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A abstrativização do controle difuso, overruling, mutação do art. 52, X CF/88

Leia nesta página:

O STF (Supremo Tribunal Federal), no julgamento das ADI's 3406/RJ e 3470/RJ de relatoria da Min. Rosa Weber, ventilado no informativo 886, deu nova interpretação ao Art. 52, X CRFB/88.

1 INTRODUÇÃO

Nosso trabalho vem abordar a evolução da jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), no tema controle de constitucionalidade, mais precisamente dos efeitos no controle difuso.

O título desse trabalho tem como fonte a própria jurisprudência do STF, que há diversas expressões sinônimas para o mesmo sentido. Ora é denominado abstrativização do controle difuso, ora mutação constitucional - Verfassungswandlung (uma reforma da constituição sem a modificação de seu texto).

Algumas palavras sobre o conceito de mutação constitucional (Verfassungswandlung) são relevantes na parte inicial desse trabalho.

Traduz a ideia de modificação do sentido do texto sem alteração formal do que está expresso na constituição. A tese da mutação constitucional é compreendida mais uma vez como solução para um suposto hiato entre texto constitucional e a realidade social, a exigir uma “jurisprudência corretiva”, tal como aquela a que falava Büllow, em fins do século XIX. (STRECK, LIMA e OLIVEIRA, 2008).

De acordo com Lênio Streck, essa tese foi formulada pela primeira vez em fins do século XIX e inícios do século XX por autores como Laband (1895) e Jellinek (1906), e mereceu mais tarde conhecidos desenvolvimentos por Hsü-Dau-Lin (1932).

Ainda o professor Lênio (2008) entende que “na verdade, o conceito de mutação constitucional mostra apenas a incapacidade do positivismo legalista da velha Staatsrechtslehre do Reich alemão de 1870 em lidar construtivamente com a profundidade de sua própria crise paradigmática”.

Em síntese, a tese da mutação constitucional advoga em última análise uma concepção decisionista da jurisdição e contribui para a compreensão das cortes constitucionais como poderes constituintes permanentes.

A jurisprudência do STF afastava a tese da mutação constitucional do art. 52, X da CRFB/88, porém dois de seus Ministros, Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau, entendiam que o papel do Senado Federal era apenas para dar publicidade as decisões em controle difuso proferidas pela própria corte, isto é, quando o controle de constitucionalidade difuso fosse realizado pelo próprio Supremo, os efeitos da decisão deveria ser erga omnes, ou seja, deveria ter uma eficácia para todos e não apenas interpartes. Porém, não foi o que prevaleceu naquela oportunidade.

Insta consignar que houve mudança na composição da corte de uns anos para cá. Foi aprovada a nomeação de dois grande juristas/doutrinadores para integrarem o Supremo Tribunal Federal, sendo um deles, um dos maiores constitucionalistas do Direito brasileiro, o professor e hoje Min. Luis Roberto Barroso, que inclusive, tem livro sobre a temática Controle de Constitucionalidade, que adere a tese da abstrativização no controle difuso.

Outro jurista de grande relevância agregou o quadro do STF foi o Min. Luis Edson Fachin, também aderente da tese da abstrativização, como veremos ao longo do trabalho.

A finalidade desta pesquisa é trazer à baila a ratio decidendi deste julgado paradigmático na jurisprudência do STF.

Nas decisões da corte em controle abstrato os efeitos da decisão alcançam a todos que estejam na mesma situação jurídica, entretanto as decisões em controle incidental os efeitos aproveita apenas quem é parte na relação jurídico-processual, ainda que esta decisão seja proferida pelo garantidor da constituição que é o STF.

Sendo assim, havia dissídio entre os ministros que compunha a corte, uns entendiam que a eficácia deveria alcançar a todos, independentemente da atuação do Senado para suspender o ato normativo declarado inconstitucional, outros não aderiam a tese, causando, assim uma insegurança jurídica.

O tema tem grande valia pois esclarece o assunto relevante jurídica e salienta como a jurisprudência moderna do STF é dinâmica, considerando que o que é hoje afastado por uma composição atual, pode amanhã ser modificado o entendimento.

