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Ensino jurídico:

as dimensões entre as perspectivas e possibilidades de um modelo em transição e a trajetória para a (re)construção de um novo cenário

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21/05/2005 às 00:00

Resumo:


  • O ensino jurídico no Brasil é marcado pela expansão do número de cursos e pela necessidade de reformas que atendam às demandas sociais e à realidade contemporânea.

  • As diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo dos cursos jurídicos, estabelecidos pela Portaria 1.886/94/MEC e pela Resolução nº 9 de 2004, visam a formação de profissionais com sólida base teórica e prática, enfatizando a importância da pesquisa, da extensão e do estágio supervisionado.

  • A qualidade do ensino jurídico depende de um compromisso coletivo entre instituições de ensino, corpo docente e discente, visando a integração do conhecimento jurídico com a prática e os desafios sociais, econômicos e culturais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2 PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES DO ENSINO JURÍDICO: O REINVENTAR DOS CURSOS DE DIREITO E A COMPOSIÇÃO DE UM NOVO CENÁRIO

A partir de um dado ponto na caminhada de um homem não é suficiente ser bom. Ele tem que ser útil ao seu semelhante.

Valmor Vieira

As considerações feitas, no capítulo anterior, limitaram-se ao desenvolvimento da compreensão do ensino jurídico, a partir da contextualização histórica em que se deu a evolução curricular. O texto fundamenta-se em um referencial teórico com base na necessidade da composição de pensamentos de forma integrada.

Nesse intuito, analisou-se a crise do ensino do Direito, por conseqüência, passa-se ao estudo de quais são as perspectivas e possibilidades para este ensino, essas entendidas como expectativas e condições. A partir desse capítulo, o trabalho limita-se à revisão da legislação em vigor, como um dos mecanismos para qualificar a graduação em Direito. Para tanto, precisa haver uma reflexão efetiva sobre o papel dos agentes do ensino jurídico na (re)construção de um novo cenário, mais qualificado e comprometido com a realidade social.

2.1 Diretrizes Curriculares e/ou conteúdo mínimo: a (im)possibilidade de compreendê-los

A discussão sobre a crise do ensino do Direito encontrou seu apogeu na década de 80. Já não bastava comentar e questionar a crise, restava a apresentação de propostas viáveis à solução dos problemas que cercavam a prática do ensino jurídico.

O período de avaliação e diagnóstico da crise resultou na Portaria 1.886/94/MEC, que acabou por fixar as diretrizes curriculares e o currículo mínimo dos Cursos de Direito. O objetivo deste ponto é verificar os momentos que antecederam a sua elaboração, para que se possa oportunizar a análise da melhor forma de utilizá-la na consolidação da excelência de um curso jurídico.

2.1.1 Comissões de Ensino Jurídico: discussões preliminares

A efetiva elaboração e posterior aprovação das diretrizes curriculares e do currículo mínimo dos cursos jurídicos foi traçada por uma série de acontecimentos que merecem, inicialmente, duas considerações a serem feitas. A primeira refere-se ao prolongado tempo em que se arrastaram as discussões sobre a crise, sem que houvesse uma proposta concreta. Já a segunda situação que merece ser considerada está na aplicação tardia da proposta apresentada, que se confirma como um dos fatores, entre tantos outros, que impediram de se contornar a crise do ensino jurídico de forma completa.

Antecede qualquer comentário sobre as diretrizes curriculares e o currículo mínimo dos Cursos de Direito, uma reflexão sobre as Comissões de Ensino Jurídico. Essas fomentaram a discussão, gerando o espaço que propiciou, por fim, a elaboração do projeto que culminou na Portaria 1.886/94/MEC.

No ano de 1980, o Ministério da Educação nomeou uma Comissão de Especialistas em Ensino Jurídico, de formação plurirregional, com o objetivo de analisar a organização e o funcionamento dos Cursos de Direito, para posteriormente, apresentar uma proposta de alteração do currículo mínimo. [100]

A sugestão delineada pela Comissão pautou-se na divisão de quatro grupos de matérias: a) matérias básicas – Introdução à Ciência do Direito, Sociologia Geral, Economia, Introdução à Ciência Política e Teoria da Administração; b) de formação geral – Teoria Geral do Direito, Sociologia Jurídica, Filosofia do Direito, Hermenêutica Jurídica e Teoria Geral do Estado; c) de formação profissional – Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direito Comercial, Direito Administrativo, Direito Internacional, Direito Financeiro, Tributário, Direito do Trabalho, Previdenciário, Direito Processual Civil e Direito Processual Penal e d) habilitações específicas – voltado à formação especializada, visando ao conhecimento específico, devendo as disciplinas e áreas ofertadas atenderem à realidade sociocultural de cada região, às possibilidades de cada curso, ao interesse dos alunos e à capacitação do quadro de professores. [101]

Transcorridos mais de 10 anos da apresentação da proposta do novo currículo mínimo elaborado pela comissão nomeada pelo MEC, não havia, ainda, nenhuma posição concreta sobre a sua implantação. Somente em 1991, a OAB resolve tomar parte da discussão, instituindo a Comissão de Ciência e Ensino Jurídico. O intuito era levantar dados e analisar a situação da época, em relação ao ensino e ao mercado de trabalho para advogados. A partir destes dados seriam estabelecidas as novas propostas ao ensino do direito. [102]

A XIV Conferência Nacional da OAB, realizada em 1992, serviu para a apresentação do diagnóstico e das propostas elaboradas ao ensino jurídico pelos membros da comissão. O estudo resultou em um livro intitulado Ensino Jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas, editado pelo Conselho Federal da OAB. [103]

Marcello Lavenere Machado, presidente do Conselho Federal da OAB, na época da publicação, em nota de apresentação, registrou:

O livro editado representa o primeiro esforço da Comissão. Mais do que mera "cartografia dos problemas", ele quer ser um desnudamento de perspectivas. O que deve orientar o trabalho da Comissão, que o preparou, é um diálogo criativo com todos quantos estejam refletindo sobre o ensino jurídico, e elaborando propostas. [104]

Percebe-se que a OAB aproveitava o momento para consolidar de vez a sua intervenção no ensino do Direito. Na medida em que se estabelece a necessidade do aprimoramento do exercício profissional da advocacia, há, por conseqüência, a preocupação com o ensino jurídico.

Como descreve Horácio Wanderlei Rodrigues, a Comissão buscou situar o ensino jurídico aos seus problemas, condicionando a uma leitura voltada à atualização do ensino, em face das novas tendências contemporâneas, fixando elementos bases da avaliação. [105]

O estudo considerou questões como: demandas sociais, de novos sujeitos, tecnológicas, éticas, técnicas, demandas de especialização, de novas formas organizativas do exercício profissional, de efetivação do acesso à justiça e demandas de refundamentação científica e de atualização de paradigmas. Organizada a análise inicial, a Comissão estruturou a concepção para um novo curso jurídico em cinco momentos distintos. Primeiramente, foi determinada a linha de princípios, posteriormente, foram apresentadas as proposições gerais; avaliação dos cursos jurídicos; estrutura curricular e medidas legislativas e corporativo-profissionais.

