Justiça, o lado moral da internet — Parte VIII. O "fiu fiu" como importunação ofensiva ao pudor

Resumo:


  • A internet é um espaço de expressão onde as pessoas se sentem livres para discutir temas sociais e éticos, mas essa liberdade é limitada por leis como as que protegem contra crimes de honra.

  • O "fiu fiu" pode ser interpretado de maneiras diferentes dependendo do contexto cultural e do consentimento da pessoa a quem é dirigido, refletindo as variações nas normas sociais sobre pudor e decência.

  • A liberdade de expressão é um direito natural do ser humano, mas não é absoluta e pode ser restringida por leis que visam proteger outros direitos ou valores sociais, como a dignidade e o respeito mútuo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A nova interpretação sobre "fiu fiu". Retorno do tabu ou defesa da dignidade feminina?

INTROITO

A internet, principalmente, as redes sociais, é um campo de pesquisa para os estudiosos sobre antropologia, sociologia, operadores de Direito, jornalistas. Neste Mundo Virtual, as pessoas (internautas) se sentem 'livres' para comentarem o que pensam sobre vários assuntos, principalmente assuntos modificadores dos valores moraise éticos, como casamento entre LGBTs, aborto, feminismo etc. Essa 'liberdade' — não há liberdade absoluta, pois, por exemplo, cabe danos morais em caso de crimes contra a honra — permite uma 'catarse' contra o 'politicamente correto', este considerado como coação a liberdade de expressão; conquanto a própria liberdade de expressão não é absoluta.

Diferentemente do Mundo Virtual, o mundo físico, pela própria compreensão do agente ativo, impossibilita uma liberdade de expressão absoluta, por receios de ataques físicos, por exemplo..

Resolvi criar Justiça, o lado moral da internet, para trazer, de forma concisa, como os internautas pensam sobre determinados assuntos. Justiça, o lado moral da internet está, como não poderia de ser diferente, para não ficar 'enjoado' para os internautas — a maioria quer assuntos resumidos, sem perda de qualidade e do foco principal —, está dividido em partes. Cada parte, um assunto diferente.

"Fiu fiu"

O Senado Federal possui página na rede social Facebook. As últimas notícias são divulgadas, comentários não faltam.

"Fiu fiu", importunação ofensiva ao pudor; contudo, todo "fiu fiu" será condenado? Depende da interpretação, do consentimento da mulher. O consentimento de alguma mulher quanto ao "fiu fiu" depende, também, dos valores que aprendeu, a sua convicção pessoal sobre o "fiu fiu" ser ato ofensivo ao pudor ou ato de elogio.

Autonomia da vontade e autopossessão da mulher; o consentimento é a base de sua dignidade. Ninguém pode tocá-la sem sua permissão, a não ser que seja alguma pessoa de seu ciclo, familiar, parceiro (a) sexual, namorado (a). Proferir palavras a qualquer mulher, impossível censurar, por coação do Estado, como ocorreu nos Anos de Chumbo (1964 a 1985), na Era Vargas (1930 e 1945), pois a liberdade de expressão é um dos direitos, Natural, da espécie humana, o Homo Sapiens Sapiens Conclictus. Como a liberdade de expressão não é absoluta, assim como qualquer direito, a liberdade de expressão pode ser limitada pelo Estado, com aplicações de multas — qual ser humano quer perder dinheiro?

Pudor:

(ô). [Do lat. pudore.]

S. m.

1. Sentimento de vergonha, de mal-estar, gerado pelo que pode ferir a decência, a honestidade ou a modéstia; pejo.

2. P. ext. Este sentimento, ligado a atos ou coisas que se relacionam com o sexo; recato, vergonha, pudicícia: (Dicionário Aurélio Século XXI) (grifos do autor)

Decência

[Do lat. decentia.]

