RESUMO
O tema bordado é novo e de grande repercussão no direito penal moçambicano. Por isso a presente análise consubstancia-se no princípio de que o advento das tecnologias de informação trouxe benefícios a humanidade, principalmente com o surgimento do computador e da internet, que são os grandes ganhos que o Homem teve, por que hoje vivemos com recursos as tecnologias de informação e comunicação. No entanto, a chegada das novas tecnologias trouxe consigo também novos tipos de condutas ilícitas resultantes dessas tecnologias, onde o legislador viu-se na contingência de incluir no ordenamento penal moçambicano, não ficando alheio a estas mudanças. Embora o Pais não esteja ainda preparado para fazer face a esses novos delitos e não possuir uma legislação específica para disciplinar os crimes cibernéticos, teve o cuidado de integrar no Código Penal determinadas condutas como antijurídicas e como tal passíveis de sanção penal. Por isso, com este artigo pretendemos verificar em que medida o uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, abre um espaço de condutas típicas, antijurídicas e culpáveis contra ou praticadas com a utilização dos sistemas da informática. Dentro desta premissa, pretendemos fazer uma análise para compreender em que medida o ordenamento jurídico-penal regula, de forma a disciplinar condutas antijurídicas, resultantes do uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC). Nesse corolário, foram tomadas certas medidas, como a criação de normas que regulam algumas dessas condutas criminosas que ocorrem no meio virtual, a de aplicação do Código Penal para alguns crimes cibernéticos. Esses instrumentos são insuficientes para fazer face aos crimes cibernéticos, sendo necessária uma legislação específica que englobe com eficiência todas essas condutas. Para além da necessidade de uma legislação específica, é necessário a adesão em tratados internacionais que disciplinam a matéria, visto que os crimes cibernéticos ocorrem no mundo inteiro e pelo facto de não respeitarem fronteiras.
Palavras chaves: direito penal, Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, crimes cibernéticos.
INTRODUÇÃO
O advento das tecnologias de informação trouxe consigo enormes benefícios a humanidade, encurtando sobretudo a distância entre as pessoas e, introduzindo uma nova era em todos os campos da vida quotidiana. O surgimento do computador e da internet foram os maiores ganhos que o Homem teve, por que hoje vivemos com recursos as tecnologias de informação e comunicação.
No entanto, a chegada das novas tecnologias trouxe também consigo novos tipos de condutas que passam a merecer outro tipo de tratamento pelos legisladores no mundo. Ou seja o legislador viu-se na contingência de incluir na legislação penal determinados comportamentos que se colocam a margem dos benefícios que as novas tecnologias de informação e comunicação trouxeram para as pessoas. Moçambique não ficou alheio a estas mudanças. Embora o Pais não esteja ainda preparado para fazer face a esses novos delitos e não possuir uma legislação específica para disciplinar os crimes cibernéticos, teve o cuidado de integrar no Código Penal determinadas condutas como antijurídicas e como tal passíveis de sanção penal.
De forma geral pretendemos verificar em que medida o uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, abre um espaço de condutas típicas, antijurídicas e culpáveis contra ou praticadas com a utilização dos sistemas da informática. Dentro desta premissa, pretendemos fazer uma análise para compreender em que medida o ordenamento jurídico-penal regula, de forma a disciplinar condutas antijurídicas, resultantes do uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC). Ou seja, a pretensão é também de verificar que instrumentos específicos o legislador penal moçambicano optou como meios de prevenção e sanção, nos casos em que haja lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico determinado. Lembrar que o bem jurídico protegido ou tutelado pelo direito penal é a inviabilidade das informações armazenadas processadas em computadores – os dados – de forma a se garantir a privacidade e a integridades dos dados informáticos.
Com esta abordagem tentamos despertar o legislador penal da necessidade de estabelecer, com base da acção típica, as lesões indevidamente das NTIC ou somente de um computador que ofende ou não a um bem juridicamente tutelado. Visto que a sociedade tem como valores sociais imprescindíveis para a convivência social, a vida, o património, a honra, a liberdade.