Entre as propostas, no que se referem ao currículo, as principais inovações estão relacionadas à idéia de um currículo com uma composição tridimensional integrada, associando disciplinas de formação geral, disciplinas profissionalizantes e atividades práticas. Às disciplinas de formação geral caberia a formação fundamental, capacitando o acadêmico ao raciocínio jurídico-crítico, à interdisciplinaridade, às transformações sociais e jurídicas, incluindo-se nas mais variadas áreas do Direito. [106]

No ano de 1993, a Comissão nomeada pela OAB editou a obra Ensino Jurídico: parâmetros para a elevação de qualidade e avaliação, um segundo volume sobre os resultados dos seus estudos. A partir dos dados obtidos na avaliação geral, apresentou uma avaliação classificatória, tendo por base os dados informados pelas próprias instituições. [107]

Dos 184 cursos existentes na época, 88 responderam ao questionário, considerando cinco itens específicos: a) corpo docente; b) infra-estrutura; c) estrutura acadêmica; d) pós-graduação, pesquisa e extensão; e e) corpo discente. "Buscou-se traçar uma estratégia metodológica e um esquema de compreensão sobre o tema [...] fixaram-se parâmetros para a elevação de qualidade e avaliação dos cursos jurídicos do Brasil" [108].

Nota-se que a OAB dá os primeiros passos para a concretização de sua efetiva intervenção no que se refere ao ensino jurídico no país, com base na luta contra a proliferação indiscriminada de novos cursos. O objetivo é de orientar um projeto pedagógico para o ensino do Direito, descrevendo os meios necessários para alcançar o perfil do advogado no limiar do século XXI. [109]

Após o crescente interesse da OAB em discutir o ensino jurídico, oportunizando, inclusive, propostas concretas, fazem com que o MEC deixe de se portar de forma inerte à situação. Assim, em março de 1993, coincidentemente, no mesmo ano em que a OAB lança o segundo volume da obra que apresenta o levantamento das condições dos cursos jurídicos, nomeia uma nova Comissão de Especialistas em Ensino de Direito, encarregada de apresentar uma proposta concreta, com finalidade prática e possibilidade de aplicação. [110]

A metodologia do trabalho foi pautada por reuniões regionais, organizadas com coordenadores de cursos e centros acadêmicos. O primeiro encontro foi realizado em Porto Alegre, abrangendo a região sul, sucessivamente, as discussões foram realizadas na região norte e nordeste e um terceiro encontro tratou sobre o tema na região sudeste. No mesmo ano da nomeação da Comissão, já havia sido cumprida a tarefa em todas as regiões do país, restando, para o mês de dezembro, um encontro conclusivo, que se realizou em Brasília – Seminário Nacional dos Cursos Jurídicos. As discussões apontaram para três pontos distintos, que trataram a elevação da qualidade, a avaliação interna e externa e a reforma dos currículos. [111]

Como explica Horácio Wanderlei Rodrigues, as decisões provenientes dessa Comissão se revestem de fundamental importância. As decisões proferidas continham legitimidade, por terem sido discutidas em seminários regionais e, posteriormente, postas em avaliação nacional; por acatar propostas das bases da comunidade acadêmica e pela Comissão estar autorizada a elaborar o anteprojeto de um novo currículo. [112]

As estratégias e práticas que poderiam desenvolver a melhoria da qualidade do ensino jurídico foram indicadas no relatório final do Seminário Nacional dos Cursos Jurídicos: Elevação de qualidade e avaliação, realizado em Brasília, que foi organizado em cinco tópicos, os quais seguem: [113]

  1. Incentivar nos cursos jurídicos a organização de uma estrutura de ensino crítico que aumente as fontes de informação sobre as situações sociais e políticas onde o direito deve atuar.

  2. Estimular a elaboração de um projeto pedagógico democrático em que as experiências do saber empírico sobre o direito sejam consideradas como reserva estratégica para construção do saber científico sobre o direito real.

  3. Realização de seminários, palestras, estudo dirigido com discussão de textos e casos.

  4. Criação de um Centro Pedagógico onde a análise e a avaliação sejam adotadas como instrumentos na elaboração de um projeto pedagógico.

  5. Maior intercâmbio entre as instituições de ensino de direito e entre seus corpos docente e discente visando não apenas aprofundar o conhecimento científico, mas também compartilhar experiências que possibilitem melhorias na formação didático-pedagógica do corpo docente.

Entre os pontos que deveriam embasar as ações de elevação da qualidade dos cursos, foi feita a ressalva de que entre os limites e possibilidades do currículo, como instrumento de enfrentamento das crises do ensino jurídico, devem-se destacar três pontos principais: as reformas, quando meramente curriculares, são absolutamente insuficientes; as reformas curriculares, mesmo quando insuficientes, geram uma expectativa positiva, a qual deve ser encarada com certa cautela; por fim, a reestruturação curricular, imposta por uma legislação superior, gera a necessidade de uma reflexão mais detalhada, sobre quais são os novos rumos a seguir e as formas de estruturá-los. [114]

2.1.2 Portaria 1886/94/MEC: conhecer, avaliar e aplicar

Ao término do trabalho da Comissão de Especialistas do MEC, atendendo aos objetivos de sua composição, foi elaborado o anteprojeto previsto. Restou, o encaminhamento ao Conselho Federal de Educação em 1994, e em 30 de dezembro do mesmo ano, o Ministro da Educação, Murilo Hingel, aprovou, através da Portaria 1.886, as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo para o ensino jurídico. [115]

Cabe, a este ponto, uma análise detalhada das diretrizes que passaram a conduzir os cursos jurídicos. Desde sua criação, ainda são muitas as dúvidas que pairam sobre a sua aplicação. Ao se falar em crise do ensino jurídico, há quem levante a hipótese da necessidade de novas alterações curriculares. Pretende-se demonstrar que a legislação que trata as diretrizes curriculares ainda é atual, carecendo apenas de entendimento, para que se possa fazer o melhor uso delas.

Assim, passa-se a analisar os principais pontos das, então, novas diretrizes curriculares e do conteúdo mínimo dos Cursos de Direito, apresentados pela Portaria 1.886/94/MEC.

Art. 1º - O curso jurídico será ministrado no mínimo de 3.300 horas de atividades, cuja integralização se fará em pelo menos cinco e no máximo oito anos letivos.