S. f.

1. Decoro na aparência, na conduta, etc.; compostura.

2. Correção moral; honestidade, honradez.

3. Respeito à conveniência, em matéria sexual; pudor. (grifo do autor)

Como dito alhures, "fiu fiu" pode ter conotação sexual, dependendo da interpretação (subjetividade) de cada pessoa. Mesmo se houver conotação sexual, a mulher, assim como o homem, é dotada de instintos, por ser animal e racional; um dos instintos, o sexual. Além do instinto sexual há o componente emocional, como a mulher se sente em relação a ela mesma, os valores sociais que aprendeu desde criança, os possíveis traumas de infância ou em algum momento de sua vida. "Olhar libidinoso" masculino pode ser ofensivo para uma mulher do século XXI, porém, para uma mulher dos anos de 1960, em defesa da liberdade sexual da mulher, o olhar masculino, ainda que sexual, era prazeroso — olhar libidinoso, nos anos de 1960, para uma mulher não defensora da liberdade sexual, poderia ser ofensivo. Algo em comum pode existir entre duas mulheres de valores opostos — contra ou a favor da liberdade sexual da mulher —, o direito de não serem tocadas, sem os seus consentimentos, não terem relação sexual, também sem os seus consentimentos.

A importunação ofensiva ao pudor tem fulcro na norma do art. 61, no DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941:

Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:

Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Pudor é uma construção humana (antropogênica) de "aceitável" ou "inaceitável", "normal" ou "anormal" em cada sociedade. Abaixo, o pudor no início do século XX no Brasil:

Imagem acima: Amigos na praia, entre 1890-1900.

Se algum casal se trajasse assim, em alguma praia brasileira, neste início de século XXI, não faltariam risos, pilhérias; o casal poderia ser chamado de "religiosos fundamentalistas". O pudor, então, varia conforme as convenções, os momentos psíquicos.

Algumas mulheres, nas redes sociais, argumentam que todos os homens — ser biológico masculino, orientação sexual heterossexual — são "potenciais estupradores". Ou seja, soa como "geneticamente estupradores" — insaciáveis, não conseguem controlar suas libidos. Outras mulheres dizem que os homens foram ensinados, por valores culturais, a estuprarem-nas.

Situações:

1) "Estupro é considerado crime desde a mais remota antiguidade. Os hebreus aplicavam pena de morte se uma mulher prometida em casamento fosse violada e se ela fosse virgem, o autor deveria pagar cinquenta siclos de prata ao pai da vítima e se casar com ela. Os egípcios mutilavam o estuprador. Os gregos, os romanos, as antigas leis espanholas e inglesas também puniam o agressor com a morte. No Direito Romano a palavra stuprum servia para designar todas as relações sexuais consideradas ilícitas, inclusive a pederastia e o bestialismo e até mesmo o rapto de uma mulher. As relações sexuais ilícitas podiam ser de qualquer espécie, praticadas contra mulher virgem ou viúva honesta, sem que houvesse necessariamente o emprego de violência durante tais relações. Também se considerava stuprum os atos sexuais contra a natureza (bestialismo), especialmente contra homens. O rapto também poderia ser confundido com o stuprum. O fato deste crime ser uma infração de um ato ilícito, ele não abrangia a prostituta, a mulher desonesta ou a escrava. Mais tarde houve a distinção da violência neste ato criando-se o stuprum violentum e depois o stuprumper fraudem. Porém estes crimes só eram (I) MESTIERI (1982) aponta que a palavra stuprum significa desonra, vergonha. Além disto, esta palavra servia também para caracterizar adultério." (1)

2) "Na parte sul das ilhas Trobriandesas um homem estranho que aparece na hora da capinagem é violentado pelas mulheres que tentam excitá-lo até o orgasmo. Em seguida elas urinam ou defecam sobre o seu corpo (Malinowski 1929)." (2)

