Ação penal nos delitos contra a dignidade sexual após o advento da Lei n. 12.015/2009

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22/07/2018 às 13:10
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1. INTRODUÇÃO

Em 07 de agosto de 2009, surgiu a Lei 12.015/2009, que inseriu diversas alterações no Título VI do Código Penal, modificando de maneira significativa o tratamento dos crimes sexuais, passando a chamar-se “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”. A Ação Penal nestes crimes constitui a temática deste trabalho, dedicando-se ele ao estudo das formas, peculiaridades, os princípios aplicáveis à ação penal, bem como as alterações trazidas pela nova lei. Neste toar, abrangendo as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, inicia-se o alicerce para a análise, de forma pormenorizada, das mudanças ocorridas no artigo 225 do Código Penal, abordando as questões que geraram dúvida quanto a sua aplicabilidade após o advento desta legislação, e, por fim, a aplicação da lei penal no tempo.


2. AÇÃO PENAL NOS DELITOS CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

2.1 Do regramento antes da Lei 12015/2009

A ação penal nos delitos sexuais antes deste marco legislativo, era, em regra, de iniciativa privada, onde se processava mediante queixa. De acordo com o antigo caput do art. 225 do Código Penal, fazia exceção a esta regra geral apenas seus parágrafos 1º e 2º.

Eis a disposição do citado artigo:

“Art. 225. Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.

§1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

I – se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;

II – se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.

§2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de Representação”.

Verifica-se que o caput do artigo 225, determinava a regra e os seus parágrafos determinavam a exceção, portanto, havia a possibilidade de, dependendo do enquadramento legal que o caso concreto se encaixasse, ação penal ser pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima ou de que tem qualidade para representá-la.

Ainda neste contexto, a ação seria pública incondicionada quando o crime fosse cometido com abuso de pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador; a ação seria pública condicionada à representação, se a vítima ou os seus pais não possuíssem recursos suficientes para prover às despesas do trâmite processual, sem que fique privada de recursos indispensáveis à manutenção própria ou de sua família.

Comentando acerca do procedimento de comprovação de miserabilidade da vítima Renato Brasileiro (2011, p. 351) assevera que:

Em regra, a prova da miserabilidade da vítima era feita por simples declaração verbal ou escrita, podendo também resultar da notoriedade do fato. Entendia-se como          miserabilidade jurídica o fato de a vítima não pode arcar com honorários advocatícios sem se privar de suas necessidades básicas do dia a dia.

Outro ponto a ser observado é que o Supremo Tribunal Federal buscando resolver ou dirimir os conflitos a respeito do crime de estupro, considerava que, “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada” (Súmula 608 do STF, publicada no DJU de 31 de outubro de 1984).

Segundo Renato Brasileiro de Lima (201, p.353) “por violência real compreende-se o emprego de força física sobre o corpo da vítima, utilizando como forma de constrangimento para se obter a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Lesões provocadas ao nível do hímem pela penetração, ou seja, as lesões vagínicas naturais, decorrentes da relação sexual, violência moral (ameaça) e violência presumida, não simbolizam a violência real a que se refere a Súmula n° 608 do Supremo”.

Contudo, esse entendimento contrariava, totalmente, a disposição do artigo 225 do Código Penal, já que como descrito anteriormente, este artigo determinava, salvo algumas exceções expressas, proceder-se o delito, como regra, por meio de queixa-crime, ou seja, ação penal privada.

Nesse sentido, André Estefam, autor do Livro Crimes Sexuais – Comentários à Lei nº 12.015/2009, (2009, p.23) define:

O fundamento dessa posição encampada pelo Pretório Excelso residia no fato de o delito de estupro ter a natureza de crime complexo. Em face disso, incidia a regra do art. 101 do CP: “Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público” (ação penal no crime complexo). Aplicada a diretriz da Parte Geral ao art. 213, chegava-se ao seguinte raciocínio: o estupro possui como uma de suas elementares o emprego de violência, entendida como a produção de lesões corporais na vítima. Sendo o delito de lesão corporal, capitulado no art. 129 do CP, de ação pública incondicionada, o mesmo se deve concluir do estupro.