Para a concretização desta abordagem foi pertinente o suporte bibliográfico e no uso dos métodos documentais e jurídicos. Como estrutura deste artigo, partimos de uma revisão bibliográfica, começando pela discussão conceitual sobre o direito penal, visto que a missão do direito penal é a protecção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena. Dai abordar a questão do crime e criminalide; as Novas Tecnologias e Informação e Comunicação e relacionar aos crimes cibernéticos. Na segunda parte reserva-se a discussão prática sobre os crimes cibernéticos/informáticos face a ordem jurídico-penal moçambicana.
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ANÁLISE CONCEITUAL
- DIREITO PENAL
Em conformidade com a OLIVEIRA, o direito cumpre sua função social construindo um complexo de proibições, obrigações, e permissões. A protecção do mínimo ético cabe ao Direito Penal, que impõe obediência sob a meaça de pena, a qual implica privação de um bem jurídico. A legitimidade dessa intervenção estatal no campo dos direitos individuais encontra-se na garantia da proporcionalidade entre a ofensa a uma proibição e a resposta do Estado[1].
Para o BITENCOURT[2], falar de Direito Penal é falar, de alguma forma, de violência. No entanto, modernamente, sustenta-se que a criminalidade é um fenómeno social normal. Mas para o DURKHEIM[3], o delito não ocorre somente na maioria das sociedades de uma ou outra espécie, mas sim em todas as sociedades constituídas pelo ser humano. Assim, para o autor em destaque, o delito não só é um fenómeno social normal, como também cumpre outra função importante, qual seja, a de manter aberto o canal de transformações de que a sociedade precisa. Sob um outro prisma, pode se concordar, pelo menos em parte, com DURKHEIM: as relações humanas são contaminadas pela violência, necessitando de normas que as regulem. E o facto social que contrariar o ordenamento jurídico constitui ilícito jurídico, cuja modalidade mais grave é o ilícito penal, que lesa os bens mais importantes dos membros da sociedade. Quando as infracções aos direitos e interesses do indivíduo assumem determinadas proporções, e os demais meios de controlo social mostram-se insuficientes ou ineficazes para harmonizar o convívio social, surge o Direito Penal com sua natureza peculiar de meio de controlo social formalizado, procurando resolver conflitos estruturando eventuais rupturas produzidas pela desinteligência dos homens. A denominação Direito Penal é mais tradicional no Direito contemporâneo, com larga utilização, especialmente nos países ocidentais.
Para o PUIG[4], O Direito Penal apresenta-se, por um lado, como “um conjunto de normas jurídicas que tem por objecto a determinação de infracções de natureza penal e suas sanções correspondentes — penas e medidas de segurança. Por outro lado, apresenta-se como um conjunto de valorações e princípios que orientam a própria aplicação e interpretação das normas penais”. Ainda buscando o entendimento do autor, esse conjunto de normas, valorações e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana, ganhando aplicação prática nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça.
CALÓN[5], “Direito Penal é o conjunto de normas estabelecidas pelo Estado que definem os delitos, as penas e as medidas de correcção e de segurança com as quais são sancionados”. Na mesma sequência seguem as definições: NORONHA[6] definia o Direito Penal como “o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os factos de natureza criminal e as medidas aplicáveis a quem os pratica”.
Para MARQUES[7], Direito Penal “ é o conjunto de normas que ligam ao crime, como facto, a pena como consequência, e disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado”. E, acrescentava MARQUES, para dar uma noção precisa do Direito Penal, é indispensável que nele se compreendam todas as relacções jurídicas que as normas penais disciplinam, inclusive as que derivam dessa sistematização ordenadora do delito e da pena.