3) Ação Judicial Carnal — na Idade Média, o Cristianismo considerava o ato sexual como fim para reprodução da espécie humana. O débito marital, dívida financeira, poderia ser exigida tanto pelo homem quanto pela mulher. Se o homem se recusasse a conjugação carnal, a mulher poderia provocar o Tribunal da Igreja para este processar o marido, de forma que o marido fizesse, compulsoriamente, sexo com sua esposa. No caso do homem, sendo incapaz, e não ao motivo de recusar, de relação sexual com sua esposa, o divórcio era possível para a mulher, inexistindo processo judicial. Caso o homem fosse acusado de impotência sexual, ele era ironizado na sociedade, não podendo casar mais. Para o homem não "cair em desgraça" social, ele tinha que provar sua "potência sexual". Na França, a Igreja, então, tinha métodos para provar a virilidade do homem e a honestidade da afirmação da mulher sobre impotência masculina — a honestidade da mulher era reconhecida como Teste da Mulher Honesta. O acusado deveria ser examinado por médicos e parteiras quanto a elasticidade e qualidade do sêmen. Sendo reprovado, o acusado deveria recorrer ao Tribunal. Marido e esposa deveriam fazer sexo na frente de várias pessoas, como padres e parteiras, para comprovarem a "honestidade" da mulher e a impotência sexual de seu marido. Se o marido ejaculasse, a virilidade estava provada, o pedido de divórcio da mulher era negado. Muitos homens falhavam no momento da prova pública — não são todos os seres humanos que é exibicionista. Na Itália o Teste da Mulher Honesta era feito com uma "perita" (prostituta). O teste de "potência sexual" sexual do acusado era feito em público. Na Veneza, no século XV, a esposa poderia processar seu marido por "impotência sexual". Nicolo vai ao bordel, com um juiz e escrivão, para provar sua "potência". Em 1675, após o caso de Nicolo, o Teste da Mulher Honesta foi revogado. (3)

À compreensão, estupro e ato libidinoso, dependem das condições psíquicas da sociedade, da cultura e seus valores de "certo" ou "errado", "pecado" ou "prazer".

Alguns leitores podem pensar, não estupraram o homem (item nº 2), pois as mulheres queriam, somente, urinar e defecar sobre o corpo dele.

Pela nova redação na norma contida no art. 213, do CP:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

A redação anterior era:

Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de três a oito anos.

Depreende-se, o estupro somente era tipificado quando o agente passivo era do sexo biológico feminino. Quanto ao "estupro marital" — o direito de o marido coagir sua esposa, ou com ela praticar atos libidinosos —, doutrinas e jurisprudências entendiam ser um direito do marido, pelo débito conjugal, de forçar a própria esposa ao ato; geralmente com tapinhas, nada mais do que isto. A nova redação do art. 213, dada pela Lei nº 12.015, de 2009, igualou o direito natural, do homem e da mulher, de não ser estuprado, isto é, de não serem coagidos aos atos sexual ou libidinoso. Ato libidinoso é o coito anal, o sexo oral praticado por homem (felação), o sexo oral praticado por mulher (cunilíngua), manipulação do (s) mamilo (s) seja (m) de homem ou de mulher, independentemente de orientação sexual, passar as mãos nas coxas, entre as coxas, nas nádegas.

A liberdade de expressão é um dos direitos naturais do ser humano, conquanto a própria liberdade de expressão tenha sua "liberdade" conforme o entendimento humano, em certos períodos, em cada sociedade. Por exemplo, nos EUA não há crime deambular pelas vias públicas terrestres com suástica nazista; porém, na Europa, a suástica nazista, no peito, de algum usuário de via terrestre, é crime. No Brasil, deambular com uma suástica nazista é crime:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pela "letra da lei", e período humano atual, como fica a liberdade de expressão atual? Se a suástica nazista, ou tudo que for associado ao Nazismo, tem propósito, didático, de divulgar os acontecimentos horripilantes da sua época, não há apologia ao Nazismo.

Destarte, tanto a liberdade de expressão quanto o pudor variam conforme o estado emocional, as formulações de teorias de Boa Vida ao Homo Conflictus. Por exemplo, o pudor proibindo o sexo antes do casamento. O sentimento de vergonha em relação à sociedade, deriva dos conceitos de convivências e comportamentos aceitos (status positivo) pela sociedade; o contrato social ditando regras de comportamento. Antes da liberdade sexual feminina, nos anos de 1960, com forte influência da pílula anticoncepcional, a vergonha de uma mulher de si para consigo, quando praticasse ato sexual antes do casamento, possuía aquiescência com o conceito normatizador (status negativo, perda do hímen antes do casamento; a himenolatria) ao que era comportamento vergonhoso (status negativo, mulher sem princípios, sem controle sobre seus desejos; o homem e sua natureza animal justificando seu "descontrole" ao sexo e ato libidinoso).