Confirmando o entendimento de ESTEFAM e explicitando a complexidade do delito de estupro qualificado por lesão grave ou morte, entendeu o Supremo Tribunal federal que:

EMENTA:

I. Habeas corpus: conhecimento. Não se sujeita o recurso ordinário de habeas corpus nem a petição substitutiva dele ao requisito do prequestionamento na decisão impugnada: para o conhecimento deles, basta que a coação seja imputável ao órgão de gradação jurisdicional inferior, o que tanto ocorre quando esse haja examinado e repelido a ilegalidade aventada, quanto se omite de decidir sobre a alegação do impetrante ou sobre matéria sobre a qual, no âmbito de conhecimento da causa a ele devolvida, se devesse pronunciar de ofício.

II - Estupro ou atentado violento ao pudor praticados com violência real: delitos complexos (C.Penal, art. 101).

1.Dispõe o §2º do art. 147 do C.Penal, que além das penas cominadas ao constrangimento ilegal, se este for praticado com violência, devem ser aplicadas as penas correspondentes (vias de fato, lesões corporais ou morte).

2.O fato constitutivo da violência real, pois, não se inclui na tipificação do constrangimento ilegal (C.Penal, art. 146, caput), como aliás se infere da objetividade jurídica deste; mas se inclui ela, ao contrário, no de estupro ou atentado violento ao pudor mediante violência real: quando praticados com violência real, portanto, não se trata de mero constrangimento ilegal com finalidade específica, mas de delitos efetivamente complexos.

3.Daí que, comprovada a ausência de finalidade específica de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso, restam, no caso de violência real, duas infrações penais em concurso material: (a) constrangimento ilegal e homicídio; (b) constrangimento ilegal e lesões corporais; ou ainda, (c) constrangimento ilegal e vias de fato; assim, só a concorrência do especial fim de agir é que os converte em crime diverso contra a liberdade sexual.

III - Estupro ou atentado violento ao pudor praticado mediante violência que - sem resultar em lesões, como lhe é próprio -, se amolda à contravenção de vias de fato (LCP, arts. 17 e 21): não-incidência da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal.

1. A regra do art. 17 LCP - segundo a qual a persecução das contravenções penais se faz mediante ação pública incondicionada - não foi alterada, sequer com relação à de vias de fato, pelo art. 88 da L. 9.099/95, que condicionou à representação a ação penal por lesões corporais leves (HC 80.617, Pertence, RTJ 177/866).

2. Ocorre que, embora constituam delitos complexos, não se aplica o art. 101 do C.Penal quando a violência mediante a qual foram praticados se amolde à contravenção de vias de fato e não a crime.

3. Para ampliar a incidência do art. 101 do C.Penal às contravenções penais, não cabe a invocação do art. 3º do C.Pr. Penal: a ampliação cogitada teria reflexo nas causas de extinção da punibilidade, o que imprime à regra conteúdo materialmente penal.

IV - Incidência do art. 255, §1º, I, do C.Penal: hipossuficiência da vítima: não basta, para infirmá-la a constituição de advogado pelo assistente da acusação (Precedentes).

1.Além de dispensável, para a comprovação da hipossuficiência da vítima, a declaração ou atestado de miserabilidade formalizado, não basta, para infirmá-la, a constituição de advogado pelo assistente da acusação. Precedentes.

2.Inviabilidade do habeas corpus, ademais, para verificar a efetiva hipossuficiência econômica da vítima, questão não acertada nas instâncias de mérito.

V - Ausência de representação: suficiência da demonstração inequívoca do interesse na persecução criminal.

1.A satisfazer a exigência da representação é suficiente a demonstração inequívoca do interesse na persecução criminal: precedentes.

2.Tratando-se de notícia crime coercitiva, qual a prisão em flagrante, basta a ausência de oposição expressa ou implícita da vítima ou de seus representantes, de tal modo que se verifique, que a intenção sempre foi a de que se prosseguisse na persecução criminal do fato, propósito que se reforça, no caso, com a superveniente habilitação do menor como assistente de acusação.

