A arbitragem na organização mundial do comércio: Um estudo bibliográfico

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18/07/2018 às 18:30
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2 A INCLUSÃO DA ARBITRAGEM NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC) 

A metodologia para solucionar controvérsias passou por intensas modificações desde o Acordo GATT/1947 até o surgimento da OMC no ano de 1995. Certos países perceberam a emergência de um compromisso mútuo entre os Estados através da formação de um tripé organizacional que assegurasse a co-participação pelo menos no âmbito econômico no final da Segunda Guerra Mundial. Principalmente na área do mercado internacional, voltaram então, a se coordenar na nova regra parcimoniosa que se evidenciava, alguns Estados, garantindo alguns de seus privilégios nas obrigações assumidas na área de um Acordo Geral de Tarifas de Comércio (GATT/1947)[19].

            Foi incluída na Carta de Havana de 1947 a possibilidade de utilizar o recurso da arbitragem no sentido de resolver conflitos quando se tratar de casos envolvendo sistema comercial multilateral. Por meio de reunião dos representantes dos governos, a intenção foi de estabelecer a Organização Internacional do Comércio, conforme dispõe o artigo 93º. No referido artigo, verificou-se que estava prevista, de forma implícita, a nomeação dos árbitros que devia fundamentar-se em acordo mútuo entre as partes e ainda, de forma explicita, determinava a decisão de arbitragem como vinculativa, devendo ser assim aceita pelas partes[20].

“A incorporação de algumas disposições da mencionada Carta no GATT de 1947 não levou em conta, contudo, a que este último previsse expressamente o recurso à arbitragem e tal opção parece ter sido deliberada[21].” O texto do art. XXIII do GATT de 1947 teve grande parte de sua redação baseada no art 93º da Carta de Havana[22].

Nessa fase, arbitragem tinha uma função de auxiliar na solução das contestações, pois esta estrutura era fundamental. Nesta percepção, o método reiterado do GATT/1947 necessitava da concordância da descrição do cenário pelo seu conselho de representação, isto é, a descrição do cenário só passava a ser indispensável depois da aceitação do conselho, por unanimidade de seus componentes. Além do mais, antes de sobrevir o arbitramento neste método de saída de contestações, a gestão do GATT/1947 estabelecia a compromisso de enfraquecer outros meios patriarcais de solução de litígios, como por exemplo, consultas.

Desse modo, a independência dos Estados em sujeitar à arbitragem e suas contestações era definida na medida em que necessitaria analisar uma diretriz de instrumentos apontados dentro dos tratados conhecidos. Finalmente, a arbitragem era mais formada como um mero apoio do mecanismo de controvérsia do que como elemento do núcleo desta norma. Com um progressivo indicador de aderências de países à norma, bem como o avanço do mercado internacional, e o consequente choque de preferências econômicas, se tornou notória a obrigação de criar um mecanismo efetivo de resolução de contestações. Assim, foram se determinadas modificações no sistema e pequenas adaptações refletidas nas deliberações oficiais em 29 de novembro de 1982 (L/5424) e em 20 de dezembro 1984 (L/5752)[23].

Em 1986, com um número plausível de sugestões dos países, se inicia a rodada Uruguai do GATT, dentro da qual se designa um grupo de trabalho essencial que examinaria as sugestões para uma intensa revisão no processo de dissolução de disputas e passaria a apreciar expressamente, no processo, a solução arbitral.

No sentido de refutar inúmeras posições da doutrina e dos membros da OMC, foram defendidas pelas Comunidades Europeias no decorrer das negociações do Ciclo do Uruguai, o pensamento seguinte: “um processo de arbitragem numa base consensual, cujo resultado é vinculativo para as partes, é uma opção que já existe no GATT; ele foi usado no passado, por exemplo, para determinar o prejuízo causado por uma determinada medida”[24] Provavelmente, a referência feita pela Comunidade Europeia tenha sido com relação ao seu pedido e também dos Estados no tocante ao Conselho do GATT, solicitando a criação de um Painel, com determinações sobre uma base de definição de aves domésticas. Referiu-se tal pedido:

Ao estabelecido no §02-02 da Pauta Aduaneira Comum da Comunidade Econômica Europeia e na base das regras e práticas ao abrigo do GATT, o valor (expresso com dólares norte-americanos) a ser atribuído, a partir de 1 de Setembro de 1960, às exportações dos Estados Unidos de aves domésticas para a República Federal da Alemanha. Em 29 de Outubro de 1963, o Conselho criou um painel com estes termos de referência e as duas partes em litígio concordaram em aceitar as conclusões do Painel como vinculativas. No mês seguinte, o Painel realizou várias reuniões e apresentou o seu relatório às duas partes. As partes em causa implementaram depois as conclusões do painel[25], ou seja não foi necessário as partes contratantes adotarem o relatório do Painel[26].

