intergrupos dentro das várias regiões da Nigéria têm levado à criação de mais Estados - no começo, uma dúzia, em 1967 e, então, trinta e seis em 1996. Tendo experimentado as letais consequências de crescentes conflitos resultantes da heterogeneidade étnica, a Nigéria tem procurado desenvolver maior homogeneidade dentro de enclaves separados para diminuir o perigo de polarização que ameaçou despedaçar o país(p.150-151).
CAPÍTULO 6: Ação afirmativa nos Estados Unidos
De acordo com Thomas Sowell, os grupos sociais e as cotas nos Estados Unidos evoluíram de leis que inicialmente procuravam banir a discriminação contra indivíduos –inclusive de leis que repudiavam explicitamente o princípio do grupo de preferências e das cotas. A legislação central dessa evolução foi a Lei dos Direitos Civis de 1964, e o grupo principal, cujos pleitos proporcionaram o ímpeto e o racional desta lei foi o constituído pelos negros. Todavia, assim como em outros países, essas políticas se espraiavam para bem além dos benefícios iniciais. Os negros são apenas 12% da população americana, mas os programas de ação afirmativa se expandiram com os anos para incluir não só outros grupos raciais ou étnicos, mas também mulheres, de forma que agora contemplam a maioria substancial da população dos EUA (p.153-154).
Sowell considera que do ponto de vista histórico, os negros têm sido vistos como um grupo cujas disparidades sociais e econômicas de hoje são consequências direitas da escravidão e dos maus-tratos do passado, bem como dos continuados racismo e discriminação do presente. Convenientemente, a ascensão socioeconômica dos negros na segunda metade do século XX tem sido atribuída às leis e políticas que combateram a discriminação a eles infligida pelos brancos, na tentativa de reparar as iniquidades passadas. O autor considera que essas explanações muitos difundidas sobre as patologias sociais entre os negros americanos são, em sua grande totalidade, demonstravelmente falsas(p.155).
O autor admite que os negros foram realmente maltratados, escravizados por mais de dois séculos, sujeitados à deslavada discriminação por mais de um século no sul, onde o negro sempre viveu. Nem o resto do país se livrou quer do racismo, quer da discriminação. Adverte, no entanto, que nem a pobreza inicial dos negros, nem a elevação posterior da maioria deles acima do nível daquela pobreza seguiram o caminho preconizado pelos que produzem políticas preferenciais. Os fatos históricos contradizem muito a visão que hoje impera (p.155-156).
Embora aspectos como a participação bem menor dos negros na força de trabalho e as taxas inferiores de casamentos sejam hoje atribuídas à “herança da escravidão”, o fato é que os negros tinham taxas de participação na força de trabalho bem maiores e índices de casamento ligeiramente mais altos que os brancos no final do século XIX, quando havia passado apenas o período de uma geração depois da abolição da escravatura. E isso continuou sendo verdade com o avançar do século XX. Os padrões drasticamente presentes hoje tiveram início depois dos anos 60 (p.156).
É indubitável que a discriminação racial contribuiu para que os negros tivessem, historicamente receitas menores que os brancos. Sowell adverte que não se pode supor simplesmente que os negros teriam rendas parecidas com as dos brancos na ausência de discriminação racial, uma vez que os diversos grupos de brancos americanos tiveram receitas bem diferentes umas das outras em vários períodos da história. Além do mais alguns grupos de não brancos nos Estados Unidos-chineses, japoneses, indianos, asiáticos e negros barbadianos- obtiveram rendas superiores aos dos americanos brancos. Ademais, uma das formas mais sérias de discriminação contra o negro tem sido, historicamente, a discriminação pelo governo em suas alocações de recursos para a educação. (p.156)
Thomas Sowell analisa, a partir de dados estatísticos, o nível de escolaridade de homens não brancos antes e depois da Legislação sobre Direitos Civis nos anos de 1960 e apresenta algumas conclusões: “Ainda em 1940, os homens não brancos completavam apenas 5,4 anos em média de escolaridade, comparado com 8,7 anos dos brancos. Para os jovens adultos entre 25 e 29 anos de idade, a diferença era de 4 anos. Vinte anos mais tarde, a diferença entre homens brancos e negros dentro daquela faixa encolheu para menos de dois anos. Por volta de 1970, caiu para menos de um ano-12,1 anos de escolaridade para os jovens homens negros e 12,7 anos para os correspondentes brancos. Em suma, a educação dos negros melhorou substancialmente, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos à educação dos brancos, nas décadas que precederam a legislação sobre direitos civis dos anos 1960 e as políticas de ação afirmativa que tiveram início nos anos 1970” (p.157).