VI. Habeas corpus indeferido.( HC n°86.058, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 25/10/2005, DJ 09/02/2007)

Acontece que com o advento do artigo 88 da Lei 9.099/95 o qual determina que, “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”, alguns passaram a entender que caso a violência real empregada no crime de estupro produzisse lesão corporal leve, a ação penal deveria ser pública condicionada à representação. (LIMA, 2011, p.354)

Portanto, a questão outrora tornada “pacífica” veio a se tornar novamente controversa, já que esta lei inovou ao prescrever a ação penal pública condicionada para o delito de lesões corporais de natureza leve.

Havia polêmica com relação a revogação ou não da Súmula do Supremo Tribunal Federal, após o surgimento do artigo 88 da Lei 9.099/95.

Claro e evidente que a doutrina buscou se manifestar visando equacionar o problema, alguns autores sustentam que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos com violência real, são complexos, sendo assim, aplica-se a Súmula 608 do STF, plenamente em vigor.

Neste viés, o renomado Heleno Cláudio Fragoso, entende que o delito de estupro é complexo, salvo nos casos de violência presumida, passando a apregoar que a ação penal nesse caso fosse pública, por força da disposição atinente ao delito complexo, prevista na Parte geral do Código penal (art.101). Alem disso, defendia ainda, que, em face da regra claríssima do artigo 101, não poderia prevalecer a norma especial do artigo 225, que não abrangia o delito de estupro. (apud PRADO, 2008, p. 680)

Já de forma diametralmente oposta outros doutrinadores defendiam que a ação penal no crime de estupro com violência real era sempre de iniciativa privada, salvo as exceções do parágrafo 1º e 2º do art.225. Para os adeptos dessa corrente, o crime de estupro não é crime complexo, portando não deveria existir a aplicação do art. 101, onde seria inaplicável a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal.

Nesta mesma linha de raciocínio, o autor Damásio de Jesus em seu Código Penal Anotado (2000), define:

Entendemos que o art. 101 não pode ser aplicado à questão simplesmente porque o estupro não é delito complexo. Ingressa nas categorias de Antolisei, nos delitos complexos em sentido amplo, que inexistem entre nós. Como exemplo de espécie apresenta-se o estupro, compreensivo do constrangimento ilegal e ulterior elemento da conjunção carnal, que em si mesmo não constitui delito. Se delito complexo, entre nós, é constituído da reunião de dois ou mais crimes, e se no estupro temos apenas o constrangimento ilegal acrescido da conjunção carnal, conclui-se que estupro não é delito complexo. Afastada a incidência do art. 101, que trata da ação penal por crime complexo, a ação penal por delito de estupro com lesão corporal leve, que não é complexo, é regida pelo art. 225, caput, do Código Penal, é de natureza privada.

Em desfecho, objetivando, mais uma vez, dirimir as controvérsias levantadas, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei n°9099/1995 não alterou a Súmula n° 608, sendo assim, o estupro com violência real permanecia sendo processado por meio da ação penal pública incondicionada.

Assim dispõe o HC n° 82.206(22/11/2003) da lavra do Relator Ministro Nelson Jobim:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. LEI 9.099/95. REVISÃO DA SÚMULA STF 608. AÇÃO PENAL. NATUREZA. REPRESENTAÇÃO. RETRATAÇÃO TÁCITA. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO ESPECÍFICA PARA O DELITO DE ESTUPRO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA. DESCARACTERIZAÇÃO DOS DELITOS DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROGRESSÃO DE REGIME. 1. O advento da Lei 9.099/95 não alterou a Súmula STF 608 que continua em vigor. O estupro com violência real é processado em ação pública incondicionada. Não importa se a violência é de natureza leve ou grave. 2. O Ministério Público ofereceu a denúncia após a representação da vítima. Não há que se falar em retratação tácita da representação. 3. Nem é necessária representação específica para o delito de estupro, quando se trata de delito de estupro com violência real. 4. No caso, inexiste decadência do direito de queixa por não se tratar de ação penal privada. 5. A jurisprudência do Tribunal pacificou-se no entendimento de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor caracterizam-se como hediondos. Precedentes. Inviável a progressão do regime. HABEAS conhecido e indeferido.( grifo nosso)

2.2 Do regramento após a Lei 12015/2009

Após a Lei 12.015/2009, nascida em decorrência da CPMI da exploração sexual de crianças e adolescente, o Título VI do Código Penal passou a ser denominado “Dos crimes contra a dignidade sexual”.