Em 12 de abril do ano de 1989, os componentes contratantes expressaram uma definição sobre as melhorias dos procedimentos e normas para dissolução de contestações no Acordo Geral sobre Comércio e Serviço (GATT), reconhecendo como um instrumento relevante de solução de controvérsias: A tarefa de arbitramento dentro do GATT, como um meio opcional de dissolução de conflitos, pode promover a solução de alguns litígios a respeito de assuntos que são visivelmente determinadas pelas duas partes. A escolha pelo arbitramento deve ser sujeita ao consentimento recíproco das partes nos processos a serem adotados.

Pode-se relatar que foi resolvido apenas um litígio por meio arbitragem, entre o Canadá e as Comunidades Europeias. “Antes da entrada em vigor dos acordos da OMC. Chegaram ao acordo, as partes envolvidas “relativamente aos termos de referência e à escolha do árbitro Gardner Patterson, antigo diretor-geral adjunto do GATT.” Foi apresentado por cada uma das partes uma declaração escrita e em seguida, outra declaração que continha a réplica. No entanto, foi respeitada uma discussão oral para ambas as partes, tendo o processo de arbitragem prolongado por três meses, contando do momento em que as partes notificaram o Diretor-Geral sobre a decisão de recorrer à arbitragem, ou seja, de julho de 1990, até chegar à decisão do árbitro em outubro de 1990.

Foi declarada a arbitragem como uma experiência positiva pelo Conselho dos Representantes realizada em novembro de 1990. O representante das Comunidades Europeias fez o seguinte comentário: “gostasse a Comunidade ou não do resultado, ela respeitaria as regras”.

O Acordo de Marrakesh em 1994[27], apoiou esses benefícios, criando a OMC e seus referentes acordos que, entre eles, é incluído o anexo 2 para o processo de solução de controvérsia, ESC – Entendimento sobre Solução de Controvérsias.Este acordo abrangeu muitas melhorias que não havia no sistema GATT/1947 e, absolutamente, trouxe a arbitragem como mecanismo de dissolução de controvérsias[28].

“Para evitar a confrontação bélica de uma concorrência desenfreada “ baseada no poder”, a administração do conflito e da cooperação no mercado requer um enquadramento jurídico. A OMC prevê esse enquadramento através de um ordenamento jurídico, o single undertaking, concebido como um jogo de normas de fair play compartilhadas por todos os membros.(...) “O sistema de solução de controvérsias da OMC representa não só codificação, mas um desenvolvimento progressivo do direito e da prática do GATT[29].” 


3 AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DA OMC

A combinação resultante da Rodada Uruguai foi um dos que obteve mais importância nos acontecimentos da história econômica contemporânea, fazendo da OMC um estabelecimento econômico internacional central de costume a engajar progressivamente os seus integrantes aos procedimentos detalhados da OMC, principalmente, à metodologia de solução de controvérsias[30].

Em meio aos acordos OMC, o anexo 2 acarretou o ESC parcialmente uniforme para imprevistas imprudências às disposições de todos as combinações inseridas (ESC, art.1). Além desta respectiva isonomia, o ESC trocou o nexo do consenso (reverse consensus), isto é, a metodologia passou a tolerar o bloqueio de uma deliberação, tão somente, na suposição de todos os integrantes a recusarem. No final, também foi originado um órgão de recurso restrito à avaliação de assuntos de direito ou perspectivas jurídicas de assuntos controvertidos no mural.

Ainda no que confere aos ensinamentos de Jackson, é lícito afirmar:

O anexo 2 que contempla o ESC foi concebido para ser um procedimento unificado para quase todos os textos da Rodada Uruguai. Todavia, subsistem algumas disparidades potenciais na medida em que muitos dos acordos abarcados pela OMC têm clausulas relativas ao procedimento de solução de controvérsias (e.g., dentro do anexo 1 - GATT - há regras para solução de controvérsias nos acordos de subsídios, têxteis). Apesar disso, o art. 1do ESC prevê que o mecanismo de soluçao de controvérsias se aplica a todos os acordos abarcados (coveredagreements) listados no apêndice do ESC. Apesar deste acordo presumivelmente estabelecer o procedimento específico, ressalta- se que as partes contratantes do acordo plurilateral (anexo 4) poderiam fazer uma decisão considerando o procedimento de solução de controvérsias e como o ESC deveria ou não se aplicar. Além disso, o ESC excepciona alguns textos do acordo, fazendo com que o objetivo da uniformidade do procedimento de solução de controvérsias não seja 100%. A prática atual é que vai definir qual a profundidade disto que será um problema[31].