Sowell critica fortemente a era das ações afirmativas nos Estados Unidos, considera que a mesma favoreceu os negros mais afortunados, enquanto os menos afortunados perderam em termos suas participações nas rendas. No entanto, adverte que nem os ganhos, nem as perdas, podem ser levianamente atribuídos à ação afirmativa, tampouco essa ação pode pleitear a responsabilidade pelo progresso dos negros de baixa renda, quando, na realidade, esses negros se atrasaram. (p.160)
Apesar da ação afirmativa ter começado como um programa primordialmente direcionado para favorecer os negros, a maior parte dos “negócios de propriedade de mulheres e de minorias”, favorecida pelas preferências governamentais não têm o negro como dono. Mais da metade dos negócios são de propriedade de hispano-americanos e asiático-americanos do que de negros e em treze vezes mais dos negócios, os donos são mulheres. O autor enfatiza que um benefício especial foi criado para índios americanos que administram cassinos nas reservas indígenas (p.161)
A Lei de Direitos Civis de 1964 não foi apenas uma lei que estabeleceu direitos iguais para os indivíduos, vez que repudiava explicitamente o conceito de grupos raciais e cotas. O termo “discriminação foi especificamente definido nessa lei como ações intencionais de um empregador contra indivíduos, distintas das consequências totalmente dissimilares de testes particulares ou outros critérios sobre grupos diferentes. Na mencionada lei, tem-se “não ser necessário que o empregador chegue a qualquer equilíbrio racial em sua força de trabalho por meio do tratamento preferencial a qualquer indivíduo ou grupo” (p.162-163).
Resta claro que a lei dos Direitos Civis não criou a ação afirmativa nos Estados Unidos, não fica evidente o que ou quem especificamente o fez. No contexto americano tem havido o que pode ser chamado de ação afirmativa genérica, também conhecida como ação afirmativa altamente específica. Essa ação vem contando como amplo apoio do público em geral, tanto de conservadores quanto de liberais na arena política, do que a ação afirmativa sob a forma de grupos de preferências e cotas. Em suma, tem havido abundante suporte entre a população americana para os esforços que buscam elevar os grupos menos afortunados aos padrões existentes, mesmo entre aqueles que se opõem completamente ao rebaixamento de tais padrões para esses grupos. (p.164)
A "ação afirmativa" transformou-se decisivamente num conceito numérico, fosse com o nome de "metas", fosse com o de "cotas". A ação afirmativa com sentido específico foi, portanto, um produto da década de 1970. Muitos viram a emergência da ação afirmativa, no sentido de grupos de preferências e cotas, como uma deturpação posterior da intenção inicial de igualdade de oportunidade da lei. Com o passar dos anos, a tendência geral foi na direção de definições mais elásticas de "discriminação", levando a mais e mais cotas e preferências "terapêuticas". Nas controvérsias surgidas em torno das políticas e das ações judiciais referentes à ação afirmativa, muita confusão foi estabelecida entre a ação afirmativa genérica, tal como os esforços para "ampliar o alcance", e a ação afirmativa mais específica, representada pelos grupos de preferências e cotas. Na realidade, grande parte da confusão foi cultivada pelos defensores da ação afirmativa que censuravam a noção de que nada deve ser feito para ajudar os menos afortunados - o que, evidentemente, não é o caso (p. 170).