Sendo assim, a partir desta lei mudou-se não só a sistemática legal, mas também o bem jurídico a ser protegido. De agora em diante, observamos os delitos sexuais numa outra perspectiva, nesse momento, protegem-se não mais a moral média da sociedade, mas sim tutelamos a dignidade, desenvolvimento e liberdade sexual.

Por sua vez, adentrando as alterações legais de forma propriamente dita, artigo 225 do Código Penal foi completamente reformulado, havendo extinção da regra da ação penal privada (que agora só existe na forma subsidiária da pública) e passando a ação penal ter como regra a pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal.

Ressalta-se ainda que, de forma excepcional, se a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, assim considerada a doente mental ou aquela que não pode oferecer resistência, a ação penal passou a ser incondicionada, cabendo ao Ministério Público a propositura da ação de acordo com o parágrafo único do art. 225 do Código Penal.

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Eis a disposição do citado artigo:

Art. 225- Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

Nesse contexto, Insta mencionar que há muito tempo a doutrina se revoltava com relação a ação ser de iniciativa privada para crimes tão degradantes, pois na ação privada, muitas vezes,  submetia-se a vítima a um processo penal contra a sua vontade, fazendo com que esta revivesse momentos tão dolorosos e de tão demasiado constrangimento perante os seus familiares e a sociedade que, via de regra, geravam um dano maior do que o já existente.

Comentando acerca da tendência à ação penal pública, Renato Brasileiro (2011. P. 356) assevera que:

Como se percebe, confirmando uma tendência dos últimos anos( vide o exemplo da lei n° 12.033/2009, que transformou o crime de injúria racial em crime de ação pública condicionada à representação), a regra, em relação aos crimes sexuais, passa a ser a ação penal pública condicionada à representação. Essa espécie de ação penal tem a grande vantagem de conjugar a manifestação da vontade da vítima num primeiro momento, por meio da representação, permitindo que o Estado, através do Ministério público, promova a persecução criminal in iudicio.

Diante dessas mudanças vários questionamentos foram levantados. Inicialmente se observou um claro erro na redação do caput do artigo 225 do Código Penal, pois este diz que os crimes definidos nos Capítulos I(“ Dos crimes contra a dignidade sexual”) e II (“ Dos crimes sexuais contra vulnerável”) seriam de ação penal pública condicionada a representação, dessa forma deveríamos concluir que os crimes contra vulnerável seriam de ação penal pública condicionada à representação, todavia o mesmo artigo nos trouxe de forma expressa no seu parágrafo único que nos crimes contra pessoa vulnerável a ação penal é pública incondicionada, sendo assim, como ficaria resolvida essa antinomia?

Nas palavras de Renato brasileiro de Lima( 2011, p.356) este anota que:

Essa antinomia deve ser resolvida em conformidade com a constituição Federal, que prevê um tratamento diferenciado para crianças, adolescentes e pessoas portadoras deficiência física e mental, assegurando-lhes a mais ampla proteção, que é aquela dada pela ação penal pública incondicionada.

Coadunando com o jurista acima Rogério Greco (2009, p.121) entende que:

Se a interpretação conforme a Constituição é uma forma adaptativa e corretiva e criadora de novos sentidos de um texto legal, não resultando dela a expulsão da lei do ordenamento jurídico, mas sim de sua recuperação não há outra forma de entender o novo art. 225 do CP que assim para nós fica: Nos crimes definidos no capítulo I somente se procede mediante representação, salvo se da violência resultar lesão grave ou morte ou, ainda, se a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.

Outro importante questionamento é com relação ao crime de estupro em que o agente em virtude da conduta provoque uma lesão grave ou morte da vítima, neste caso, discute-se a possibilidade de aplicação da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal ou se apenas aplicaria o disposto no artigo 225.

