Compreendendo o direito: os animais como bem ou sujeito de direito

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A presente pesquisa analisa a inserção dos animais em nossa sociedade e a indagação a respeito do reconhecimento dos mesmos como sujeitos em nosso ordenamento jurídico brasileiro.

COMPREENDENDO O DIREITO: OS ANIMAIS COMO BEM OU SUJEITO DE DIREITO

Bianca Sabrina Oliveira Gomes Silva[1] (FACESF)

[email protected]

Leonardo Barreto Ferraz Gominho[2] (Estácio FAL)

[email protected]

RESUMO

A presente pesquisa analisa a inserção dos animais em nossa sociedade e a indagação a respeito do reconhecimento dos mesmos como sujeitos em nosso ordenamento jurídico brasileiro. Tem como premissa a demonstração da discriminação entre as espécies, a configuração do “especismo”. E, como foi surgindo uma prévia aceitação de animais como sujeitos de direitos, mesmo diante de uma comunidade pertencente a pensamentos retrógados que não se desvinculam das teorias ligadas ao passado. Assim, busca estabelecer a existência de afetividade da espécie animal, e qual seria sua condição jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, ao que tange a guarda compartilhada na dissolução conjugal. Apresenta-se o Projeto de Lei n.º 1058/2011[3] que trata a respeito do direito de guarda compartilhada do animal em relação aos conjunges em período de separação no poder judiciário brasileiro. Relevante Projeto se encontra arquivado na câmara dos deputados e foi proposto pelo Deputado Federal Márcio França e representado pelo Deputado Federal Dr. Ubiali do PSB/SP. E, que devido a isso, cabe a análise de tamanho assunto, por não ter uma legislação para ser aplicada ao caso concreto qual seria a possível conclusão sobre o tema.

Palavras Chave:

Especismo. Afetividade. Direitos dos animais. Guarda compartilhada.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho se volta à análise do tema em questão: a consideração dos animais como bens ou como sujeitos de direito, como sujeitos de afeto, de sentimentos e de respeito, que devem ser amparados pela sociedade e acobertados pela legislação brasileira. 

A sociedade é formada e composta de costumes que, muitas vezes, continuam a prevalecer e ser valorizados por um grupo de pessoas que conservam determinada forma, teoria, conceitos e modelos. Mas, ao passar dos anos, como tudo sofre constantes mudanças evolutivas, foi e é preciso estabelecer regras que ponham limites diante de uma sociedade composta de pensamentos ultrapassados como no caso do animal em ser bem ou sujeito de direito.

A análise do caso em questão visa a fazer com que as pessoas passem a deixar de ver o homem como ser superior e espécie privilegiada diante da sociedade, e que se estabeleça a igualdade entre as espécies humanas, passando a verificar qual a personalidade jurídica dos animais no ordenamento jurídico brasileiro.

O principal objetivo é contribuir para a proteção e os direitos dos animais e que todos passem a vê-lo não como mero objeto, e sim, como um ser seiscente, composto de sentimentos; ou seja, capaz de sentir prazer e dor e que, portanto, devem ser preservados seus direitos ao que toca a sua vida, a sua integridade física e também as suas condições psicológicas.

Ocorre que ainda se encontra na sociedade um pensamento consolidado no antropocentrismo, colocando o homem como o centro do universo e sendo superior a todas as demais espécies, surgindo assim a figura do “Especismo”. Tendo como resultado a discriminação entre as espécies, o domínio do homem e a subordinação do animal, como espécie inferior sem sentimentos e sem direitos diante do convívio social.

Hoje, podemos perceber que algumas pessoas passaram a inserir o animal em sua vida como um sujeito de grande importância. Pois, na maioria das vezes, o animal se torna o filho que vai compor o lar, sendo cuidado, respeitado, amado, ou seja, sendo garantida a qualidade de vida. Mas outro ponto chave que irá ser discutido aqui é como ficará a situação do animal quando os cônjuges estão passando pela dissolução conjugal. O que a sociedade tem feito em relação a isso, qual será o direto aplicado em proteção ao sentimento tanto do animal, quanto da pessoa que o adotou, que cuidou e que dispôs de tempo para dar carinho, afeto, amor e proteção.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[4], em seu artigo 225, inciso VII declara que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

(...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Conclui-se que a Constituição Federal assegura o dever de todos de zelar pelo ambiente ecologicamente equilibrado, garantido uma qualidade de vida para as futuras gerações e cabe ao poder público proteger a fauna e a flora e anulando qualquer forma de crueldade submetidas ao animal.

Verifica-se, assim, a ideia do Projeto de Lei n.º 1058/2011[5] proposto pelo Deputado Federal Márcio França e representado pelo Deputado Federal Dr. Ubiali do PSB/SP, refere-se a guarda compartilhada do animal na situação de separação conjugal. Esse projeto está arquivado na câmera dos deputados e isso é o que dificulta a possibilidade de se estabelecer uma decisão concisa e eficiente para sanar determinado litígio. No artigo 2 º, do dito Projeto de Lei, dá uma possível solução para essa controvérsia aos dispor que:

Art. 2º Decretada a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será ela atribuída a quem revelar ser o seu legítimo proprietário, ou, na falta deste, a quem demonstrar maior capacidade para o exercício da posse responsável.

