1. Introdução
Toda a sociedade clama por uma justiça mais célere e eficiente, sendo inegável que as novas tecnologias têm se revelado um importante instrumento para a obtenção desse intento. A Reforma do Judiciário a que todos aspiramos não se resume apenas às Reformas Constitucional e Infraconstitucional:
Há outros aspectos importantes que dizem respeito à eficiência do Judiciário e à gestão de trâmites dos processos, que não supõem necessariamente alterações na legislação. É necessário modernizar o Judiciário para que o sistema possa atender melhor às demandas da sociedade, facilitar o trabalho dos magistrados e ser transparente, como serviço público que é. A modernização do Poder Judiciário compreende desde medidas para a informatização dos tribunais, em que são incorporados novos procedimentos e padronização de rotinas, ao estabelecimento de mecanismos de aferição de desempenho de todo o sistema. (grifou-se). [1]
Observa-se que a modernização dos tribunais através da evolução tecnológica é uma realidade cada vez mais concreta no labor forense diário. A possibilidade de se interpor recurso via fax (Lei 9.800/99), a utilização de videoconferência para interrogatório de acusado preso, a recente implantação dos "Juizados Virtuais" [2] e o acompanhamento processual via Internet são alguns exemplos.
Hoje, é perfeitamente possível conferir o conteúdo das decisões judiciais publicadas na Internet, sendo comum ao advogado tomar conhecimento do inteiro teor daquelas, mesmo antes de sua publicação no órgão oficial.
Todavia, é preciso chamar a atenção para um entendimento que vem sendo reiterado em nossos Tribunais Superiores, os quais não têm admitido recurso interposto antes de publicada a decisão recorrida na imprensa oficial, mesmo que a parte já tenha tomado conhecimento do decisum através da Internet.
Os magistrados seguidores dessa corrente pregam que a simples notícia do julgamento através da Internet não dá início à fluência do prazo recursal, nem legitima a prematura interposição de recurso, porquanto o dies a quo do prazo só ocorreria com a publicação oficial da decisão recorrida, ou com a intimação pessoal da parte.
Sustentam que a intempestividade de um recurso não se caracteriza apenas por sua interposição após o término do prazo recursal, mas, também, pela apresentação em data anterior à publicação da decisão na imprensa oficial.
Compartilham deste posicionamento o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho e alguns Ministros do Superior Tribunal de Justiça.
Aludido entendimento não é razoável, posto que penaliza a parte e o advogado diligentes, privilegiando o formalismo inútil em detrimento dos princípios da instrumentalidade das formas e da efetividade da tutela jurisdicional.
Ora, através do Sistema Push, disponibilizado no website dos próprios Tribunais, o advogado pode acompanhar via Internet o andamento processual dos feitos em que atua. Nesse contexto, quando se deixa de conhecer um recurso prematuramente interposto por considerá-lo intempestivo, em verdade, está-se negando a modernização do Poder Judiciário.
2. Posicionamento dos Tribunais Superiores sobre o tema
Como se sabe, a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de não se admitir recurso interposto antes da publicação do decisório alvejado:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - EXTEMPORANEIDADE - IMPUGNAÇÃO RECURSAL PREMATURA, DEDUZIDA EM DATA ANTERIOR À DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO - NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO.
A intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras (que se antecipam à publicação dos acórdãos) quanto decorrer de oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer das duas situações - impugnação prematura ou oposição tardia -, a conseqüência de ordem processual é uma só: o não-conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea interposição. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido que a simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluência do prazo recursal, também não legitima a prematura interposição de recurso, por absoluta falta de objeto. Precedentes.
(STF, AI 375124 AgR-ED/MG, Emb.Decl.no Ag.Reg.no Agravo de Instrumento, Rel. Min. Celso De Mello, DJ 28.06.2002) [3]
O TST vem trilhando entendimento análogo, conforme já foi proclamado no julgamento do Recurso de Revista n° 777834/2001.8:
"A interposição do recurso de revista fora do prazo previsto em lei, situação juridicamente conhecida como intempestividade, prejudica não só a parte que recorre após a data-limite, mas também aquela que se antecipa ao início do prazo recursal. Sob essa observação do ministro Ives Gandra Martins Filho (relator), a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou recurso de revista do Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Departamento Regional de Santa Catarina).