O Mestre Paulo Rangel ( apud GRECO, 2011, p. 573 - 574), responde de forma precisa tal indagação da seguinte forma:

Havendo a morte da vítima (seja homem ou mulher), maior e capaz, no crime de estupro quem irá representar? Ninguém. O crime ficará impune. Grande inovação. O legislador, realmente, conseguiu o impossível: tornar o crime de estupro com resultado morte de ação penal pública condicionada à representação e, por via de consequência, não poderá ser instaurado inquérito policial nem processo. Era tudo que os estupradores queriam. Isso porque a lei veio para proteger a vítima.

(...)

Temos que aplicar os princípios da razoabilidade; da conformação do legislador ordinário à Constituição da República; da proibição do retrocesso social e o da interpretação conforme a Constituição para entendermos que em se tratando de estupro com resultado lesão grave ou morte, ou ainda, se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos a ação penal será PÚBLICA INCONDICIONADA. Não é crível nem razoável que o legislador tenha adotado uma política de repressão a esses crimes e tornado a ação penal pública condicionada à representação. Até mesmo pelo absurdo de se ter a morte da vítima no crime de estupro e não haver quem, legitimamente, possa representar para punir o autor do fato. O crime ficaria impune. Com certeza, por mais confuso que esteja o Congresso Nacional com seus sucessivos escândalos, não foi isso que se quis fazer. Intérprete não pode mais se a ter, única e exclusivamente, ao que diz o texto ordinário, mas sim, principalmente,  ao que diz a Constituição da República e é aqui que reside a maior tarefa hermenêutica: conformar a lei ordinária ao texto constitucional.

Na mesma linha entende André Estefam (2009, p.25), o qual afimra que: “a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal não foi revogada pela Lei 12.015/2009, devendo ser aplicada tão somente nos casos em que o estupro resultar lesão corporal grave ou morte”.

Entretanto, de forma contrária, Guilherme de Souza Nucci (2010, p.181) entende que tal súmula foi eliminada, em virtude de ser criada por política criminal no cenário dos crimes sexuais e assevera:

Elimina-se a Súmula 608 do STF, vale dizer, em caso de estupro de pessoa adulta, ainda que cometido com violência, a ação é pública condicionada à representação. Lembremos ser tal súmula fruto de Política Criminal, com o objetivo de proteger a mulher estuprada, com receio de alertar os órgãos de segurança, em especial, para não sofrer preconceito e ser vítima de gracejos inadequados. Chegou-se, inclusive, a criar a Delegacia da Mulher, para receber tais tipos de ocorrência. Não há razão técnica para a subsistência do preceito sumular, em particular pelo advento da reforma trazida pela Lei 12.015/2009. Unificaram-se o estupro e o atentado violento ao pudor e conferiu-se legitimidade ao Ministério Público para a ação penal, desde que a vítima concorde em representar. Mais justo no cenário presente.

Corroborando com NUCCI, Luís Carlos Agudo (2009, p. 8 - 9), entende que deve aplicar a representação, apesar da gravidade causada pelo estupro, cabendo em caso de morte a representação ser exercida pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, de acordo com o artigo 24, §1º do Código de Processo Penal.

Sendo assim, diante das dúvidas trazidas pelo legislador e tendo em vista os mais variados entendimentos existentes na doutrina, “o Procurador Geral da República propôs ação direta de inconstitucionalidade (ADIN 4301) perante o Supremo a fim de declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput do art.225 do Código penal, na redação que lhe foi conferida pela lei n°12015/2009, para excluir do seu âmbito de incidência os crimes de estupro qualificado por lesão corporal grave ou morte, de modo a restaurar, em relação a tais modalidades delituosas, a regra geral da ação penal incondicionada (art.100 do Código Penal e art.24 do Código de Processo Penal)”.

2.3 Direito intertemporal

De importantíssimo trato, que sá, o mais importante no que tange a ação penal nos crimes sexuais, a análise da aplicação da lei penal no tempo nos trás vários questionamentos, pois com a nova redação do caput do 225 do CP, o qual impõe a regra da ação penal pública condicionada à representação, tem aplicação retroativa, ou aplica-se somente aos crimes após sua vigência? E com relação aos processos em andamento? Haverá necessidade de oferecimento da representação?