Parágrafo único Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação.

Em suma, percebe-se a grande importância que tem este projeto de lei, pois se for aprovado será de grande eficácia para a resolução deste tipo de conflito em que garantiria as melhores condições para o animal e não seria injusta a decisão tomada em relação à parte que teve o direito de adquirir a guarda do animal.

2 O HOMEM E O ESPECISMO

Desde o surgimento da sociedade o homem era tratado como figura de superioridade. Seja no lar em relação a sua esposa, seja diante da criação dos seus filhos, seja como membro sociável e até mesmo em relação as demais espécies. Cabe destacar que na antiguidade, na Grécia surgiu a corrente filosófica do antropocentrismo, ao qual, tinha o homem como o centro do universo, se posicionando como ser diferenciado em relação a todos os demais seres. Neste posicionamento destaca Coimbra Milaré[6]:

Mesmo considerando-se “centro”, o Homem distancia-se dos demais seres e, de certa maneira, posta-se diante deles em atitude de superioridade absoluta, abertamente antagônica. Surgem assim as relações equivocadas (para não chamá-las às vezes perversas) de dominador x dominado, de razão x matéria, de absoluto x relativo, de finalidade última x instrumentalidade banal destituída de valor próprio.

O antropocentrismo teve no ocidente grande importância, pois considerava a razão o ponto primordial ao qual se diferenciava o homem dos demais seres. E ao qual o colocava em grau de superioridade. Peter Singer[7]:

As atitudes ocidentais ante a natureza são uma mistura daquelas defendidas pelos hebreus, como encontramos nos primeiros livros da Bíblia, e pela filosofia da Grécia antiga, principalmente de Aristóteles. Ao contrário de outras tradições da Antiguidade, como, por exemplo, a da Índia, as tradições hebraicas e gregas fizeram do homem o centro do universo moral; na verdade, não apenas o centro, mas, quase sempre, a totalidade das características moralmente significativas deste mundo.

A visão ocidental está relacionada aos relatos bíblicos, em que o homem é o centro do universo e este tem o domínio sobre todas as coisas, como está previsto em Gênesis. O cristianismo foi um momento que vigorou por três séculos em Roma, e se tornou um período muito importante para o império romano, possuíam seus rituais, seus costumes, sua cultura. Nesta época se divertiam as custas da morte do homem ou do animal.

O cristianismo trouxe ao mundo romano a ideia da singularidade da espécie humana, ideia que tinha herdado da tradição judaica mas na qual insistia com grande ênfase devido à importância que atribuía à alma imortal dos homens. Aos seres humanos – e só a eles, de entre todos os seres vivos existentes na terra – estava destinada uma vida após a morte do corpo. Foi esta noção que introduziu a ideia caracteristicamente cristã do caráter sagrado de toda a vida humana[8].

Embora o cristianismo considerava a vida, como algo sagrado, mesmo que evoluísse a tal questão, se contrapõe quando colocava o homem em situação superior às demais espécies. Assim, os animais estavam sujeitos aos atos mais cruéis que poderiam existir, pois estavam descaracterizados como sujeitos diante da sociedade e eram vulneráveis a qualquer prática desumana. Assim declara Messias Basques[9]:

O humano sempre tenha sido pensado como uma misteriosa conjunção de um corpo natural vivente e uma dimensão sobrenatural, social ou divina, nós deveríamos começar a (re)problematizar o humano como resultado da separação prática e política entre humanidade e animalidade. Seja em suas variantes antigas ou modernas, a máquina antropológica operaria pela criação de uma diferença absoluta, uma distinção entre homem e animal que, de um lado, eleva o humano em detrimento do animal e do ambiente e, de outro, desloca a animalidade essencialmente para fora daquilo que Martin Heidegger descreveu como as características humanas abertas ao mundo. Em seu inquérito, Agamben busca problematizar essa cisão, o intervalo vazio e indeterminado entre homens e animais. É a partir dessa condição de intermezzo, desse estado de vida nua, dirá Agamben, que nós precisamos começar a vislumbrar meios de paralisar a máquina antropológica e abrir caminhos para que se instaure uma reflexão filosófica e política acerca do que concebemos como vida humana.

Percebe-se, assim, que sempre existiu uma inferioridade da vida animal em relação ao homem como ser humano, sendo a vida animal sempre sujeita as piores condições de tratamento. Com a evolução da sociedade, surgiu na época renascentista a concepção humanista em que apareceu Leonardo da Vinci e Giordano Bruno sendo contrários ao procedimento ao qual estavam submetidas a vida animal e o poder de domínio do homem sobre estes. No entendimento da tradição humanista, esclarece Lucy Ferry[10]:

O homem é o único ser que possui direitos; o objetivo último de sua atividade moral e política não é [sic] de início a felicidade, mas sua liberdade; é esta última que funda o princípio da ordem jurídica, e não primordialmente a existência de interesses proteger; apesar de tudo, o ser humano está ligado por certos deveres para com os animais, em particular o de não lhes infligir sofrimentos inúteis.

