Em consonância aos apontamentos propostos, em preâmbulo, necessária a reflexão que, em sede de mecanismos para solução de litígios postos ao juízo, a quem pertine a pacificação social como missão primeva, no sistema processual pátrio houve significativa alteração na tratativa das relações jurídicas de natureza plurilateral, com relevância coletiva, quanto à efetivação dos direitos materiais. Pois bem.
Como cediço, os novos litígios coletivos ou massificados exigem dos tribunais modernos a cognição e aplicação de mecanismos processuais que assegurem a tutela eficaz e uniforme, em primazia à isonomia individual, palco da democracia, no qual o direito de ação não se configure apenas formalmente, e a multiplicidade de ações individuais com similitudes entre si ilustra o instituto em estudo (IRDR).
Nesse sentido, sob a égide do CPC/2015, surgiu um instrumento processual dotado de capacidade de coletivização da prestação jurisdicional, nominado como incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987), com amplitude de aplicação (quaisquer tribunais, estaduais ou federais) e finalidade de provocação da uniformidade de tratamento judicial e, sobretudo, a racionalização de causas repetitivas (formação de precedente de observância obrigatória).
Segundo a doutrina de Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 1.126), o IRDR apresenta-se como um remédio processual de inconteste caráter coletivo, que não se confunde com as ações coletivas já exercidas na jurisdição brasileira.
Isto porque o incidente em tela não colige ações singulares já propostas ou por propor, posto que seu objetivo é estabelecer a tese de direito a ser aplicada em outros processos, de forma que são suspensos de forma temporária, para, ulteriormente, sujeitarem-se às sentenças pelos juízos competentes, haja vista a independência de causas.
Quanto aos pressupostos, conforme se depreende da exegese do art. 976 do CPC/2015: cabe a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando, cumulativamente, verificarem-se os seguintes requisitos: ocorrer “efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito”; e se configurar “risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.
Lado outro, segundo explanado, o mecanismo unificador supracitado funda-se em precedentes do direito comparado, como o Musterverfahrem alemão, a Group Litigation inglesa e o Pilot-Judgment Procedure da Corte Europeia de Direitos Humanos, entretanto, em que pese a indagação sobre qual a opção legislativa adotada pelo sistema brasileiro, partilho da tese híbrida do doutrinador Daniel, na medida em que:
[...] Entendo que o IRDR é um sistema inovador, já que não adotou plenamente nenhum dos sistemas conhecidos no direito estrangeiro. Julgará o recurso ou ação e fixará a tese jurídica. Parece ser o sistema de causas-piloto, mas não é, porque exige a formação de um incidente processual, não sendo, portanto, a tese fixada na “causa-piloto”. E não é um procedimento-modelo porque o processo ou recurso do qual foi instaurado o IRDR é julgado pelo próprio órgão competente para o julgamento do incidente. Um sistema, portanto, brasileiríssimo. (NEVES, 2016, p. 1.521).
Por derradeiro, no tocante à intervenção do Parquet em sede do IRDR, enquanto fiscal de ordem jurídica, a legitimidade do Ministério Público para suscitar o incidente é ampla e irrestrita quando a questão envolver direitos difusos ou coletivos, porém, no caso de direitos individuais homogêneos, somente deterá legitimidade se o direito for indisponível ou disponível com repercussão social (NEVES, 2017, p. 1.509).
Ressalte-se o comum entendimento do STJ quanto à legitimidade do Ministério Público na tutela coletiva. Persevera, entretanto, corrente doutrinária que defende uma legitimação ampla e irrestrita, decorrente da função institucional do Ministério Público de defesa da ordem jurídica.
Ademais, observa-se que, segundo a inteligência do art. 976, § 2.º, do CPC/20115, se não for o autor, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.
Referências das citações:
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.