Antes da Lei nº 12.015/2009 entrar em vigor, o caput do artigo 225, previa como regra a ação penal de iniciativa privada, depois da alteração, passou a exigir a representação para a deflagração da ação penal, gerando, dessa forma, questionamentos com relação aos processos em andamento, pois tratando-se de uma condição de prosseguibilidade da ação e também em virtude dessas normas terem “caráter misto ou híbrido; vale dizer, possuem reflexos na órbita do direito penal e processual”,  o não oferecimento de tal representação poderia gerar conseqüências como a decadência do direito, o que gera por via de conseqüência a extinção da punibilidade. (ESTEFAM, 2009, p. 25).

Verifica-se que essa alteração foi prejudicial ao ofensor, pois com a transferência da titularidade da ação penal do particular para o Ministério Público, diminui-se para aquele as possibilidades de incidência das causas extintivas da punibilidade, tais como a renúncia, perdão, perempção e decadência. “Logo, se o crime sexual foi cometido antes da vigência da lei n° 12015/2009 (10 de agosto de 2009), e era de ação penal de iniciativa privada, tal espécie de ação penal deve continuar sendo observada com o advento da referida lei, mesmo que o processo ainda não tivesse tido inicio, já que o novo regramento é mais gravoso, sendo, portanto, irretroativo, nos termos do artigo 5°, inc.XL, da Constituição Federal”. (LIMA, 2011, p. 358)

Nesse sentido Guilherme de Souza Nucci (2010, p.189), aduz:

As ações que estiverem em andamento (ou findas), promovidas pela vítima, por queixa, podem continuar seu rumo, sem qualquer obstáculo. Nesse prisma, o fato de, a partir da Lei 12.015/2009, a legitimidade ter-se transmitido ao Ministério Público não afasta a anterior legitimidade do ofendido. (...)

A este se torna mais favorável ser ação privada, pois, conforme a fase poderia haver perdão, por exemplo, com reflexo material, consistente na extinção da punibilidade. Logo, mantém-se a vítima no pólo ativo.

Seguindo essa mesma linha, permanece de iniciativa privada, os delitos sexuais cometidos com violência presumida que antes da vigência da lei 12015/09 eram processados mediante queixa-crime, e, agora, passaram a ser pública incondicionada como prevê o artigo 225, parágrafo único.    

Outro ponto tormentoso a ser colocado à baila é relacionado aos crimes cometidos com abuso do poder familiar, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador os quais eram submetidos a ação penal publica incondicionada, e, que hoje, não são mencionados de forma expressa, estes devem seguir a nova regra geral ou permanecer a ação de iniciativa pública?

Sobre o assunto Renato Brasileiro (2011, p. 358 – 359) comenta que:

Quanto aos crimes sexuais cometidos com abuso do poder familiar, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, tem-se que, antes da lei 12015/2009, eram crimes de ação penal pública incondicionada. A lei n°12015/2009 nada, diz expressamente, quanto aos crimes sexuais praticados com abuso do poder familiar. Porém, faz menção expressa aos crimes sexuais praticados contra menor de 18(dezoito) anos ou pessoa vulnerável, hipótese em que a ação penal será incondicionada. Como os vulneráveis são, grosso modo, os que estão sob o poder familiar ou são tutelados ou curatelados, é de se concluir que não houve alterações substanciais na espécie de ação penal, que continua sendo pública incondicionada.

Contudo, insta mencionar que se o curatelado for o pródigo e este não for vulnerável, terá pleno discernimento para a prática do ato sexual, razão pela qual caberá ação penal pública condicionada à representação caso seja vítima de crime contra a dignidade sexual”. (NUCCI, 2010, p. 188 - 189).

Por derradeiro, outra indagação a ser respondida é com relação aos processos que estavam em andamento nos crimes sexuais de estupro ou atentando violento ao pudor praticados com violência real, cuja ação penal era pública incondicionada e passou a ser condicionada a representação.

 Nesse caso, haveria necessidade de intimar a vítima para oferecer a representação?

O Ilustre promotor militar Renato Brasileiro (2011, p. 360 – 361) responde de forma precisa tal indagação da seguinte forma:

Ao transformar o delito de estupro cometido com violência real em crime de ação penal pública condicionada à representação, a lei n°12015/2009 assume nítida natureza penal, já que cria, em favor do acusado, nova causa extintiva da punibilidade: a decadência, pelo não exercício do direito de representação no prazo de 6 (seis) meses.