Neste momento, começa a ter uma nova visão de mundo, e o que era considerado em relação ao homem, ser único e superior às demais espécies começa a declinar.

No século XII, surge René Descartes, o pai da filosofia moderna. Afirmava que os animais por serem constituídos de matérias, eram considerados como máquinas e acreditava que estes eram incapazes de ter algum sentimento (dor, prazer) e assim buscou utiliza-los em seus experimentos anatômicos. Peter Singer[11] menciona que:

A nova onda de experimentação com animais pode ter sido, em si mesmo, parcialmente responsável pela alteração da atitude para com os animais, pois os experimentadores descobriram uma semelhança extraordinária entre a fisiologia dos seres humanos e a dos outros animais.

O século XVII foi de grande importância pois Jean Jacques Rousseau em suas redescobertas a respeito da natureza descobriu que os animais tinham grande semelhança ao ser comparado com o homem.

Em 1859, Charles Darwin publicou a obra “A origem das espécies” e em1871, publicou “A origem do homem” época em que já haviam muitas pesquisas a respeito da criação do homem e o aparecimento das demais espécies. Com isso, o homem passou a ver que eles descendiam de animais. Charles Darwin[12], concluiu que o homem e o animal eram tão semelhantes que não havia diferença entre eles.

Segundo a teoria de Darwin, tanto os organismos vivos como os que encontrou fossilizados se originavam de um único ancestral comum e se transformavam ao longo do tempo. Semelhante a uma bactéria, esse primeiro ser vivo sofreu modificações até gerar toda a variedade de animais e plantas do planeta, seguindo um padrão evolutivo (que permanece ativo). Assim, o homem deixou de ser visto como um animal especial e mais evoluído para ser encarado como mais um ramo da grande árvore da vida.

Percebe-se, assim, que Charles Darwin comprovou que o homem não deveria ser superior em relação á espécie animal, pois não havia diferença de criação entre as espécies, ao qual diziam que o homem era criado por Deus. Mas que ambos descendiam de ancestrais comuns.

2.1 O especismo

O especismo é uma discriminação entre as espécies, ou seja, uma desigualdade em relação ao homem e a espécie animal. Pode-se afirmar que é o mesmo que ocorre com o racismo, ou seja, a diferença entre a raça, cor. Também aquilo que ocorre no sexismo, a desigualdade pelo gênero, pelo sexo. Peter Singer[13] a respeito do especismo expõe:

O especismo – a palavra não é muito bonita, mas não consigo pensar num termo melhor – é um preconceito ou atitude de favorecimento dos interesses dos membros de uma espécie em detrimento dos interesses dos membros de outras espécies. Deveria ser óbvio que as objeções fundamentais colocadas por Thomas Jefferson e Soujourner Truth relativamente ao racismo e ao sexismo também se aplicam ao especismo. [...] . [...] Os racistas violam o princípio da igualdade, atribuindo maior peso aos interesses dos membros da sua própria raça quando existe um conflito entre os seus interesses e os interesses daqueles pertencentes a outra raça. Os sexistas violam o princípio da igualdade ao favorecerem os interesses do seu próprio sexo. Da mesma forma, os especistas permitem que os interesses da sua própria espécie dominem os interesses maiores dos membros das outras espécies. O padrão é, em cada caso, idêntico. O especismo surge e se fundamenta desde a antiguidade, onde teve seus períodos históricos caracterizado como o homem ser superior em relação a própria espécie, no caso da mulher, que por muito tempo teve seus direitos suprimidos diante da sociedade. E também diante da situação da sua vida sempre prevalecer a da espécie animal.

          No transcorrer do seu estudo Peter Singer[14] acrescenta em sua linha de pensamento:

Embora a atitude contemporânea face aos animais seja suficientemente benévola – numa base muito seletiva – para permitir a introdução de melhorias nas condições de vida dos animais sem questionar a nossa atitude básica, estas melhorias estarão sempre em perigo se não conseguirmos alterar a posição subjacente que sanciona a exploração brutal dos não humanos para fins humanos. Só poderemos construir uma fundação sólida para a abolição desta exploração se conseguirmos romper radicalmente com mais de dois mil anos de pensamento ocidental relativo aos animais.

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Contudo, antes de buscar uma melhoria em relação da vida da espécie animal, é preciso mudar o pensamento ocidental em que os animais são não humanos e que por isso devem estar subordinados aos maus tratos do homem. Surge, assim, alguns autores que tratam do conceito de interesse, em que prevalece a consideração da diferença entre as espécies do homem e do animal.

Em 1975 Richard Ryder[15], na reapresentação do seu livro “Victims of Science”, estabelece o conceito de interesse em que diz:

Especismo e racismo são formas de preconceito baseadas em aparências – se o outro indivíduo parece diferente, então ele é classificado como estando fora do âmbito da moral. (....) Ambos, especismo e    racismo, ignoram ou subestimam as semelhanças entre o discriminador e os discriminados, e ambas as formas de preconceito mostram uma desconsideração egoísta pelos interesses dos outros e pelos seus sofrimentos.

