A desmistificação do Teletrabalho frente a regulamentação pela Reforma Trabalhista

24/07/2018 às 11:57
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O teletrabalho está regulamentado pela Reforma Trabalhista e deve ser interpretado de forma restritiva, devendo ser analisado o caso concreto.

A desmistificação do Teletrabalho de acordo com a regulamentação da Reforma Trabalhista

Após a Segunda Guerra Mundial, em meados do século XX, o mundo passou por grandes transformações, momento em que surgem profundos avanços tecnológicos e científicos.

Com a globalização, dá-se  início a Terceira Revolução Industrial, também chamada de Revolução da Informação, marcada pela Robótica, flexibilizando e modificando diversos setores, principalmente a agricultura, a pecuária, o comércio, surgindo também novas formas de prestação de serviço, neste artigo será abordado o teletrabalho.

A Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 alterou Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passando  a regulamentar e disciplinar o regime do teletrabalho nos artigos 75A a 75E.

O Legislador define o teletrabalho no art. 75-B CLT, vejamos: “Considera-se teletrabalho, a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, desde que não constituam trabalho externo”.

A prestação de serviços fora das dependências do empregador pode ser qualquer lugar viável ao Empregado, como por exemplo, a residência, livraria, biblioteca, desde que utilizado as tecnologias de informação e de comunicação, por meio de recursos tecnológicos como internet, intranet, ou outro sistema a critério do Empregador para recebimento e envio das atividades.

Cabe esclarecer que trabalho externo é aquele que é realizado fora das dependências do empregador porque sua própria natureza o obriga, por exemplo: instaladores de medidores de energia, de antenas de TV, vendedor externo, cobrador, motorista... Já o teletrabalho, embora possa ser realizado na empresa, é realizado fora das suas dependências, seja por opção do empregado, seja por opção do empregador.

Pesquisas realizadas demonstram que o teletrabalho é um dos raros formatos que aumentam a produtividade dos funcionários, e ao mesmo tempo os deixam mais felizes, visto que proporciona maior flexibilidade ao empregado, favorece maior qualidade de vida em diversos aspectos, como por exemplo no âmbito social, familiar, vez que o empregado organiza o  seu tempo, podendo dispor de mais tempo com a família, pode passar maior período em casa, participar de reuniões particulares, entre outros.

Cabe mencionar que por diversas razões e resultados obtidos na prática,  o teletrabalho tem despertado o interesse e o desejo de diversas empresas em sua implantação.

 Joselma Oliveira Goulart [1] diz que a razão de tanto interesse das empresas por esta forma de trabalho, denominada teletrabalho, não se encontra pela fascinação pelas novas tecnologias apresentadas, mas no meio comum para maximizar os impactos benéficos na competitividade, produtividade e condições de trabalho de seus empregados, oferecendo melhor qualidade de vida para o empregado que se encontrar capacitado para desenvolver tal atividade.

O teletrabalho favorece ainda, a possibilidade da inserção das pessoas portadoras de necessidades especiais no mercado de trabalho. Para Mara Vidigal Darcanchy[2] , as empresas modernas que querem sobreviver no mercado globalizado e competitivo têm, necessariamente, de utilizar-se das tecnologias mais avançadas, inclusive no campo das comunicações. Novas relações de trabalho se impõem e o teletrabalho emerge como resultado dessas necessidades e também como uma das possíveis soluções para o número a cada dia mais reduzido de postos de trabalho formal. O teletrabalho traz a possibilidade de trabalho à distância. Já não são necessários grandes escritórios. Esse tipo de trabalho rompe as distâncias geográficas, eliminando problemas de locomoção. o que permite melhor administração do tempo e rapidez no trabalho. Assim, efeitos nefastos do capitalismo exacerbado e, consequentemente, do desemprego podem ser atenuados.

Desta forma, não resta dúvida as inúmeras vantagens para os envolvidos nesta modalidade de contrato, principalmente para o empregador, tendo em vista a  atual conjuntura do país que estamos passando, levando em consideração a economia enfraquecida. Salientando-se que o teletrabalho contribui para a ampliação dos negócios, redução de custos, como por exemplo, a possibilidade de contratar diversos teletrabalhadores, mesmo  a empresa possuindo uma instalação física pequena;  em razão de não haver a necessidade de ampliar o seu “polo”, favorecendo a redução de despesas de estruturas, porém, o fato da prestação de serviço ser prestada a distancia, o empregador continuará arcando com as obrigações pertinentes as contribuições previdenciárias e com o FGTS.