A Portaria instituiu a proposta de uma organização mínima para os cursos jurídicos, referindo-se a uma carga horária não inferior a 3.300 horas. Eliane Botelho Junqueira entende que não poderia ser diferente a regulamentação de uma carga horária mínima, ao contrário, significaria a criação de uma "terra de ninguém". [116] Há que se fazer partidário dessa idéia, uma vez que se não houvesse a limitação, a imposição do mercado faria com que se restringisse a carga horária a ponto de concentrar os conteúdos o máximo possível.

Art. 2º - O curso noturno, que observará o mesmo padrão de desempenho e qualidade do curso de período diurno, terá um máximo diário de quatro horas de atividades didáticas.

O artigo 2º trouxe como preocupação aos cursos, o nível de qualidade das turmas noturnas. Sobre o tema, Eliezer Pereira Martins conclui, diante da qualidade [117], como expressão de excelência, que é possível concebê-la, a partir do pacto celebrado entre os atores do processo pedagógico, após a delimitação das responsabilidades dos seus participantes.

Art. 3º - O curso jurídico desenvolverá atividades de ensino pesquisa e extensão, interligadas e obrigatórias, segundo programação e distribuição aprovadas pela própria Instituição de Ensino Superior, de forma a atender às necessidades de formação fundamental, sociopolítica, técnico-jurídica e prática do bacharel em direito.

Art. 4º - Independentemente do regime acadêmico que adotar o curso (seriado, créditos ou outro), serão destinados cinco a dez por cento da carga horária total para atividades complementares ajustadas entre o aluno e a direção ou coordenação do curso, incluindo pesquisa, extensão, seminários, simpósios, congressos, conferências, monitoria, iniciação científica e disciplinas não previstas no currículo pleno.

Art. 5º - Cada curso jurídico manterá um acervo bibliográfico atualizado de no mínimo dez mil volumes de obras jurídicas e de referência às matérias do curso, além de periódicos de jurisprudência, doutrina e legislação.

A iniciação científica em direito encontrou o amparo que faltava, a Portaria 1886/94/MEC foi um marco positivo ao que se refere à produção do conhecimento. Os três artigos citados remetem os cursos jurídicos ao desenvolvimento de habilidades que integram o ensino, a pesquisa e a extensão. Em especial, ao determinar que deve ser disponibilizado, entre cinco a dez por cento da carga horária total, para atividades complementares, concede ao acadêmico o incentivo à atividade de pesquisa, mencionando, especificamente, a iniciação científica.

Loussia Penha Musse Felix argumenta, ao que se refere à iniciação científica, que a Portaria trouxe uma "nova abordagem educacional", não fazendo apenas menção direta a programas de pesquisa acadêmica, mas também criou mecanismos para sua expansão no país, como a obrigatoriedade da conclusão e defesa de monografia final no bacharelado em direito. Além disso, mencionou a inclusão de núcleos de pesquisa em Cursos de Direito no programa de avaliação das condições de oferta de cursos de graduação. [118]

Há que se considerar, ainda, como necessária a interdisciplinaridade, contrapondo um padrão de racionalidade construído sob o paradigma das ciências naturais, um pensamento científico, cujo avanço se fez pela observação livre, distanciada e descomprometida com a realidade. A idéia de iniciação científica surge com uma abordagem interdisciplinar, através da proposta de refletir o real sem suprimir as contradições, permitindo a articulação dos pontos de integração dos fenômenos na vida social. [119]

A iniciação científica, dessa forma, associada à interdisciplinaridade, organiza-se como o meio mais apropriado para a produção de conhecimento. É através dessa integração que vai se estabelecer o diálogo entre as ciências. Na lição de Boaventura de Sousa Santos "nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma racional; só a configuração de todas elas é racional e é, pois, necessário dialogar com outras formas de conhecimento, deixando-se penetrar por elas". [120] Esse é o processo de criação.

Horácio Wanderlei Rodrigues manifesta-se sobre o tema, dizendo que uma das causas remotas da situação a que chegou o ensino jurídico no Brasil deve-se, em grande parte, à inexistência da pesquisa e da extensão universitária nos cursos jurídicos. "Há a necessidade de tomar-se consciência da indissociabilidade desses elementos. Sem pesquisa não há novo conhecimento a transmitir. Sem extensão não há o cumprimento da função social do conhecimento produzido." [121]

Art. 6º - O conteúdo mínimo do curso jurídico, além do estágio, compreenderá as seguintes matérias, que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada curso.

I - Fundamentais: Introdução ao Direito, Filosofia (geral e jurídica), Sociologia (geral e jurídica), Economia e Ciência Política (com Teoria do Estado).

II - Profissionalizantes: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial e Direito Internacional.

Parágrafo Único: As demais matérias e novos direitos serão incluídos nas disciplinas em que se desdobrar o currículo pleno de cada curso, de acordo com suas peculiaridades e com observância de interdisciplinaridade.

Evidentes são os avanços trazidos no artigo 6º, as especificações vêm ao encontro do que se quer como o perfil do formando. Assim, o inciso I apresenta entre as matérias fundamentais a Filosofia Geral e Jurídica, a Ética Geral e Profissional, a Sociologia, a Economia e a Ciência Política. O inciso II contempla as disciplinas clássicas como profissionalizantes.

Sobre o artigo 6º, manifesta-se Roberto A. R. de Aguiar no sentido que "corremos o risco dos cursos jurídicos [...] transformarem o currículo mínimo em pleno, não introduzindo nenhuma noção nova, nenhum conhecimento de ponta, nenhuma discussão mais séria do que a produção do óbvio". [122]

Válida é a colocação do parágrafo único, ao possibilitar aos Cursos de Direito a formação de bacharéis aptos a intervirem nas realidades da sociedade, atendendo particularidades regionais e contemplando, mais uma vez, a interdisciplinaridade.

Art. 8º - A partir do 4º ano, ou do período letivo correspondente, e observando o conteúdo mínimo previsto no art. 6º, poderá o curso concentrar-se em uma ou mais áreas de especialização, segundo as vocações e demandas sociais e de mercado de trabalho.

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Embora de caráter facultativo, a concentração em áreas de especializações, a fim de atender as vocações, as demandas sociais e de mercado, contribuem ao direcionamento da atuação profissional e é uma importante inovação. Ressalta-se que "o entendimento dessa norma não signifique estreitamento, mas direcionamento de visões amplas para as práticas profissionais recortadas e não isoladas." [123]

Art. 9º - Para conclusão do curso, será obrigatória a defesa de monografia final, perante banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo aluno.

O artigo 9º contém uma das grandes mudanças, a exigência de defesa de monografia final. Não havia em nenhuma das normas anteriores posicionamento similar. O momento era oportuno, já que se havia mencionando, em artigos anteriores, sobre a necessidade do formando refletir e produzir conhecimento. A inclusão da monografia final de curso é uma decorrência lógica da pesquisa.