Segundo o ministro Ives Gandra a inobservância da data correta em que teve o início do prazo para o recurso de revista impediu o exame da pretensão do Senai. (RR 777834/2001.8)" (4)
No âmbito do STJ, primeiramente defendeu-se a impossibilidade de se conhecer de recurso interposto antes do início do prazo recursal:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INTEMPESTIVIDADE. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO DO RECURSO APÓS PUBLICAÇÃO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.
I - O Superior Tribunal de Justiça, secundando orientação do Supremo Tribunal Federal, já se manifestou no sentido de que é intempestivo o recurso interposto antes da publicação do acórdão, caso não haja a sua reiteração após a publicação. Precedentes desta Corte e do STF.
II - A simples notícia do julgamento não legitima a interposição de recurso. A existência jurídica e o conteúdo material do acórdão somente se configuram com a sua publicação, sendo certo que somente a partir desta - ou da ocorrência de ciência inequívoca - é que se pode ter conhecimento do inteiro teor do julgado.
III - Agravo interno desprovido.
(STJ, 5ª T, AgRg no RMS 15205/RS, MS n° 2002/0100911-1, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 01.07.2004)
Posteriormente, os Ministros do STJ revisaram o posicionamento outrora firmado, abraçando tese em favor da modernidade:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO ANTES DE PUBLICADA A DECISÃO RECORRIDA. INTEMPESTIVIDADE. PUBLICAÇÃO, ATO INDISPENSÁVEL. EXTEMPORANEIDADE. PRECEDENTES. ENTENDIMENTO DO RELATOR. NOVA POSIÇÃO DA CORTE ESPECIAL DO STJ. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO.
1. A extemporaneidade de um recurso não se caracteriza apenas por sua interposição após o término do prazo recursal, mas, também, pela apresentação em data anterior à efetiva intimação das partes interessadas a respeito do teor da decisão a ser combatida.
2. A publicação da decisão que se pretende recorrer é ato indispensável para ensejar e justificar a interposição de novo recurso, sendo intempestivo o recurso manejado antes da publicação das conclusões do aresto no Diário da Justiça (STF, AG nº 187448-1/SP e AGAED nº 242842/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa). Precedentes de todas as Turmas e da Corte Especial deste Tribunal Superior. Entendimento deste Relator com base em precedentes desta Casa Julgadora.
3. No entanto, embora tenha o posicionamento acima assinalado, rendo-me, ressalvando meu ponto de vista, à posição assumida pela maioria da Corte Especial deste Sodalício, pelo seu caráter uniformizador no trato das questões jurídicas no país que, com base em recente decisão (EResp 492461/MG), datada de 17/11/2004, consignou que a interposição de recursos contra decisões monocráticas ou colegiadas proferidas pelo STJ pode, a partir de agora, ser realizada antes da publicação dessas decisões na imprensa oficial. 4. Embargos de divergência acolhidos.
(grifou-se)(STJ, Corte Especial, EAG 522249/RS; Embargos de Divergência em Agravo n° 2004/0121708-4, Rel. Min. José Delgado, DJ 04.04.2005)
Nesse sentido também se posiciona o colendo Tribunal Superior Eleitoral:
ELEIÇÃO MUNICIPAL, PLEITO DE 2000. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA JULGADO PROCEDENTE PELA CORTE REGIONAL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. PRELIMINARES.
Preliminar de intempestividade do recurso especial, argüida pelo recorrido. Não é intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão. Afastada (Precedentes: REspe nº 15.358/GO de 17.8.99; Ag nº 3.174/CE, de 23.4.2002; AgRgAg nº 3.236/CE, de 18.6.2002). (...)
