A regulamentação do teletrabalho pela lei da reforma trabalhista: flexibilização, aspectos normativos e princípios de aplicação do Direito

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11/07/2018 às 21:30
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Analisa-se a regulamentação do teletrabalho pela “Reforma trabalhista”, estabelecendo primordialmente conexões com os princípios protetivos do trabalho e com as ideologias adequadas de Karl Marx.

INTRODUÇÃO

Perante a ideia de que o trabalho dignifica o homem, percebe-se que o direito do trabalho acaba por alcançar a sociedade como um todo, pois consiste num ramo do direito que abarca pessoas, ou seja, existe uma necessidade ímpar de que as informações e alterações ocorridas neste ramo jurídico sejam difundidas, adentrando o maior número de espaços.

Com isso, além da dignidade da pessoa humana frente ao trabalho, deve-se considerar outro relevante postulado do direito trabalhista, qual seja, o intrínseco teor da dita função social do trabalho. E, portanto, o presente artigo acadêmico objetiva a verificação da modificação legislativa ocorrida recentemente no direito brasileiro do trabalho, visto que tal verificação deve ser de conhecimento de toda a seara de trabalhadores, das mais diversas categorias e profissões.

Na relação de trabalho, é cediço que o empregado encontra-se em posição subordinada e verdadeiramente instável perante o jus variandi do empregador, instabilidade esta genuinamente contratual, pelo que se encontra em constante ameaça frente ao empregador. E, deve-se lembrar que este patrão não é apenas detentor das forças produtivas, como também consegue titularizar o monopólio da relação de emprego através da coação psicológica e íntima do empregado, mais a mais, quando o cenário é o de crises econômicas generalizadas e recessões financeiras.

É possível afirmar, portanto, que a subordinação jurídica referida anteriormente, como requisito diferencial e individualizante da relação de trabalho, manifesta-se também no sentido da coerção psicológica do empregado, revelando uma maior necessidade de proteção do trabalhador, sobre o poder e as ordens diretivas do empregador.

Destarte, o que aqui se pretende demonstrar é que a atual reforma trabalhista vulnera as relações de trabalho e os postos de emprego, pelo que não só aumenta e faz surgir novas modalidades de subemprego, mas também afeta as diferentes categorias profissionais, atingindo o grupo social como um todo, pelo que é necessária a sua discussão de modo amplo e aberto.

Por isso, é preciso uma reflexão integral dos pontos da reforma trabalhista, de maneira detalhada e minuciosa, ainda mais se considerada a forma como ocorreu essa substancial modificação legislativa, que alterou a essência de institutos básicos e estruturais do direito do trabalho. Portanto, faz-se apenas menção que a Lei 13.467 foi aprovada em meio às discussões referentes à reforma previdenciária, indo de encontro com os ditames da publicidade, moralidade e boa-fé que deveriam permear o exercício da função legislativa.

A Reforma Trabalhista efetuou mudanças em toda a essência da Consolidação de 1943, observando-se, portanto, a dimensão e a extensão das alterações promovidas nas relações de trabalho e emprego, travadas no meio social brasileiro. E, diante da necessidade de um recorte específico sobre o tema (assunto), o objeto de estudo do presente artigo acadêmico consiste em tecer breves considerações propedêuticas e dogmáticas a respeito do regime específico de Teletrabalho trazido pela alteração legislativa, pelo que necessário fazer algumas reflexões consequenciais sobre o tema.

Elementar, portanto, ante as considerações acima enunciadas, que se compreenda o papel dos intérpretes e dos juristas que surgiu com as recentes alterações, a fim de salvaguardar e assegurar as garantias e liberdades constitucionais conquistadas pela classe trabalhadora.

Portanto, através de uma avaliação dos dispositivos legais do tema trazidos pela reforma de 2017, intenta-se estabelecer alguns impactos desta regulamentação do trabalho home Office – ou trabalho remoto -, e, outrossim, relaciona o assunto específico com o instituto da flexibilização no direito do trabalho, e com os diferentes princípios protetivos do operariado, segundo os ensinamentos da teoria marxiana.

Finaliza-se, mencionando que o presente artigo científico tem como objetivo analisar o teletrabalho na reforma trabalhista, através das conexões possíveis com os princípios trabalhistas de garantia, e, por conseguinte, o papel dos intérpretes e aplicadores do direito para salvaguarda desses valores, visando a mínima flexibilização das normas legais do trabalho.