Segundo os parafraseados do CARVALHO, o direito penal tem uma importância nas esferas político-social e jurídico – criminal. Na esfera política- social, o direito penal é considerado como um dos barómetros do modo de relacionamento entre o poder político e as pessoas e os grupos sociais a ele sujeitos, bem como o melhor indicador dos valores dominantes em cada época. Enquanto na esfera jurídica - criminal, o direito penal é a expressão das condições económicas, sociais, culturais, religiosas e politicas que caracterizam uma determinada época[8]. Nesse corolário, o autor em referência diz que “ o direito penal
“tem a positiva função de tutela dos bens jurídicos fundamentais, isto é, dos valores individuais e comunitários essenciais à realização pessoal e à convivência social; por sua vez, as consequências jurídicas do crime (as penas e as medidas de segurança) traduzem-se na privação ou restrição também de direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade”[9].
Partindo para a mesma direcção do Carvalho podemos aferir que antes de punir o infractor da ordem jurídico-penal, procura motivá-lo para que dela não se afaste, estabelecendo normas proibitivas e cominando as sanções respectivas, visando evitar a prática do crime.
1.2. CRIME E CRIMINALIDADE
No parafraseado do CIRINO DOS SANTOS, o discurso jurídico sobre crime, construído com base na legislação penal do Estado, tem por objetivo imputar penas (ou medidas de segurança) aos autores de factos definidos como crime, conforme princípios de interpretação e de aplicação concreta da lei penal (legalidade, culpabilidade, proporcionalidade etc.)[10].
Ainda na senda do seu artigo, CIRINO DOS SANTOS avança mais na perspectiva de que o discurso da teoria do crime é representado pela definição analítica (ou operacional) de facto punível, configurada nas categorias elementares de tipo de injusto e de culpabilidade. Na primeira categoria, o CIRINO DOS SANTOS diz que “o tipo de injusto define o objecto de imputação do discurso jurídico do crime, demonstrando que imputamos ao autor como crime doloso ou como crime imprudente, realizado por acção ou por omissão de acção”[11]. Nesse sentido, CIRINO DOS SANTOS, argumenta que o tipo de injusto é formado por uma acção típica e antijurídica concreta, estruturada pela dimensão objectiva (causa e imputação do resultado) e pela dimensão subjectiva (dolo ou imprudência) dos comportamentos humanos típicos, realizados ou omitidos sem justificação pelo autor; em posição excludente aparecem as justificações (a legítima defesa, o estado de necessidade etc.), cuja presença desfaz o tipo de injusto.
Na segunda categoria elementar, na optica do CIRINO DOS SANTOS, temos a culpabilidade que define o fundamento da imputação do discurso jurídico, indicando por que imputamos ao autor o tipo de injusto, demonstrado pelas categorias (a) da imputabilidade (o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz), excluída ou reduzida em situações de menoridade ou de doença mental, (b) da consciência do injusto (o sujeito sabe, realmente, o que faz), excluída ou reduzida em situações de erro de proibição e (c) da inexigibilidade de comportamento diverso (o sujeito tem o poder de não fazer o que faz), excluída ou reduzida em situações de exclusão legais e supralegais[12].
Buscando os saberes do CIRINO, aferimos que o crime é toda conduta típica, antijurídica ou ilícita e culpável, praticada por um ser humano. A partir do conceito material, podemos sustentar que crime é uma acção ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico que pode ser individual ou colectivo. Contudo, constatamos que a teoria finalística do crime é a mais aceitável pela maioria dos doutrinários. Assim sendo, a culpabilidade faz parte do conceito de crime, por ser apenas pressuposto para aplicação da pena. Isto ocorre pelo de facto de que a culpabilidade não irá afectar a existência ou não de um crime e sim apenas influir na integração de uma pena.
Quanto a criminalidade, o CIRINO DOS SANTOS, diz que “o discurso da explicação da criminalidade foi construído pelo método positivista das ciências naturais, nas variantes biológica (LOMBROSO) e sociológica (FERRI), que pretende substituir o Direito Penal como discurso oficial de imputação de factos antissociais. Após o célebre confronto histórico das chamadas Escolas Penais na virada para o século XX, a Criminologia positivista assume uma posição subalterna de ciência auxiliar do Direito Penal”[13] – por exemplo, como propõe LISZT na Moderna Escola do Direito Penal orientada pelo fim: “intimidar o autor ocasional, corrigir o corrigível e neutralizar o incorrigível”[14].