Usamos como fonte para a confecção desse trabalho, o próprio leading case do STF, assim como diversas bibliografias de doutrinadores que explanam com propriedade sobre o assunto.

Preliminarmente foi feita uma vasta pesquisa de autores do Direito Constitucional e a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal acerca do assunto. Lemos vários livros no assunto abstrativização, mutação constitucional e alguns artigos.

Percebemos que havia uma grande divergência na doutrina. Contudo, ao que nos pareceu que na doutrina a tese de sua aplicação era majoritária. Sem embargos das posições divergentes, acertada a posição majoritária da doutrina.

O controle de constitucionalidade tem por escopo garantir a supremacia da constituição e a defesa das normas constitucionais, frente a possíveis afrontas na edição das normas. Trata-se de verificação de compatibilidade da edição de normas constitucionais para com a Constituição na edição das normas infraconstitucionais.

Segundo doutrina majoritária, o controle se apresenta como análise de parametricidade entre a legislação infraconstitucionais e a Constituição.


2 A MUDANÇA DE ENTENDIMENTO - OVERRULING

A Finalidade deste trabalho não é explorar os conceitos tradicionais ou aprofundar nas espécies sobre controle de constitucionalidade, seja no controle difuso seja no controle concentrado, e sim explanar sobre a mutação que o STF deu ao art.52, X CRFB/88, quando das ADIs.

Conquanto não seja objeto desta monografia discorrer sobre as espécies como dissemos alhures, compete-nos a realizar alguns apontamentos sobre os sistemas de controle de constitucionalidade das normas no Brasil.

Podemos abordar as principais matrizes (sistemas) existentes mundialmente em três:

a) Matriz americana (1803);

b) Matriz austríaca (1920);

c) Matriz francesa (1958).

A matriz americana tem como marco o caso Marbury X Medison, julgado em 1803 pela corte americana. No julgado restou consignado que a supremacia da Constituição e a criação do controle de constitucionalidade das leis. Tem como características:

a) O controle dos atos normativos em relação à constituição seria feito pelo Poder Judiciário e, no caso o americano, por todos os juízes e tribunais, ou seja, conhecido como hoje em dia de controle difuso. Significa que qualquer juiz ou tribunal pode realizar o controle de constitucionalidade, in concretum, ou seja, não será o pedido principal da ação e sim será a causa de pedir, num processo subjetivo, onde há partes e lide;

b) Esse controle era realizado de modo incidental, ou seja, eram casos concretos a serem resolvidos pelo Poder Judiciário no desenvolvimento da função jurisdicional. Gerando efeitos tradicionalmente intitulados de interpartes;

c) No que tange à perspectiva temporal, geraria efeitos ex tunc (retroativos), porquanto os atos normativos eram tidos como inconstitucionais ab initio, ou seja, desde o seu nascedouro. Neste diapasão a decisão é meramente declaratória.

O segundo sistema é de origem austríaca, que tem como expoente Hans Kelsen. Nesse sistema de controle é realizado pelo Poder Judiciário, atuando como legislador negativo, tendo como características:

a) A criação de um órgão próprio para apreciar o controle de constitucionalidade, que, diga-se, é o único órgão com a legitimidade para a verificação de compatibilidade de leis ou atos normativos frente a constituição. Por isso chama-se de controle concentrado. No caso do Brasil o órgão responsável é o STF (Supremo Tribunal Federal);

b) Esse controle é realizado de forma direta, principal, o órgão responsável para verificar a compatibilidade das normas, verifica, in tese, se há contrariedade entre as leis/atos normativos contraria ou não a Constituição. Não havendo, assim uma lide no caso concreto, é realizado abstratamente um processo objetivo, que tem como efeito da decisão erga omnes, isto é, vale para todos;

c) Sob a perspectiva temporal geraria efeitos ex nunc, efeitos prospectivos, isto é, a norma inconstitucional é anulável e os atos praticados sob a égide da lei, devem ser considerados válidos, até que seja fulminado do ordenamento jurídico.

