Luta por um direito inumano: a aposta da indeterminação do homem e da mulher.

Sobre a impronunciabilidade dos valores morais

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07/07/2018 às 10:50
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5. A ROMÂNTICA OBJETIVIDADE HETEROSEXUAL.

Infeliz e inevitavelmente, tenho dito, guia-me a escrita parcialmente um Direito Objetivo e uma Objetividade sofrida pelo desejo insidioso (tantas vezes inconfessado) de que o objetivo que me anima (e tem fracassado) seja, em última instância, a busca desesperada (entendendo aqui desespero no sentido kierkegaardiano) da sempre ambicionada felicidade pessoal (seja lá o que isso possa significar)... Afasto-me, portanto, (atendendo o prognóstico psicoanalítico), de qualquer empreendimento impessoal, desapaixonado, totalmente objetivo ou meramente sexual etc. Orienta-me a convicção natural de que não há felicidade maior que a realização do Amor heterossexual -- (sem querer negar outros desejos alucinatórios que das “paixões” emanam como vontade ou desejo tout Court do excesso libidinal ou vício orgástico, por mais inócuos, frustrantes ou loucos que sejam), -- a felicidade de poder abraçar e cobrir de beijos o corpo da mulher amada pelo gosto (Kant) de poeticamente “experimentar esta alegria que desce do céu para a terra” (Camus), portanto, este Amor de um Homem por uma Mulher e vice versa, de uma Mulher por um Homem, é o paradigma natural de todos os laços reais de afetividade e, efetivamente, o lócus da coesão entre o particular e o universal bem traduzido no preceito bíblico “frutificai-vos e multiplicai-vos” (Gn. 1; 28), e na observação de Marx em carta à sua esposa Jenny, escrita em 21 de junho de 1856, quando ele diz:

“Basta que estejas longe e meu amor por ti aparece tal como ele é, como um gigante no qual se acham reunidas toda a energia do meu espírito e toda a vitalidade do meu coração. Sinto-me outra vez um homem, na medida em que me sinto vivendo uma grande paixão. A complexidade na qual somos envolvidos pelos estudos e pela educação modernos, bem como o ceticismo com que necessariamente relativizamos todas as impressões subjetivas e objetivas, tudo nos leva muito eficazmente a nos sentirmos fracos, pequenos, indecisos e titubeantes. Porém o amor – não o amor feuerbachiano pelo ser, não o amor moleschottiano pela transformação da matéria, não o amor pelo proletariado, mas o amor pela amada (no caso ti) – torna a fazer do homem um homem” (Apud, KONDER, 2007, p. 25).

O que sem dúvida coloca-nos diante da perspectiva real do equilíbrio da balança entre o “EU” e o “Nós” como diria Norbert Elias.


6. A ABERTURA HOMOSSEXUAL.

E o movimento dialético mais implacável (porque dá-se numa realidade em paralaxe) seria entre o “EU”, ponte que se lança entre “O Ser e o Nada” (Sartre), e o “NÓS”, estes “Outros” (Levinas) sem o qual nada somos por constituir-se (macro e microfisicamente) a base hegemônica de todos ardis, astúcias e belicosidades que guiam a sobrevivência biológica da espécie humana e se constitui em Cultura, ou seja, ponte que se lança entre “O Ser e o Tempo”(Heidegger). O que aponta peremptoriamente em direção à raiz de todo Mal, e nos revela o fato de que, como observou Leando Konder: “Um dos efeitos perniciosos da alienação manifesta-se na cisão da personalidade, no abismo criado entre a vida pública e a vida privada” (KONDER, 2007, p. 25) etc. Nesta cisão, modernamente, por um lado, não estaria o lançamento da “homossexualidade” contra a “heterossexualidade”, tanto quanto, por outro lado, não estaria a origem e a evolução, por exemplo, de Fatos como os dos processos da “Operação Lava-Jato” no Brasil? E assim sucessivamente, coisas aparentemente distintas e diferentes se ligam correlativamente numa interdependência ocasional como se fossem o fundamental. Este é o mistério... -- Neste sentido, de um lado, a aprovação de Leis que promovem a permissividade, a promiscuidade, a perversão e a prostituição, ou seja, a abertura (Agamben) homossexual e/ou consumista, são decisões inteligentes e convenientes? De outro lado, contra qualquer força exemplar de moralidade pública, e não de Leis, a suspensão, relaxamento ou prisão domiciliar para Lula, José Dirceu etc., (ou seja, de qualquer ladrão da “coisa pública”) seria um gesto de complacência admissível ética e juridicamente?...


