A omissão do Estado na aplicação do direito fundamental à saúde e a atuação do poder judiciário para a efetivação

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CAPÍTULO III- 3 ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA A EFETIVACAO DO DIREITO À SAÚDE

3.1 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA RAZOABILIDADE NAS DECISÕES JUDICIAIS

 

Primeiramente cumpre ressaltar que os princípios constitucionais, como é o caso do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade ora em análise, são princípios que dão sustentação, coerência e base ao sistema normativo, ou seja, os princípios constitucionais são genuínos alicerces do sistema jurídico.

Isto posto, o Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade exerce demasiada importância em todas as decisões do Poder Judiciário, principalmente quando falamos em demandas que buscam dos Entes políticos alguma prestação positiva.

Neste contexto de busca de efetivação do direito à saúde, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade é uma base imprescindível para orientar as decisões dos magistrados, visto que tal princípio se revela um verdadeiro mecanismo de proteção dos direitos fundamentais.{C}[86]

Dessarte, a Razoabilidade deve estar presente na decisão, onde será verificado da análise do caso concreto qual direito irá prevalecer sobre o outro naquele momento. À vista disto, Rizzatto Nunes elucida:

Na realidade, o princípio funciona como um vetor para o intérprete. E o jurista, na análise de qualquer problema jurídico, por mais trivial que ele possa ser, deve, preliminarmente, alçar-se ao nível dos grandes princípios, a fim de verificar em que direção eles apontam. Nenhuma interpretação será havida por jurídica se atritar com um princípio constitucional.{C}[87]

Diante disto, os Tribunais vem pautando suas decisões no princípio da razoabilidade para a concessão ou não das pretensões dos indivíduos relativos a obrigar o Estado a prestar algo. 

Neste sentido o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou o reexame necessário onde a Requerente é portadora de séria doença ocular, que por esta razão pleiteava fornecimento de determinado medicamento. Em contra partida, o Estado de MG aduziu que não havia provas suficientes para o pedido, que o remédio pleiteado não estava incluído na lista farmacêutica do SUS entre outros. Diante desta situação a relatora Tereza Cristina da Cunha Peixoto se posicionou da seguinte maneira:

Desta feita, não resta dúvidas que é dever do Estado prestar assistência terapêutica e farmacológica àqueles que necessitam, a fim de manter a saúde dos cidadãos brasileiros, não se podendo perder de vista, contudo, que tal deve ser apreciado dentro do princípio da razoabilidade e proporcionalidade. (...) Verifica-se na hipótese, desta forma, que a procedência do pedido não viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impondo-se a confirmação da sentença singular, sobretudo em se considerando a doença que acomete a autora.[88] (Grifo nosso)

         Assim, nesta mesma linha de raciocínio a respeito da proporcionalidade segue as ementas das jurisprudências do Tribunal do RS, in verbis:

CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SAÚDE. DIREITO. TUTELA LIMINAR. CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE. O critério da proporcionalidade sugere proteção liminar do direito à vida e à saúde; quanto contraposto a interesses econômicos, passiveis de futura recomposição, ao menos enquanto não elucidadas, por meio de prova técnica, (I) a necessidade e eficácia do tratamento indicado, (II) a existência de alternativa terapêutica nos programas do SUS ou (III) de menor custo. Recurso provido em parte. Votos vencidos em parte. (Agravo de Instrumento Nº 70049067051, Vigésima Sugunda...

(TJ- RS- AI: 7004906705 RS. Relator: Maria Isabel de Azevedo, Data de Julgamento: 23/08/2012, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/08/2012).{C}[89] (Grifo nosso)

APELAÇAO CÍVEL. ECA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE FÓRMULA AMLIMENTAR. ATENDIMENTO PRIORITÁRIO DAS DEMANDAS DE SAÚDE DA POPULACAO INFANTO-JUVENIL. ADEQUAÇAO AO LAUDO MÉDICO. INCORRENCIA DE VIOLACAO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. 1. O direito à saúde, superdireito de matriz constitucional, há de ser assegurado, com absoluta prioridade às crianças e adolescentes e é dever do Estado (União, Estados e Municípios) como corolário do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana. 2. Não é dado ao Estado discutir a adequação do uso da formula alimentar prescrita à doença que acomete o menor, uma vez que há indicação medica suficiente para tanto, através de laudo firmado por profissional idôneo. 3. Não se verifica qualquer afronta aos princípios da legalidade e da proporcionalidade na sentença atacada, uma vez que a determinação de fornecimento do leite pleiteado se trata de aplicação da Lei Maior, cabendo ao Judiciário vigiar seu cumprimento, mormente quando se cuida de tutelar superdireitos de matriz constitucional como vida e saúde, ainda mais de crianças e adolescentes. NEGARAM PROVIMENTO. UNANIME. (Apelação Cível nº 70064329733, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 02/07/2015).

