O PL 58/2108 E A INVIOLABILIDADE DE DADOS

13/07/2018 às 09:48
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE UM MODELO DE TUTELA PARA A INVIOLABILIDADE DE DADOS.

O PL 58/2108 E A INVIOLABILIDADE DE DADOS

Rogério Tadeu Romano

I - O ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO

A inviolabilidade de dados, prevista no artigo 5º, XII, da Constituição, uma garantia constitucional, é correlata ao direito fundamental à privacidade, previsto no artigo 5º, X, da Constituição.

No modelo constitucional que temos, desde 1988, é razoável entender que há um direito do indivíduo de excluir do conhecimento de terceiros aquilo que a ele, só a ele, é pertinente e que diz respeito ao seu modo de ser exclusivo, seu way of life, no âmbito de sua vida privada.

Há um direito subjetivo fundamental visando a assegurar sua identidade, diante dos riscos proporcionados pela avassaladora pressão que contra ele é exercida pelo poder político, em sua forte dose de positividade de forma a resguardar sua intimidade.

Tutela o artigo 5º, inciso X, da Constituição o segredo e a liberdade da vida privada.

Por sua vez, a garantia do sigilo de dados funciona como um complemento aos direitos à privacidade e à intimidade.

A União Europeia conta com um atualizado marco jurídico relativo à proteção de dados – o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, que entrou em vigor no primeiro semestre de 2018.

Bem disse o Professor Tércio Sampaio Ferraz que ninguém pode ser constrangido a informar sobre sua privacidade. Não estamos no âmbito puro e simples do público-politico, onde o que se tem é a transparência; estamos no terreno da individualidade, onde há a privacidade que se rege pelo princípio da exclusividade.

Há o entendimento de que a prática conhecida como “pornografia de vngança”, não está especificamente capitulada no Código Penal. A conduta em discussão tem sido enquadrada como difamação ou injúria, crimes contra a honra.

A conduta, que ganhou força nos últimos anos com a popularização de redes sociais e smartphones, tem vitimado um número cada vez maior de pessoas. Mulheres e adolescentes são os principais alvos. Conforme prevê o projeto de Lei 6630 de 2013, o acusado da divulgação poderá pegar pena de até três anos de detenção, além de ser obrigado a indenizar a vítima por todas as despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e perda de emprego. Essas são apenas algumas das consequências de quem tem a vida devastada pela divulgação da intimidade.

O projeto ainda prevê que, quando o crime foi cometido pela internet, o juiz deverá aplicar também pena impeditiva de acesso às redes sociais ou de serviços de e-mails e mensagens eletrônicas pelo prazo de até dois anos, de acordo com a gravidade da conduta.

Assim se viola a vida privada, fixando-se indebitamente cenas da vida íntima da pessoa. Não seria necessário que a pessoa fosse encontrada em situação de particular intimidade, como seria o caso de encontrar-se despida ou banhando-se. Mas não há liberdade para cometer abusos, como a invasão da privacidade, onde se tem um direito que compreende a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Por certo, no que toca à intimidade e à vida privada, é necessário coibir abusos com a definição de tipos penais próprios em lei, obedecido o principio da reserva do Parlamento.

Ora, se intimidade é a qualidade do que é intimo, significando o interior do ser humano, o direito de estar só, de não ser perturbado em sua vida particular, tem-se ainda uma tutela da privacidade, onde se proíbe a investigação e a divulgação de atos particulares, como escuta telefônica, invasões fotográficas ou cinematográficas, fora dos limites legais.

Não devemos esquecer que o artigo 5º, inciso XII, da Constituição, ao garantir a inviolabilidade do segredo, em suas diversas vertentes, consagrou o princípio da reserva de jurisdição em matéria de quebra de sigilo.

Essa a linha a adotar, na trilha da experiência constitucional italiana, para quem a quebra do sigilo pressupõe uma decisão Judicial motivada, caso a caso. Assim essas divulgações, que significam uma ruptura do segredo pessoal, com a ruptura do segredo, cometem um atentado contra o direito à intimidade e à privacidade.

II - O PL 53/2018

O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 53/2018, que dispõe sobre a proteção de dados pessoais, definidos como toda “informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”. Como não houve alteração no texto aprovado pela Câmara, o projeto será encaminhado para a sanção presidencial.

Com o “objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (art. 1.º), o PL 53/2018 prevê restrições para instituições privadas e públicas que armazenam dados de internautas, consumidores, partes em um contrato, usuários de serviços públicos ou destinatários de políticas públicas.