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O ESC é o mais ambicioso sistema de solução de disputas entre que mais de 151 membros já adotaram na história do Direito Internacional. O procedimento de painel adotado por ele previu, em sede de jurisdição compulsória, procedimentos quase judiciais, ou seja, revisão de decisão independente, regras de solução de controvérsias de forma quase automáticas no prazo de sistema de cumprimento forçado[32].

O processo de solução de litígios se tornou, a angulosa pedra do sistema multilateral de comércio, admitindo à OMC trazer constância, autoconfiança e esperança à economia mundial através do Direito (ESC, art 3.2). O mecanismo, portanto, aparenta ser um mecanismo de “jurisdição” indispensável, no grau em que esta poderá ser acionada pelas partes.

Busca-se assim, através desses mecanismos abolir regras de um modo geral do Direito Internacional relacionadas às contramedidas e, especialmente, substituir as medidas preliminares unilaterais prévias referentes a todo procedimento realizado para resolver um litígio. “Algumas medidas unilaterais têm gerado fortes críticas, como é o caso das medidas unilaterais americanas previstas na ‘família 30’”.[33]

O art. 23 do ESC dispõe que o sistema multilateral seja solidificado. Pela sua leitura, tem-se que ao repararem “o descumprimento de obrigações ou outro tipo de anulação ou redução das vantagens resultantes dos acordos abarcados, ou um impedimento à consecução de qualquer um dos objetivos dos acordos abarcados, os membros recorrerão às normas e procedimentos” segundo as determinações do referido artigo”[34].  

Os objetivos deste mecanismo de solução de conflitos visavam conter o unilateralismo político da interpretação e conter o self-help na sua aplicação por meio de "retorsões" [35]e "represálias comerciais". Trata-se, então, de um mecanismo rule oriented, na linha grociana, destinado a "domesticar" as tendências unilaterais das "razões de Estado", power oriented.[36]

Insta evidenciar que “esta possibilidade é bastante limitada nas demais organizações internacionais em razão de restrições impostas pelos próprios Estados apegados ao conceito "westfaliano" de soberania. Dessa foram, torna-se muito mais representativa a demanda resolvida através do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), em razão de sanções econômicas e comerciais se desdobrarem em retaliações e suspensão de benefícios, como ocorrem com decisões de outros Tribunais Internacionais[37].

Pode-se afirmar, no que tange aos relatórios adotados, para de cerca de 90%, os painéis ou órgão de apelação encontraram somente uma ou mais violações das obrigações da OMC. Verifica-se que a adequação dos EUA e da Comunidade Europeia (CE) tem sido feita com sucesso diante das infrações cometidas, mesmo com alguns obstáculos em certos casos que costumam acontecer. Entretanto, “o resultado final de cumprimento das recomendações é positivo e se confirma pelo baixo número de casos onde membros têm solicitado e recebido autorização para impor medidas de retaliação[38].”

Vale ainda ressaltar que há necessidade, para melhorar ainda mais o sistema, de inúmeras mudanças e alterações das quais destacam-se: melhoras na possibilidade de terceiros e Estados mediarem as consultas; melhora na escolha dos painelistas, que pode ser resolvida com a adoção de um corpo permanente; e maior transparência nos órgãos julgadores. Outro ponto, também de suma relevância que podem ocorrer durante a implementação é a influência e pressão dos maiores parceiros comerciais, como os EUA e a CE sobre os países em desenvolvimento[39].

Pode-se falar que esta atitude legalista, dada à decisão resultante da Rodada Uruguai, ocasionou à OMC a peculiar característica de probabilidade de atribuir aprovação efetiva pela inadimplência de suas regras, deixando à arbitragem em um papel afetuoso, porém definitivo para o ótimo cumprimento dos relatórios, proporcionando, deste modo, a decisão do sistema de solução de controvérsias e, por consecutivo, o sucesso da OMC como um todo.

Sobre a autora
Valquíria Pereira

Mestranda em Ciências Jurídico Econômicas. Universidade de Lisboa

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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