Nesta mesma ideia em relação ao conceito de interesse relara Peter Singer[16] em sua obra “Libertação animal” de 1975:

(...) a atitude que podemos chamar de “especismo”, por analogia ao racismo, também deve ser condenada. Especismo –a palavra não é muito atraente, mas não me ocorre uma melhor– é o preconceito ou a atitude tendenciosa de alguém a favor dos interesses de membros de sua própria espécie e contra os de outras.

Percebe-se, que ambos os autores tratam a respeito do especismo, da diferenciação entre as espécies, e o interesse da submissão do homem em favor da espécie animal. Transcorrendo o estudo passaremos a explanar os animais domésticos e o afeto familiar. 

3 ANIMAIS DOMÉSTICOS E O AFETO FAMILIAR

A afetividade é a capacidade de viver em paz e em harmonia com tudo aquilo que nos cerca, ou seja, é um vínculo existente de sentimentos e emoções em relação aos indivíduos e a seres como animais, pois os seres irracionais são capazes de sentir e demonstrar o seu afeto, seja em relação a seres da sua espécie ou em relação aos seres humanos.

Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf[17], menciona que a afetividade é:

A relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido, como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem, sendo, também, considerado como laço criado entre os homens que, mesmo sem características sexuais, continua a ter uma parte de amizade mais aprofundada.[18]

Nesta mesma linha de pensamento, João Batista Villela[19] relata que:

A consanguinidade tem, de fato, e de direito, um papel absolutamente secundário na configuração da paternidade. Não é a derivação bioquímica que aponta para a figura do pai, senão o amor, o desvelo, o serviço com que alguém se entrega ao bem da criança. Permita-me repetir aquilo que tenho dito tantas vezes: a verdadeira paternidade não é um fato da biologia, mas um fato da cultura. Está antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen.

A afetividade é algo de grande importância na vida das pessoas e que está presente em todas as situações de convívio entre os seres humanos, pois tem como grande complemento na vida dos seres o desenvolvimento emocional e sentimental que é de onde surge o vínculo afetivo.

Percebe-se que na maioria das famílias os animais têm ocupado lugar de grande importância e de um grande valor sentimental, pois os mesmos são tratados como se filhos fossem e isso vem gerando grande responsabilidades na vida do dono do animal. Isso vem atribuído, aos bichinhos de estimação, um dever de cuidado, uma vez que estes seres são incapazes de se protegerem sozinhos.

As atividades econômicas voltadas para os animais de estimação tem crescido pelo mundo inteiro. Podemos encontrar spas exclusivos para os bichos, funerárias, cemitérios, lojas especializadas em comidas, e até mesmo roupas e joias específicas para eles[20].

O afeto pode ser tão grande entre os seres humanos e os seres de estimação que alguns indivíduos deixam heranças para seus animais de criação. Como por exemplo, no ano de 1988, Ben Rea decidiu deixar sua fortuna de US$ 13 milhões de dólares para diversas instituições beneficentes de gatos e para sua gata Blackie. Os animais mais diferentes que receberam uma herança foram o chimpanzé Kalu, que herdou US$ 109 milhões, e o galo Gigoo, que recebeu US$ 10 milhões[21]. Richard Pitcairn[22], escritor e veterinário, declara que:

É uma verdade inegável o fato de que os animais têm estados emocionais e sentimentos. Quem convive com eles pode ver isso facilmente, embora não seja algo de que as pessoas precisam estar intelectualmente convencidas. Não existe dúvida, na minha mente, de que os animais apresentam o mesmo leque de emoções que as pessoas: amor, medo, raiva, tristeza, alegria, e assim por diante.

O desembargador do Estado do Maranhão, Lourival Serejo[23] menciona que:

Apesar de toda a corrida do mundo moderno em que vivemos, ninguém pode viver sem dar ou receber afeto. E por falta de gente, de parentes e amigos, essa força do sentimento reprimido que se acumula no coração de uma pessoa volta-se para um ente irracional que, por intuição natural, capta essa dedicação e sabe explorar esse privilégio. De fato, esses animais estão passando à categoria de filhos de criação. Antes de achar exagero essa previsão, o leitor deve passar por Copacabana, onde se encontram as maiores exibições de conforto e apego a cachorros e cachorrinhos de todas as raças, por homens, mulheres e babás.

Verifica-se, hoje, que os animais não são mais tratados como propriedades ou coisas, mas sim, como seres que possuem sentimentos e emoções e que ocupam lugar especial na família como filhos adotivos e são tratados com carinho e muito respeito. E, assim, prosseguindo este estudo mencionaremos o Projeto de Lei n.º 1.058/2011 que trata a respeito da guarda compartilhada de animais.

4 O PROJETO DE LEI N.º 1058/2011[24]: A GAURDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS

Sabe-se que ainda não existe uma lei que trata especificamente da guarda compartilhada em relação aos animais no divórcio do casal, porém existe um projeto de lei, o de n° 1058/2011, que se encontra arquivado na câmara dos deputados e que foi proposto pelo Deputado Federal Márcio França e representado pelo Deputado Federal Dr. Ubiali do PSB/SP.