(TSE, Recurso Especial Eleitoral n° 19.898/MT, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ 13.12.2002). (5)
É oportuno recordar, a propósito, as abalizadas palavras da ilustre Ministra do STJ Eliana Calmon, a qual já vinha defendendo que, "no momento em que há publicação das decisões pela internet, tendo criado o Tribunal, inclusive, a Revista Eletrônica, é um contra-senso falar em tempestividade recursal a partir da publicação pelo DJU". E advertia: "a demora na publicação das decisões, via Imprensa Oficial, não coloca o Judiciário em condições de cobrar dos causídicos o acompanhamento das lides pelo Diário Oficial." [6]
3. Classificação dos prazos segundo sua finalidade
O ilustre professor Hugo de Brito Machado aconselha que, ao se analisar os prazos para a prática de atos processuais, é necessário levar em consideração a finalidade para a qual eles são estabelecidos, porquanto nem todos os prazos têm a mesma finalidade. Alguns se destinam a assegurar o andamento rápido do processo, enquanto outros visam garantir à parte o tempo necessário para exercitar a defesa de seus direitos, impedindo que certos atos sejam praticados antes do decurso desses prazos. [7]
Dessa forma, quando a lei determinar a distância mínima para evitar que o ato se pratique antes do vencimento do prazo, este diz-se dilatório (Ex.: prazo estipulado para comparecer em juízo, art. 192, CPC [8]); mas quando ela estabelece a distância máxima durante a qual se pode praticar o ato, o prazo é aceleratório (Ex.: prazos recursais).
Pode-se afirmar que, em regra, os prazos mínimos são os dilatórios e os prazos máximos são aceleratórios.
É possível distinguir, destarte, a existência de duas espécies de prazos com finalidades distintas. É essa a lição apregoada por Cândido Rangel Dinamarco [9], que na visão do professor Hugo de Brito, pode também ser assim entendida:
a) prazos impeditivos da prática imediata do ato, isto é, prazos cujo decurso é necessário para que o ato possa ser praticado;
b) prazos preclusivos ou peremptórios, aqueles cujo decurso extingue o direito de praticar o ato. (10)
O prazo dito aceleratório destina-se a apressar a marcha do processo, impedindo que ele se eternize.
Compreendendo-se a finalidade dos prazos, fica claro que a interposição de recurso antes do início do prazo não o torna intempestivo, posto ser o prazo recursal um prazo aceleratório (segundo classificação de Cândido Dinamarco; ou preclusivo/peremptório, na visão de Hugo de Brito).
Se o ato pode ser praticado durante o decurso do prazo, e o término deste é que torna inadmissível o ato, então este poderá perfeitamente ser praticado antes do início do prazo.
A interposição prematura do recurso, aliás, contribui para a rapidez no andamento do processo, o que tem sido sempre por todos reclamado. [11]
3. Conclusão
A mudança de posicionamento do STJ representa a vitória da modernidade sobre o formalismo estéril. A rigor, é desnecessário aguardar a publicação do julgado na imprensa oficial para estabelecer o dies a quo do prazo recursal.
Defender o contrário "seria negar a realidade da crescente evolução dos meios de comunicação que possibilitam às partes tomar ciência de atos processuais disponíveis via Internet." [12]
Como bem leciona o e. Ministro Humberto Gomes de Barros:
A publicação do acórdão não constitui ato-condição de sua existência. Ela é, simplesmente, a formalidade que marca o início do prazo recursal. A parte sucumbente pode antecipar-se a tal formalidade, manejando, antes dela, o recurso apropriado. Ignorar recurso interposto antes de publicado o acórdão seria inverter o sentido da velha máxima, dormientibus non succurrit jus. Seria proclamar que o Direito não socorre os diligentes. [13]
Da mesma forma, o advogado cearense Hugo de Brito Machado Segundo assegura que a interposição de recurso antes de publicada a decisão recorrida não é "fora do prazo", nem intempestiva.
Em excelente estudo sobre o tema, o nobre articulista enumerou os seguintes motivos a favor da tempestividade recursal:
a) O termo inicial do prazo para a interposição do recurso é a intimação da parte, ou seja, o momento no qual a parte toma ciência da decisão recorrida, sendo que a intimação torna-se induvidosa no momento em que é manejado o recurso. Afirma que a publicação é apenas uma forma de intimação, estabelecida para a segurança das partes e por isso não pode ser invocada em prejuízo das mesmas;
b) O prazo para recorrer não é de natureza dilatória (antes do qual não se pode praticar o ato), mas sim de natureza aceleratória (depois do qual não se pode praticar o ato). Assim, a parte não está obrigada a interpor recurso, no mínimo, com a publicação da decisão respectiva. Está obrigada, tão-somente, a interpor recurso no máximo em 15 dias contados da publicação (em se tratando de recurso extraordinário). Por conta disso, pode manejá-lo tão logo disponha dos elementos materiais para a elaboração do recurso, quais sejam: o conhecimento de que a decisão ocorreu e os termos dessa decisão.