Ainda CIRINO DOS SANTOS avança com alegações de que a sociedade é sempre mais rica do que supõem os discursos oficiais de controlo social: a pesquisa histórica mostra a construção paralela de dois discursos criminológicos antagônicos, com teorias sociais opostas, com objectos de estudo diferentes e diversos métodos de estudo do objecto, assim definíveis: a) a Criminologia tradicional, com um discurso etiológico sobre criminalidade, sempre no papel de ciência auxiliar do Direito Penal; b) a Criminologia crítica, com um discurso político sobre criminalização, no papel de ciência crítica do Direito Penal, do Sistema de Justiça Criminal e das desigualdades sociais da relação capital/trabalho assalariado[15].
1.3. NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
O conceito de tecnologias de informação surge enquanto “conjunto de conhecimentos, reflectidos quer em equipamentos e programas, quer na sua criação e utilização a nível pessoal e empresarial”[16]. Desta feita, uma das características fundamentais das tecnologias de informação e comunicação, em conformidade com SOUSA, consiste no facto de um único electrónico de comunicação suportar todo o tipo de informação possível de digitar, o que inclui desde os “tradicionais” documentos de texto, a análises matemáticas e financeiras, passando por imagens, áudio e vídeo[17].
Contudo, interessa-nos abordar as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação e não necessariamente das TICs. Nisso, porque são chamadas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC)?
Em resposta a esta questão, recorremo-nos ao GRISPIM, que esclarece que as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), abrangem, o Hardware (no presente caso aplicado aos Computadores), as Tecnologias associadas às Redes de Comunicação, as Linguagens de Programação, as Bases de Dados, as diferentes aplicações (software) e tecnologias similares. Enquanto o autor avança explanando que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são um conjunto de recursos tecnológicos integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções tecnológicas, a simplificação da comunicação nos processos de negócios, da pesquisa científica, de ensino e aprendizagem. Correspondem a todas as tecnologias que interferem e medeiam os processos informacionais e comunicativos dos seres. Como tal, estas podem ser ou não baseadas em computadores ou em tecnologias actuais[18].
Desta forma as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) são “as tecnologias e métodos para comunicar surgidas no contexto da Revolução Informacional, Revolução Telemática ou Terceira Revolução Industrial, desenvolvidas gradativamente desde a segunda metade da década de 1970 e, principalmente, a partir de 1990”[19].
Em conformidade com o autor, as NTIC caracteriza-se por agilizar, horizontalizar e tornar menos palpável (fisicamente manipulável) o conteúdo da comunicação, por meio da digitalização e da comunicação em redes de telecomunicações e similares, para a captação, transmissão e distribuição de informação multimédia (texto, imagem, vídeo e som). Considera-se que o advento destas novas tecnologias possibilitou a emergência da sociedade da informação[20].
Neste contexto, concluímos que as TIC´s existem desde os primórdios da humanidade, desde que foi inventada a escrita e se organizou e difundiu a informação permitindo o contacto entre as diversas civilizações. Assim, as NTIC são baseadas em computadores e similares, não sendo correcto denominá-las de TIC, pois estas tecnologias são Novas e inovadoras e têm poucas semelhanças com as anteriores[21].
1.4. CRIMES CIBERNÉTICOS/INFORMÁTICOS
Em conformidade com MENDES e VIEIRA, “no cenário dos avanços tecnológicos na área da informática, surgiram os denominados crimes cibernéticos, que também são designados de informática, crimes tecnológicos, crimes virtuais, crimes informáticos, delitos computacionais, crimes digitais, crimes virtuais, crimes cometidos por meio electrónico, entre outros. Os crimes cibernéticos correspondem a todas as condutas cometidas com o uso de tecnologia”[22].
As autoras afirmam ainda que o crime de informática é aquele praticado contra o sistema de informática ou através deste, compreendendo os crimes praticados contra o computador e seus acessórios e os perpetrados através do computador. Inclui-se neste conceito os delitos praticados através da internet, pois pressuposto para a cessar a rede é a utilização do computador[23].