E, por fim, surgiu o sistema Francês, que foi desenvolvido a partir da Constituição da V República da França de 1958. Tal sistema, em tese, não tem o Poder Judiciário como órgão central de controle, mas um órgão político, com formação eminentemente política, sendo Conselho Constitucional. Tem como características:

a) Em regra esse controle (antes que a lei ou nato normativo produza efeitos no mundo jurídico), e realizado sobre o ato normativo em tese, isto é, também não há lide ou contraditório;

b) Em regra depende de provocação pelo Presidente da República, Primeiro Ministro, Presidente da Assembleia Nacional, Presidente do Senado ou de sessenta deputados ou sessenta senadores franceses.

Certo é que no Brasil não adotamos o sistema francês, isso fica claro, porquanto o afastamos de plano, considerando que o nosso sistema de governo adotado, é o presidencialismo (não há Primeiros Ministro e sim Presidente da República exercendo as duas funções – chefe de Estado e chefe de Governo) e também não temos um Conselho constitucional.

Na verdade o Brasil adota um controle judicial, pois como se sabe quem realiza o controle é um órgão do Poder Judiciário. Mais precisamente o sistema judicial misto, onde verifica-se uma coexistências de duas matrizes, a americana – no controle difuso e a austríaca no controle concentrado.

A problemática perpassa pelos efeitos das decisões no controle difuso, incidental. O sistema concentrado, realizado pelo STF no Brasil, produz, em regra: ex tunc, erga omnes e vinculante; já o controle difuso, que é aquele realizado por qualquer juiz ou Tribunal (inclusive o STF), produz, em regra: ex tunc, inter partes e não vinculante.

Aqui que reside a maior controvérsia sobre nosso trabalho. A doutrina constitucional quase unânime, diz que o papel do senado seria apenas de dar publicidade às decisões do Supremos no controle difuso mesmo se ele declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei, essa decisão terá efeito vinculante e erga omnes. O que, na realidade são os efeitos no controle concentrado.

Temos dois cenários, portanto. Caso o controle difuso exercido por qualquer juiz ou tribunal, os efeitos da decisão são, ex tunc e interpartes, pois verifica-se a compatibilidade da lei ou ato normativo com a constituição num caso concreto.

Contudo, caso a decisão seja proferida pelo STF, numa última instância e esse tribunal declare a inconstitucionalidade da norma jurídica, a regra é que essa decisão tenha efeitos apenas interpartes. Com isso surgiria o complicador de outros processos com o mesmo objeto e partes diferentes e assim, o STF teria que declarar novamente o que ele já disse que é inconstitucional preteritamente.

A título ilustrativo, caso alguém ingressasse com uma demanda alegando a suposta inconstitucionalidade de um determinado tributo e este fosse declarado inconstitucional pelo STF, as demais pessoas teriam que ingressar com uma nova ação para que os efeitos fossem estendidos a eles, pois os efeitos da decisão, como vimos é apenas interpartes. Como poderia ser solucionada a problemática?

Sendo assim poderiam haver duas soluções para o caso:

a) Invocar o Art.52, X da CRFB/88: Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

"X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; Ou seja, o STF comunica ao senado e este edita uma resolução para expurgar do cenário jurídico a norma declarada inconstitucional." (BRASIL, 1988).

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O Regimento Interno do Senado Federal prevê, em seu art. 386, que o Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade, total ou parcial de lei mediante: comunicação do Presidente do Tribunal; representação do Procurador-Geral da República; projeto de resolução de iniciativa da comissão de constituição, justiça e cidadania.

A comunicação, a representação e o projeto acima referidos deverão ser instruídos com o texto da lei cuja execução se deva suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento. Uma vez lida em plenário, a comunicação ou representação será encaminhada à comissão de constituição, justiça e cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte.

Outra possibilidade para o STF estender os efeitos da decisão julgada no caso concreto seria:

b) Se valer da edição de Súmula Vinculante, nos moldes do art. 103-A CRFB/88:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (BRASIL, 2004) .

No tocante a incidência do papel do Senado nesse assunto.