Observa-se que as decisões dos magistrados em relação a guarda compartilhada dos animais não tem uma previsão legal certa e determinada para sanar as divergências litigiosas relacionadas ao casal que está em fase de separação. Assim, é de grande eficácia a análise e a aprovação deste projeto de lei para que não haja equivoco nas decisões dos magistrados relacionado a este tipo de problema, ou seja, tirando o direito de ficar com o animal aquele que mais atribuía tempo, carinho e atenção.

O Projeto de Lei n.º 1058/2011[25], em seu artigo 2º, dispõe que:

Art. 2º Decretada a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será ela atribuída a quem revelar ser o seu legítimo proprietário, ou, na falta deste, a quem demonstrar maior capacidade para o exercício da posse responsável.

Parágrafo único entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação.

Verifica-se, neste artigo, que deve prevalecer a guarda do animal em coincidência com a guarda da criança, devendo assegurar, tanto para aquele, quanto para este, o melhor em relação aos seus interesses. Vejamos o artigo 3º do Projeto de Lei 1058/2011[26]:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, consideram-se animais de estimação todos aqueles pertencentes às espécies da fauna silvestre, exótica, doméstica ou domesticada, mantidos em cativeiro pelo homem, para entretenimento próprio ou de terceiros, capazes de estabelecerem o convívio e a coabitação por questões de companheirismo, afetividade, lazer, segurança, terapia e demais casos em que o juiz entender cabíveis, sem o propósito de abate.

Entende-se, por este artigo, como deve ser feita a aplicação deste projeto de lei e quais são as espécies de animais que estão submetidos à discussão do tema da guarda compartilhada. Diferenciando os animais domésticos, tidos como melhores amigos do homem, daqueles que possuem uma finalidade de suprir as necessidades de subsistências do homem, como por exemplo as galinhas que são criadas em cativeiro e transformadas em frangos para ser comercializadas nos mercados.

Quanto a guarda, o Projeto de Lei n.º 1058/2011[27], em seu artigo 4º, diz que:

Art. 4º A guarda dos animais de estimação classifica-se em:

I – Unilateral: quando concedida a uma só das partes, a qual deverá provar ser seu legítimo proprietário, por meio de documento de registro idôneo onde conste o seu nome;

II - Compartilhada, quando o exercício da posse responsável for concedido a ambas as partes.

Percebe-se que o magistrado pode escolher entre dois tipos de guarda em relação ao animal, que pode ser a guarda unilateral e a compartilhada. No inciso I, do artigo 4°, diz respeito a documentação estabelecida em relação ao animal, como por exemplo o Registro Geral Animal (RGA), recibos de veterinário e carteiras de vacinação, em que constem o nome do dono. Se no divórcio as partes não possuírem estes documentos como comprovação se pode utilizar de qualquer meio de prova do animal[28].

O Projeto de Lei 1058/2011[29], em seu artigo 5º, menciona:

Art. 5º Para o deferimento da guarda do animal de estimação, o juiz observará as seguintes condições, incumbindo à parte oferecer:

a) ambiente adequado para a morada do animal;

b) disponibilidade de tempo, condições de trato, de zelo e de sustento;

c) o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte;

d) demais condições que o juiz considerar imprescindíveis para a manutenção da sobrevivência do animal, de acordo com suas características.

Verifica-se, assim, que o juiz irá analisar quais as possibilidades em que a parte autora poderá adquirir a guarda do animal. Tendo em vista que irá considerar quem poderá conceder melhores condições de vida ao animal, garantindo sua sobrevivência.

Em seu artigo 6º, parágrafo 4º, do dito Projeto de Lei[30] estabelece que:

 Art. 6º Na audiência de conciliação, o juiz informará às partes a importância, a similitude de direitos, deveres e obrigações a estes atribuídos, bem como as sanções nos casos de descumprimento de cláusulas, as quais serão firmadas em documento próprio juntado aos autos.

(...)

§ 4º Se o juiz verificar que o animal de estimação não deverá permanecer sob a guarda de nenhum de seus detentores, deferi-la-á pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, consideradas as relações de afinidade e afetividade dos familiares, bem como o local destinado para manutenção de sua sobrevivência.

Ressalta-se que, no parágrafo 4º, do artigo 6º, do Projeto de Lei n.º 1.058/2011, cabe a nomeação de posse a guarda do animal de estimação a um terceiro desde que este tenha afinidade e afetividade com a família e o animal e possua um lugar adequado para garantir a sobrevivência do animal. Portanto, isso ocorrerá desde que os possuidores do animal não tenham capacidade de oferecer uma boa qualidade de vida para o animal.

Conclui-se então pela importância do Projeto de Lei n.º 1.058/2011, pois é um meio de facilitar ao juiz a tomar uma certa decisão e garantindo celeridade ao processo na questão da guarda compartilhada ou unilateral do animal doméstico. Haja vista que as partes já vem de uma situação conflitante que é a separação judicial.