Entre as considerações a serem feitas, pode ser destacada a exigência ao acadêmico sobre conhecimento e a utilização da metodologia da pesquisa científica. Assim, permitiu-se, o desenvolvimento da lógica da argumentação e persuasão. [124] Contudo, a pesquisa encarada como investigação científica, estimula o futuro bacharel a ter uma postura de reflexão frente aos problemas jurídicos, com condições técnicas para resolvê-los.

Colaborando a este raciocínio, Welber Barral conclui dizendo que a exigência da monografia para a graduação em Direito representa um fator relevante para a evolução da pesquisa nesse ramo de conhecimento. Os reflexos poderão ser positivos, tanto na utilização de novos métodos de pesquisa, na preparação acadêmica dos alunos e na capacitação para estudos futuros. [125]

Art. 10º - O estágio de prática jurídica, supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e integrante do currículo pleno, em um total mínimo de 300 horas de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo correspondente.

§ 1º - O núcleo de prática jurídica, coordenado por professores do curso, disporá de instalações adequadas para treinamento das atividades profissionais de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões jurídicas e para atendimento ao público.

§ 2º - As atividades de prática jurídica poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensoria Pública e outras entidades públicas, judiciárias, empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser instalados em dependência da própria instituição de ensino superior.

Art. 11 – As atividades do estágio supervisionado serão exclusivamente práticas, incluindo redação de peças processuais e profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e sessões, visitas a órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação, sob o controle, orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica.

Art. 12 – O estágio profissional de advocacia, previsto na Lei 8.906/94, de caráter extracurricular, inclusive para graduados, poderá ser oferecido pela Instituição de Ensino Superior, em convênio com a OAB, complementando-se a carga horária efetivamente cumprida no estágio supervisionado, com atividades práticas típicas de advogado e de estudo do Estatuto da Advocacia e da OAB e do Código de ética e Disciplina.

Parágrafo Único: A complementação da carga horária, no total estabelecido no convênio, era efetivada mediante atividades no próprio núcleo de prática jurídica, na Defensoria Pública, em escritórios de advocacia ou em setores jurídicos, públicos ou privados, credenciados e acompanhados pelo núcleo e pela OAB.

Art. 13 – O tempo do estágio realizado em Defensoria Pública da União, do Distrito Federal ou dos Estados, na forma do artigo 145, da Lei Complementar 80, será considerado para fins de carga horária do estágio curricular, previsto no artigo 10 desta Portaria.

Outro importante avanço foi garantido no que se refere ao estágio, isto é, à prática jurídica. Na concepção de Álvaro Melo Filho a Portaria assegurou que o Núcleo de Prática Jurídica desempenhe a função de laboratório jurídico onde se faz a análise dos casos concretos, em sua dimensão técnica e em seu substrato sócio-político. [126]

Na concepção anterior, o estágio era optativo, extracurricular e tinha como objetivo principal a inscrição do quadro de advogados da OAB, com dispensa de exame. Após o advento da Lei nº 8.906/95, o Exame da OAB passou a ser obrigatório. O estágio tornou-se curricular, integrando a formação do graduando, não apenas para o exercício da advocacia, mas também contemplando as demais profissões jurídicas. [127] Assim, "a abordagem dos estágios tem que compreender os trabalhos de promotor, procurador, juiz e, sobretudo, o foco para os problemas sociais." [128]

Quanto ao Núcleo de Prática Jurídica, pode-se dizer, ainda, que sua missão vai além da prestação do serviço à comunidade. Sua maior contribuição está voltada para a "democratização do acesso à justiça e à melhoria do ensino jurídico" [129]

Na prática, o espaço destinado ao estágio pode ser um dos pontos fortes de um curso jurídico, podendo ser precursor de ensino, pesquisa e extensão. Além de prestar um serviço essencial à comunidade, não só pela assistência jurídica prestada, mas sim, principalmente, pelas condições de propagar a prática da cidadania. Quanto à Assistência Jurídica, há que se ressaltar que deve preponderar a condição de laboratório, ao contrário, tem-se um posto de atendimento e não de ensino.

Por fim, para avaliar os principais benefícios da Portaria, utiliza-se da exposição de Aurélio Wander Bastos que entende, entre as principais, linhas modificativas: a) ampliação da carga horária formativa do aluno; b) conexão do ensino jurídico com as atividades de pesquisa e extensão; c) intercâmbio internacional e consultas bibliográficas e jurisprudenciais; d) coordenação entre o currículo mínimo e o pleno em cada curso; e) incentivo às áreas de especialização, após o cumprimento do conteúdo mínimo curricular regional; f) incentivo à monografia de curso; e g) definição das atividades do estágio de prática jurídica. [130]

Em solicitação formulada pelo o Conselho Nacional de Educação, o Parecer nº 55 de 18 de fevereiro de 2004 trouxe, como posição dos relatores, a intenção de aprovação de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Direito. A proposta foi encaminhada ao Ministro da educação e homologada em 23 de setembro de 2004. Assim, a Resolução de n° 9 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito.

2.1.3 Resolução nº 9: diretrizes ao ensino jurídico

A discussão contempla a necessidade por Diretrizes Curriculares, sendo que a Portaria 1.886/94/MEC, para alguns autores, tinha apenas apresentado um currículo mínimo, e não diretrizes. Assim, não há grandes alterações frente à legislação anterior, por mais que haja revogação expressa, o que se observa é que, em partes, a Resolução nº 9 complementa a Portaria.

Nas motivações relatadas no Parecer 55/2004, do qual decorreu a proposta aprovada, ficou definido que no Projeto Pedagógico do Curso deve conter clara opção da instituição de ensino superior sobre a inclusão ou não do trabalho final de curso. Porém, as Diretrizes aprovadas incluíram a monografia jurídica, com caráter obrigatório, conforme disposto no artigo 10.

É pertinente que se faça a seguinte ressalva, que através da monografia se busca consolidar os cursos jurídicos como fontes de ciência e produção de conhecimento. Incoerente é a posição que determina como opção o trabalho final de graduação. O consolo, diante de tal pretensão, é acreditar que os cursos jurídicos iriam optar pelo desenvolvimento desse tipo de pesquisa, como forma, inclusive, de demonstrar à comunidade a produção intelectual e o potencial dos seus graduandos. Felizmente, a Resolução nº 9 manifestou-se pela obrigatoriedade.