No que tange ao comparecimento do empregado à sede da empresa, o fato de o empregado comparecer na empresa para reuniões, eventos, treinamento não descaracteriza o contrato de Trabalho realizado à distância.

A reforma trabalhista trouxe algumas situações que podem gerar dúvidas quanto à aplicação prática do teletrabalho em razão da alteração do regime, visto que o Legislador excluiu a proteção do teletrabalho do controle de jornada de trabalho, conforme artigo 62, III, da CLT¹.

O teletrabalho faz parte da realidade de diversas empresas, não se trata de uma inovação trazida pela Reforma Trabalhista. Embora, conste na regra geral, do art. 62, da CLT, a exclusão do controle de jornada, este deve ser ponderado a fim de verificar se o teletrabalhador está submetido ao controle de jornada de trabalho.

Não se pode admitir um retrocesso aos direitos adquiridos conquistados com muita luta, antes da normatização trazida pela Reforma Trabalhista. Vejamos:

TRT-3 RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA RO 00101320520165030178

Jurisprudência – Data da publicação: 13/03/2017

Ementa: HORAS EXTRAS. TELETRABALHO. Como corolário do desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, constata-se a evolução dos modos da prestação do trabalho e, num misto de vantagens e desvantagens sob a ótica jus trabalhista, surgiu o teletrabalho. Assim, havendo a menor possibilidade de aferição da jornada de trabalho por esse empregado, ainda que de forma mista(em ambiente institucional e home office), as horas prestadas em sobrejornada devem ser devidamente remuneradas, na forma do art. 7º, XVI, da Constituição da República.

Atualmente, diversos são os recursos tecnológicos de ponta disponibilizados pelo empregador que facilitam controlar a jornada de trabalho do teletrabalhador,  como por exemplo, através do sistema de login e logout, internet, intranet, computadores, e-mail, relatórios, ligações, horário de início e fim das atividades.

Devemos fazer uma análise detida dos requisitos e elementos fático-jurídicos da relação emprego, constante no art. 3º[3] , da CLT: pessoa física; pessoalidade; não eventualidade; onerosidade e subordinação. E observar a jornada de trabalho tutelada no art. 7º, XIII, CR[4] , onde prevê a carga horária de 8h diárias e 44h semanais.

 Ressalta-se que a subordinação não foi ampliada somente com a Reforma Trabalhista, e sim com  parágrafo único do art. 6° da CLT,  que não foi revogado, equiparando o controle telemático e informatizado à supervisão direta do empregador. Assim, mesmo que  o contrato laboral seja prestado à distância, está claro que pode haver o controle de jornada de trabalho.

Observa-se que há duas situações distintas em que o teletrabalhador pode ou não ser submetido ao controle de jornada. :

O teletrabalhador estará excluído do controle de jornada, conforme previsto no dispositivo do art. 62, III, da CLT, se realizar sua atividade no horário que o convém. Ou seja, quando a cobrança do empregador se restringir ao resultado, a produção.

Todavia, o teletrabalhador estará submetido ao controle de jornada de trabalho, quando o empregador acompanhar a execução do labor do empregado, fiscalizando se ele está cumprindo os horários determinados pelo empregador (localização física, controle de login e logout, período de conexão, ligações, pressões constantes). Neste caso, o teletrabalhador estará submetido aos dispositivos do art. 7° da CRFBF/88 e  art. 6°, parágrafo único da CLT inclusive fará  jus as eventuais horas extraordinárias, se prestadas.

A lei prevê que o contrato individual de trabalho na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente e especificar as atividades que serão realizadas pelo empregado, conforme determina o artigo 75-C da CLT[5]. Portanto, esta modalidade contratual não pode ser verbal.

 Caso, haja a necessidade de fazer a alteração contratual entre o regime presencial e de teletrabalho, o legislador previu esta possibilidade, no art. 75-C, §1º, da CLT[6], desde que haja acordo mútuo e que a alteração não resulte em prejuízo direto, ou seja, financeiro; ou indireto, não ocasionando dano moral   ao empregado .