Essa suspensão só se aplica em decisões proferidas no controle difuso e não no controle concentrado. Isso está previsto expressamente no regimento interno do STF (RISTF, art. 178). Não ocorre no controle concentrado, porque a decisão do Supremo, nesse caso, tem efeito vinculante, sendo desnecessária a suspensão da lei pelo Senado.

Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII*, da Constituição.(BRASIL, 1988).

Importante consignar que somente decisões definitivas serão levadas ao Senado, isto significa que decisões em caráter liminar (precárias), não são comunicadas ao Senado até a decisão final.

Outro ponto de destaque é que o STF pode declarar inconstitucional quaisquer atos normativos, seja federal, estadual ou até mesmo municipal.

A decisão que antes só produzia efeitos entre as partes, com a suspensão pelo Senado, passar a ter efeitos para todos (erga omnes).

Essa decisão do Senado opera-se com efeitos ex tunc ou ex nunc? A doutrina aqui também não é uníssona.

De acordo com Min. Luis Roberto Barroso, em seu livro operam-se os efeitos ex tunc à suspensão pelo Senado:

“Embora a matéria ainda suscite ampla controvérsia doutrinária, afigura-se fundada em melhor lógica e em melhores argumentos a atribuição de efeitos ex tunc à suspensão do ato normativo pelo Senado”. (BARROSO, 2016).

No mesmo sentido Gilmar Ferreira Mendes:

A doutrina majoritária afirma que a pronúncia da inconstitucionalidade tem efeito ex tunc, contendo a decisão judicial caráter eminentemente declaratório. Se assim fosse, afigurava-se inconcebível cogitar de “situações juridicamente criadas”, de “atos jurídicos formalmente perfeitos” ou de “efeitos futuros dos direitos regularmente adquiridos”, com fundamento em lei inconstitucional. É fácil ver que a constitucionalidade da lei parece constituir pressuposto inarredável de categorias como direito adquirido e ato jurídico perfeito. (GILMAR; BRANCO, 2017).

Em sentido diverso é o entendimento de Bernardo Fernandes Gonçalves, in verbis:

Então, seguindo inclusive nossa opinião, o Senado suspende a lei para o futuro (ex nunc), mesmo porque o Senado não poderia julgar, e, se os efeitos são ex tunc, ele estaria julgando, sendo que a resolução apenas suspende a execução da lei, e definitivamente, não declara sua inconstitucionalidade. (GONÇALVES, 2017).

Destaca-se o decreto nº 2.346/97, que, encampou expressamente a produção dos efeitos ex tunc, exclusivamente em relação à Administração Pública Federal direta e indireta, na hipótese da edição de resolução pelo Senado Federal.

Aqui outro ponto de divergência sobre o assunto. O Senado estaria obrigado a suspender ou não os efeitos da decisão?

Parcela da doutrina entende que seria um ato discricionário do Senado em suspender a execução da lei. Nesse sentido o professor Pedro Lenza:

Deve-se, pois, entender que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado total liberdade para cumprir o Art.52, X, da CRFB/88. (LENZA, 2015).

O Senado poderia voltar atrás na edição da resolução? A resposta é negativa, o Senado tem uma atuação exauriente e uma vez editada a resolução ela não seria passível de revogação.

Nesse diapasão Bernardo Gonçalves:

“A decisão do Senado que suspende a Lei declarada inconstitucional é definitiva, assim, a suspensão da Lei também é definitiva”. (GONÇALVES, 2017).

Poderia o Senado extrapolar os limites declarados pelo STF? Mais uma vez nos socorremos dos ensinamentos do Professor Pedro Lenza:

“A expressão no “todo ou em parte” deve ser interpretada como sendo impossível o Senado ampliar, interpretar ou restringir a extensão da decisão do STF”. (LENZA, 2015).

Portanto, o Senado deverá fazê-lo exatamente em relação ao que decidiu a corte maior.

A jurisprudência do STF e parcela da doutrina sempre entendeu que os efeitos no controle difuso, ainda que proferido Supremo teriam os efeitos interpartes, considerando a matriz adotada como vimos, isto é, sistema difuso.