7. A VIRADA COMPENSATÓRIA DO FRACASSO.

Olhando a vida de outra perspectiva, mais particular, (e antropologicamente fundamental em sua “singularidade universal”), há algo maior a nos guiar do que o de um Amor que, como diria o filósofo francês Albert Camus, aponta para esta “singular vaidade do homem que pensa e quer crer que é a verdade que deseja, quando, de fato, é um amor que pede a este mundo”? O problema é que nem todo desejo é justo, e todos trazem em si mesmo suas próprias negações e crises, e, portanto, submergem em suas próprias culpas (Robespierre) e frustrações (Freud). Por outro lado, nem todo desejo conhece a vontade ou a clareza de seu pedido e submete-se, por não alcançar maioridade (Kant), ao drama edipiano da auto-ilusão narcísica em seu sentido mais amplo... Com efeito, um Amor é o nosso mais doloroso e paradoxal pedido que, porque natural e íntimo, ou seja, simultaneamente genético e teleológico, revela-se social e eminentemente biopolítico e não deixa de ser simplesmente poético, literário, romântico, e teríamos o sumário:

(1) como bios, político;

(2) como político, teleológico;

(3) como teleológico, utópico;

(4) como “utopia” deixa-se aprisionar-se por estranhos desejos e, consequentemente,

(5) desfaz-se a dialética do processo saber vs. sonho e vira mito vs. fantasia...


8. O IMPRESCINDÍVEL LOGOCENTRISMO.

Tudo isso nos leva a uma observação de William Shakespeare, em “Sonhos de uma noite de verão”: “O curso do verdadeiro amor nunca é sereno”, mas, ao contrário, o curso de uma verdadeira revolução deve objetivar ser sereno e sem cemitérios para que o amor não se descaminhe e se obscureça. Mesmo porque, parafraseando Paracelso, podemos dizer que quem nada sabe, nada ama. Quem nada ama, nada pode fazer. Quem nada pode fazer, nada vale, ou, como encontramos em epígrafe de “A Arte de amar” de Erick Fromm, a orientação de Paracelso seria:

Quem nada conhece, nada ama.

Quem, nada pode fazer, nada compreende.

Quem nada compreende, nada vale.

Mas quem compreende também ama, observa, vê...

Quanto mais conhecimento houver inerente numa coisa

tanto maior o amor...

Aquele que imagina que todos os frutos

amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas,

nada sabe a respeito das uvas.

(Apud, FROMM, 2008, p. 9, Epígrafe )

Com efeito, não seria ele, o Logos, que em sua essência daria coesão dialética a paralaxe Revolução vs. Amor? Por que, então, negar ao logos centralidade? Johann Wolfgang Von Goethe, em um dos seus poemas e por sua genialidade oferece-nos a devida justificação para o logocentrismo:

“Quem de si mesmo é bem consciente

e estende aos outros seus cuidados

sabe que Oriente e Ocidente

não podem mais ser separados”.

(Apud, KONDER, 2007, p. 27).


9. RESSENTIMENTOS E PREMEDITAÇÃO.

De quê e onde vem o interesse de manter “Ocidente e Oriente” separados? Como veremos em tempo e lugar nenhum o etnocentrismo comandou o conceito de escritura, mas sim em todos tempos e lugares o conceito de diferença ou de seu reverso, de igualdade, (cada qual na sua “hora” mais obscura), que nos levou, por exemplo, ao racismo, ao nazismo etc., mas também a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, tal como orienta a dupla síntese indicada pelas proposições políticas paradoxais e metafóricas de Giles Deleuze:

1. “Só o que se parece difere”;

2. “Somente as diferenças se parecem”.

Nada tão óbvio! O que poderia invalidar o que se reconhece como logocentrismo? A premeditação que nasce dos ressentimentos? Sem dúvida!


10. OS INIMIGOS SÃO SEMPRE ELEITOS.

Os ressentimentos, digamos assim, estão a serviço do Império de Thanatos, e não do de Eros... Ora, premeditação é racionalidade, mas não a Razão. A premeditação (que é doxa, ira e vingança) não é a causa do Saber (que é logos, ternura e Justiça), mas sim causa da imprecisão, do erro e da falsidade que atormentam a busca do Saber e infernizam a vida da Polis ao dar origem e fundamento racional ou teológico, por exemplo, ao conceito relacional amigo versus inimigo (Smith), ou “Eu” versus “Ele”, “Nós” versus “Eles”... Com efeito, premeditação é a racionalidade fria e egoísta que articula os conceitos de Amigo e de Inimigo belicosamente, “Amigo versus Inimigos”, “Eu versus Ele”, “Nós versus Eles”, que transformam a linguagem numa relação de forças e distâncias, e não relação de significações e proximidades. O que exige que se coloque a questão: o que anima e da vigor a uma Revolução, a Violência ou o Amor?


11. O EGOÍSMO É QUE CEGA O AMOR.

Não seria a Violência a verdade que perverte a Revolução Social? Ora, uma verdade que se impõe com a morte ou a tortura de um Ser Humano, não é uma verdade social. E uma “revolução” que nela se fundamenta não é uma Revolução, mas sim projeto criminoso. Só nos resta, portanto, o Amor. Mas o que é o Amor? Não é uma resposta fácil diante dos conceitos polares de “Amigo” e “Inimigo”, “eu” e “ele”, “nós” e “eles”... E a verdade se transparece paradoxal e aponta para todas as aporias do conceito de Amor, ou seja, parafraseando Bertold Brecht, como posso amar ou ser feliz “se a comida que como é tirada dos que tem fome/ se a água que bebo faz falta aos que tem sede”? Urge, portanto, saber com precisão axiomática o que é o Amor? O que é a Felicidade? etc. Mas, infelizmente as coisas são tão fáceis assim, e (até porque inevitavelmente), continuamos comendo e bebendo...