ROSA, conceitua o crime de informática traz um como senso “ a conduta atente contra o estado natural dos dados e recursos oferecidos por um sistema de processamento de dados e, seja pela compilação, armazenamento ou transmissão de dados, na sua forma, compreendida pelos elementos que compõem um sistema de tratamento, transmissão ou armazenagem de dados, ou seja, ainda, na forma mais rudimentar”[24]. Na mesma direcção ROSA, argumenta que nos crimes de informática, a acção típica se realiza contra ou pela utilização de processamento automático de dados ou a sua transmissão, ou seja a utilização de um sistema de informática para atentar contra um bem ou interesse juridicamente protegido, pertença ele à ordem económica, à integridade corporal, à privacidade, à honra, ao património público ou privado, à administração pública, etc.[25].
ROQUE, conceitua crimes cibernéticos como sendo “toda conduta, definida em lei como crime, em que o computador tiver sido utilizado como instrumento de sua perpetração ou consistir em seu objecto material”[26].
Sob uma óptica baseada na Convenção sobre o Cibercrime de Budapeste (2001), CASTRO, Carla Rodrigues ensina que “os crimes de informática são aqueles perpetrados através dos computadores, contra os mesmos, ou através dele. A maioria dos crimes são praticados através da internet, e o meio usualmente utilizado é o computador”[27].
Portanto, partindo dos conceitos abordados, podemos ilidir que os crimes cibernéticos são todas as condutas típicas, antijurídicas e culpáveis contra ou praticadas com a utilização dos sistemas da informática. E para a prática desses crimes, o computador é o principal meio.
1.4.1. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES CIBERNÉTICOS
Segundo o SCHMIDT as classificações existentes para os crimes cibernéticos não são eficazes, devido à dinâmica dos computadores e da Internet. A evolução proporcionada por eles é muito grande, assim como as novas formas delitivas que vão surgindo. Dessa maneira, as classificações se tornam obsoletas em pouco tempo[28]. Entretanto, o autor avança que há duas classificações mais presentes na doutrina. Crimes cibernéticos puros, mistos e comuns e crimes cibernéticos próprios e impróprios[29].
1.4.1.1.Crimes Cibernéticos Puros, Mistos e Comuns
Crimes cibernéticos puros podem ser definidos como "toda e qualquer conduta ilícita que tenha por objectivo exclusivo o sistema de computador, seja pelo atentado físico ou técnico do equipamento e seus componentes, inclusive dados e sistemas"[30]. O agente objectiva atingir o computador, o sistema de informática ou os dados e as informações neles utilizados. É aqui que entram as condutas de praticadas por hackers, que são pessoas com amplo conhecimento informático, utilizado para invadir ou prejudicar servidores e sistemas. Muitas vezes sem nenhuma razão aparente.
Já os crimes cibernéticos mistos “são aqueles em que o uso da internet ou sistema informático é condição sine qua non para a efectivação da conduta, embora o bem jurídico visado seja diverso ao informático”[31]. O agente não visa o sistema de informática e seus componentes, mas a informática é instrumento indispensável para consumação da acção criminosa. Ocorre, por exemplo, segundo o autor, nas transferências ilícitas de valores em uma home-banking.
Os crimes cibernéticos comuns, portanto, são aqueles que utilizam a Internet apenas como instrumento para a realização de um delito já tipificado pela lei penal. A Rede Mundial de Computadores, acaba por ser apenas mais um meio para a realização de uma conduta delituosa. Se antes, por exemplo, a pornografia infantil era instrumentalizada através de vídeos e fotografias, hodiernamente, se dá através das home-pages. Mudou-se a forma, mas a essência do crime permanece a mesma.
1.4.1.2. Crimes Cibernéticos Próprios e Impróprio
Nessa classificação os crimes próprios são aqueles que em que o sistema informático do sujeito passivo é o objecto e o meio do crime. “São aqueles em que o bem jurídico protegido pela norma penal é a inviolabilidade das informações automatizadas (dados).”[32]
O autor aponta que aqui entrariam as condutas praticadas por hackers, tanto de invasão de sistemas quanto de modificar, alterar, inserir dados falsos, ou seja, que atinjam diretamente o software ou hardware do computador e só podem ser concretizados pelo comutador ou contra ele e seus periféricos.