Em 2014, a corte constitucional (STF) decidiu, no julgamento da Reclamação nº. 4.335-AC, que não admitia a Teoria da Abstrativização no controle difuso de constitucionalidade e o artigo 52, inciso X, da CF, não havia sofrido mutação constitucional, isto é, não houve mudança de interpretação do texto constitucional.

Na ocasião do julgamento, que tratou da proibição da progressão de regime em crimes hediondos e equiparados (STF declarou a inconstitucionalidade do dispositivo previsto na Lei dos Crimes Hediondos), o Supremo decidiu pela Teoria tradicional, e não pela Teoria da Abstrativização, que preconiza que, no caso de o Plenário decidir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei, no controle difuso, a decisão deve gerar efeitos vinculantes e erga omnes.

Apenas dois Ministros (Gilmar Mendes e Eros Grau) afirmaram expressamente que as decisões do Plenário do STF proferidas em controle difuso de constitucionalidade possuem efeitos erga omnes e que o papel do Senado, atualmente, é o de dar publicidade ao que foi decidido, tendo havido mutação constitucional do art. 52, X da CF/88.

Porém, antes que o STF julgasse a Reclamação 4335-AC, referente ao HC 82.959, foi editada a súmula vinculante 26, que afirmou ser permitida a progressão de regime em crimes hediondos, o que ocasionou o prejuízo da análise de mérito da Reclamação.

A partir desse momento ingressamos no tema central desse trabalho. O STF no julgamento das ADIs 3406/RJ e 3470/RJ, parece que houve um overruling nesses julgados que, há tempos a doutrina já se inclinava para essa nova perspectiva.

O STF em julgados relevantes (caso de Mira Estrela, RE197.917/SP e Progressividade do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, HC 82.959/SP), para proferir uma nova interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso.

Gilmar Mendes sempre defendeu a tese de que a atuação do Senado, quando da declaração de inconstitucionalidade pelo STF em controle difuso seria de dar apenas publicidade da decisão.

Defende que o Art. 52, X da CRFB/88 tem cunho meramente histórico e vem sofrendo um processo de obsolência, vejamos:

A exigência de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal em casos concretos dependa de decisão do Senado Federal, introduzida entre nós com a Constituição de 1934 e preservada na Constituição de 1988 (art. 52, X), perdeu parte do seu significado com a ampliação do controle abstrato de normas, sofrendo mesmo um processo de obsolescência. (GILMAR; BRANCO, 2017).

Segue o Ministro:

“A única resposta plausível nos leva a acreditar que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão exclusivamente histórica”.

Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de emenda constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão somente para as partes?

De fato, isso apenas levaria a multiplicação de processo no STF e este ficaria dependendo da edição da resolução pelo Senado Federal, uma vez que a edição é discricionária.

É certo que o STF poderia se valer da edição de súmula vinculante para resolver o problema, mas a dogmática seria, de fato - a mutação constitucional.

No mesmo entendimento caminham Ingo Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero , vejamos:

Ora, se as decisões proferidas pelo STF, em controle incidental, têm eficácia vinculante, é completamente desnecessário reservar ao Senado Federal o poder para atribuir efeitos gerais às decisões de inconstitucionalidade. Como é evidente, ainda que o Senado tenha este poder, o fato de esta Casa Legislativa não atuar não pode conduzir à conclusão de que a decisão do STF não produziu – ou deixou de produzir – eficácia vinculante. A omissão do Senado não pode se contrapor à eficácia vinculante da decisão do STF. (MARIONI; SARLET; MITIDIREO, 2017).

Aliás, seria pouco mais do que ilógico supor que a eficácia geral somente pode ser atribuída às decisões de inconstitucionalidade, e não às demais decisões proferidas pelo STF.

E por fim os mesmos autores entendem que:

Portanto, negar eficácia vinculante aos precedentes constitucionais em virtude de o Senado Federal ter poder para suspender os efeitos de lei declarada inconstitucional, além de lamentável e curiosamente impedir que as decisões do STF gozem da devida autoridade, constitui equívoco fácil de ser apanhado. (MARIONI; SARLET; MITIDIREO, 2017).