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12. O DINHEIRO REALIZA O DESEJO DA ALIENAÇÃO.

Amo o que me sacia ou o que me dá prazer diante de um Outro que tem fome ou dor? Por que é possível e até inevitável que assim seja? É a pergunta crucial que metaforicamente movimenta (ou categórica e literalmente deveria) todo movimento reivindicatório ou processo Revolucionário de grupos... Mas, “amar o próximo como a si mesmo”, “repartir o pão” etc., são as parábolas românticas mais consistentes (apesar de insuficientes) e fiéis da resposta cristã e humanista... O que buscamos é a felicidade pessoal? Como ela se separa da felicidade do Outro? Ou, ao contrario, como sua infelicidade nos fariam felizes? A alegria no Céu seria a de nos proporcionar ver o Outro (o pecador, o fariseu, o capitalista, o homossexual, o comunista etc.) arder no fogo do Inferno?... Não teríamos aí, uma boa justificativa para o egoísmo das ações, a covardia das omissões e para todas as vicissitudes da violência social que constituem os elementos antirrevolucionários e negadores da Vida Humana tanto micro quanto macrofisicamente, tanto biográfica quanto historiograficamente? Karl Marx observou isso de uma forma extremamente precisa e cristalina, segundo Konder, em uma passagem do “Manifesto Econômico-Filosófico” de 1844 em que adverte:

“Pressupondo o homem enquanto homem e seu comportamento como o mundo enquanto um [comportamento] humano, tu só podes trocar amor por amor, ternura por ternura, confiança por confiança etc.” Nas condições da alienação, todavia, o dinheiro – a capacidade exteriorizada (entäusserte) da humanidade – quantifica e relativiza tudo, subverte todos os valores, “transforma a fidelidade em infidelidade, amor em ódio, o ódio em amor, a virtude em vício, o vício em virtude” (Apud KONDER, 2007, p.21).

Eis-nos, portanto, diante de um problemão, se considerarmos que a subjetividade que modernamente nos domina (tanto “o estômago” quanto “a fantasia”) é essencialmente capitalista (assim como dizem que já foi selvagem, escravista, feudalista etc., e deixaram rastros (Derrida) ou resíduos (Pareto) inapagáveis), e desenvolve-se colonialmente, (agora num sistema de mercado ultraliberal permissivo, promíscuo, perverso e prostituído, nunca é demais reafirmar), de forma complexa como a arte de “confundir alhos com bugalhos”, de misturar “joio com trigo”, da sedução do “cada um por si e Deus por todos”, da precariedade do “desejo pelo desejo etc.


13. AS PROPOSIÇÕES UNIVERSAIS INVARIANTES.

Ora, é possível ser feliz diante de um Ser Vivo que sofre? Esta é uma questão complexa e estrutural, e estranhamente carecemos de respostas. Afinal, uma estrutura invariante (considerada inevitável apesar de duramente questionada) é oferecida por proposições axiomáticas que são garantias formais para esta possibilidade do Mal, mas não necessariamente, é bom frisar, portanto é possível. Mesmo porque não são apenas malignas e nem apenas capitalista. Teríamos que considerar ainda se não representam o Bem e, por reversão, “a transparência do Mal” (Baudrillard)? Refiro-me aos seguintes invariantes da lógica totalitária da organização econômica e das relações sociais e suas diversas formas de tecnologia social desde o século XVI até hoje, que foram muito bem sintetizadas por André Tosel, a saber:

1) a produção de troca instaura a mediação do valor pelo valor de troca;

2) a força de trabalho é tratada como uma mercadoria;

3) a aspiração do lucro é a força reguladora fundamental da produção;

4) o mecanismo vital da formação da mais valia , que implica, no interior do ato produtivo, na separação radical dos meios de produção e de trabalho, é uma forma econômica estrutural;

5) a mais-valia é apropriada de maneira privada pelos membros da classe capitalista, que estão em permanente concorrência pela apropriação;

6) somente um imperativo categórico regra o dinamismo capitalista, ele não é ético, nem jurídico, não obedece a nenhuma injunção do bem comum substancial, e nenhum princípio de justiça processual. É o imperativo absoluto e incondicional de crescimento e expansão. Tende a uma integração global com o mercado mundial. (TOSEL, 2002, p. 35).

Em outras palavras, que medida da realidade (senão a egoísta, a perversa, a do desamor, do mal, do Capital etc.) permite que a felicidade possa ser definida como/ou reduzida à uma mera conquista pessoal sem reconhecimento social valorativo amoroso de Si e do Outro? Tal definição ou tal redução já não anuncia uma promessa e uma crítica complicada ao “sujeito do Desejo” (sempre um imaginário deleite e/ou um deleite imaginário), que é também já paradoxalmente indistinguível do/e estendido (enquanto um equivalente impossível, logo, traumático), formalmente, como “sujeito de Direito”?

Sobre a autora
Walter Aguiar Valadão

Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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