O novo marco jurídico para proteção de dados tem especial importância para a internet e os meios digitais, reforçando as previsões do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). No entanto, o PL 53/2018 é mais abrangente, abarcando todas as situações de tratamento de dados pessoais. Ele apenas não se aplica ao uso e armazenamento de dados com fins exclusivamente jornalísticos, artísticos, acadêmicos, de segurança pública ou de defesa nacional.

Com 65 artigos, o PL 53/2018 estabelece que “toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais, garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta lei”. Trata-se de um ponto fundamental: ter acesso aos dados de uma pessoa não torna uma empresa proprietária dessas informações. Encerrada a relação com a empresa ou o órgão público, é obrigatória a exclusão dessas informações.

Como regra geral, o PL 53/2018 prevê que o tratamento de dados pessoais – como armazenamento do endereço de pessoas – exige o consentimento do titular ou de seu responsável. Isso também vale para os chamados “dados sensíveis”: informações sobre origem étnica de uma pessoa, suas convicções religiosas e opiniões políticas, sua filiação a sindicatos ou a organizações de caráter religioso, filosófico ou político, dados referentes à sua saúde ou à vida sexual, bem como dados genéticos ou biométricos. A rede social ou aplicativo que tenha acesso a essas informações não pode usá-las sem o consentimento expresso do titular. Poucas, as exceções à regra geral estão previstas no art. 7.º. É o caso, por exemplo, do uso de dados por órgãos de pesquisa que, sempre que possível, deverão assegurar o anonimato das pessoas titulares desses dados.

O PL 53/2018 estabelece algumas condições para a transferência internacional de dados. O país destinatário deve ter um adequado nível de proteção de dados, compatível com a legislação brasileira, ou a empresa responsável pela transferência terá de garantir o integral respeito à lei brasileira.

Pelo texto, aprovado pela Câmara e não modificado pelos senadores, será necessário o consentimento explícito dos usuários para coleta e uso dos dados, tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada. Além disso, a proposta obriga a oferta de opções para o usuário visualizar, corrigir e excluir esses dados.

A proposta dispõe sobre os contratos de adesão, em que o titular deverá ser claramente informado quando o tratamento de dados pessoais for condição para o fornecimento de produto ou serviço. Pelo PLC 53/18, são considerados dados pessoais nome, endereço, e-mail, endereço de IP, dados obtidos por um hospital ou médico, que permitam identificar uma pessoa de forma inequívoca.

Um dos primeiros elementos que fazem desta uma boa lei é o fato de não tratar todos os dados pessoais como iguais. Pois não são. Há informações que são mais delicadas do que outras: nossas crenças políticas ou religiosas, como somos fisicamente, como está nossa saúde e a sexualidade. Estes dados podem ser usados para nos prejudicar de muitas formas. Do trabalho ao preço do seguro de saúde. 

III - A TUTELA INIBITÓRIA E A TUTELA DE REMOÇÃO DO ILÍCITO

O artigo 461, do Código de Processo Civil de 1973, é um importante instrumento para a defesa desses direitos, através da tutela inibitória, no sentido de obrigar a alguém a deixar de fazer alguma conduta que prejudique o lesado. Essa ação terá índole preventiva e poderá evitar danos ou ainda paralisá-los, sob pena de cominações.

A tutela inibitória tem característica mandamental e não condenatória. 

Em vigoroso estudo sobre a matéria, Marinoni (Tutela específica, São Paulo, RT, 2ª edição, pág. 153) adverte que a tutela ressarcitória sempre foi relacionada com o ressarcimento em pecúnia numa visão tipicamente liberal e patrimonialista dos direitos.

 Adapta-se a tutela ressarcitória à possibilidade de reparação de forma específica, em que não se fala em equivalente pecuniário. Mas há tutela ressarcitória específica ou tutela ressarcitória sobre o equivalente pecuniário, cuja característica lembra a tutela condenatória e a execução por créditos por quantia certa contra devedor. Aliás, a restitutio in integrum é a forma considerada adequada, já que se retorna ao status quo ante. Só em caso de impossibilidade dessa fórmula vislumbra-se a compensação em forma do pagamento de uma indenização em dinheiro.

Por certo, Eduardo Talamini , destaca que o artigo 461 do CPC não se limita a estabelecer a tutela que consideramos inibitória, por ser preventiva. As regras, pois, para o Prof. Eduardo Talamini disciplinam a consecução do resultado de deveres derivados de direitos relativos (obrigacionais ou não) e absolutos (reais, da personalidade, etc.), públicos e privados, dando a expressão obrigação um sentido larguíssimo de dever jurídico.