Para fundamentar este posicionamento, Eduardo C. B. Bittar diz que a atividade de pesquisa deve ser estimulada com o anseio de formar uma mentalidade científica, a partir do diálogo entre o corpo discente e docente. Acrescenta, ainda, que este diálogo deve fomentar a integração do curso com comunidades externas a este. [131] "A produção científica é um dos itens que distinguem verdadeiramente uma instituição de ensino superior em meio a outras." [132]

Colabora com o posicionamento do autor, o entendimento de que não basta exigir do aluno que faça uma pesquisa, que não vai passar de uma compilação de doutrinas, sem resultados práticos. Entre a pesquisa realizada e a sociedade, a qual se quer estar inserido, deve ser analisada as condições de aplicabilidade dos conhecimentos gerados.

O artigo 9º impôs às instituições a adoção de normas específicas e alternativas de avaliação, interna e externa, envolvendo todos os agentes que integram o curso. Essa é uma importante contribuição ao aperfeiçoamento e à qualificação do ensino jurídico, visto que a partir de uma auto-avaliação é possível o desenvolvimento de estratégias e ações para a identificação do perfil do formando.

Em oposição à Portaria 1.886/94/MEC, os relatores do Parecer nº 55/2004 verificaram que ela contém uma visível contradição em seus termos. Acreditam que seus dispositivos se limitam ao conteúdo mínimo do curso jurídico e não às diretrizes curriculares. [133]

Nesse sentido, como dito em posicionamento anterior, por mais que a determinação seja de revogação aos dispositivos em contrário, constata-se que a primeira legislação serviu para determinar condições básicas, das quais os cursos jurídicos estavam carecendo. O surgimento da Resolução n° 9, com o intuito de instituir as diretrizes curriculares, pode ser considerado como uma forma de aperfeiçoar a proposta inicial.

O momento é pertinente para qualificar o ensino jurídico, estando a sua disposição, os mecanismos básicos, ou seja, as diretrizes dos cursos. Para tanto, precisa haver uma reflexão efetiva diante de quais são as perspectivas e possibilidades desse modelo em transição. Assim, está aberta, aos atores do ensino jurídico, a (re)construção de um novo cenário.

2.2 A (re)construção das profissões jurídicas: a modernização do direito e os novos rumos do ensino jurídico

Os fatos que contemplam a contemporaneidade do ensino jurídico exigem uma reflexão sobre a sua crise. Como proposto ao longo deste estudo, pode-se determinar que a formação do ensino jurídico desenvolveu-se diante das concepções e necessidades Estatais, não havendo um entrosamento de maior valia entre os cursos jurídicos e a sociedade, especialmente, os mais carentes.

Do mesmo raciocínio, comunga José Sebastião de Oliveira ao expor que o ensino jurídico se manteve desvinculado da realidade social. Ao contrário, em tempos atuais, exige-se a aproximação dos cursos jurídicos com o meio que integram. [134] São vários os novos fenômenos jurídico-sociais, para os quais não se têm profissionais aptos a criarem soluções para tais conflitos de interesses, denominados de novos direitos. Frisa-se, então, a carência de uma formação que compreenda a prevenção de conflitos.

O papel das profissões jurídicas e das instituições de ensino do Direito sofre uma transformação caracterizada, essencialmente, por conflitos emergentes, cada vez mais complexos. "O aparecimento de movimentos sociais [...] procurando criar novos direitos, tem aberto caminho para práticas contraditórias que comprometem o ordenamento vigente a partir da discussão de problemas específicos." [135]

José Eduardo Faria entende que o Estado trata cada problema de forma isolada, "essa dispersão acarreta a própria ampliação e a posterior fragmentação de suas funções regulatórias". [136]

Assim, questiona-se: quais as novas responsabilidades e funções do ensino jurídico e de que formas os Cursos de Direito estarão aptos a reinventar uma formação jurídica com qualidade?

É pertinente a colaboração de João Maurício Adeodato quando expõe que ao ser instituído um currículo mínimo, como exigência aos cursos jurídicos, automaticamente, é difícil que os limites sejam ultrapassados. [137] Satisfatoriamente se constrói um currículo irrisório, sem nenhuma inovação construtiva. A condição mínima é encarada como máxima.

Todo o processo de reinventar o ensino jurídico, parte do ideal de qualidade [138]. A explicação é de Eduardo C. B. Bittar que analisa o sentido da qualidade de ensino. A busca da qualidade, segundo o autor, é um movimento geral da sociedade. "Qualidade é também questão de sobrevivência; existir e resistir, viver e sobreviver entre iguais, sem itens de distinção". [139]

O autor lembra que a idéia de qualidade encontra-se em todo o capítulo sobre a educação no texto da Constituição Federal de 1988, onde:

Art. 214: A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: melhoria da qualidade de ensino.

Para a proposta de qualidade, são sugeridos os seguintes caminhos:

  1. planejar melhoria – identificação de oportunidade de melhoria; análise do processo; geração de alternativas; avaliação de alternativas; planos de ação e implantação;

  2. implantar melhoria – medir desempenho atual; envolver pessoas; implantar alteração de processo;

  3. avaliar melhoria – medir desempenho após melhoria; avaliar desempenho após melhoria;

  4. ação a ser disparada – se melhoria foi sucesso, normatiza e padroniza; se melhoria não foi sucesso, ou reinicia-se o ciclo ou volta-se à situação anterior. [140]

Ao questionar a qualidade, deve-se estar associado ao pensamento de responsabilidade na construção dos projetos de ensino e na condução das atividades acadêmicas. Assim agem os processos de avaliação de padrões de qualidade do MEC, que são instrumentos convenientes para assegurar a defesa dos direitos do educando, mas também plenamente constitucionais, legais e legítimos.

Para completar seu pensamento, Bittar afirma que a qualidade não pode ser fragmentária, devendo estar em todas as partes, para repercutir no ambiente acadêmico: ética estudantil, estabelecimento, informatização, comunicação, profissionalismo, atendimento, estrutura, serviços, conteúdo didático, publicações institucionais, titulação docente, integração acadêmica e profissional, filosofia de trabalho. [141]

Entende-se que o ensino jurídico deva acompanhar as novas demandas sociais, consequentemente, integrar-se à comunidade é um dos seus papéis. Desta forma, não é necessário alterações curriculares como uma constante. O caminho está em novas posturas, e estas podem ser determinadas a partir da percepção do próprio curso, que deverá ser coerente com a função que exerce.

Nesse sentido, tentar-se-á tecer algumas modestas contribuições, apresentando alternativas a pontos ainda não recepcionados pelos cursos jurídicos, ou não tratados na proporção que merecem. Considerar-se-ão três pontos, não, necessariamente, os principais, mas quando bem trabalhados podem ser essenciais à qualificação de um curso jurídico, a saber: produção científica; prática jurídica e extensão acadêmica.

2.2.1 Produção científica: entender o Direito como ciência

Entre os pontos de qualificação do ensino jurídico, é entendido que através da pesquisa podem ser desenvolvidas novas formas de intervenção e, consequentemente, de aplicação dos conhecimentos estudados.

