Brevíssimas considerações sobre os direitos humanos

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21/07/2018 às 11:14
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O presente trabalho tem a intenção explanar alguns pontos a respeito dos Direitos Humanos, desde o seu contexto histórico e seu conceito, até as suas problemáticas apontadas pela doutrina.

INTRODUÇÃO       

O presente trabalho tem a pretensão de abordar de forma sumária os principais pontos no que tange a matéria dos Direitos Humanos, para que os estudantes ou aplicadores do direito possam, pelo menos, compreender de forma preliminar o tema e eventuais discussões presentes na doutrina.

Portanto, não temos a pretensão de aprofundar o assunto, vez que em grande parte dos pontos aqui abordados há enraizada divergência literária, o que garantiria a apresentação de várias páginas sobre cada assunto específico.

Caso o leitor opte por um aprofundamento, é aconselhável a leitura de autores que aprofundam o tema, como Flávia Piovesan, Ingo Sarlet, Lenio Streck, e Antônio Augusto Cançado Trindade.


I. CONCEITO

O Conceito do que vem a ser os Direitos Humanos está inevitavelmente interligado com o seu contexto histórico, vez que, somente através dele, a compreensão estará esclarecida.

Inicialmente, é importante frisar que com o escopo de não retirar o foco do presente trabalho, não temos a pretensão de abordar o contexto histórico não “positivado” dos direitos humanos[1],  ou seja, abordagem pretérita a Declaração Universal.

Os Direitos Humanos, como conhecemos, surgiram após e por consequência da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração de Direitos Humanos de 1948[2].

Com o objetivo de não reincidir nas atrocidades cometidas naquele conflito, principalmente em virtude do desrespeito ocasionado pelo Estado Nazista[3] e a sua compreensão de “classes humanas”, nasce a positivação dos Direitos Humanos.[4]

Há de reforçar, que ao contrário do que a maioria da doutrina sustenta, o Estado Nazista não foi o único violador dos Direitos Humanos.

Na primeira metade do século XX, muito em virtude dos Estados Nacionalistas do período, cumulado com ideologias populistas, grandes ditadores sistematicamente violaram os Direitos Humanos dos seus cidadãos.

O que se pretende demonstrar, portanto, é que a violação de Direitos Humanos não ocorreu somente no Estado Alemão, mas era algo corriqueiro inclusive nos Estados Aliados.

A União das Repúblicas Soviéticas comandada por Josef Stalin, a título de exemplo, cometeu um grande genocídio na atual Ucrânia, onde grande parte da população morreu de fome através das medidas capitaneadas pelo Kremlin. Esse acontecimento é chamado de “Holocausto ucraniano”.

Nota-se que esse evento é ignorado por parte da doutrina, quando abordada a história dos Direitos Humanos.

A história dos Direitos Humanos, como conhecemos atualmente, é uma construção que mostra apenas um lado da moeda, vez que apontam o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães como único violador dos Direitos Humanos e não levam em conta, por exemplo, o que ocorreu na Ucrânia entre 1923 e 1933 (Holodomor).

Não é à toa, que autores como George Orwell insistem que “a história é escrita pelos vencedores”.

Portanto, os Direitos Humanos como conhecemos contemporaneamente surgiram com a Declaração Universal de 1948 e com os vários Tratados e Convenções Internacionais posteriores a essa, que buscam resguardar um mínimo de garantia para àqueles indivíduos que tem seus direitos violados.


II. Da Natureza Jurídica da Declaração dos Direitos Humanos:

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos[5], surgem àqueles Direitos Mínimos que deveriam ser resguardados a todos os indivíduos, independentemente de qualquer etnia e raça.[6]

Piovesan aborda o tema:

“A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos.”[7]

Temática bastante discutida, no que tange a abordagem dos Direitos Humanos, é quanto a natureza jurídica da Declaração Universal de 1948.

 A recém estruturada Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, quando da elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a agasalhou com status de Resolução (soft law).

Por conta dessa roupagem, a Declaração Universal não teria caráter jurídico quanto aos signatários, ou seja, os Estados que assinassem a declaração não teriam a obrigatoriedade de respeitá-la, vez que ela é somente uma norma facultativa.

Literários que vivenciaram a elaboração da Declaração de Direitos Humanos, como Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, relembram que o caráter não vinculante dessa já era previsto desde a constituição da Comissão inicial.