A exemplo de outros países, a ação afirmativa nos Estados Unidos não só evoluiu como se espalhou. Espraiou-se para uma sucessão de grupos, para uma faixa mais ampla de atividades e indústrias, e o significado das palavras assumiu também maior elasticidade, tanto que "discriminação", por exemplo, agora abrange aspectos que ninguém consideraria discriminação quando a Lei dos Direitos Civis de 1964 foi aprovada. A mudança mais decisiva na responsabilidade pela prova tem sido fazer com que o acusado refute um caso prima facie de discriminação, baseado em disparidades estatísticas de resultados de grupos. Estas últimas podem ser disparidades, por exemplo, em resultados de testes ou na "representação" de grupos entre empregados de um negócio ou de estudantes admitidos na universidade. A decisão Griggs pela Suprema Corte dos EUA transferiu o ônus da prova para os empregadores sempre que houvesse graus diferentes de aprovação em testes aplicados a segmentos distintos da população. Isso ficou conhecido como "princípio do impacto totalmente dissimilar", que foi aplicado não apenas aos testes como também a outros critérios, como títulos acadêmicos ou registros criminais, quando esses critérios levaram a proporções distintas de grupos diferentes que estavam sendo admitidos. (p.170-171)
A redefinição de "discriminação" foi quase sempre acompanhada de negativas de que aquilo representava rebaixamento de padrões. Argumentou-se que ninguém estava sendo forçado a empregar pessoas que não fossem "qualificadas". Mas tal palavra evitava a verdadeira questão que era se uma pessoa de menor qualificação deveria ser empregada em detrimento de outra de maior qualificação simplesmente por conta dos respectivos grupos a que pertencessem. A palavra "qualificado" meramente homogeneizou os requerentes que atingissem qualquer padrão mínimo arbitrariamente fixado por um terceiro. Se o critério fixado fosse a resposta certa de metade das questões de um teste, então alguém que acertasse 51 % das questões faria igualmente parte do conjunto dos "qualificados" quanto aquele que respondesse certo a 99% delas. Mais importante, um empregador que admitisse proporcionalmente menos candidatos negros "qualificados" do que candidatos brancos "qualificados" poderia ser acusado de incorrer em discriminação racial, mesmo que a média das notas dos negros fosse substancialmente menor. Além do mais isso não era oficialmente considerado política de preferências raciais, mas apenas aplicação da lei antidiscriminação (p.172)
Thomas Sowell considera que a argumentação para remediar ou evitar os efeitos da discriminação se estende bem além dos vários grupos raciais ou étnicos originalmente usados como motivo para a implantação de políticas de ação afirmativa. O maior desses novos grupos, na realidade, maior que todos os outros juntos - é o das mulheres. E, é claro, nos Estados Unidos a maior parte dessas mulheres é constituída de brancas. A representação feminina nas ocupações técnicas e profissionais declinou em 9% de 1950 a 1968. Em 1902, a quantidade de mulheres listadas no Who's Who era maior que o dobro da de 1958. As mulheres eram 34% das bacharelandas em 1920, mas apenas 24% em 1950. Recebiam pouco mais de 15% dos títulos de doutor em 1920, mas pouco menos de 10% em 1950. Na matemática, a parcela feminina de doutores caiu de 15 para 5 % num período de décadas, e na economia, de 10% para 2 %. Houve declínios semelhantes no doutorado feminino nas ciências humanas, no direito e na química. Não houve um único ano durante os anos 1950 e 1960 em que as mulheres alcançassem parcelas de todos os títulos de mestre ou de todos os títulos de doutores que conseguiram nos anos 1930. (p.176)
Como as mulheres começaram a ter menos filhos, tendência que começou no século XIX e continuou até os anos 1930, elas se tomaram mais bem representadas nos níveis elevados da educação e das ocupações profissionais. Então, quando as taxas de natalidade começaram a crescer de novo dos anos 1.930 aos 1950, as mulheres passaram a ter menor representação nos campos referidos. O papel dos homens nisso tudo foi principalmente o de pais das crianças nascidas de mulheres. Se tal período de retrocesso ocupacional relativo se deveu à ação dos homens como empregadores, então fica difícil entender por que a mesma tendência ocorreu na contratação de professores para instituições femininas de ensino administradas por mulheres (p.177).