E não para por aí. Luis Roberto Barroso, partilha do mesmo raciocínio técnico-jurídico:

Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos”. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há lógica razoável em sua manutenção. Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados do art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é! (BARROSO, 2016).

Zeno Veloso, por seu turno, é incisivo ao considerar que a existência do ato do Senado compromete e diminui o papel do Pretório Excelso, afirmando a necessidade de reforma:

Devemos convir, entretanto, que não há razão para manter em nosso Direito Constitucional legislado a norma do art. 52, X da Constituição Federal, originaria da Carta de 1934, quando só havia o controle incidental, e o principio da separação dos poderes se baseava em critérios e calores absolutamente ultrapassados, ancorados numa velha e rígida concepção oitocentista. Uma reforma é necessária, para que se estabeleça, de uma vez por todas, que as decisões do Supremo Tribunal Federal, no controle de constitucionalidade, tenham eficácia erga omnes e efeito vinculante (VELOSO, 2003).

Como se percebe o Direito brasileiro tem seguido em direção a um sistema de valoração dos precedentes judiciais emanados pelos Tribunais Superiores, aos quais se atribuiu, cada vez mais com intensidade, força persuasiva e expansiva em relação aos demais processos análogos.

Assim, verifica-se o quão controvertida está tal situação no palco jurídico brasileiro, pois, além dos efeitos que trarão as futuras decisões, o exercício do ativismo judicial pode ferir outros princípios que devem ser observados , como o Princípio da Interpretação Conforme tal premissa, diante de normas plurissignificativas deve se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição e, portanto, não seja contrária ao texto constitucional.

Neste diapasão, o fenômeno da abstrativização dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade, ou transcendência dos motivos determinantes, é considerado, por alguns doutrinadores, como um avanço, contudo, para outros, um efeito que necessita de limites.A atuação proativa do STF pode ser justificada não só pela morosidade do Poder Legislativo em elaborar a lei no caso concreto, mas também pelo Princípio da força Normativa da Constituição que determina aos aplicadores da Constituição, ao solucionarem conflitos, conferir máxima efetividade às normas constitucionais.

O saudoso Min. Teori Zavascki evidenciava a tendência de nossos tribunais superiores em adotar abstração do controle difuso de constitucionalidade, destacando a força da autoridade das decisões do STF em ação direta, bem como das proferidas na via recursal:

Sob esse enfoque, há idêntica força de autoridade nas decisões do STF em ação direta quanto nas proferidas em via recursal. Merece aplausos essa aproximação, cada vez mais evidente, do sistema de controle difuso de constitucionalidade ao do concentrado, que se generaliza também em outros países. No atual estágio de nossa legislação, de que são exemplos esclarecedores os dispositivos acima transcritos, é inevitável que se passe a atribuir simples efeito de publicidade às resoluções do Senado previstas no art. 52, X, da Constituição. É o que defende, em doutrina, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem “não parece haver dúvida de que todas as construções que se vêm fazendo em torno do efeito transcendente das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso Nacional, com o apoio, em muitos casos, da jurisprudência da Corte, estão a indicar a necessidade de revisão da orientação dominante antes do advento da Constituição de 1988. (ZAVASKI, 2001).

Não faz sentindo não consolidar efeitos gerais em questão prejudicial atinente à conformidade da lei a constituição Se, porém, o controle incidental é um instrumento processual de atuação do controle concentrado, servindo para conciliar a observância do princípio da Supremacia da Constituição pela jurisdição ordinária com o monopólio da função de controle deferido a Corte Constitucional, nesse caso não faz sentido deixar de consolidar os efeitos gerias ou erga omnes pelo menos no tocante a decisão que, dirimindo a prejudicial de constitucionalidade, reconhece a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Noutro giro, Pedro Lenza rechaça a teoria da abstrativização do controle difuso, sob os argumentos de que os efeitos erga omnes foi apenas no controle concentrado e pode adotar súmula vinculante para sanar o problema. Menciona ainda que deve haver manifestação do poder constituinte derivado reformador para alterar a constituição, modificando o art. 52, X e o art. 97 CRFB/88, o que ele defende seria uma PEC (proposta de emenda à constituição) para que fosse alterado o artigo 52, X.