Os crimes cibernéticos impróprios seriam aqueles que atingem um bem jurídico comum, como o patrimônio, e utilizam dos sistemas informáticos apenas como animus operandi, ou seja, um novo meio de execução.
Há certa dificuldade em se reconhecer os crimes cibernéticos impróprios praticados contra o patrimônio, por não se reconhecer na informação armazenada um bem material, mas sim imaterial, insusceptível de apreensão como objecto Entretanto, conforme explica Rita de Cássia Lopes da Silva:
“a informação neste caso, por se tratar de patrimônio, refere-se a bem material, apenas grafado por meio de bits, suscetível, portanto, de subtração. Assim, acções como alteração de dados referentes ao patrimônio, como a supressão de quantia de uma conta bancária, pertencem à esfera dos crimes contra o patrimônio”[33].
Nessa óptica os crimes cibernéticos, produzem um resultado naturalístico, que ofende o espaço físico, o espaço “real”, atingindo bem jurídico diverso do sistema informático.
- OS CRIMES CIBERNÉTICOS/INFORMÁTICOS FACE A ORDEM JURÍDICO PENAL MOÇAMBICANA
O grande paradigma da história humana moderna consubstancia-se na invenção e no aperfeiçoamento das novas tecnologias surgidas no período pós-industrial que impulsionaram o desenvolvimento de instrumentos que implodiram a realidade humana até então existente. O factor que desencadeou esta transformação foi o surgimento de uma nova tecnologia: a tecnologia da informação[34].
Actualmente os sistemas eletrónicos, para além de permitir o intercâmbio de dados e informações que concretizam desde relaccionamentos interpessoais até acordos comerciais envolvendo movimentações financeiras vultosas, criaram novos tipos de delitos, que são os crimes cibernéticos. Porém, recorrendo na análise conceitual, trazemos aspectos comuns em relação ao conceito do crime cibernético. Nesse corolário, podemos ilidir que os crimes cibernéticos comportam-se como uma acção ou omissão típica, ilícita, culposa e punível nos termos da lei penal e caracterizados pela utilização do computador (instrumento típico do crime) e da internet para a prática de actos delituosos, como sejam intromissão (art. 316), incitação a menores (art. 317), furto doméstico (art. 318), burla (art. 319), violação de direitos do autor (art. 320), escuta não autorizada (art. 321), violação do segredo do Estado (art.322), instigação pública (art. 323), fraudes (art. 326), todos previstos no Código Penal.
Para discutir a essência desses crimes no ordenamento jurídico-penal, é essencial ter em conta alguns elementos do próprio crime: autoria e materialização do próprio acto delituoso.
2.1. Da autoria do crime
O primeiro problema a ser enfrentado nos crimes cibernéticos é a determinação da autoria. Muito dificilmente a pessoa que pretende cometer uma infracção penal utiliza sua identificação pessoal real[35]. Há casos em que o criminoso, em conformidade com o ZACCARIAS, se faz passar por outra pessoa, mediante o uso indevido de suas senhas pessoais. E nas redes de computadores, não é possível identificar o usuário visualmente ou através de documentos, mas é possível identificar o endereço da máquina que envia as informações à rede. Ou seja, o IP da máquina[36].
O autor em referência avança mais apontando que
“a quebra do sigilo dos dados de conexão de usuário, trata-se somente da disponibilização por parte das empresas, em um primeiro momento, de qual teria sido o IP utilizado e o horário (incluindo informações de fuso horário) de determinada acção criminosa realizada em um serviço de Internet, como redes sociais, contas de e-mail, programas de mensagens instantâneas, dentre outros e em um segundo momento das informações do usuário que efectivamente utilizou aquele IP de determinado provedor, ou seja, qual teria sido, supostamente, o endereço físico no “mundo real” em que o computador ou outro equipamento informático com acesso à Internet estaria instalado no momento da conduta criminosa”[37].