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Tanto no "descontrole" do homem quanto ao "controle" da mulher, ambos os comportamentos são convenções, geralmente por dogma, do próprio Homo Conflictus. Se há "descontrole" do homem, sendo assim justificado qualquer ato sexual ou libidinoso, e "descontrole" da mulher, por não ter controlado, pela razão, seu instinto sexual, a culpa é da mulher. A "lógica" é ilógica. Tanto a é, que, contemporaneamente, nenhuma mulher será punida se ir, num breve encontro casual com estranho, ao Motel da Alcova. Muito menos quando ela sair do Motel com o "casual encontro". Ninguém apedrejará, enterrará, enforcará, seja lá o que a imaginação humana inventar de crueldade, a "descontrolada mulher". Poderá ser processada, por danos morais, em caso de traição conjugal:

O dever de fidelidade:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

V - respeito e consideração mútuos.

Reparação por danos morais ao cônjuge traído:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No caso de danos morais, quem foi traído deve provar que sofreu substancial vexame na sociedade. Ou seja, o sentimento social (status negativo) ao relacionamento extraconjugal (status negativo) causa gravíssimo desequilíbrio emocional ou psíquico na vítima. Depende, mais uma vez, da condição psíquica do grupo em relação aos seus valores sobre comportamento sexual, fidelidade etc. Se alguma cultura entende que cada pessoa é livre em si, e que a outra não é meeira sobre propriedade privada, o corpo, de outra pessoa, a traição deixa de existir. O mesmo à questão do sentimento de traição, não é possível dizer que uma pessoa tem direito de exigir fidelidade de outra. Por quê? Porque a fidelidade deve ser inerente ao ser, ao seu valor de (qual) importância aos sentimentos de outra pessoa. Esse valor de importância foi suprimido pela repressão sexual. O casamento, como único momento de prática sexual, criou galanteadores com objetivos puramente libidinosos: uma noite, e nada mais. A donzela, ou mulher honesta (virginal), caia nas garras do libidinoso. Dizer que toda mulher era "inocente", no sentido de assexuada, é considerar que a mulher é um ser a parte da natureza humana, sem pulsões. Masturbações, toques nos seios, menos o rompimento do hímen, pela himenolatria, ocorriam, mesmo que após os atos, a donzela fosse atormentada por cruéis pensamentos, indo se confessar com padre.

Contemporaneamente, não é mais proibido, por lei, o relacionamento poliafetivo — proibido, no sentido de caçar e, possivelmente, matar os hereges —, que é considerado, pelos tradicionalistas, por "suruba". Mesmo no poliafetivo, a pessoa traída pode provocar o Judiciário para garantir ressarcimento por danos morais.

Se a sociedade entender que tanto na relação monogâmica quanto na poliafetiva não há possibilidade de danos morais, pois cada qual é livre em si, a qualquer momento o relacionamento pode ser desfeito pelo simples “não dá mais, acabou”; é de se considerar que a sociedade entendeu que "o gostar de alguém" não é ser proprietário de outra pessoa (propriedade privada por emoção) e de seus, muito menos esperar que a outra pessoa tenha a obrigação de corresponder, sempre, às expectativas do outro parceiro (a), cônjuge.

Amo a liberdade, por isso, deixo as coisas que amo livres.

Se elas voltarem é porque as conquistei.

Se não voltarem, é porque, nunca as possuí. (John Lennon)

Pensamento poderoso sobre amor e liberdade. Se analisarmos os períodos do Homo Conflictus sobre "até que a morte vos separe", pela coação do Estado (religião), muito mudou. Por exemplo, o desquite extinguia direitos e obrigações do casamento, não o próprio casamento, que acontecia quando era feito o divórcio ou a anulação, ou em caso de morte de um dos cônjuges. Com o desquite, as obrigações do casamento terminavam, assim como os deveres de fidelidade e de coabitação, ou seja, os ex-cônjuges eram "livres" para terem relações sexuais com quem bem entenderem, escolherem os locais para habitarem. "Livres", pois tabus sociais continuavam: homem pode ter relações com qualquer mulher, mesma sendo sua esposa; mulher, a relação sexual era possível somente para namorar, casar. O desquite não era "carta de alforria", do Estado religião, ao desquitado; este era proibido de contrair novo casamento, mas poderia se reconciliar com o ex-cônjuge. Mais uma vez "até que a morte vos separe". No divórcio, os ex-cônjuges não poderiam se reconciliar, porém poderiam casar novamente, com outra pessoa. De certa forma, o Estado comandava os cidadãos e suas vontades. Mais ou menos assim, no divórcio:

Pense muito bem antes de se divorciar, pois, do arrependimento ulterior, Eu Estado não permitirei reconciliação.