(TJ-RS- AC: 70064329733RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 02/07/2015, Oitava Câmara Cível, Data de Publicaçao: Diário da Justiça do dia 08/07/2015).{C}[90] (Grifo nosso).

Desta feita, havendo a colisão de direitos, deve-se fazer a interpretação conforme a proporcionalidade e razoabilidade, visto que para dar efetividade a um direito, muitas vezes será necessário delimitar outro. Mas somente “após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido”.{C}[91]

Ademais, deve se observar tal princípio inclusive quando o Magistrado for fixar o valor da multa diária no caso de mora do cumprimento por parte do Estado. À vista disto o STJ se posiciona in verbis:

A Corte de origem, com base na situação fático-probatória dos autos, consignou que a mora no cumprimento da obrigação acarretaria multa diária por dose de medicamento não fornecida à criança, procedendo, ainda, à análise dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade do valor fixado a título de astreintes. Insuscetível de revisão o referido entendimento, por demandar reexame do conjunto fático-probatório.[92]

Ressalte-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, em caráter excepcional, que o quantum arbitrado seja alterado, caso se mostre irrisório ou exorbitante, em clara afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A parte agravante, contudo, não demonstrou que o valor arbitrado seria excessivo, de forma que o acórdão recorrido deve ser mantido.[93]

Portanto, deve se levar em conta nas decisões sempre o princípio constitucional da Proporcionalidade e razoabilidade, ainda mais se tratando do direito fundamental à saúde contraposta com os interesses financeiros e econômicos do Estado.

3.2 A AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE A SAÚDE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Com o intuito de elucidar as questões políticas, administrativas, técnicas, científicas, econômicas e jurídicas, no tocante às ações que demandam do Estados prestações referentes ao direito à saúde, o Presidente à época do STF, Gilmar Ferreira Mendes, solicitou a realização de Audiência Pública, com base no art. 13, inciso XVII do Regimento Interno do STF, in verbis:

Art. 13. São atribuições do Presidente:

(..)

XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matérias, sempre que entender necessário o esclarecimentos de questões ou circunstancias de fato, com repercussão geral e interesse público relevante, debatidas no âmbito do Tribunal.{C}[94]

Desta feita, com a ocorrência de inúmeras demandas judiciais relativas à saúde, deu ensejo a realização da referida audiência pública. Deste modo, foi realizada a audiência sobre a saúde e ouvido diversos especialistas na área da saúde, bem como procuradores, advogados, promotores de justiça, magistrados, professores e entre outros.

Durante a audiência foi falado a respeito do Acesso à prestações de saúde no Brasil, Responsabilidade dos entes da federação e financiamento do SUS, Gestão do SUS, Registro na Anvisa protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS, Políticas públicas de saúde e assistência farmacêutica do SUS.[95]

Diante disto, vemos a atuação do Judiciário, o empenho no caso do STF e dos demais indivíduos que contribuíram na audiência pública. Assim a atuação do judiciário é crucial para o exercício eficaz da cidadania e para a promoção do direito à saúde.

Contudo, resta claro que todos os problemas que causam a omissão do direito à saúde não são possíveis de se dar solução com apenas uma atitude ou intervenção de determinado ente, ou ainda apenas com as ações do poder judiciário, devendo ser feito novo dimensionamento da questão. Desta forma, nos esclarece Gilmar Ferreira Mendes:

Na audiência, ficou evidente que os casos de omissão e de falha de implementação do sistema como um todo não podem ser resolvidos como uma ação isolada de um único ente, eventualmente o próprio judiciário. É necessário um tipo de concertação entre eles. Justamente a busca por uma espécie de concerto entre os entes federativos na concretização do direito fundamental à saúde fez com que esse fosse considerada uma competência comum da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.{C}[96]

Isto posto, foi verificado na audiência que a intervenção judicial que vem ocorrendo, na maior parte dos casos não é devido a uma omissão absoluta, ou seja, aquela em que o legislador não houvesse ainda criado políticas públicas voltadas à saúde, mas sim uma omissão parcial no tocante ao cumprimento ineficaz, desapropriado das políticas já criadas.