2 O PROBLEMA DE ÂMBITO NORMATIVO

O problema recortado no presente trabalho precisa ser desenvolvido em etapas sucessivas e sequenciais, e, portanto, em primeiro lugar, importa compreender essa modificação legislativa, que ao trazer a regulamentação do teletrabalho parece instituir uma nova modalidade de contrato individual, vulnerando a posição ocupada pelo trabalhador.

Destarte, essencial a análise do teor da teoria das fontes, pela especial relevância da referida teoria no Direito do Trabalho, no qual as normas-princípio são particularmente utilizadas para a proteção do trabalho, destacando o postulado chamado de adequação setorial negociada, dentre outros princípios garantistas das posições de emprego.

Importa tecer alguns sucintos esclarecimentos: de um lado, é necessário que os juristas lancem mão dos princípios protetivos do trabalhador quando da interpretação e aplicação das Regras do Direito frente à recente Reforma legislativa; do outro, a necessidade de ponderação quanto aos reais motivos e interesses defendidos com essa modificação.

Em segundo plano, deve-se compreender que fenômeno da flexibilização das normas de proteção ao direito do trabalhador atende primordialmente aos interesses das empresas no livre mercado, pelo que este fenômeno da flexibilização parece deturpar o sentido da negociação coletiva no direito do trabalho.

Enfim, com a conexão existente entre a Reforma Trabalhista e as questões relacionadas à flexibilização, a modificação legislativa afeta o ponto nodal desse teor coletivo do direito trabalhista, surgido como tentativa de fortificação da classe trabalhadora, e que teve seu sentido distorcido pela nova tese de 2017 do Negociado superar ou suplantar o Legislado.

O que se pretende indicar é que a legislação “imparcial” e positivada, monopolizada por parte do Estado ainda consiste numa solução de maior proteção do trabalho, e vincula o patrão ao cumprimento dessas normas legais, salvaguardando os direitos do empregado como parte hipossuficiente da relação de emprego.

Destarte, o justo papel do Estado consiste em compor e promover o reequilíbrio de forças entre patrão e trabalhador, devendo estabelecer uma relação “triangularizada” na qual seja o terceiro pólo, imparcial, e certificando-se do respeito pontual dos interesses dessa classe trabalhadora.

Além das alterações realizadas no texto da CLT, de 1943, a “corrompida” tese de que o negociado sobrepõe-se ao Legislado apenas vem esclarecer a acepção vil da alteração legal trabalhista, contrárias aos interesses do empregado.

Portanto, antes de começar a discorrer um pouco sobre a teoria das fontes no campo do direito do trabalho, é válido apenas notar que a reforma trabalhista foi aprovada sob a fraca justificativa de atualização da Consolidação do Trabalho, anacrônica, pois datada de 1943; e que, portanto, não serviria para disciplinar as relações trabalhistas travadas hoje em dia, mais a mais, em tempos de crise financeira.

Por último, torna-se necessária a compreensão de que a reforma legislativa não consistiu em modernização ou avanço da seara do direito do trabalho, senão resultou na precarização autêntica dos benefícios arduamente atingidos pelos empregados.

Quanto à flexibilização das normas trabalhistas, tema bastante debatido no campo jurídico do Trabalho, mas que carece de um novo olhar, diante do “recente acontecimento legislativo”, importa uma revisitação a este relevante tema da seara juslaboral.

Primeiro, é preciso indicar alguns pontos tradicionalmente “multiplicados” em prol da paulatina instituição de normas mais maleáveis e flexíveis no direito trabalhista. O instituto da flexibilização normativa foi concebido como medida conveniente e útil para a geração de novas posições de trabalho ante a configuração de crises cíclicas no panorama brasileiro (1); providência compatível com os hodiernos modelos econômicos e de emprego (2); suposta rigidez extrema do sistema de direito positivado em meio a recessões financeiras (3); imposição do mercado quanto ao estabelecimento de estruturas produtivas mais eficientes, inclusive quanto ao aspecto subjetivo da mão-de-obra.