A "carta de alforria", para a relação amorosa, era como alforria aos escravos, quem ditava direitos e deveres era o Estado. O Estado, por intermédio do controle de certa parcela da sociedade, "roubava" o direito natural de cada pessoa viver como quisesse. O ex-escravo tinha sua liberdade de papel, mas, na realidade, todo o sistema social e jurídico limitava os ex-escravos de continuarem com suas culturas, como o uso de indumentária etc.

Mesmo no divórcio, o Estado, por conceitos ideológicos dos antidivorcistas, com influência religiosa, criou vários obstáculos. Para se divorciar era preciso: estar desquitado há mais de um ano; provar ao juiz separação de fato há mais de dois anos. Além de gastar tempo e dinheiro, o divórcio somente era possivel após três anos (um ano de desquite e dois de separação de fato).

Considerações Finais

"Fiu fiu" é importunação ou não? O Estado pode decidir pela proibição da liberdade de expressão ao "fiu fiu" para atender uma parcela da sociedade? Da mesma forma que o "fiu fiu" masculino é considerado como importunação ofensiva ao pudor — “é o assédio verbal que ocorre quando alguém é importunado em lugar público, de modo ofensivo ao pudor” —, quando uma mulher chamar algum homem de "gostoso", o Estado, por provocação do agente passivo, poderá aplicar pena pecuniária (multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis).

Será a importunação ofensiva ao pudor, do "fiu fiu", masculino, resquício de dogmas e tabus religiosos? Penso que sim, pois o "fiu fiu" é associado, por uma parcela da sociedade brasileira, como conotação sexual, algo do tipo Filosofia da Alcova — o outro é, somente, recipiente da libido alheia. Contudo, outra parcela da sociedade não vê no "fiu fiu", masculino, como ataque à honra, uma atuação de um lobo faminto para deflorar Chapeuzinho Vermelho.

Ritmo musical e letra (Fiu Fiu - Mc Magrinho):

Fiu fiu (5x)
Ela vê os muleques passando
de motão a mil
olha o que ela faz
Fiu fiu (3x)
De motão a mil
Fiu fiu (2x)
Olha o que ela faz
Fiu fiu
Quando o nosso bonde chega
ela sempre perde a linha
Desce e sobe no talento
e catuca as amiguinha
Achou o Magrinho gostoso todo mundo viu
Sempre quando o bonde passa
Elas faz (elas faz, elas faz)
Fiu fiu

E mesmo que haja o "lobo interior", esses mesmos cidadãos e cidadãs acham que faz parte do ser humano, a vontade de potência. No entanto, essa vontade de potência não pode ir além do "fiu fiu", como segurar no braço da mulher, proferir palavra de baixo calão — quando tinha lá meus 25 anos, escutei de um homem a uma mulher, transitando próximo dele, "Querida, posso jogar ‘leite’ no seu lombo?"; tal frase deve ser repudiada pela sociedade. Pode parecer contraditório sobre repudiar tal frase e admitir que "fiu fiu" não seja palavra ofensiva. O "fiu fiu" foi muito usado pelos jovens dos anos de 1960 e de 1970, pela liberdade sexual da época; não era uma ofensa, no sentido de considerar a outra pessoa como mero receptáculo da libido alheia, mas conduta de que cada qual possui desejos sexuais, sejam homens ou mulheres, sem desconsiderar que cada qual tem sentimentos próprios. Quanto ao "leite no...", o agente ativo considera a outra pessoa como mero objeto sexual: coisifica a outra pessoa.