Ainda na análise da questão da autoria, o GRECO questiona: “Como identificar o agente? Para termos uma ideia das dificuldades e da complexidade que o tema dos controlos assume, por exemplo, na Internet, basta mencionar que podem existir serviços que poderiam ser denominados de “serviço de máscara”[38]. Para o autor, a questão tem a ver com o problema de armazenamento dos logs de acesso. Indo na nossa legislação Penal, podemos conferir que não existe nenhuma previsão de por quanto tempo os servidores devem armazenar essas informações[39].
2.2. Materialização do crime cibernético
De modo geral, pode-se dizer que as evidências dos crimes cibernéticos são extremamente voláteis. Podem ser apagadas em segundos ou perdidas facilmente. Além disso, possuem formato complexo e costumam estar misturadas a uma grande quantidade de dados legítimos, demandando uma análise apurada pelos técnicos e peritos que participam da persecução penal[40].
O GRECO avança mais acentuando que muitas vezes, para a devida comprovação da materialização do delito se faz necessária a interceptação do fluxo de comunicações realizadas através de um computador. Tais interceptações, como exposto acima, somente podem ser feitas mediante autorização judicial.
A maioria dos crimes cibernéticos exige perícia para sua perfeita prova. Uma vez identificado o endereço real do criminoso, e determinada a busca e a preensão de seu computador e quaisquer Mídias que possam conter indícios da materialização será procedido o exame de corpo de delito, que é “o conjunto de diligências destinadas à instrução do processo, com a excepção da instrução contraditória” [41].
Conforme o COSTA, “as evidências dos crimes cibernéticos, em um computador, podem ser classificadas como evidências do usuário e evidências do sistema”[42]. O autor explica que as evidências do usuário são aquelas produzidas pelo próprio sujeito activo, em arquivos de texto, imagem ou qualquer outro tipo. Já as evidências do sistema são as produzidas pelo sistema operacional, em função da acção do sujeito activo[43].
Contudo, podemos aferir que a prática de crimes cibernéticos não é sinónimo de impunidade, uma vez que os dois elementos que compõem o crime, a autoria e a materialização, são passíveis de comprovação por meio de investigação criminal. A questão central será de olhar pela capacidade que a esfera penal moçambicana, com os impactos dos avanços tecnológicos, pode fazer face a esses crimes, isto é, a capacidade de investigar esses crimes que se mostram cada vez mais frequentes, para assim reduzi-los.
3. INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE PREVENÇÃO DOS CRIMES CIBERNÉTICOS NO ESPAÇO VIRTUAL MOÇAMBICANO
Para além do Código Penal aprovado pela Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro, cuja previsão dos crimes cibernéticos estão expostos nos capítulos I, II e III, do TÍTULO III, foi criada a Lei nº 3/2017 de 9 de Janeiro (Lei das Transacções Electrónicas) que “estabelece princípios, normas gerais e o regime jurídico das Transacções Electrónicas e geral, do comércio electrónico em particular, visando garantir a protecção e utilização das tecnologias de informação e comunicação”[44].
A lei das Transacções Electrónicas estabelece todos os preceitos que vão permitir a prática de actos, respeitando as liberdades e direitos de todos os intervenientes, desde o registo do domínio, provedor de serviços, prática do comércio electrónico e a protecção do consumidor. Versa também sobre o funcionamento do Governo Electrónico, protecção de dados electrónicos pessoais, fiscalização e estabelece o sistema de certificação digital e criptografia.
A criptografia é um “conjunto de técnicas que transformam informação inteligível em algo que um agente externo seja incapaz de compreender. Funciona como código que impede que um criminoso consiga interceptar”[45].
Ainda quanto a esta matéria, está prevista a Lei nº 4/2016 de 3 de Junho (Lei das Telecomunicações), que define as bases gerais do sector das telecomunicações, por forma a manter o mercado liberalizado num ambiente de concorrência e de convergência de redes e serviços. Ainda regula matérias relativas ao sigilo, Fraudes, Sistemas de Intercepção Legal e Gateway.