Há de ser destacado também que ao ser ouvido diversos especialistas, bem como na verificação de diversos materiais enviados com dados locais, foi apurado uma divergência frente ao princípio da Isonomia, visto que o Procurador-Geral do Estado do RJ demonstrou que recebe aproximadamente 40 ações de fornecimento de medicamento por dia. Tais ações geraram um gasto em torno de R$ 29 milhões no ano de 2.008. Desse valor total, R$ 15 milhões foram dispendidos com a compra de somente dois fármacos que favoreceu somente 333 pessoas.[97]

Ademais, incentivado com a realização da audiência à saúde, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou por meio da Resolução n. 107/2010, o Fórum Nacional do Judiciário para Assistência à saúde, que visa possibilitar debates dos temas, como por exemplo, a necessidade de fornecer fármacos, proporcionais mais leitos hospitalares, dentre outros assuntos relevantes.

Outrossim, a respeito da realização da audiência pública da saúde e seus impactos, Gilmar Mendes afirma:

Além das ações levadas a cabo pelos Estados e as orientações feitas pelo Conselho Nacional de Justiça, os resultados alcançados na audiência pública também geraram um processo de atualização e revisão dos protocolos. Em oficio encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, o Ministro da Saúde destacou seu trabalho neste sentido. Também indicou a necessidade de compartilhar medidas que visem à redução de litígios, como o Comitê Internacional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde – CIRADS, que tem como finalidade a solução administrativa de demandas envolvendo o cidadão e o SUS.[98]

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Portanto, diante de todo exposto, podemos verificar o comprometimento do mais alta corte em ouvir vários especialistas a respeito das divergências que cercam a efetividade plena do direto fundamental à saúde.

Neste sentido, após a realização da Audiência pública da saúde, o plenário do Supremo Tribunal Federal negou diversos recursos que vieram a ser interpostos pelo Poder público face a decisões que concediam o fornecimento de fármacos de alto custo bem como de tratamentos não disponibilizados pelo SUS à pacientes com patologia grave. Os exemplos são as Suspenções de Segurança 3724, 2361, 3355, STA n. 175, 211, 278, dentre outros que desde então vem sendo apreciados com base na audiência pública da saúde.

3.3 STA 175: DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS PARA SOLUÇAO JUDICIAL DE DEMANDAS RELATIVAS AO DIREITO À SAÚDE

O Supremo Tribunal Federal julgou em 2010 o Recurso de Agravo Regimental interposto pela União, diante do indeferimento anterior da Suspensão de Tutela antecipada n. 175, que obrigava a União, o Estado de CE e o Município de Fortaleza a conceder à portadora de doença grave o fármaco conhecido por Niemann-Pick tipo C.

Os entes do polo passivo alegram que a decisão que negou a suspensão estava violando o princípio das separação dos poderes, os regulamentos do SUS, e a interferência do poder judiciário nas políticas e diretrizes públicas.

Assim, diante de todo este contexto e das controvérsias a respeito do tema, o relator do agravo e então presidente do STF, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para apreciar e dar o voto da forma mais coesa e em conformidade com a legislação constitucional e com as implicações do caso, se valeu das experiências e das informações obtidas na Audiência pública da saúde.{C}[99]

Portanto foi ao final decidido por unanimidade no Tribunal negando provimento ao Agravo Regimental, visto que não restou demonstrado a grave lesão à saúde pública e a economia por parte da agravante, sendo que também a alegação de alto custo do fármaco não se apresentou suficiente para impossibilitar a concessão do medicamento.

Desta feita cumpre salientar a grande importância desta decisão proferida pelo STF, visto que pode ser considerada como um divisor de águas no que tange as demandas que buscam pretensões do direito à saúde pelo Estado.

Além do mais, tal decisão fixou parâmetros que serve de base para todos os magistrados verificar o caso concreto e conceder ou não a pretensão buscada pelo indivíduo.

Portanto com base no Voto do Relator, o primeiro critério a ser observado é: Se existe política estatal que compreenda a prestação de saúde buscado pela pare. Se caso não estiver incluída nas políticas do SUS, deve-se averiguar se é devido à omissão por parte do legislativo ou da Administração; ou se a ausência advém de decisão administrativa que indeferiu o fornecimento; ou ainda se foi por motivo de vedação legal de fornecimentos.[100]

Neste último caso em que a prestação de saúde não é registrada pela ANVISA, em regra não deve ser concedido, salvo em casos excepcionais analisados no caso concreto, onde o fármaco não registrado poderá ser permitido pela ANVISA, conforme lei n. 9.782/99, artigo 8º, em seu § 5º, in verbis:

Art. 8º  Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

(...)