O fato de a lei n° 12015/2009 não trazer dispositivo expresso acerca do assunto, como fez a lei n°9.099/1995 (art.91), não pode servir de impedimento para a incidência do novo regramento. Afinal, como o direito de representação está profundamente vinculado ao direito de punir, uma vez que seu não exercício acarreta a decadência, que é causa de extinção de punibilidade, e como tudo que impeça ou dificulte o ius puniendise insere no âmbito da lei penal, há de se aplicar a regra do direito intertemporal, segundo a qual a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu( CF, art. 5°, inc XL, c/c art, 2°, parágrafo único, do CP)

Portanto, a nosso juízo, com o advento da lei n° 12015/2009, a representação passou a funcionar como condição de prosseguibilidade para os processos penais que estavam em andamento referentes aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor cometidos com violência real. Logo, deve o magistrado suspender o curso do processo, determinando a intimação da vítima, a fim de colher, de imediato, a sua manifestação.

Por fim, diante da necessidade dessa representação, qual seria o prazo para o seu oferecimento?

Alguns autores como Rômulo de Andrade Moreira (2009, p. 01), entendem que:

Todo processo por tais delitos cuja ação penal iniciou-se por meio de queixa, nada a fazer; no entanto, se houve denúncia e não havia a necessidade de representação e agora passou a ter (art.225, caput, CP), é preciso que se suspenda o curso do procedimento para que a vítima (ou seu representante legal ou seus sucessores) seja notificada para oferecê-la. Neste caso, o prazo para a representação, por analogia com o art. 91 da Lei nº 9.099/95, será de trinta dias. Se o titular da representação, devidamente notificado, não o fizer, extingue-se a punibilidade pela decadência; se representar, o processo terá seguimento; se não for encontrado, aguarda-se o transcurso do prazo prescricional. (MOREIRA, 2009, P.01).

Já outros como Renato Brasileiro (2011, p. 361), coadunando com a nossa posição, entendem que:

Diante do silêncio da lei 12015/2009, não se pode usar por analogia, o art. 91 da lei n°9.099/1195. Referida lei só poderia ser usada, subsidiariamente, se o Código Penal e o Código de Processo Penal nada dispusessem sobre o assunto. Ora, como o código penal (art. 103) e o Código de Processo Penal (art. 38) contêm dispositivos expressos acercado prazo decadencial da representação – 6 (seis) meses – pensamos que esse é o prazo que deve ser utilizado subsidiariamente. Logo, o prazo a ser levado em consideração para o oferecimento da representação é o de 6 (seis) meses, cujo termo inicial será o momento em que o ofendido ou seu representante legal forem intimados para oferecê-la.

Contudo, há ainda aqueles como NUCCI (2010, p. 187 - 188), que, aderindo a uma terceira via, entendem que:

O primeiro efeito é a suspensão do andamento das ações penais conduzidas pelo Ministério Público, por conseqüência da aplicação da Súmula 608 do STF, que hoje não mais pode subsistir. A ação era de natureza privada, segundo o artigo 225. O STF interpretou ser de natureza pública incondicionada, nos casos de estupro com violência real, fundado em política criminal. O advento da Lei 12.015/2009, aplicando-se o princípio da legalidade, afirma, categoricamente, ser a ação pública condicionada à representação. Logo, deve o magistrado, nesses casos, determinar a intimação da vítima, a fim de colher, de imediato (não há novo prazo de seis meses para tanto) a sua manifestação. Se pretender a continuidade da ação penal, conduzida pelo MP, deve formalizar a representação – ou simplesmente demonstrar assentimento, que pode, inclusive, ser obtido tacitamente. Se não quiser o prosseguimento da ação penal, basta negar e o juiz deverá julgar extinta a punibilidade. Retira-se a legitimidade do Ministério Público para prosseguir na demanda, pois a vítima não foi consultada e a nova lei determina que assim seja feito

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Sobre o autor
Amaury Santos Marinho Junior

Delegado Adjunto na DHPP-ARAGUAÍNA-TOCANTINS.

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