Antecede a discussão sobre a pesquisa nos cursos jurídicos, a contribuição de Paulo Freire, ao se referir à pesquisa e ensino. O autor determina que "ensinar exige pesquisa", dessa forma, transcreve-se: "ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade." [142]

Nos ensinamentos de Nelson Nery Costa, o autor defende que a pesquisa faz com que os novos graduados tenham condições de efetuar uma análise crítica, compreendendo o fenômeno jurídico, relacionado com a realidade social e política. Quanto à monografia, esta cria uma mentalidade científica, uma postura crítica capaz de impedir que o ensino do Direito seja feito sempre de uma mesma forma, sem novas concepções. [143]

Nesse sentido, analisa-se o raciocínio de José Eduardo Faria, onde questiona a possibilidade de separar o direito, visto como um sistema coerente, de todas as implicações políticas, econômicas, sociais e culturais, inerentes ao seu real funcionamento. [144]

A questão levantada pelo autor torna-se pertinente a este estudo, na medida em que, antes de se falar em pesquisa, passa-se pela necessidade de (re)conhecer o Direito como ciência. O autor indaga o sentido das expressões fins sociais e bem comum, institucionalizadas como princípios gerais do Direito. Questiona, então, fins sociais na perspectiva de quem? Comum a quem?

A relação exposta nos dois últimos parágrafos foi necessária para que ficasse nítida a concepção de ciência que o Direito deve ter. Se os fins não são comuns, e se existem manifestações parciais, caracterizadas por posicionamentos individuais, no mínimo em classes, determina, assim, a proposta de uma ciência do Direito, que se recuse a analisar leis e Códigos, apenas, em seus aspectos lógico-formais.

A tese do autor parte de que as funções de organização e reprodução de consenso, cumpridas pelas leis, não podem ser concebidas à margem do saber que as constitui. "O saber jurídico seria, então, a maneira como se reveste a forma do direito na estrutura das relações sociais." [145] Encarar o Direito como ciência seria uma das propostas de mudança.

Com base legal, tanto a Portaria 1886/94/MEC quanto a Resolução nº 9/2004, como visto em pontos anteriores, compreenderam o desenvolvimento de habilidades vinculadas à produção científica. Porém, Loussia Penha Musse Felix entende que a condição de pesquisador, tanto voluntário quanto bolsista, em programas de iniciação científica, ainda, é privilégio de poucos. A autora inclui a pesquisa como a atividade mais completa, entre todas as ações pedagógicas propostas em um curso de graduação. Determina-se, assim, uma "nova abordagem educacional". [146]

A pesquisa permite uma nova visão sobre o Direito, a formação acadêmica surge para superar a distância que separa o conhecimento jurídico de sua realidade social. A pesquisa científica em Direito, nesse sentido, gera elementos de uma nova teoria do Direito e de um novo modelo de ensino jurídico. [147]

Diante de tais considerações, chega-se ao momento de efetivar o ensino jurídico através da pesquisa, organizando um espaço oportuno para repensar a formação acadêmica, frente à relação entre os cursos jurídicos e o meio social que estão inseridos. A pesquisa representa a produção de conhecimento. Constata-se que tal produção não deve ficar isolada, não socializada. É o momento, então, de realizar a integração social, espaço oportuno, também, para a extensão, consequentemente, atinge-se as atividades práticas.

É válido, portanto, que os Cursos de Direito oportunizem espaços para o desenvolvimento de pesquisa. Sugere-se que as atividades sejam orientadas por um núcleo específico, com professores-orientadores em áreas delimitadas. A pesquisa poderá estar associada a outras ações realizadas no curso, assim como, na monitoria, nas atividades de prática jurídica e na extensão. [148]

No que tange à integração social é importante organizar estratégias que envolva o curso com a sociedade. O Núcleo de Pesquisa, consciente de alguns problemas e temas emergentes no cenário jurídico-social, poderá adotar a política de sugerir, periodicamente, uma Questão de Pesquisa. Tal sugestão não limita o curso a uma temática única, mas incentiva a produção acadêmica em um ponto, que terá como principais objetivos: a socialização do conhecimento produzido e a sua efetiva aplicação à realidade.

A Questão de Pesquisa objetiva integrar a produção acadêmica do curso em uma problemática única, para que a partir das produções desenvolvidas possa-se estabelecer uma discussão de aplicabilidade. Assim, as disciplinas do curso estariam focadas, respeitando suas particularidades, em uma produção integrada. A publicação do curso iria focar o tema e os Grupos de Pesquisa, mesmo que delimitados em outras temáticas, poderiam contribuir com a questão. Outras áreas poderiam tecer contribuições, inclusive, possibilidades de se desenvolver a interdisciplinaridade.

Assim, diante de tais sugestões, seguem os ensinamentos, já mencionados, de Eduardo C. B. Bittar que destaca a necessidade de planejar a melhoria, implantá-la e avaliá-la. Em caso de avaliação positiva, confirmado o sucesso do procedimento adotado, normatiza-se e padroniza-se. Ao contrário, reinicia-se o ciclo ou volta-se a avaliar. [149]

2.2.2 Prática Jurídica: um espaço para composição de conflitos

A pesquisa é indissociável às atividades que compreendem o plano pedagógico de um curso. De tal forma, não poderia ser diferente ao que se refere à prática jurídica. Nas palavras da professora Loussia Musse Felix, o estágio deve estar aliado à pesquisa, como uma das formas válidas de preparação de um novo profissional do Direito. [150]

Para Roberto Aguiar, com o advento da Portaria 1.886/94/MEC, um dos problemas mais graves do ensino jurídico foi tratado em tempo, o estágio. [151] Manifestando-se a respeito da essência de um Núcleo de Prática Jurídica, André de Oliveira argumenta que o estudante de Direito em contato com a prática deve ser direcionado para o trabalho, com questões jurídicas mais complexas, tornando-se apto a acompanhar as emergentes demandas e transformações sociais. [152]

Assim, "o olhar do aluno tem que ir além da separação, divórcio, reclamação trabalhista, para, sobretudo, observar o quadro social do seu atendido." [153] Assim, o diálogo com as comunidades, e não apenas a visão individual do atendimento, é um dos pontos essenciais do Núcleo de Prática Jurídica. Há que se observar não apenas o individual, mas, essencialmente, o social. A participação do Curso de Serviço Social, por exemplo, pode contribuir com esta questão.

O espaço destinado para o ensino da prática é caracterizado pela proximidade com a comunidade, visto que, o serviço de assistência jurídica exerce, para muitos, a única oportunidade de ver seus direitos atendidos. Desta forma, a prática jurídica está vinculada a um importante papel social. Como expõe Eduardo C. B. Bittar, é o momento da reflexão jurídica se tornar prática, operacionalizada, daí a função social de um Núcleo de Prática Jurídica. [154] Dessa forma, como já mencionado, é importante ressaltar a idéia de que a Assistência Jurídica deve estar caracterizada como laboratório e não como um posto de atendimento, o caráter da assistência deve ser, essencialmente, de ensino.