Posição de Bernardo Fernandes Gonçalves é no sentido da inaplicabilidade da teoria da abstrativização no controle difuso:

A nossa posição, fundamentada de acordo com a teoria discursiva da Constituição e da democracia de Jürgen Hebermas. É a de que a tese da abstrativização do controle difuso-concreto reforça o controle concentrado e a objetivização que é adstrita ao mesmo, centralizando as decisões cada vez mais no STF, sob os auspúcios de uma desmedida instrumentalidade e economia processuais, que acabam por deslegitimar o sistema de controle de constitucionalidade na via difusa de cunho democrático-discursivo, que se desenvolve por meio da crítica pública das decisões, podendo minar, com isso, a base do próprio sistema de direitos fundamentais atrelada ao Estado Democrático de Direito. (GONÇALVES, 2017).

Críticas também de Flávio Martins Alves Nunes, pois entende que para essas situações, conceder efeitos erga omnes - a lei 9.868/99 traz o controle concentrado de constitucionalidade dando efeito erga omnes à decisão. (NUNES JUNIOR, 2017).

Entretanto, com todas as vênias - se o próprio STF já confirmou que o ato normativo é inconstitucional, ainda que em sede de controle difuso, não poderia haver uma quebra de isonomia entre os demais jurisdicionados na mesma situação jurídica até que se fosse manejada uma ADI contra tal situação, pois como sabemos, não é qualquer pessoa que pode ingressar com uma ação direta (controle concentrado) no STF. Há um rol de legitimados previsto na lei, havendo legitimados universais e legitimados, considerado pela jurisprudência do STF, como meros interessados, devendo demonstrar a pertinência temática, ou seja, pertinência subjetiva na demanda, como por exemplo Governadores de Estados.

Como percebemos o tema é bem divergente, mas o STF mudou de opinião e passou a entender que os efeitos das decisões em controle difuso proferidas pela corte maior teriam eficácia erga omnes e vinculante.

Qual era o tema objeto das ADIs?

O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, julgou improcedentes pedidos formulados em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra a Lei nº 3.579/2001 do Estado do Rio de Janeiro. O referido diploma legal proíbe a extração do asbesto/amianto em todo território daquela unidade da Federação e prevê a substituição progressiva da produção e da comercialização de produtos que o contenham.

A Corte declarou, também por maioria e incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 2º (1) da Lei federal nº 9.055/1995, com efeito vinculante e “erga omnes”. O dispositivo já havia sido declarado inconstitucional, incidentalmente, no julgamento da ADI 3.937/SP (BRASIL, 2017).

A partir da manifestação do ministro Gilmar Mendes, o Colegiado entendeu ser necessário, a fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, equalizar a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em sede de controle incidental. O ministro Gilmar Mendes observou que o art. 535 do Código de Processo Civil reforça esse entendimento.

A fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, deve-se atrinuir à decisão proferida em sede de controle incidental (difuso) a mesma eficácia da decisão tomada em sede de controle abstrato.

O §5º do art. 535 do CPC/2015 reforça esse tratamento uniforme:

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

§ 5o Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. (BRASIL, 2015).

Assevera-se estar fazendo uma releitura do disposto no art. 52, X, da CF, no sentido de que a Corte comunica ao Senado a decisão de declaração de inconstitucionalidade, para que ele faça a publicação, intensifique a publicidade.

Ainda nesse julgado o Min. Celso de Mello disse de forma expressa que a situação é, de fato uma mutação constitucional:

Considerou-se estar diante de verdadeira mutação constitucional que expande os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional. Para ele, o que se propõe é uma interpretação que confira ao Senado Federal a possibilidade de simplesmente, mediante publicação, divulgar a decisão do STF. Mas a eficácia vinculante resulta da decisão da Corte. (BRASIL, 2017).