c) Além de ser completamente irrazoável, considerar o recurso intempestivo em tais casos, implicaria impor às partes restrição ao seu direito de recorrer completamente inútil, desnecessária e desproporcional. [14]
O emérito advogado lembra que o real motivo ensejador da interpretação literal adotada pelo Supremo é o desejo de diminuir a volumosa quantidade de recursos que chegam todos os dias àquela Corte Maior, inviabilizando seu funcionamento.
Todavia, não se pode ignorar os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da instrumentalidade do processo a pretexto de se conter recursos meramente protelatórios. Deve-se utilizar de outros meios, mais eficazes e menos gravosos, que não violem a garantia constitucional da jurisdição.
Referências
Machado, Hugo de Brito. Extemporaneidade de Recurso Prematuro. Revista Dialética de Direito Processual, v. 8, nov. 2003, São Paulo.
Machado Segundo, Hugo de Brito; Ramos Machado, Raquel Cavalcanti. Recurso interposto antes de publicada a decisão recorrida: tempestividade. Revista Dialética de Direito Processual, v. 7, out. 2003, São Paulo.
Revista Reforma do Judiciário. Cap. 6. Disponível em: http://www.jsp.fgv.br/arquivos/0003.reforma-do-judiciario/reforma-do-judiciario-perspectivas/reforma-judiciario-capitulo6.pdf - Acesso em 05.04.2005
NOTAS
1 Cf. Revista Reforma do Judiciário. Cap. 6. Disponível em: http://www.jsp.fgv.br/arquivos/0003.reforma-do-judiciario/reforma-do-judiciario-perspectivas/reforma-judiciario-capitulo6.pdf. Acesso em 05.04.2005.
2 Mais informações sobre o tema podem ser obtidas em: http://www.justicasempapel.com.br/
3 No mesmo sentido: RE n°86.936, RE n°195.895-ED, AI n°258.807-ED-AgR, AI n°315.030-ED-AgR, AI n°374.516-ED-AgR, AI n°464.771-AgR-ED. Em sentido contrário, entendendo que a juntada aos autos de cópia da decisão recorrida ainda não publicada na imprensa oficial é meio hábil para afastar a intempestividade de recurso prematuramente interposto: AI n° 467957 AgR / SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 7.05.2004.
4 Cf. Notícias do TST de 28.03.2005. Disponível em: http://www.tst.gov.br/noticias/
5 Veja ainda: Recurso em MS nº 275/RN, DJ 30.04.2004 e Rec. Esp. Eleitoral n°21264/AP, DJ 11.06.2004.
6 STJ, AgRg nos Bem. Decl. No REsp 262.316/PR, DJ 07.10.2002.
7 In Extemporaneidade de Recurso Prematuro, Revista Dialética de Direito Processual, v. 8, nov. 2003, p.58-66.
8 " Art. 192. Quando a lei não marcar outro prazo, as intimações somente obrigarão a comparecimento depois de decorridas 24 (vinte e quatro horas)." Outro exemplo de prazo dilatório é o previsto para que o réu seja citado no procedimento sumário. A citação deve ocorrer, no mínimo, dez dias antes da audiência (art. 277, CPC).
9 Cf. Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, 2002, apud Hugo de Brito Machado, ob cit.
10 Ob. cit., p. 62.
11 Hugo de Brito Machado, ob. cit., p.63;65.
12 STJ, EDcl nos EDcl no Resp 460789 / SC, Rel. Min. Castro Meira, Dj 14.03.2005.
13 STJ, Resp 397684 / MA, DJ 15.04.2002.
14Recurso interposto antes de publicada a decisão recorrida: tempestividade, Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado, Revista Dialética de Direito Processual, v. 7, out. 2003, p.17-18.