Afirmavam que, não obstante a ênfase dada ao reconhecimento dos direitos humanos, a Senhora Roosevelt reiterou a posição de seu país, no sentido de que a Declaração não era um tratado ou acordo que criava obrigações legais. Aliás, a afirmativa era desnecessária.

O então Ministro Alexandre de Moraes, em meados de 2005 já sustentava que “a doutrina é unânime ao afirmar que não são de implementação obrigatória.[8]

Ocorre que, ao contrário do apoiado pelo eminente Ministro, há certa divergência na doutrina. A unanimidade, como em quase tudo no Direito, não encontra local fértil no tema discutido.

Autoras como Flávia Piovesan, a título de exemplo, compreendem que a Declaração de Direitos Humanos possui caráter vinculante (jus cogens), em decorrência de essa já ter virado uma norma costumeira internacional.[9]

Assim, a divergência no que tange a natureza jurídica desse importante documento é amplificada pelos internacionalistas e gera dúvida no âmbito do Direito Internacional.

De todo modo, acreditamos que em que pese essa complicada situação, isso não caracteriza uma problemática grave, já que a compreensão da natureza jurídica da Declaração não tem outros reflexos além daqueles previstos no âmbito teórico.


III. Universalidade e Relatividade dos Direitos Humanos

Grande questão debatida pela literatura internacionalista, é no que tange a abrangência dos Direitos Humanos e sua legitimidade para regulamentar determinadas culturas.

Quando a Declaração de Direitos Humanos foi adorada em 10 de dezembro de 1948, pouco se falou sobre a sua extensão, já que o mundo estava em estado de choque com o que ocorrera no período de guerra, e a relativização desses Direitos aparentava um retrocesso ao progresso que se pretendia dar com a resolução.

Ocorre que, com o amadurecimento do citado documento internacional, e do Próprio Direito Internacional, começou a se questionar sobre a real abrangência dos Direitos Humanos, e principalmente se esses deveriam se submeter às culturas diversas.

É incontroverso que a Declaração Universal é um documento eminentemente ocidental. Ainda que alguns países orientais o tenham assinado, é inevitável que o mencionado documento somente existiu por conta de que os confrontos mais ferozes ocorreram no continente Europeu.

Em decorrência disso, surgiram em essência duas correntes de pensamento.

A primeira, compreendia que os Direitos Humanos são universais e, assim, todas as culturas do globo devem respeito a esses; uma segunda corrente, entende que os Direitos Humanos são relativos, no sentido de que em determinadas culturas, caberia a sua relativização[10].

Esse tema, como mencionado, é digladiado pela doutrina, haja vista que inexiste um consenso sobre a posição adequada a ser tomada.  

D todo modo, com a Declaração de Viena de 1992, onde trouxe que os “direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”, parece que uma noção de universalidade dos Direitos Humanos foi ratificada pelo Direito Internacional.

Não é à toa, que literários como Antônio Augusto Cançado Trindade sustenta que “compreendeu-se finalmente que a universalidade é enriquecida pela diversidade cultural, a qual jamais pode ser invocada para justificar a denegação ou violação dos direitos humanos.”[11]

Ademais, a própria Flávio Piovesan agasalha esse entendimento:

Mais uma vez, reforça-se a concepção universal dos direitos humanos e a obrigação legal dos Estados de promover e respeitar os direitos e liberdades fundamentais. Reitera-se a idéia de que a forma pela qual um Estado trata seus nacionais não se limita à sua jurisdição reservada. A intervenção da comunidade internacional há de ser aceita, subsidiariamente, em face da emergência de uma cultura global que objetiva fixar padrões mínimos de proteção dos direitos humanos.[12]

Além disso, existem autores como Paulo Bonavides, que ao compreender pela universalização dos Direitos Fundamentais, os adiciona como possuidor da quarta dimensão dos Direitos Humanos, tema que será melhor abordado mais a frente neste trabalho.

Não há como ser descartada, ainda, uma terceira posição, promovida pelo sociólogo alemão Boaventura de Sousa Santos.

Esse literário, traz a noção de multiculturalismo, a qual todas as culturas devem ser respeitadas e através do diálogo, deve encontrar um núcleo rígido do que vem a ser Direitos Humanos.[13]

Portanto, em que pese exista grande divergência sobre qual é a abrangência dos Direitos Humanos, aparentemente esse tem caminhado para uma noção de direitos universais, estendidos para todos.