Depois que a taxa de natalidade começou a declinar de novo nos anos 1960, houve renovado surto de crescimento na representação das mulheres nos segmentos educacional e das profissões. Voltando-se a 1971, as mulheres entradas nos trinta anos que tinham permanecido solteiras e trabalharam continuadamente desde a escola secundária ganhavam ligeiramente mais que os homens com as mesmas características. Mulheres acadêmicas que jamais haviam se casado tinham renda média um pouco superior em 1968-69 - antes da ação afirmativa - do que os homens acadêmicos que também nunca tinham se casado (p.178).
Outro fator de discrepância nas rendas entre homens e mulheres é que os homens tendem a se especializar em ocupações perigosas que pagam melhores salários. Enquanto os homens constituem 54% da força de trabalho, eles respondem por 92 % das mortes relacionadas ao emprego. Outras inumeráveis diferenças economicamente relevantes entre os sexos existem, mesmo entre homens e mulheres que "se parecem" superficialmente e cujas rendas diferentes não podem ser, por conseguinte, atribuídas à discriminação do empregador (p.179).
Sowell explicita que não é de admirar que a maioria das faculdades e universidades americanas não tivesse professores negros estabilizados até 1940 e poucos professores negros e judeus nas instituições Ivy League até bem depois da Segunda Guerra Mundial. Em1936, só três PhDs negros eram empregados por todas as faculdades e universidades para brancos dos EUA. Em contraste, mais de trezentos químicos negros, para falar só dos químicos, estavam empregados àquela época na indústria privada. Para as empresas particulares, esses químicos negros representavam lucros decorrentes de suas contratações. Porém, nenhum departamento de química de faculdade ou universidade tinha tal incentivo e todos esses departamentos podiam passar muito bem sem os químicos negros (p.184-185).
Em lugar algum a ação afirmativa está mais entrincheirada do que no mundo acadêmico. Ademais, esse mundo tem importância especial como portal para a mobilidade social vertical ascendente. Vários argumentos têm sido utilizados para a admissão nas faculdades e universidades de estudantes negros, hispânicos e índios americanos mediante padrões mais baixos que os aplicados a estudantes brancos ou asiático-americanos. O principal entre eles é o pleito de que os critérios convencionais, como notas em exames e histórico acadêmico, não revelam a capacidade "real" dos estudantes nem suas possibilidades de sucesso. Com os anos, essa tem sido uma das reivindicações mais repetidamente estudadas - e repetidamente refutadas. Os estudantes negros com baixas notas nos exames não se saem melhor que os estudantes brancos com as mesmas notas baixas. Ao contrário, os estudantes negros tendem a ter desempenhos ligeiramente piores que os brancos com notas semelhantes - e isso é verdade em outros campos, não apenas entre estudantes de notas baixas. (p.187)
Sowell apresenta as consequências das ações afirmativas de acesso de negros às universidades. Cursos mais fáceis sobre estudos negros em alguns outros departamentos foram acompanhados por aquilo que o professor David Riesman, de Harvard, chamou de "graduação afirmativa". Muitos professores começaram a inflar as notas por todos os lados, reduzindo as reprovações e concedendo o conceito A à maioria dos estudantes. Os estudantes brancos não ignoravam o que se passava. Como Summers e outros previram nos anos 1960, os brancos, que viam seus colegas negros de turma, consistentemente os últimos em termos acadêmicos, safarem-se em situações que não seriam toleradas em outros, começaram cada vez mais a manifestar atitudes negativas, a despeito das punições draconianas por atos e palavras que pudessem ser considerados "racistas". Estudantes brancos promoveram desordens violentas em alguns campi contra estudantes negros com uma magnitude desconhecida no tempo em que não existiam programas preferenciais de ingresso ou critérios duplos nas universidades (p.195-196).