Um outro Regime Jurídico, no quadro da prevenção às invasões cibernéticas, é o decreto nº 18/2015, de 28 de Agosto (Regulamento de registo de Activação dos Módulos de Identificação dos Subscritor de telefonia Móvel (Cartões SIM).
Portanto, apesar de já existir algumas dessas normas que tratem da matéria e da aplicação da legislação existente, o ordenamento jurídico moçambicano ainda não se mostra eficaz para proteger as pessoas que utilizam os meios tecnológicos, como computadores, internet, etc, por faltar uma lei específica que regule a matéria. Da mesma forma, o Estado não apresenta meios para punir todas as condutas criminosas que ocorrem no cenário virtual. Assim, Moçambique continua sendo um espaço virtual propício para a prática dos mais variados crimes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se do que fora abordado que o tema é novo e de grande repercussão na actualidade e, principalmente, no direito penal moçambicano. Nisso os crimes cibernéticos fazem com que haja insegurança virtual e isso leva a necessidade de uma tutela pelo Estado, tendo em atenção de que trata-se de tipos novos em que o bem jurídico tutelado é a informática. Por isso, Moçambique tem muitos desafios para fazer face aos crimes cibernéticos, por não possuir uma legislação específica para disciplinar esses delitos, visto que o espaço virtual é decorrente de avanços tecnológicos, do uso da internet e dos meios informáticos no dia-a-dia, e consequentemente da propagação de crimes relacionados a esse cenário.
Ilidir também que os instrumentos jurídicos de prevenção dos crimes cibernéticos no espaço virtual moçambicano, não são suficientes, olhando pela natureza dos delitos, o que poderá condicionar a impunidade pela prática dos crimes cibernéticos.
Embora já tenham sido tomadas certas medidas, como a criação de normas que regulam algumas dessas condutas criminosas que ocorrem no meio virtual, apesar, também, da aplicação do Código Penal para alguns crimes cibernéticos, é necessária uma legislação específica que englobe com eficiência todas essas condutas, até porque não temos um procedimento processual específico, previsto no nosso Código Processo Penal relativo a este tipo de crimes,
Para além da necessidade de uma legislação específica pertinente, é necessário a adesão em tratados internacionais que disciplinam a matéria, visto que os crimes cibernéticos ocorrem no mundo inteiro e pelo facto de não respeitarem fronteiras - são crimes de carácter transfronteiriço.
BIBLIOGRAFIA
- LEGISLAÇÃO
- Código Penal, aprovado pela Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro (Lei de revisão do Código Penal);
- Código do processo Penal, aprovado pelo Decreto nº 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, declarado em vigor pelo Decreto 19271, de 24 de Janeiro de 1931.
- Lei nº 3/2017, de 9 de Janeiro - que estabelece os princípios, normas gerais e o regime jurídico das Transacções Electrónicas e do governo electrónico
- Lei nº 4/2016 de 3 de Junho (Lei das Telecomunicações), que define as bases gerais do sector das telecomunicações.
- Decreto nº 18/2015, de 28 de Agosto (Regulamento de registo de Activação dos Módulos de Identificação dos Subscritor de telefonia Móvel (Cartões SIM).
- Doutrina
- CARVALHO, Américo Taipa de. Direito Penal – Parte Geral. Questões Fundamentais. Teoria Geral do Crime. 2ª Edição. Reimpressão, Coimbra Editora, 2011.
- SOUSA, Sérgio. Tecnologias de Informação. O que são? Para que servem? 6ª ed. Actualizada. Editora de Informática.
- Artigos e revistas da Internet
- BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal. Parte Geral, Vol. 1, 17ª edição revista, ampliada e actualizada, Editora Saraiva, São Paulo – Brasil, 2012, disponível no file:///F:/aARTIGOS%20DA%20NET%20DIREITO%20PENAL/Tratado%20de%20Direito%20Penal%20-%20Parte%20geral%20-%20 %20Cezar%20Roberto%20Bitencourt.pdf, acessado no dia 16 de Julho de 2017.
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