In primis, entendo que é curial ressaltar que o Novo Código Civil, cujo mentor principal foi o Professor Miguel Reale, tem influência direta do Código Alemão, o BGB, diferentemente do Código de 1916, de inspiração francesa, através do Código Francês, também denominado Código da Burguesia.
Em síntese apertada, diz a doutrina que o Código Civil de 2002 é considerado o Código do Juiz, do Magistrado, haja vista que contém inúmeras cláusulas abertas, isto é, normas de conteúdo impreciso, vago e indeterminado, impondo ao Estado-Juiz uma maior liberdade para a solução da novel casuística, inclusive facultando o uso de conceitos metajurídicos na aplicação da norma ao caso concreto -- o que representa, a meu juízo, um avanço estupendo, na medida em que abre o sistema jurídico civil ao mundo moderno, diante da mutabilidade do Direito, inserido numa sociedade plural, massificada e complexa.
E como todo Código, o atual tem também os seus princípios, sendo estes denominados como da Socialidade, da Eticidade e da Operabilidade. Resumidamente, o primeiro deles – o da Socialidade – representa a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem olvidar-se o valor supremo da pessoa humana; o segundo deles – o da Eticidade – funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, priorizando a equidade, a boa-fé, a justa causa, o equilíbrio econômico, etc, e, por último – o da Operabilidade – que se traduz da efetivação do direito, uma vez que o direito é feito para ser operado e ser eficaz.
Dessarte, tais Princípios iluminam o Novo Código Civil, sendo isso visível a partir mesmo da Parte Geral, que alberga diversas inovações que valem destaques, a saber: a redução da menoridade civil; a regulamentação da capacidade de fato com base em modernos subsídios de psiquiatria e psicologia, para tratá-la como incapacidade relativa; os direitos da personalidade enquanto cláusula aberta; o deslocamento do instituto da ausência e a possibilidade de ser declarada a morte presumida sem a decretação da ausência; os institutos da lesão e do estado de perigo, enquanto defeitos dos negócios jurídicos; o instituto do abuso de direito e a sua ligação com a boa-fé; o reconhecimento que a prescrição se refere à pretensão e não à ação, dentre outras inovações.
Induvidosamente, e agora já arrematando o liame doutrinário proposto no tema, entendo que as inovações da Parte Geral supra/retro apresentadas -- têm reflexos comparativos com o moderno Direito Obrigacional, bem como com os Princípios do Novo Código Civil, conforme agora passo a expor, amiúde:
A meu juízo, porque os novéis institutos do Direito das Obrigações, como, por exemplo, a tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer; o direito de variar ou jus variandi do art. 275 parágrafo único; a teoria da imprevisão prevista no artigo 317; o princípio da indivisibilidade da prestação previsto no artigo 314 em confronto com o artigo 330, que alberga o princípio venire contra factum prorium, ou agir contra fato próprio; os princípios contratuais da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio econômico do contrato, previstos nos artigos 421 e 422; além do instituto da resolução por onerosidade excessiva, capitulado nos 478 a 480 -- bem representam o âmago do moderno direito das obrigações e espelham, em último corolário, as Inovações da Parte Geral e os Princípios do Novo Código Civil.
De conseguinte, notório é, a meu juízo, que há um estreito imbricamento dos Princípios do Novo Código e os modernos institutos do Direito das Obrigações, na medida em que esses modernos institutos, em última instância, buscam não levar o contratante à ruína, à penúria, à marginalidade social, relativizando o vetusto e até então inatingível brocardo do pacta sunt servanda, agora muito mais fragilizado frente ao princípio da função social do contrato, por exemplo.
E tudo isso, em somatário, diz diretamente com os Princípios da Eticidade, da Socialidade e da Operabilidade – Princípios Estruturantes do Código Civil de 2002 – haja vista que vislumbro os seguintes liames jurídicos entre eles e a moderna obrigação, a saber:
1 - O Princípio da Eticidade com o Princípio Contratual da Boa-Fé Objetiva, previsto no artigo 422 e 187, na medida em que as regras de conduta dos contratantes devem buscar o alcance da finalidade contratual, a sua finalidade última, conforme às legítimas expectativas das partes, de forma cooperada e solidária;
2 – O Princípio da Socialidade com o Princípio da Função Social do Contrato, previsto no artigo 421, na medida que o contrato não deve ser uma fonte de opressão econômica para o devedor, na esteira de uma mera liberdade formal, muito própria do Estado-Liberal -- mas sim, a um só tempo, um instrumento de circulação de riqueza limitado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, entendida a pessoa humana enquanto um ser coletivo e não um ente individual, abstratamente considerado;
3 – O Princípio da Operabilidade com o Princípio do Equilíbrio Econômico Contratual, na medida em que o Estado-Juiz, agora valendo-se de cláusulas abertas como a Teoria da Imprevisão, da Resolução da Onerosidade Contratual, da Boa-Fé Objetiva, da Função Social do Contrato – pode, enfim, intervir na economia do contrato a fim de fazer valer os modernos paradigmas contratuais, os quais, em última análise, funcionalizam o contrato como uma operação dinâmica, complexa, solidária e não apenas como um instrumento de ruína para o devedor, segundo o ditame liberal do pacta sunt servanda.
Modernamente, pois, o contrato ou a obrigação floresce sobre uma nova pradaria jurídica, regada pela semente vigorosa do princípio da função social do contrato ou da obrigação, o qual, em última instância, significa a conjugação da livre iniciativa e da dignidade da pessoa humana, ambos princípios previstos nos artigos 1º inciso III e 170 caput da Constituição Federal, respectivamente, e que são valores informadores, por excelência, da moderna Teoria Contratual.
Ademais, é fundamental perceber-se que a atual relação obrigacional não é linear, horizontal, mas sim complexa e dinâmica, vez que o credor não tem apenas o direito de cobrar o crédito, mas também do dever de colaborar no adimplemento da obrigação, segundo as regras de conduta, buscando cooperar na consecução das legítimas expectativas do contrato, como assim bem ensina a Prof. Judith Martins-Costa, ao tratar do princípio da boa-fé objetiva.
Alfim, entendo evidente e cristalino que as inovações da Parte Geral do Novo Código Civil, principalmente a adoção de cláusulas gerais de variados matizes, se refletem nos modernos paradigmas do Direito Obrigacional, consubstanciando, em derradeiro, os próprios Princípios Estruturantes do Novo Código Civil – os quais iluminam o Código como um todo e ao todo, numa perspectiva constitucional, como assim vaticina o magistral Gustavo Tepedino.
É o que penso, prima facie.