Destaca-se que o § 2º[7], do art. supracitado, prevê a exceção em que o  empregador  poderá alterar, o regime de teletrabalho para o presencial de forma unilateral,  desde que garantindo prazo de transição de 15 dias, em aditivo contratual. Tal previsão é decorrente de uma situação jus variandi promover alteração unilateral, no controle de trabalho do empregado, no entanto, o empregado não pode ser prejudicado.

Trata-se de uma exceção ao disposto no art. 468[8] da CLT, que exige consentimento mútuo nas alterações contratuais, em razão do princípio da inalterabilidade contratual lesiva ao empregado, e princípio constitucional constante no art. 7° da CF/88 e incisos que prevê os direitos que visam a melhoria da condição social do trabalhador.

Nota-se que o princípio da alteridade previsto no art. 2º, da CLT estabelece que os riscos da atividade econômica não podem ser transferido para o empregado.

No tocante a dimensão e responsabilidade do empregador, em atendimento ao disposto no artigo 75-E, da CLT deverá instruir os empregados de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar, a fim de evitar carga excessiva pelo trabalho, objetivando evitar doenças e acidentes de trabalho, bem como alertá-lo sobre a forma e execução dos serviços. Devendo fornecer equipamento necessário a execução da atividade.

Visando o comprometimento do empregado em seguir as instruções fornecidas pelo empregador, o obreiro deverá assinar termo de responsabilidade que seguirá as instruções.

A responsabilidade da empresa não se restringe a um termo de responsabilidade assinado pelo empregado. O empregador deve oferecer subsídios e parâmetros  ao empregado que permitam a sua adaptação  as condições de trabalho, de forma a  proporcionar  conforto, segurança e desempenho eficiente. Além de fornecer cursos para que o teletrabalhador tenha conhecimento dos riscos das atividades laborais, como por exemplo, os riscos baseados na NR17[9].

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Quando o teletrabalho exigir para a prestação de trabalho remoto, a aquisição, manutenção ou fornecimentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para a execução do labor, bem como o reembolso de despesas arcadas pelo empregado deverá estar previsto em contrato por escrito. Porém, estas utilidades não integram a remuneração do empregado.

Por fim, as férias dos teletrabalhadores, estão disciplinadas no art. 134[10], da CLT, e serão concedidas por ato do empregador em um só período, nos 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito. Sem prejuízo, desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.

Diante das considerações supracitadas, percebe- -se que o legislador de forma capciosa excluiu a proteção jurídica do teletrabalho, conforme artigo 62, III, da CLT[11], tentando extirpar as conquistas realizadas anteriores a Reforma Trabalhista, visto que a modalidade do teletrabalho já existia.

 O teletrabalho está regulamentado pela Reforma Trabalhista e deve ser interpretado de forma restritiva, devendo ser analisado o caso concreto, devendo o juiz decidir de acordo com as fontes de direito. Assim, o intérprete, diante da lacuna que encontrar , visando uma solução mais adequada, deve observar o art.  4º. da  Lei de Introdução ao Código Civil, que  dispõe que quando a lei for omissa , o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.


Notas

[1] GOULART, Joselma Oliveira. Teletrabalho – Alternativa de trabalho flexível. Brasília: SENAC, p. 16, 2009

[2]  http://www.academus.pro.br/implementos/artigos/visualiza_arquivo.asp?nome=Teletrabalho_Darcanchy.doc&codigo=1064

[3] Art. 3º.  Considera-se  empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

[4] Art. 7, XIII. Duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

[5] Art. 75 – C.  A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.

[6] Art. 75-C,§ 1º. Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

[7] §2º. Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

[8] Art. 468, da CLT: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”

[9] http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/NRs/NR_17.html

[10] Art. 134 - As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subseqüentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito

§ 1o  Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um. 


Referencias bibliográficas:

BRASIL. Consolidação das leis do trabalho (1943).

 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

BRASIL. Lei Nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, de 14 jul. 2017.

DARCANCHY, Mara Vidigal. Teletrabalho e Acesso das Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais. Disponível em: http://www.academus.pro.br/implementos/artigos/visualiza_arquivo.asp?nome=Teletrabalho_Darcanchy.doc&codigo=1064. Acesso 20 jul2018.

GOULART, Joselma Oliveira. Teletrabalho – Alternativa de trabalho flexível. Brasília: SENAC, 2009.

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Sobre a autora
Alessandra Moraes

Graduada em Direito; Graduada em Pedagogia. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil; Mestrando em Educação; Cursando MBA em Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Advogada militante.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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