5 ANÁLISE DO PROJETO DE LEI 1.365/2015
Como já falado anteriormente, inexiste legislação que trate especificamente sobre as questões que envolvam direitos dos animais de estimação no âmbito familiar, especialmente sobre "guarda" ou "pensão".
Atualmente o que temos de mais próximo em relação aos assuntos aqui abordados é o projeto de Lei 1.365 de maio de 2015 que conta, atualmente, com onze artigos, de autoria do Deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP), onde encontra-se na fase de Coordenação de Comissões Permanentes (CCP), com última movimentação datada em 25 de maio de 2016.
O projeto de Lei traz em seu corpo, genericamente, a disposição sobre a guarda de animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores.
Ao iniciar a leitura dos dispositivos, percebeu-se a preocupação em prestigiar tanto os casais em sede de divórcio, quanto as dissoluções de uniões estáveis, hetero ou homoafetivas.
Em seguida, conceitua como posse responsável os deveres e obrigações relacionados ao direito de possuir o animal de estimação, devendo o juiz aplicar de forma subsidiária legislações vigentes que regulam a manutenção de animais silvestres nativos ou exóticos, domésticos e domesticados, tidos como de estimação.
O referido projeto ainda traz os tipos de guarda a serem aplicadas nos casos de litígios, quais sejam, compartilhada e unilateral, somente. Conceituando a guarda unilateral como aquela exercida e concedida a só uma das partes e, como guarda compartilhada, quando o exercício da posse responsável for concedido a ambas as partes.
Quanto as exigências para o deferimento ou indeferimento da guarda, deverá o juiz observar as seguintes condições: ambiente adequado para a morada do animal; disponibilidade de tempo , condições de trato, de zelo e de sustento; o grau de afinidade entre o animal e a parte. Por último, os juiz ainda deverá considerar as demais condições imprescindíveis para a manutenção da sobrevivência do animal com suas características.
Prevê ainda, procedimentos processuais, como audiência de conciliação, bem como a faculdade do juiz de basear-se em orientação técnico-profissional para determinar a referida guarda para a aplicação do caso concreto.
Ademais, ainda aduz a possibilidade de visitas ao tutor que não foi concedida a guarda, bem como lhe garante o direito de fiscalizar o exercício da posse da outra parte em atenção às necessidades específicas do animal e de comunicar ao juízo competente qualquer descumprimento.
Outrossim, cuida da proibição de realização de cruzamentos, alienação do animal, ou dos filhotes destes, sem a anuência do outro tutor, prevendo a reparação de danos para tal. Sendo que se houver filhotes advindos dos animais de estimação pertencentes aos tutores, os mesmos deverão ser divididos em números iguais, ou em valor pecuniário, de acordo com a média de preço do mercado.
Em suma, o projeto sustenta-se na justificativa de fornecer ao julgador subsídios para determinar a guarda/posse dos animais de estimação quando do litígio de seus donos/tutores, na tentativa de desqualificar o animal como objeto que faz parte da partilha de bens do ex-casal.
Muito embora a intenção do projeto venha a cuidar da questão da guarda dos animais de estimação, percebe-se da sua leitura uma maior preocupação com a situação do ex-cônjuges ou ex-companheiros, em detrimento do bem-estar e interesse do animal.
O projeto, por mais que apresente em sua justificativa o desejo de "descoisificar" os animais de estimação, ainda os trata como coisas/objetos, na medida em que alguns momentos ressalta a expressão "posse", o que não parece adequado, tendo em vista que os animais nesta situação são tidos como membros da família. Alinha-se a esta constatação, de igual forma, a previsão do direito de divisão de filhotes advindos de cruzamento e divisão pecuniária, bem como a necessidade de anuência do outro tutor nos casos de alienação do animal.
Seguindo, não parece fazer sentido, ganhar dinheiro às custas de quem se tem afeto ou se ama, pois se assim o for, o animal será visto como propriedade e, consequentemente, haverá valoração econômica e não afetiva. O grande ponto aqui é o afeto existente entre tutores e animais, e não o quanto lucrativo este animal possa ser.
Outro ponto, é que em nenhum momento o projeto privilegia qualquer indício de "pensão alimentícia", tão somente prevê que a guarda será deferida a quem detiver maior disponibilidade, condições de trato, zelo e por fim, sustento. Como já falado aquele que detém maiores condições financeiras nem sempre deverá ser o detentor da guarda do animal de estimação, bem como se há possibilidades financeiras o custeio das despesas do animal deverão ser arcadas por ambos, e não somente pelo detentor da guarda.
Por fim, merece lembrar que ainda trata-se de um projeto de Lei que merece a reforma de muitos pontos a fim de que se alcance o objetivo almejado, qual seja, não só a guarda, mas, de igual forma, que haja previsão de forma justa para o custeio e sustento do animal centro do litígio. Só será alcançada sua real magnitude a partir do momento em que a questão for vista de forma mais ampla e afastada do preconceito advindo do antropocetrismo (homem como centro do universo) que considera o homem como centro de tudo, que deverá ceder para o direito a vida, ao biocentrismo (todas as formas de vida são igualmente importantes). Aqui tratamos de seres viventes que merecem proteção e garantia por parte de todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo aqui proposto e discutido, percebe-se o surgimento de uma nova espécie de família: não mais aquela, tradicional, formada tão-somente por humanos, mas sim uma nova, formada a partir da relação de afeto existente entre humano e animal.
Não há mais cabimento para a afirmativa de que o todo e qualquer animal seja considerado um bem, como parte do patrimônio de alguém ou de duas pessoas, pois não há como mensurar o valor de um animal de estimação que é tratado como "filho" para as pessoas envolvidas. O valor sentimental, o afeto, ultrapassam qualquer entendimento.
Urge desta forma, que o direito se molde a essa nova realidade social, bem como que o legislativo saia de sua inércia na medida em que crie legislação específica que regule a relação humano-animal, mais precisamente quando das rupturas dos relacionamentos amorosos, sejam oriundos do casamento ou da união estável, humanos.
Neste sentido, cumpre enquanto não sobrevenha legislação específica, a necessidade de se aplicar aos casos de divórcio e dissolução de união estável, as normas que permeiam o Direito de Família, no que couber, mais especificamente o instituto da proteção da pessoa dos filhos e da pensão alimentícia, na medida em que a ruptura do vínculo humano não pode atingir maleficamente o animal, bem como pelo fato de o mesmo possuir necessidade presumida permanente, visto que, ao contrário dos humanos nunca irá alcançar a independência, necessitando, portanto, de todos os cuidados, manutenção, custeio e subsistência oriunda de seus tutores.
Quanto ao projeto de Lei de n° 1.365 de maio de 2015, o mesmo ainda não mostra-se suficiente para abarcar de forma satisfatória a situação do animal de estimação centro do litígio, pois o mesmo ainda denota em alguns momentos que o animal é um objeto, beneficiando muito mais ao ex-casal do que o interesse e bem-estar do animal, necessitando assim a revisão de seus artigos.
Por fim, o que se espera é uma tutela efetiva por parte do Direito, bem como do Estado, no sentido de proteger e criar normas específicas, em conformidade com os anseios atuais, que regulem a interação humano e animal, este último entendido como membro da família, afastando-se, portanto, a ideia de que o animal é um objeto, propriedade de seus donos.
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