§ 5o  A Agência poderá dispensar de registro os imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas.    (Incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001).{C}[101]

O segundo critério a ser observado é o motivo para a negativa do fornecimento. Ocorre do SUS decidir não conceder por entender que não existe evidencias técnicas para fornecer. Neste caso o SUS pode oferecer um outro tipo de tratamento, não amplamente adequado. A regra geral aqui seria privilegiar o método disponibilizado pelo SUS em detrimento de outro modo escolhido pelo paciente.

Importante ressaltar aqui que esta regra geral não impossibilita a adoção de medida diversa pelo Poder Judiciário ou pela Administração Pública, de conceder um tratamento não financiado pelo SUS, em casos que se mostrem excepcionais, onde haja verdadeira certificação que o tratamento que SUS oferece se mostra ineficaz.[102]

Dentro ainda do segundo critério explicado pelo Relator, há casos que o SUS não disponibiliza de tratamento para certa doença. Sendo assim é necessário separar os tratamentos simplesmente experimentais daqueles tratamentos novos que não foram submetidos a testes pelo Sistema de Saúde do Brasil.

Em relação aos tratamentos simplesmente experimentais, o Poder Público não pode ser condenado a concedê-los, conforme foi explanado na Audiência Pública da Saúde através dos profissionais habilitados, visto que são drogas que não podem ser adquiridas em nenhum país, dado que nunca foram submetidas à análise, sendo o seu acesso somente para aprendizagem clínica ou projetos de acesso expandido. Sendo assim, não permitido condenar o SUS a financiá-las.{C}[103]

No que tange a novos tratamentos que não foram submetidos a testes pelo Sistema de Saúde do Brasil, o Relator entendeu da seguinte forma, in verbis:

Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia administrativa.[104] (Grifo nosso).

Diante disto, é notório que a aprovação de novos tratamentos pelo Poder Público pode ser demasiadamente lenta e por isso acaba por impossibilitar o alcance de paciente oriundos do SUS a diversos tratamentos que muitas vezes já é concedido pela iniciativa privada.

Assim neste cenário, “a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. ”{C}[105]{C}

Por fim, o terceiro critério diz que independentemente do que se está pleiteando, é imprescindível que haja a devida instrução processual com grande produção de provas.

Diante de todo o exposto, é evidente que o julgamento da STA 175 ficou como um marco e base para as demandas que se insurgirem buscando do Estado alguma prestação em relação ao direito a saúde, visto que foram colocados parâmetros para guiar a atuação do Poder Judiciário diante dos casos tão complexos e delicados que surgem.

Portando vemos mais uma vez como o Poder Judiciário vem se preocupando em realmente dar efetividade ao que o Legislador Constitucional positivou, reconhecendo um direito subjetivo à saúde e dever de todos os Entes Federativos. Observamos assim a jurisprudência caminhando cada vez mais no sentido de possibilitar a concretização do direito à saúde mesmo diante das ingerências do Estado.

3.4 DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Diante do conteúdo dos números acórdãos proferidos recentemente, verifica-se a grande atuação do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, no sentido de caminhar firmemente contribuindo para a concretização do direito fundamental à saúde.

Mesmo em meio a tantas divergências constantes na doutrina, observa-se um entendimento consolidado à respeito do direito à saúde.

Primeiramente a questão do argumento tão utilizado para afastar a responsabilidade em conjunto dos Entes não prospera, visto que é assente que há a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios de prestar assistência aos indivíduos. Neste diapasão, o Exmo. Desembargador Amaury da Silva se pronunciou no julgamento de Apelação:

No que concerne à obrigação de o Município fornecer o tratamento pleiteado, este Tribunal tem entendido que "existe solidariedade na assistência à saúde entre a União, o Estado e o Município, podendo a ação ser ajuizada em face de todos, de alguns ou de apenas um, por essa razão, não há falar em ilegitimidade do Estado para figurar no pólo passivo da ação tampouco em responsabilidade subsidiária do Município." (TJMS – Apelação Cível n. 2011.010759-7, Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva, 5ª Turma, j. 02.06.2011).[106]

Assim, como resta pacificado pelos diversos pronunciamentos do STF e STJ que de fato é reconhecido a responsabilidade solidária dos Entes Federados na prestações do direito à saúde, o TJ-MS não poderia se mostrar diferente, sempre se posicionando desta maneira que tanto pode ser ajuizada ação em face de um Ente quanto de todos.