A valorização do estágio profissional, no entendimento de Anderson Orestes Lobato, é um bom começo para a elevação do nível de qualidade do ensino jurídico. Deve ser oferecido ao estudante de Direito uma efetiva inserção no mercado de trabalho, desenvolvendo-se como forma de avaliação dos conhecimentos teóricos, bem como, de sua formação humanística, crítica e ética. Observa, ainda, que as cadeiras de estágio profissional estão a desafiar a criatividade dos cursos jurídicos. [155]

Entre as possibilidades de superação da crise do ensino jurídico, está a necessária adequação das práticas jurídicas ao mundo concreto, e uma maior efetivação da justiça social, como elemento de sustentação da própria prática. [156]

No sentido de adequar a prática jurídica à realidade social, é importante que o ensino jurídico responda aos novos fenômenos jurídico-sociais. Não há profissionais aptos a criarem soluções para as demandas. É preciso que a academia forme habilidades para a composição de litígios. O perfil do graduando deve ser de mediador, [157] para tanto, é necessário desenvolver espaços para o exercício de tal tarefa. [158]

A mediação surge como um caminho alternativo para os casos tradicionalmente tratados pela Justiça, sobretudo os de Direito de Família. Como a maioria dos casos atendidos na Assistência Jurídica dos cursos jurídicos envolve questões de família [159], oportunamente, seria o espaço ideal para o desenvolvimento de atividades de mediação, contemplando, inclusive, acadêmicos de outros cursos.

O Núcleo de Prática Jurídica, na concepção das diretrizes curriculares para os cursos jurídicos, é o órgão responsável pelo estágio. Não se concebe que sua atuação esteja limitada a simples prestação de assistencialismo jurídico. Entre suas responsabilidades, deve-se fazer presente, a de gerar condições de prática jurídica nas mais diversas áreas. As atividades de prática devem acompanhar a evolução das profissões jurídicas, assim como, a necessidade do mercado e, principalmente, os anseios da comunidade.

É válido, portanto, que os Cursos de Direito oportunizem espaços para o desenvolvimento de uma efetiva prática jurídica. Assim, o estágio pode desenvolver uma das maiores contribuições da faculdade para a sociedade. Chega-se ao momento em que se expõem algumas sugestões sobre a atuação dos Núcleos de Prática Jurídica.

Entende-se que antes de qualquer coisa deve haver uma preparação docente diferente da desenvolvida em sala de aula, o professor de estágio é muito mais um orientador do que propriamente um professor. [160] Dessa forma, sugere-se que os Cursos de Direito deverão ter o cuidado de desenvolver, essencialmente, uma boa supervisão de estágio, oportunizar a construção de resolução de conflitos e integrar a prática jurídica à comunidade.

Os graduandos em Direito podem desenvolver diversas habilidades junto ao Núcleo de Prática Jurídica. A organização das atividades da Assistência Jurídica, por exemplo, poderá estar delimitada em eixos temáticos, divididos em áreas de atuação, fazendo com que os alunos possam ter um contato diversificado.

Para que haja a diversificação da demanda, não se restringindo, apenas, a casos de família, novas ações poderão ser planejadas, assim como, o cadastramento de pequenas empresas que poderiam receber consultoria jurídica. A pesquisa acadêmica poderá ser contemplada através da criação de grupos de estudos, destinados a produção de pareceres sobre assuntos determinados, verificados durante o atendimento prestado na própria assistência. Importante, também, que a prática possa ser ofertada ao longo do curso, atendendo a todos os alunos, não se limitando aos acadêmicos formandos.

Necessariamente, aos casos de família, de forma interdisciplinar, poderá ser oferecida a composição do conflito, sob a criação de uma Câmara de Mediação e Conciliação, orientada por um professor e operacionalizada por acadêmicos do curso. A idéia é que os próprios estagiários possam interagir com a comunidade, buscando soluções aos litígios. Nesse caso, somente esgotada as opções de composição extrajudicial é que iria se ajuizar a ação.

Percebe-se o grande benefício que esta conduta poderia trazer ao Poder Judiciário, na medida em que fosse adotada como regra, através do ensino jurídico. Além disso, uma nova mentalidade estaria, aos poucos, sendo firmada pelos cursos jurídicos, a idéia do culto ao litígio estaria sendo substituída por uma época de conciliação, de mediação, de resolução de conflitos. Outra habilidade que poderia ser desenvolvida através do Núcleo de Prática é a de elevar o Direito como educação [161]. Esta idéia parte da conscientização da comunidade sobre seus direito e deveres, consequentemente, amplia as condições de acesso à justiça.

Há que se ressaltar que as atividades desenvolvidas no Núcleo de Prática deverão ser compartilhadas com os demais acadêmicos. Esse objetivo pode ser desenvolvido através de um seminário, onde os alunos, ao final do estágio, como parte da avaliação, apresentam as posições tomadas diante dos casos que atenderam.

O seminário seria aberto aos demais acadêmicos, e apresentado frente a uma banca de professores, preferencialmente, os orientadores de estágio. Nesse momento, é oportuno, inclusive, que os assistidos possam se manifestar sobre o serviço recebido. Tal procedimento contemplaria o ensino, a pesquisa e a extensão, proporcionando, um espaço de socialização de conhecimento, e antes de tudo, condições de reflexão, sobre o ensino e o serviço prestado, em suma, uma auto-avaliação.

Importante que seja desenvolvida a motivação e o reconhecimento dos alunos que desempenham um comprometimento mais apurado. Aos acadêmicos com atuação destacada deve se dar o devido reconhecimento, um concurso de petições, por exemplo, onde possam ser observadas a qualidade da redação e o raciocínio jurídico, assim como, a análise do número de conciliações, realizadas pelos acadêmicos, podem ser, entre tantas outras, questões a serem observadas pela coordenação de um Núcleo de Prática.

A partir dessa singela contribuição, acredita-se que os Cursos de Direito, ao que se refere à prática jurídica, estariam aptos, a uma maior qualificação, se contemplassem, entre suas ações, alguma das contribuições argumentadas neste ponto.

2.2.3 Extensão Acadêmica: um pensar além da sala de aula

O ensino jurídico, assim como, o Direito em si, são peças fundamentais à sociedade, disso não resta dúvida. A extensão acadêmica, nesse contexto, é o meio para integrar espaços, sendo eles: sala de aula e rua.