Ainda Sowell aponta outras consequências drásticas oriundas do sistema de cotas nos EUA. Estudos estatísticos anteriores mostraram que a posição dos estudantes negros de Direito ficava em média no 8º percentil. Ou seja, 92 % dos seus companheiros de classe tinham melhor desempenho acadêmico nas escolas de Direito. Além disso, um número desproporcionalmente grande de graduados negros em escolas de Direito não passou nos Exames da Ordem dos Advogados, o mesmo ocorrendo com quantidade também desproporcional de graduados negros em escolas de Medicina nos Exames do Conselho de Licenciamento Médico (p.197)
Thomas Sowell argumenta, de forma categórica que as faculdades e universidades não foram criadas para distribuir benefícios a requerentes, mas para desenvolver mentes e formar capacitações que sirvam à sociedade como um todo. Os critérios que valem são aqueles que permitem que as instituições cumpram essa responsabilidade. Tal responsabilidade não pode ficar subordinada à impossível tarefa de equalizar possibilidades de sucesso acadêmico para pessoas nascidas e criadas em circunstâncias que prejudicaram seu desenvolvimento, mesmo que isso tenha acontecido independentemente da vontade dessas pessoas e, por conseguinte, não por culpa delas (p.201)
Em 1995, preferências raciais e cotas para admissão no ensino superior foram banidas pelo Conselho de Administração da Universidade da Califórnia e, em 1996, um referendo em todo o estado confirmou o banimento. No Texas, o Quinto Circuito da Corte de Apelações acabou, em 1996, com os ingressos preferenciais na Faculdade de Direito da Universidade do Texas. Nos dois estados, as previsões foram de consequências terríveis. O presidente Bill Clinton disse que o banimento na Califórnia dos grupos de preferências iria "voltar a segregar" as universidades. Jesse Jackson, igualmente, falou sobre um "radical retorno da segregação de nossas faculdades e redução na oportunidade" e chamou o banimento da ação afirmativa de "limpeza étnica". A mesma mensagem foi repetida por muitos outros (p.210)
Em síntese, a despeito dos muitos e frenéticos relatórios e predições horrorosas publicados pela mídia sobre a perda de "acesso" das minorias à educação superior, no rescaldo do banimento da ação afirmativa, houve alterações muito modestas nos números absolutos e nas proporções dos estudantes negros nos sistemas universitários estaduais da Califórnia e do Texas - e, no final, um aumento. A mudança mais substancial foi na redistribuição dos estudantes negros entre os campi dentro daqueles sistemas. A questão central, no entanto, não é quantos negros estão no campus em dado momento, mas quantos efetivamente se formam (p.212).
Sowell assevera que nos Estados Unidos, como em outros países, a argumentação para a ação afirmativa tem pouco a ver com sua operação real ou com suas consequências. Supostamente uma maneira de compensar o dano causado por discriminação passada, as preferências e cotas estabelecidas pelas políticas de ação afirmativa não requerem que o indivíduo beneficiário nem o grupo de onde tal indivíduo provém demonstrem qualquer prejuízo específico resultante de discriminação anterior. Desta forma, imigrantes recentes da Ásia e da América Latina têm direito aos benefícios da ação afirmativa embora, obviamente, não tenha havido discriminação passada contra os indivíduos ou seus antepassados nesse país, simplesmente porque eles não viviam aqui (p.214).