No que diz respeito à fármacos que não são disponibilizados pelo SUS mas que tal entidade fornece outros alternativos, porém não adequados àquele caso específico do paciente, o Tribunal tem se posicionado de maneira a condenar os Entes a fornecer o fármaco prescrito como o realmente adequado pelo laudo médico do Requerente.

Este foi o posicionamento adotado na oportunidade do julgamento de Apelação Cível, onde o requerente portador de insuficiência coronariana crônica, buscava do Estado a concessão dos medicamentos Atenolol 25mg, AAS 100mg, Bis. Vastarel MR 35mg Clopidogrel 75mg, Sustrate 10mg e Sivastacor 20 mg, os quais não constam na lista do SUS, mas que eram fornecidos outros fármacos alternativos. Diante desta situação o relator Sergio Fernandes Martins assim proferiu em seu voto:

Em que pese a alegação do apelante de que a moléstia que acomete o ora interessado pode ser combatida com medidas alternativas, disponibilizadas pelo sistema público de saúde, mister registrar que trata-se de pessoa idosa, contando com 67 (sessenta e sete) anos de idade, tendo sido avaliada por médico cardiologista que atestou a necessidade de uso dos fármacos pleiteados na inicial, sob pena de risco de morte. Desse modo, reputo que a prescrição feita por médico especializado, que acompanhou pessoalmente o paciente, deve prevalecer sobre o parecer do CATES, que, não obstante sua relevância, é feito de maneira genérica, sem contato direto com o cidadão que necessita fazer uso dos medicamentos em questão.[107] (Grifo nosso)

Aqui podemos aferir, diante das especificidades do caso concreto, que o Tribunal proferiu o acórdão perfeitamente dentro dos critérios para solução judicial de demandas relativas à saúde estabelecidos no STA 175.

É arraigado que em regra deve se privilegiar os tratamentos oferecidos pelo SUS, conforme afirmou o Ministro Gilmar Mendes, contudo diante de casos específicos, como exceção, poderá ser obrigado o Estado ao fornecimento de tratamento/fármaco diverso que assim se mostrou atestado por médico habilitado como realmente eficaz àquele paciente, como é o caso da apelação supracitada, onde o requerente corre sério risco de morte, de igual forma o TJ-MS julgou a Apelação - Nº 0800545-41.2016.8.12.0010 - Fátima do Sul, na qual condenou os Entes a conceder fármaco diverso, visto que os alternativos sem mostraram ineficazes.

Outrossim, nos casos que o Requerente comprovadamente demonstra que seu estado clinico é grave e que necessita de tratamento adequado, do que se está sendo disponibilizando em determinado local, o Tribunal tem confirmado a decisão de primeiro grau, obrigando o Estado a fazer a transferência do paciente para hospital com a estrutura mais adequada às necessidades daquele caso. Neste sentido segue a ementa, in vebis:

E M E N T A – REMESSA NECESSÁRIA – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – TRANSFERÊNCIA DO AUTOR PARA HOSPITAL ADEQUADO – DIREITO À SAÚDE (ART. 196, CF/88) – PARECER DO NATFAVORÁVEL – REEXAME CONHECIDO E DESPROVIDO.[108]

Desta feita, o Estado do MS e o Município da Paranaíba foram condenados a aparelhar a transferência do Requerente para a cidade de Três Lagoas ou Campo Grande ou ainda, não disponde de vagas para outro hospital do Estado, visto que o hospital em que o requerente se encontrava não possuía os meios apropriados para atende-lo conforme prescrição médica, dado que necessitava de atendimento especializado em razão de acidente automobilístico.

No que está relacionado a fornecimentos de medicamentos, o Tribunal tem dado provimento aos recursos discorrendo que o Estado tem o dever de assegurar o direito à saúde aos cidadãos.

Assim no julgamento do recurso de Agravo de Instrumento face a decisão da 6ª vara cível da comarca de Dourados que indeferiu a tutela de urgência, o relator entendeu que o requerente idoso portador de câncer de próstata, havia demonstrado os requisitos para concessão da tutela de urgência devendo ser concedido o fármaco Zytiga 25 mg, e assim por unanimidade foi dado provimento ao recurso, ementado a seguir:

E M E N T A – AGRAVO DE INSTRUMENTO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – TUTELA ANTECIPATÓRIA DE URGÊNCIA – DEVER DE ASSEGURAR A SAÚDE PÚBLICA – ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ABSOLUTA PRIORIDADE PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE – ART. 3º DO ESTATUTO DO IDOSO.