  Não é surpresa para o leitor que o Professor Talamini, em sua obra citada, de folhas 427, sintetiza que, “depois da reforma do Código, apenas deixou de se formar, como ‘título executivo judicial’, a sentença condenatória proferida no processo civil (art. 584, I), que tenha por objeto “obrigações de fazer e não fazer”.

  Primordialmente, o provimento concessivo de tutela do art. 461 é de eficácia mandamental (tendente à tutela específica), na terminologia da lei, e, ao seu lado, executivo lato senso, pois autoriza a tomada de providências destinadas à obtenção do resultado prático equivalente, independente do concurso do réu, operando-se a substituição da conduta do demandado pela do próprio Estado, através de seus agentes. É assim, na tutela inibitória, na tutela preventiva executiva, na tutela reintegratória (eliminação do ilícito) e na tutela ressarcitória, em que se permite a postulação das sentenças mandamental (ordem sob pena de multa) e executiva (determinação de que o fazer seja prestado por um terceiro às custas do réu).

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  Presta-se a tutela do artigo 461 do CPC a proteção de direitos absolutos, cuja eficácia é erga omnes. Tal é o caso dos direitos da personalidade, deveres decorrentes de prestações estatais. Isso porque, na lição de Salvatore Satta , Calamandrei, a sentença condenatória adequa-se a “direitos a posições instrumentais, entre os quais o direito de crédito, cuja violação se dá pelo ressarcimento do equivalente”. Esse é o terreno dos direitos relativos.

  Data vênia do entendimento de Nelson Nery Jr. , Marcelo Guerra , não se pode descartar a aptidão de o provimento final, ex vi art. 461, fazer-se efetivar no processo em que é proferido. Os ilustres autores citados reputam sentença condenatória o provimento do art. 461. Por sua vez, data vênia, não podemos concordar com Teori Zavascki  que estabelece que, pelo menos em certos casos, o art. 461 do CPC produz sentença condenatória e não executivo lato senso, que, para ele, só aconteceria quando a própria natureza da obrigação exigir (não fazer com tutela preventiva) e deferimento com base no art. 461, § 3.º . Ora, não há fundamento legal que autorize tal ilação, não se concebendo que a lei tenha adotado mecanismo menos eficiente para o caso, como o previsto no art. 632 do CPC. As raízes desse raciocínio, com a devida vênia, são fruto de violação do texto de Gaius, parece-nos introduzido nas Instituições Justinianéias  (4, 13, 5) e consolidada pela relativização dos direitos absolutos trazidas pelas idéias de Kant, a partir do Século XIX, no sentido de que seja ela real ou pessoal, resume-se numa relação interpessoal .

  Tutela-se o direito à personalidade, além de direitos coletivos à correta Administração, para que não se negue prestações necessárias de serviços à população, como educação, água, luz, etc. Protege-se o meio ambiente com proibição de edificações contrárias à lei ou o consumidor com a busca e apreensão de produtos nocivos à saúde. No caso de grave epidemia sem que a Administração nada faça, há violação do dever constitucional imposto.

  Esse o alcance do art. 461 do CPC, em que se requer tutela mandamental ou executiva lato senso. Deixa-se para a sentença condenatória, que tem o condão de autorizar o emprego de mecanismos de sujeitação em processo subseqüente, para os direitos relativos.

  Soma-se a tutela do art. 461 do CPC a outras como a da antiga e superada posse dos direitos pessoais, de origem canônica e introduzida no País, por Ruy Barbosa, do mandado de segurança, do habeas data, das ações possessórias, da reivindicatória, das ações cautelares, da ação de despejo, da nunciação de obra nova (para Tito Fulgêncio, possessória), da ação de imissão de posse (petitória, para Savigny), como lídimos herdeiros dos interditos romanos.

  Protege-se, no art. 461 do CPC, direito absoluto, que segundo De Plácido e Silva , é aquele que, “por sua própria força e plenitude, é oposto a toda e qualquer pessoa, erga omnes, tal como foi, no passado, o direito de propriedade, ou daquele que investe a pessoa no poder de exercitar um direito, sem que possa ser impedido nele.

É a faculdade de agir, sem restrições, contra a pessoa que venha a atentar ou ferir o direito de que se é titular, diferenciando-se do direito relativo, que, nascido de uma relação jurídica ou de um vínculo jurídico estabelecido pela vontade de duas ou mais pessoas, somente pode ser oposto contra uma dessas mesmas pessoas. Assim, os direitos da personalidade (da vida privada) têm caráter absoluto.

Veja-se o quadro comparativo:

a) CPC de 1973:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

b) CPC de 2015:

Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

§ 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. § 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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