É certo que o fenômeno da flexibilização de normas surgiu carregando um sentido “primordial”, pois corroborou para o avanço das negociações coletivas no bojo das relações de trabalho. Todavia, é preciso perceber que o referido significado foi um tanto quanto distorcido, visando atender e favorecer aos interesses dos detentores das forças produtivas e do capital, gerando ainda mais a concentração de renda e riqueza, e domínio exclusivo dos meios produtivos.

Portanto, relevante indicar as distintas correntes doutrinárias advindas das mais diferentes críticas quanto à flexibilização normativa, no direito trabalhista, pontualmente teorizadas nos ensinos de Sérgio Pinto Martins: notam-se três principais correntes destacadas, havendo duas tendências dogmáticas contrárias – flexibilistas e antiflexibilistas -, e, ainda, a corrente semiflexibilista, que apenas concede autorizativo para a flexibilização das normas legais trabalhistas por meio dos instrumentos de negociação coletiva.

Segundo Silvio Beltramelli Neto (2008, pg. 107-108):

Finalmente, aí se encontra a última decisão a ser tomada pela jurisprudência que se submete a cuidar da flexibilização pela negociação coletiva: apreciar se o ajuste que comporta despojamento de direito por parte do lado do trabalhador realiza-o em contrapartida de tal conquista que o justifique (...).

Ainda, aduz BELTRAMELLI (2008, pg. 100), que “... , o Princípio Protetor, inerente ao Direito do Trabalho exige, como condição de validade da negociação coletiva, que a vantagem do trabalhador que tenha sido suprimida ou reduzida corresponda a conquista diretamente proporcional.”

Ainda tem-se como ponto fundamental do presente trabalho acadêmico a “teorização” do princípio da contrapartida, postulado a ser aplicado propriamente no Direito do Trabalho e especialmente, no campo das negociações trabalhistas coletivas.

O referido pilar normativo, conforme a nomenclatura já alude, estabelece que não poderá haver renúncia de nenhum direito assegurado ao trabalhador hipossuficiente, salvo nas hipóteses em que o instrumento coletivo de negociação  estipule condição proporcionalmente mais benéfica ou vantajosa, comparada àquela determinada em Lei em sentido estrito.

Portanto, a semântica que deve prevalecer no que tange à abrangência desse verdadeiro postulado, é justamente a necessidade imprescindível de se conferir algo em troca ao empregado, quando se pretende retirar alguma condição legalmente estipulada, conformando uma verdadeira transação entre os interesses dos patrões, e da classe trabalhadora.

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Destarte, o teor do postulado da contrapartida deve ser primado e protegido, ante o histórico de luta no contexto brasileiro e mundial, para assegurar direitos e garantias mínimas ao empregado, ou seja, a fim de proteger o patamar mínimo civilizatório.

Quer dizer, não é legítimo nem razoável considerar que o trabalhador abra mão de garantias insculpidas na legislação positivada, sem que ao menos obtenha algo em troca, alguma condição mais benéfica, ou que de alguma forma traga vantagem ao empregado hipossuficiente.

Portanto, não é plausível que o trabalhador se despoje dos seus mínimos direitos conquistados, de forma unilateral, pelo que só pode ser considerável quando ocorre uma real transação de interesses, ou seja, ambas as partes da relação de trabalho devem ceder determinados interesses seus, visando à manutenção da estrutura produtiva, e observando-se o pleno emprego e o crescimento do mercado de trabalho.

Impositivo, portanto, que o sentido inerente ao postulado da Contrapartida seja desenvolvido para além do meio jurídico trabalhista, pelo que a difusão da ideia de “necessária contrapartida” deve ser aplicada pelo juristas e doutrinadores da esfera juslaboral.

Outrossim, apenas será possível a aplicação concreta do postulado da Contrapartida mediante a compreensão do “sopesamento dos interesses” símbolo da relação de trabalho, pelo que é relevante a tentativa constante de reequilíbrio de forças dessa relação, desde sempre constituída da maneira desigual.

Por último, mas não só, as justificações lançadas pelo patronato em favor da sobredita flexibilização das normas trabalhistas, parecem transferir o risco da atividade empresarial para o trabalhador hipossuficente, socializando, dessa forma, os prejuízos, porém, não repartindo os lucros.