De todo modo, de um jeito ou de outro, a aplicação desses Direitos depende principalmente da boa vontade dos Estados e, também, da pressão internacional.


IV. Classificação dos Direitos Humanos

Existem várias classificações no que diz respeito aos direitos humanos. Todavia, a classificação mais conhecida é aquela “elaborada” na década de setenta pelo jurista tcheco-francês Karel Varak, em que utilizou o famoso lema da revolução francesa para demonstrar, de forma didática, a evolução dos Direitos Humanos.[14]

Inicialmente, é importante frisar que optamos por utilizar a terminologia dimensões, em virtude de que acreditamos que essa é a mais adequada para classificar os Direitos Humanos, haja vista que a noção de geração, também utilizada pela doutrina, dá uma ideia equivocada de sucessão, o que não ocorre no que diz respeito aos Direitos Humanos. 

Em suma, os Direitos Humanos de primeira, segunda e terceira geração são concomitantes, não existindo, assim, uma suposta substituição da primeira para a segunda geração, e tão pouco da segunda para a terceira. Há a coexistência de todas as dimensões.

Os Direitos de primeira dimensão surgem com a Revolução Francesa e a queda do absolutismo naquele país. No período, o pensamento liberal florescia, e era prevalente o afastamento do Estado frente ao indivíduo.

Nessa nova concepção a liberté virou lema, “surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder.”[15]

Por conta disso, os direitos de primeira dimensão são chamados de negativos, vez que exige um não fazer estatal. Um exemplo dessa dimensão é o direito à propriedade e a igualdade formal.[16]

Os direitos de segunda dimensão (econômicos, sociais e culturais) são fruto do “impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal da liberdade e igualdade não geravam a garantia do seu efetivo gozo.”[17]-[18]

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Portanto, com essa nova onda de Direitos, surgiu a preocupação com o seu caráter social, no sentido de não oportunizar uma mera liberté para os indivíduos, mas uma égalité.

Um exemplo desses direitos são àqueles que envolvem a melhor situação dos trabalhadores, como a possibilidade de greve e sindicalização.

Em resumo, como bem preceitua Ingo Sarlet:

“A utilização da expressão ‘social’ encontra justificativa, entre outros aspectos que não nos cabe aprofundar neste momento, na circunstância de que os direitos da segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem à reivindicação das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico.”[19]

Com o desenvolvimento social, o direito passou a ter um novo enfoque, não mais olhando exclusivamente para o indivíduo, mas para questões transindividuais que extrapolam as barreiras do indivíduo.

Surgem, assim, os direitos de terceira dimensão, tendo como enfoque os direitos de natureza difusa ou coletiva.

O Direito Ambiental, como direito difuso, é um exemplo desses direitos de terceira dimensão, no sentido de que todos devem colaborar para um ambiente agradável.[20]

Para alguns autores, há uma quarta dimensão de Direitos Humanos.

Paulo Bonavides entende que “esta é o resultado da globalização no plano institucional, que corresponde, na sua opinião, à derradeira fase de institucionalização do Estado Social.

Para o ilustre constitucionalista cearense, esta quarta dimensão é composta pelos direitos à democracia (no caso, a democracia direta) e à informação, assim como pelo direito ao pluralismo.[21]

Além disso, há vários juristas que tangenciam a respeito de uma quinta, sexta, sétima e assim consequentemente. Acreditamos que essa banalização das dimensões de direitos humanos, acabam por acarretar uma falta de precisão conceitual.

Todavia, como o presente trabalho tem como enfoque abordar o tema de forma sumária e precisa, optamos por não tangenciar outras gerações de Direitos Humanos além dessas três suscitadas.


CONCLUSÃO

Os Direitos Humanos, portanto, é fruto de uma evolução histórica que busca proteger àqueles indivíduos que não possuem um cunho de proteção mínimo, principalmente em decorrência dos traumas vivenciados no período anterior à Segunda Guerra Mundial.

No entanto, apesar da consolidação da própria noção de Direitos Humanos, há de notar que existem ainda alguns pontos que possuem séria divergência doutrinária, o que complica a aplicação da prática desses direitos essenciais.

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Sobre a autora
Dani Alves Silveira

Advogado, possui graduação, pela Universidade Ritter dos Reis e e em Filosofia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós-graduado em Direto Criminal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestrando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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