Nas casas de tolerância (prostíbulos, casa das primas, prostíbulos, zona etc.), as mulheres são coisificadas, "desprovidas" de sentimentos. Uma mulher profissional do sexo tem sentimentos? Claro que sim. Mesmo que ela escute de seus clientes "puta safada" — conceito puramente ideológico, negativo, à função social, ao status social negativo da meretriz —, ir além da frase pode sim magoá-la. "Puta", o significado desta palavra é praticar o ato sexual por dinheiro; entretanto, não somente praticar por dinheiro, a "puta" deveria fazer posições sexuais não convencionais para a "mulher de família". Tanto "de família" quanto "puta" detinham meros direitos sobre seus corpos físicos, já que seus corpos eram propriedades em nome dos verdadeiros proprietários, marido e cafetão — devem os detentores obedecer às ordens, dos maridos, quando a mulher for "de família", dos cafetões, quando a mulher não for "de família". A mulher "honesta" era assim considerada, por sua condição, o status social positivo, por ter hímen e manter-se virginal até o casamento, copular somente com único homem, o seu marido — mesmo que este fosse para algum prostíbulo saciar sua libido.

Um homem, heterossexual, casado, dentro de si há uma ética moral inabalável, de não trair a confiança e o amor de sua esposa, pode se sentir ofendido — importunação ofensiva ao pudor — quando chamado de"gostoso" por uma mulher seja ela de seu círculo de amizade ou não, dentro ou fora do ambiente laboral. Um outro homem heterossexual, solteiro, sem namorar, por convicções religiosas, pode se sentir afligido por mulher, conhecida ou não, proferindo "gostoso". Pode LGBT se sentir incomodado — importunação ofensiva ao pudor — com o "fiu fiu" de outro LGBT, não pertencente ao seu ciclo de amizade.

O "fiu fiu" no âmbito das relações trabalhistas. Merece considerações. O empregador (a) tem poder hierárquico sobre os (as) empregados (as). Estes, na maioria das vezes, dependem do emprego para sobreviverem — há cidadãos que possuem condições econômicas, ou suporte familiar, para escolherem se permanecem ou não no emprego. Por medo, de rescisão direta contratual, os empregados submetem-se aos assédios moral e sexual de seus empregadores, ou outros funcionários hierarquicamente superiores. Não obstante, o assédio sexual não se caracteriza somente nos flertes e nas paqueras. Quando o empregador , por sua posição hierárquica, galanteia, de forma inconveniente e reiterada, com retaliações — ameaça de rescisão contratual, realizações de tarefas não conexas com o contrato de trabalho, sobrecarregar o empregado desnecessariamente, desconsiderar as sugestões inerentes ao cargo do empregado etc. —, há abuso de poder, desvio de finalidade por parte do empregador (a).

Nalguns ambientes laborais certas tolerâncias entre os próprios empregados (as), empregados (as) e empregadores (oras). Essas tolerâncias podem ser por galanteios aos dotes físicos, piscadelas, olhares insinuosos, piadas com cunho sexual. Não há crime, de assédio, quando há tolerância no grupo, tolerância entre assediado (a) e assediador (a).

Há crime quando há humilhaçãoconstrangimentocoaçãoperseguiçãoobtenção de vantagem pessoal em detrimento da dignidade alheia.

Não há crime de assédio quando a pessoa assediada aceita, sem coação por parte do assediador (a) — assediantes — as investidas em troca de vantagens pessoais, como promoções, aumento salarial etc.

Se alguma pessoa do grupo se sentir assediada, o assediador transpôs os limites aceitáveis do grupo, ou os limites aceitáveis da própria pessoa assediada, tem sua dignidade protegida pelo Estado (art. 5º, XXXV, da CRFBde 1988), basta provocar o Judiciário.

Amparos:

DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função."(Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)


 

Notas:

(1) — FÍGARO, C.J. O estupro na perspectiva jurídica. Saúde, Ética & Justiça, 2 (2):115-22, 1997. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sej/article/download/133841/129704

(2) — WERNNER, Dennis. Uma introdução às culturas humanas. Comida, sexo e magia. Ed. Vozes. 1987.

(3) — Documentário History Channel. Como o Sexo Mudou o Mundo. Experimentos - Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zp79q1XeQtA

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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