Esse projeto visa a melhoria para a vida do animal, vamos dizer, “filho” do casal, que sempre conviveu com ambas as partes e agora viverá uma nova fase, será destinado aos cuidados mais de um do que do outro. Portanto, o juiz verificará qual a parte que possui maior vínculo afetivo com o animal, quem disporá mais de tempo, dedicação e cuidado. Qual das partes poderá oferecer um abrigo adequado ou será capaz de garantir a manutenção e a sobrevivência do animal.

O juiz poderá determinar também a busca de provas para determinada decisão, como documentos (assinatura na carteira de vacinação), testemunhas e fotos. Se o animal já estava presente na vida do casal antes do matrimônio, se ele foi comprado, doado etc. Tudo isso configura meio importante para decisão.

Partiremos no transcorrer do estudo para analisarmos as decisões judiciais já existentes em nosso país.

5 AS DECISÕES NOS TRIBUNAIS SOBRE A GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS

Percebe-se que os Tribunais no Brasil vêm julgando de forma assertiva sobre o tema guarda compartilhada de animais de estimação no divórcio de casais, onde este assunto é desafiador para o poder judiciário, visto que é um assunto novo a ser discutido no ordenamento jurídico brasileiro.

5.1 Caso: “Julinho”

A Sétima Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul[31], a essa perspectiva, se posicionou da seguinte maneira:

Animal de Estimação. Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com o animal ficavam a cargo da convivente. Apelo desprovido. (...) Igualmente não merece acolhida o recurso no que diz com o pedido do varão de ficar com o cachorro que pertencia ao casal. Alega que este foi presente de seu genitor, mas não comprova suas assertivas. E, ao contrário, na caderneta de vacinação consta o nome da mulher como proprietária (fl. 83), o que permite inferir que Julinho ficava sob seus cuidados, devendo permanecer com a recorrida.

Observa-se na decisão que os desembargadores indeferiram o pedido da parte do apelado, pois os julgadores decidiram o caso com o fundamento de que no cartão de vacinação do cão chamado Julinho, constava o nome da mulher como proprietária do cachorro o que levou aos desembargadores manter a guarda do animal de estimação com a parte apelada, no caso a dona do animal de estimação.

No mesmo sentido[32]:

Decisão agravo regimental – modificação de guarda. Inconformismo contra decisão que determinou a entrega do cão de estimação do casal à mulher, no prazo de 48 horas, sob pena de multa. Em recurso de agravo de instrumento anterior foi autorizada a guarda do animal pela agravada, no entanto, entre junho de 2012 e fevereiro de 2013, a agravada não deu mostras de possuir interesse em ficar com o animal, evidenciado pela ausência de diligência. Autorizada a manutenção da situação fática. Recurso provido. Agravo regimental improvido.

Percebe-se que a parte agravada não demonstrou interesse em reaver o animal de estimação, pois desde a separação do casal a parte agravante tem cuidado do animal sem a assistência do seu ex-cônjuge.

5.2 Caso: “Dully”

Observa-se a decisão da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[33]:

DIREITO CIVIL - RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - PARTILHA DE BENS DE SEMOVENTE - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL QUE DETERMINA A POSSE DO CÃO DE ESTIMAÇÃO PARA A EX- CONVIVENTE MULHER–RECURSO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE A POSSE DO ANIMAL – RÉU APELANTE QUE SUSTENTA SER O REAL PROPRIETÁRIO – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA QUE OS CUIDADOS COM O CÃO FICAVAM A CARGO DA RECORRIDA DIREITO DO APELANTE/VARÃO EM TER O ANIMAL EM SUA COMPANHIA – ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO CUJO DESTINO, CASO DISSOLVIDA SOCIEDADE CONJUGAL É TEMA QUE DESAFIA O OPERADOR DO DIREITO – SEMOVENTE QUE, POR SUA NATUREZA E FINALIDADE, NÃO PODE SER TRATADO COMO SIMPLES BEM, A SER HERMÉTICA E IRREFLETIDAMENTE PARTILHADO, ROMPENDO-SE ABRUPTAMENTE O CONVÍVIO ATÉ ENTÃO MANTIDO COM UM DOS INTEGRANTES DA FAMÍLIA – CACHORRINHO “DULLY” QUE FORA PRESENTEADO PELO RECORRENTE À RECORRIDA, EM MOMENTO DE ESPECIAL DISSABOR ENFRENTADO PELOS CONVIVENTES, A SABER, ABORTO NATURAL SOFRIDO POR ESTA – VÍNCULOS EMOCIONAIS E AFETIVOS CONSTRUÍDOS EM TORNO DO ANIMAL, QUE DEVEM SER, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, MANTIDOS – SOLUÇÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE CONFERIR DIREITOS SUBJETIVOS AO ANIMAL, EXPRESSANDO-SE, POR OUTRO LADO, COMO MAIS UMA DAS VARIADAS E MULTIFÁRIAS MANIFESTAÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EM FAVOR DO RECORRENTE –PARCIAL ACOLHIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO PARA, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA REGENTE SOBRE O THEMA, MAS SOPESANDO TODOS OS VETORES ACIMA EVIDENCIADOS, AOS QUAIS SE SOMA O PRINCÍPIO QUE VEDA O NON LIQUET, PERMITIR AO RECORRENTE, CASO QUEIRA, TER CONSIGO A COMPANHIA DO CÃO DULLY, EXERCENDO A SUA POSSE PROVISÓRIA, FACULTANDO-LHE BUSCAR O CÃO EM FINS DE SEMANA ALTERNADOS, DAS 10:00 HS DE SÁBADO ÀS 17:00HS DO DOMINGO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. 1. Cuida-se de apelação contra sentença que, em demanda de dissolução de união estável c/c partilha de bens, movida pela apelada em face do apelante, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer e dissolver a união estável havida entre as partes e determinou, ainda, que a autora ficasse com a posse do cão de estimação da raça Coker Spaniel. 2. Insurge-se o réu unicamente com relação à posse do animal de estimação, sustentando, em síntese, que o cachorro foi adquirido para si, ressaltando que sempre cuidou do cão, levando-o para passear e para consultas ao veterinário, destacando, ainda, que sempre arcou com os seus custos, inclusive com a vacinação. 3. De fato, da análise do conjunto probatório infere-se que a parte autora logrou comprovar que era a responsável pelos cuidados do cão Dully. 4. Contudo, não se pode ignorar o direito do apelante de, ao menos, ter o animal em sua companhia. Questão envolvendo animais de estimação cujo destino, caso dissolvida sociedade conjugal é tema que desafia o operador. 5. Semovente que, por sua natureza e finalidade, não pode ser tratado como simples bem, a ser hermética e irrefletidamente partilhado, rompendo-se abruptamente o convívio até então mantido com um dos integrantes da família. 6. Cachorrinho “Dully” que fora presenteado pelo recorrente à recorrida, em momento de especial e extremo dissabor enfrentado pelos conviventes, a saber, aborto natural sofrido por esta. Vínculos emocionais, afetivos construídos em torno do animal, que devem ser, na medida do possível, mantidos. 7. Solução que, se não tem o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, traduz, por outro lado, mais uma das variegadas e multifárias manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente. 8. Recurso desprovido, fixando-se, porém, a despeito da ausência de previsão normativa regente o thema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o princípio que veda o non liquet, permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às necessidades do animal, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, às 10:00h de sábado, restituindo-lhe às 17:00hs do domingo.                        NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO[34].

Verifica-se que o magistrado decidiu que o proprietário do animal vai ficar com a guarda de Dully, um cachorro de raça Coker Spanie, aos finais de semana de forma alternados, pois seu ex-cônjuge ficou com a guarda do animal de estimação após a separação do casal.

5.3 Caso: “Mandic”

Observa-se outro caso a respeito de litígios sobre guarda compartilhada de animais no Tribunal de justiça de São Paulo, como é o caso dos proprietários de Mandic, um cachorro de raça dachshund, em que a dona do cão conseguiu a guarda do mesmo na primeira instância no Tribunal de Justiça de São Paulo, porém o seu ex-cônjuge, Adriano Gianelli, recorreu da decisão e conseguiu a guarda do animal de estimação após decisão do Superior Tribunal de Justiça[35]. Maria Berenice Dias[36] menciona sobre o assunto que:

[...] quando o casal possui animais de estimação, no caso de separação, restam a eles a responsabilidade na guarda de um dele e ao outro fica assegurado o direito de visitas.

Também é possível a imposição de direitos de alimentos, visto que não só as pessoas possuem necessidade de sobrevivência.

Percebe-se que os animais necessitam de cuidados e essa responsabilidade tem que ser dividida entre os donos do animal, mesmo após a separação do casal porque os animais de estimação precisam de carinho, afeto e também de alimentos para poder sobreviver.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[37], assim dispõe sobre o tema:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. BUSCA E APREENSÃO DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com o animal ficavam a cargo da convivente. RECURSO PROVIDO.

Observa-se na decisão da Relatora que o animal de estimação deveria ficar sob a guarda da mulher, pois a mesma comprovou nos autos do processo através de fotos do cachorro o importante relacionamento de afeto que a agravante e seu filho tem com o mesmo, já o ex-cônjuge da agravante não conseguiu comprovar a propriedade do animal.

5.4 Caso: “Pitucha”

Neste caso, o juiz de 1º instância proferiu uma sentença determinado a guarda do cachorro de raça poodle conhecida por “Pitucha” a parte apelada, porém o apelante recorreu da sentença do juiz solicitando ao relator do tribunal que se modifica a decisão, visto que o mesmo informa ser o dono do animal, porém conforme decisão abaixo pelo tribunal do Rio Grande do Sul, os julgadores indeferiram o pedido do apelante fundamentando que a aparte apelada comprovou que o animal de estimação foi um presente da sua avó à neta[38]:

APELAÇÃO. SEPARAÇÃO. PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS NA VIGÊNCIA DO CASAMENTO. ADEQUAÇÃO. BEM POTENCIALMENTE DE TERCEIRO, QUE NÃO PARTICIPOU DO PROCESSO. EXCLUSÃO. Adequada a determinação de partilha de bens comprovadamente adquiridos na vigência do casamento, como bens móveis que guarneciam a casa, motocicleta e valores pagos ao financiamento de um automóvel. Inviável partilhar bem potencialmente pertencente a terceiro, sem a participação deste no processo. Precedentes jurisprudenciais. Necessidade de exclusão do bem da partilha, e remessa das partes e da questão à ação de sobrepartilha, da qual obrigatoriamente deverá participar o terceiro que tem potencial direito em causa. DERAM PARCIAL PROVIMENTO.