A presidente do STF, Min. Carmem Lúcia entendeu que há uma nova interpretação do art.52, X CRFB/88:

Afirmou que a Corte está caminhando para uma inovação da jurisprudência no sentido de não ser mais declarado inconstitucional cada ato normativo, mas a própria matéria que nele se contém. Ou seja, não é apenas o ato normativo e sim a matéria sofreria declaração de inconstitucionalidade. (BRASIL, 1988).

O Min. Edson Fachin entendeu que a declaração de inconstitucionalidade, ainda que incidental, opera uma preclusão consumativa da matéria. Isso evita que se caia numa dimensão semicircular progressiva e sem fim. E essa afirmação não incide em contradição no sentido de reconhecer a constitucionalidade da lei estadual que também é proibitiva, o que significa, por uma simetria, que todas as legislações que são permissivas — dada a preclusão consumativa da matéria, reconhecida a inconstitucionalidade do art. 2º da lei federal — são também inconstitucionais.

Dessa forma, percebe-se que a inércia irrazoável do legislador, faz com que o judiciário, em uma postura ativista, passe a ter elementos para suprir a omissão, conforme se verificou nos vários exemplos supramencionados, fazendo com que o direito fundamental possa ser efetivado. Em contra ponto, essa nova perspectiva precisa de limites, ou, ao menos, de regramentos para evitarmos abuso.


3 CONCLUSÃO

O presente trabalho analisou que a jurisprudência do STF modificou seu entendimento no sentido de alargar os efeitos das decisões proferidas no controle difuso para além das partes envolvidas no processo, causando um overruling. Tal tendência ficou evidenciada nas ADIs trazidas nesse trabalho e deram efeitos mais abrangentes aos julgados do STF, diminuindo a função do Senado, o que ficou claramente esvaziado o art. 52, X CF/88.

A própria jurisprudência do STF percebeu que precisava dar uma nova interpretação ao art. 52, X CF/88. Não fazia muito sentido se o plenário do STF, em sua função típica, como guardião da Constituição, declarar determinado ato normativo inconstitucional em controle difuso, não poder aplicar os efeitos erga omnes. Nos parece ir de encontro aos princípios da celeridade, economia processual e a segurança jurídica.

Ficar aguardando o Senado Federal editar uma resolução para suspender os efeitos de uma lei que o próprio STF já disse ser inconstitucional pelo Plenário nos parece ser incongruente. A referida casa legislativa tem outras coisas a se manifestar mais relevantes para a população, o que na verdade, não vem fazendo - do que verificar se irá editar ou não uma resolução.

Enquanto isso, a lei que fora declarada inconstitucional pelo Plenário do STF, continuará produzindo efeitos e afrontando o princípio da isonomia.

Já os opositores da novel tendência, sustentam que atuação desmedida do STF coloca o Judiciário como um poder constituinte permanente, ilegítimo e autoritário, e que, ainda, retira do processo de controle difuso qualquer possibilidade de verificação dos representantes do povo.

Todavia, não merece prosperar tal argumento. Não se trata de autoritarismo por parte do Poder judiciário e sim o exercício de seu papel de guardião da Constituição em expurgar do ordenamento jurídico um ato normativo inconstitucional.

Como vimos, esse instituto foi previsto na Constituição de 1934. A jurisprudência do Supremo a época não tinha a atuação como as hodiernamente. A sociedade é dinâmica, o direito é dinâmico e o Poder Judiciário deve caminhar no sentido de dar assegurar a Constituição Federal, independentemente da atuação do Senado que ficou obsoleta.

Diante de tudo que foi dito, nos parece que foi acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal em mitigar a atuação do Senado, expandindo a eficácia da decisão na controle difuso realizado pelo próprio Supremo.

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Sobre o autor
Tiago Baltazar Ferreira Dantas

Delegado de Polícia Civil no Estado do Paraná, Pós-graduado em Penal e Processo Penal pela Faculdade Estácio de Sá, Pós-graduado em Direito Público, Pós graduado em Gestão de Segurança Pública pela Escola Superior de Polícia Civil do Estado do Paraná/PR, Graduado em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) no Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Tiago Baltazar Ferreira. A abstrativização do controle difuso, overruling, mutação do art. 52, X CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5506, 29 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67753. Acesso em: 21 nov. 2024.

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