Nesse sentido, conforme terminologia usada por João Paulo de Souza, tem-se:

É na rua, é fora da sala de aula que é possível ver como o direito-instituído ou se efetiva ou é sonegado. Nas instituições se apresentam as possibilidades de releitura do direito [...] É no cotidiano das pessoas e das instituições que os fatos acontecem, onde se luta pelos bens da vida, onde se operam as mudanças sociais. [162]

A própria Constituição Federal de 1988 faz referência à extensão ao dispor que ela deverá compor, de forma indissociável, em conjunto com o ensino e a pesquisa, o ensino superior. Por extensão, entende-se como o meio pelo qual as universidades, nesse caso, os cursos jurídicos, interagem com a comunidade, estendendo suas atividades aos mais diversos órgãos e segmentos sociais. Realiza, com isso, condições de cidadania, na medida em que ajuda a comunidade a solucionar determinados problemas e oferece ampla oportunidade de aprendizagem e crescimento aos futuros profissionais. [163]

Assim, a professora Loussia Musse Felix defende a posição de que a extensão pode constituir-se em amplo espaço "para iniciativas docentes e discentes de aprimoramento, intercâmbio e divulgação do conhecimento, além de envolver os alunos em situações de trabalho real, o que oferece sua formação sociopolítica." [164]

A extensão surge como fator de inserção social, o que a caracteriza como um importante espaço para o desenvolvimento de práticas distintas da sala de aula, e ainda, nela se encontra a oportunidade de aplicar os conhecimentos tratados em aula.

Deisy Ventura faz referência sobre a necessidade de transpor as quatro paredes e integrar espaços. A extensão está envolvida a este integrar, cabendo aos Cursos de Direito, ao elaborar projetos de extensão, demonstrar a sua concepção sobre a função pública que exercem. Para tanto, efetivar o comprometimento da instituição com as atividades extra-classe, implicam em investimento de recursos humanos e financeiros. [165]

Considerando a exigência do desenvolvimento da extensão, cabe ressaltar a integração entre os três pontos destacados nesse estudo: pesquisa, prática e extensão. Assim, é necessário despertar o aprofundamento dos conhecimentos através da pesquisa, integrar espaços através do contato construtivo da extensão e proporcionar uma aplicação prática dos conhecimentos.

A pesquisa gera, produz o conhecimento, materializa a construção crítica do pensamento acadêmico sobre determinado assunto, enquanto que a extensão operacionaliza, dá condições de aplicabilidade aos conhecimentos. Já a prática, complementa ao colocar em prova o conhecimento pesquisado e sua aplicabilidade. Dessa forma, tem-se a pesquisa como meio, a extensão como modo, e a prática como instrumento.

Fundamenta este posicionamento, duas situações expostas por Deisy Ventura, onde a autora defende que "o acadêmico deve desenvolver a aptidão para ser posto à prova em outros cenários" e que "a palavra-chave entre teoria e prática deve ser complementaridade, e não rivalidade ou contradição." [166]

Assim, concretizar a cidadania através da extensão é um desafio ao ensino jurídico, na medida em que a cidadania é uma invenção social que exige um saber político baseando na prática, que se junta à prática de sobre ela refletir. [167]

Uma outra questão de integração entre extensão e prática, pode ser desenvolvida através do Núcleo de Prática Jurídica em conjunto ao Núcleo de Extensão, este criado pela coordenação do curso para coordenar e orientar as atividades de extensão. Através da prestação de serviços, podem ser propostas soluções de conflitos, desvendando novos ângulos da realidade.

O Direito pode e deve ser "ensinado e também aprendido na rua". O ensino jurídico, em sentido amplo, "vai da casa do aluno ao foro, destes aos conselhos comunitários, às associações não-governamentais, delegacia de polícia, cadeias públicas e penitenciárias." [168]

É pertinente que se façam algumas sugestões aos cursos jurídicos no que se refere à extensão. Assim, diante dos ensinamentos que tratam a questão, inicialmente, considera-se a necessidade da Faculdade de Direito implantar o Núcleo de Extensão, órgão responsável pela orientação, coordenação e avaliação das atividades de extensão.

Entre as principais atividades a serem observadas destaca-se, o papel que a extensão exerce na integração à realidade social. Contudo, a concepção da forma ideal de se desenvolver as atividades de integração, parte da pesquisa acadêmica, que marca a sua participação através da estruturação, do planejamento de um processo de conhecimento a ser aplicado.

Após o desenvolvimento da pesquisa, há que se considerar sua integração à realidade, uma das formas de concretizar tal situação, está na associação da pesquisa e da extensão. Nesse raciocínio, o próximo passo seria verificar as condições de aplicabilidade. Ao efetivar a extensão, acredita-se que decorrem duas conseqüências: a) contribuição social do Curso de Direito e b) integração acadêmica à comunidade.

Evidentemente, ao se transpor as paredes da sala de aula, deve haver o retorno, caracterizando-se como um momento de reflexão, ou seja, o conhecimento adquirido junto à comunidade deve ser discutido em sala de aula, analisando-se as potencialidades de resolução dos problemas levantados. Importante destacar o comprometimento que a Faculdade de Direito deve ter a um projeto de extensão, visto que a extensão é um investimento a longo prazo, não há como exigir respostas imediatas. Assim, antes de se implantar qualquer atividade de extensão, é válido que se faça a avaliação das perspectivas de continuidade. A participação dos acadêmicos encerra, mas o projeto não, condicionado a novas intervenções e novas participações.

Dessa forma, uma das posições a serem tomadas pelos cursos pode ser a de organizar um grande projeto de extensão, firmando-o como marca do próprio curso. Construir um projeto maior proporcionaria aos acadêmicos um contato com algo já concretizado pela faculdade, para que a partir desse primeiro contato possam ser criadas novas propostas, a ponto de se efetivar uma real intervenção do futuro profissional à realidade.

A iniciativa seria do curso, mas envolveria a celebração de convênios com entidades públicas e privadas, uma associação entre faculdade e sociedade em prol de um objetivo que beneficiaria a todos. Nesse sentido, o Direito é contemplado com uma diversidade de questões que poderiam ser tratadas a partir da extensão, tais como, Direito Ambiental, acesso à justiça, mediação de conflitos, entre outros. Assim, o Direito surge, também, como educação.

A partir dessas sugestões, resta colocar que a extensão, assim como, a pesquisa e a prática jurídica, são pontos de perspectivas aos cursos jurídicos. Um olhar atento à extensão, como modo de qualificar as atividades acadêmicas, é uma das questões a serem observadas.

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Sobre o autor
Vitor Hugo do Amaral Ferreira

bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Franciscano, em Santa Maria (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Vitor Hugo Amaral. Ensino jurídico:: as dimensões entre as perspectivas e possibilidades de um modelo em transição e a trajetória para a (re)construção de um novo cenário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 689, 21 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6752. Acesso em: 22 dez. 2024.

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