Quanto ao instituto da flexibilização, mister declarar os ensinos de Ricardo Antunes e Luci Praun, in verbis:

A flexibilidade ou flexibilização se constitui no contexto atul em uma espécie de síntese ordenadora dos múltiplos fatores que fundamentam as alterações na sociabilidade do capitalismo contemporânea. Do ponto de vista de seu impacto nas relações de trabalho, a flexiblização se expressa na diminuição drástica das fronteiras entre atividade laboral e espaço da vida privada, no desmonte da legislação trabalhista, nas diferentes formas de contratação da força de trabalho e em expressão negada, o desemprego estrutural (ANTUNES, R.; PRAUN, L., 2015)

Trazem ademais que “Visto dessa perspectiva, a apreensão do significado do impacto da flexibilização no mundo do trabalho assume nova dimensão, uma vez que não se trata de característica contingencial, mas intrínseca às engrenagens da acumulação de capital” (ANTUNES, R.; PRAUN, L. 2015).

Isso posto portanto, o presente trabalho científico admite a possibilidade de normas trabalhistas consideradas mais maleáveis; conquanto, sempre deve haver alguma espécie de contrapartida estipulando melhores condições ou algumas vantagens para a classe dos empregados.

Neste esteio, elucidativo dialogar com a teoria marxista do capital e da exploração do operário pelo empregador. Segundo Marx, quando explica o valor do trabalho no sistema econômico capitalista, define, em MARX (1890, p. 584), que:

A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, ela é essencialmente produção de mais valia. O trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isso não é mais suficiente que ele apenas produza. Ele tem de produzir mais valia para o capitalista, servindo assim à auto-expansão do capital.

Aqui se faz necessário significar sumariamente o que seria a mais-valia (absoluta) de Marx: “A ‘mais-valia’ é a parte do valor total das mercadorias em que se encontra incorporado o ‘trabalho excedente’, o ‘trabalho não pago’ do operário, constitui aquilo que se chama lucro” (MARX, K. Salário, preço e lucro).

Portanto, ocorre a mais-valia quando existe a expropriação do trabalho alheio, do proletário, consistindo no “valor obtido de forma não-paga” pelo empregador (BRAYNER, A.V.A.).

É cediço que a teoria marxiniana intentou, em meio à Revolução Industrial, fornecer meios e instrumentos possíveis para que os trabalhadores ocupassem outro lugar na cadeia de produção que não o lugar de base, de total exploração pelo sistema do capital, pelo que a ideologia de equidade tão defendida por Marx visava justamente à igualdade de fato, das condições e circunstâncias reais em meio à relação de trabalho travada entre patrão e proletário.

Marx, já à sua época, percebeu que o proletário é sistemicamente obrigado a predispor maior parcela do seu tempo do que necessitaria para o seu sustento, como fito de atender às exigências do capital, e servir aos interesses do seu patrão, ex surgindo a ideia de “trabalho excedente” a ser apropriado pelo empregador com vistas à maximização dos seus respectivos lucros.

O presente trabalho coaduna-se com a ideologia de Marx, especialmente pela sua contemporaneidade. Então, importa trazer a doutrina crítica atual sobre a contraposição do trabalhador frente ao empregador, e a vulnerabilidade “estrutural” do empregado hipossuficiente.

Outrossim, de acordo com Ana Elizabete Mota e Angela Santana do Amaral, “O pragmatismo econômico, expresso na subordinação dos processos sociais às necessidade de reestruturação (ajustes e reformas), neutraliza, na prática, as questões que dizem respeito aos projetos sociais” (MOTA, A.E., AMARAL, A.S., 2015).

Destarte, observa-se a necessidade de proteção do empregado na relação de trabalho, inclusive pelas esferas de poder institucionalizadas, pelo que, segundo Alice Monteiro de Barros, sobre o princípio da proteção do proletariado, “Seu propósito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma ‘superioridade jurídica’ em favor do empregado, diante de sua condição de hipossuficiência” (BARROS, A.M.,2007).

Portanto, a relevante problemática da acepção do Trabalho, ao abarcar em seu íntimo o sentido econômico das relações de emprego, traduz os ensinos de Mario Sergio Salerno, que diz que “A ligação entre organização do processo de trabalho e condições sócio-políticas é um dos elos perdidos nas análises críticas mais recentes” (SALERNO, 2003).

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