01. Para concessão da tutela de urgência antecipatória, é fundamental a evidência da probabilidade do direito e o perigo de dano, conforme art. 300 do Código de Processo Civil.

02. O Estado (união, estados e municípios) tem o dever de assegurar a saúde do cidadão, garantida pela Constituição Federal, em seu art. 196, bem como é dever do Poder Público, com absoluta prioridade, a efetivação de diversos direitos, inclusive à saúde, no art. 3º do Estatuto do Idoso. Recurso conhecido e provido.{C}[109]

Assim diante da demonstração dos requisitos para concessão da tutela de urgência, com base no Código de Processo Civil, no princípio da dignidade da pessoa humana é dado provento ao recurso, sendo é claro, verificado as peculiaridades do caso concreto.

No que tange ao Sequestro de verbas públicas, o TJ-MS tem mantido a decisão prolatada pelo juiz a quo, afirmando para tanto que, estipular sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento, não há nenhuma vedação.

Ressalta-se aqui que este entendimento vai em conformidade com o posicionamento do STJ que afirmou que no caso de fornecimentos de fármacos, irá caber ao Magistrado escolher as medidas que se mostrarem eficazes para que as decisões sejam cumpridas, podendo ser determinado sequestros (bloqueio) de valores de forma fundamentada.[110]

À vista disto o TJ-MS, confirmou sentença prolatada negando provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Estado do MS e pelo Município de Aquidauana, os quais foram determinados sequestro de bens públicos caso não cumprisse a condenação em fornecer suporte ventilatório não invasivo, aparelho de aspiração e inalação, medicamentos dentre outros, à paciente idosa e sem recursos financeiros. Assim quanto à razoes finais do Estado do MS, impugnando a decisão sobre sequestros de bens, o relator salientou, in verbis:

O sequestro/bloqueio de quantias nos cofres públicos é medida eficaz para garantir o custeio de tratamento médico indispensável, como forma de concretizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. Na hipótese dos autos, estamos diante de ordem bloqueio de verba pública como meio coercitivo para que a decisão judicial seja efetivamente cumprida. A medida imposta coloca-se adequada, diante da resistência dos réus em disponibilizar os medicamentos para a agravada, ou seja, além de praticar ato atentatório ao exercício da jurisdição, incide em ofensa à dignidade da pessoa humana, ao colocar em risco à saúde de uma pessoa, mediante expedientes protelatórios.{C}[111]

Por conseguinte, diante do transcrito acima, considerando o embaraço dos Entes em cumprir a decisão judicial, a medida se vê necessária tendo em vista a urgência, pois o direito a ser tutelado é o resguardo da saúde, da própria vida do paciente.

Portanto vemos a grande contribuição do Poder Judiciário, mais especificamente ora em análise, o posicionamento que o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul vem adotando.

Assim, cumpre aqui ressaltar que não é somente por meio das jurisprudências que o Poder Judiciário contribui, dado que por meio da Portaria Nº 881, De 12 De Fevereiro De 2016 o TJ-MS conveniado com o Estado do MS e com o município de Campo Grande criou o Núcleo de Apoio Técnico (NAT) que é uma instancia consultiva que se vincula ao TJ-MS. Prescreve o art. 2º da referida portaria, in verbis:

Art. 2º O NAT tem por finalidade assessorar o Poder Judiciário Estadual, com informações técnicas, nas demandas relativas ao fornecimento de medicamentos, exames, internações e demais tratamentos em face do Sistema Único de Saúde (SUS).{C}[112]

Isto posto, vemos de forma nítida o empenho do poder judiciário em cada vez mais se aprimorar, tendo como base de suas decisões o respaldo técnico dos profissionais da saúde.

Diante de todo o exposto, resta inegável a atuação do poder judiciário para a efetivação do direito fundamental à saúde, dado que, diante da omissão estatal - ainda que parcial, não resta outro meio aos indivíduos que se encontram em situação de ver seu direito à saúde violado, senão se socorrer através do poder judiciário, o qual no exercício da sua função jurisdicional busca a melhor forma de solução de conflito, tendo em vista sempre o preconizado pela Constituição Federal.

Sobre a autora
Gabriela Mattos Misquita Oliveira

Advogada atuante, OAB/MS 23.017 Pós-graduanda em Direito Público [email protected]

Informações sobre o texto

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