Observa-se neste caso que o cachorro “Pitucha” foi considerado como um bem da propriedade da apelada, visto que foi um presente da sua avó à neta.

5.5 Caso: “Belinha”, “Dik”, “Buby” e “Mel”

Neste caso, as partes apelante e apelado possuíam 4 cachorros chamados “Belinha”, “Dik”, “Buby” e “Mel” quando viviam em uma união estável, porém após a dissolução desta união estável a parte apelada levou os 4 animais de estimação para morar com a mesma sem deixar nenhum cachorro para parte apelante que está sofrendo com a ausências dos animais. A parte apelante resolveu recorrer da sentença de primeira instancia, pois não concordou que todos os cachorros ficaram com parte apelada e solicita no seu recurso para que o tribunal modifique a decisão e deixei o apelante ficar pelo menos com “Mel”. A Oitava Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul[39] se posicionou da seguinte maneira:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL.PARTILHA DE BENS. Descabe a partilha de dívida supostamente do casal junto ao pai do réu, cuja origem e existência não restou demonstradas nos autos. Também descabe a partilha de animais de estimação cachorros, e dos móveis, cuja aquisição na vigência da união estável não restou demonstrada. Apelação desprovida.

Percebe-se que o apelante não teve êxito no seu pedido, pois o relator indeferiu o pedido referente a guarda do animal de estimação conhecido como “Mel” porque nenhuma das partes conseguiram comprovar a propriedade concreta do animal.

6 CONCLUSÃO

O presente trabalho ao tratar do tema animais como bem ou como sujeito de direto, tem como objetivo configurar um olhar mais humano em relação aos animais, e buscando a inserção destes, no ordenamento jurídico brasileiro como sujeito de direitos e não como mero objeto. Esse tema é de grande importância, pois nos dias atuais os animais tem participado do vínculo familiar, sendo membros da família, filhos de um casal e a grande controvérsia trazida aqui é como ficará a situação do animal após o término do elo matrimonial. Esse é um tema bastante discutido atualmente pela doutrina e jurisprudência pois não se tem uma lei específica para esse determinado caso.

Atualmente, tem-se o Projeto de Lei n.º 1.058/2011 que trata da guarda compartilhada dos animais em relação ao casal no período de separação no ordenamento jurídico brasileiro. Esse projeto foi proposto pelo Deputado Federal Márcio França e representado pelo Deputado Federal Dr. Ubiali do PSB/SP. Mas que se encontra arquivado na câmera dos deputados. E que por isso, se encontra vaga a legislação brasileira em buscar decidir sobre o atual tema.

Verifica-se assim, que esse projeto trata o animal como um sujeito de direito que deve prevalecer diante da sociedade, tal pensamento. Pois assim, são vistos como seres seiscentes, dotados de sentimentos, de afetos e sujeitos de respeito que deve ser amparado pela sociedade e pela legislação brasileira.

Esse Projeto de Lei n.º 1.058/2011 tem como premissa garantir as melhores condições de vida para o animal. Em seus artigos diz que deverá o animal ficar com a parte que demonstre maior afetividade/afinidade para com o animal. Aquele que disponha de tempo, de dever de cuidado, de zelo, de sustento, que garanta os direitos que protejam a vida do animal, a sua integridade física e psicológica, quando fala que a parte guardiã será aquela que melhor garanta a sobrevivência do animal.

Observa-se que esse projeto será de grande eficácia para a sociedade, principalmente, quanto do julgamento de uma decisão em que as partes já vêm de uma situação conflitante que é a separação conjugal, cabe assim, notar que ao ter esse projeto de lei aprovado se tornaria célere o julgamento do conflito e tendo ele como base não seria injusta a decisão tomada pelo juiz da causa.

A aprovação do Projeto de Lei n.º 1.058/2011 seria também um ganho para a sociedade defensora dos animais, pois os “bichinhos”, ganhariam mais espaço na sociedade e seriam mais que sujeitos que compõem o lar, seriam considerados também sujeitos capazes de amor, de proteção, de direitos e as pessoas passariam a vê-los com olhos de carinho, afeto, cuidado e amor.

Em suma, esse trabalho busca a inserção do animal na sociedade como digno de respeito, capazes de direito e submissos de proteção. Tem ênfase no Projeto de Lei n.º 1.058/2011 como uma forma de modificação social na questão de pensamentos e costumes e na busca de celeridade do processo e de decisão justa.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Bianca Sabrina Oliveira Gomes Silva

Bacharela de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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