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Psicologia forense: a contribuição da psicologia ao direito

27/09/2018 às 15:00
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Resgatamos a história da psicologia forense através dos eventos cronológicos que culminaram na consolidação deste novo campo, que serve de apoio tanto para a psicologia como para o direito.

A psicologia forense não surge como um novo campo da psicologia preocupada exclusivamente em compreender a psicopatia e traçar perfis psicológicos destes delinquentes. A psicologia forense surge da necessidade do Direito em compreender o comportamento humano e aplicar estes ensinamentos no auxílio do sistema legal, desde a interpretação de leis até aplicação das penas.[1]

“A palavra forense é originada da palavra latina forensis que significa “do fórum” e era usada para descrever um local na Roma Antiga. O Fórum era o local onde os cidadãos resolviam disputas, algo parecido com o nosso tribunal dos dias modernos. A partir desse contexto, evoluiu o significado da psicologia forense. O papel do psicólogo forense é na verdade muito simples e direto: os psicólogos forenses auxiliam o sistema legal.” (HUSS, Matthew T. Psicologia Forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Pag. 23)

Desde o século XVIII pareceres psicológicos já eram requeridos nos tribunais dos Estados Unidos. Estas consultas jurídicas aos profissionais de outras áreas buscavam aprofundar a análise dos testemunhos; exames de evidências delitivas; análise do grau de veracidade das confissões; compreensão psicossocial do delito (desvendar as motivações para praticá-lo); orientação psíquica e moral do infrator, dentre outras questões que o direito não consegue isoladamente compreender.[2]

Considerado o marco inicial para instrumentalização do campo que buscava aplicação dos princípios psicológicos ao direito, o livro On the Witness Stand (No banco das testemunhas) foi publicado em 1908 pelo psicólogo polonês Hugo Munsterberg[3]. Quase na mesma época a prática clínica da psicologia forense se originou com Lightner Witmer e William Healy. Witmer começou como professor dos cursos de psicologia do crime e Healy fundou, em 1909, o Instituto Psicopático Juvenil de Chicago para tratar e avaliar delinquentes juvenis.[4]

Outro marco da psicologia jurídica é datado no ano de 1911, no Tribunal de Flandres (Bélgica), quando um juiz convocou um especialista que usou de um saber diferente do universo do Direito para gerar um laudo pertinente à validade do testemunho de crianças sobre um caso de homicídio.

Na primeira metade do século XX, o trabalho dos psicólogos forenses passa ser auxiliar o sistema legal através do emprego de testemunhas peritas. Em 1921, a permissão que um psicólogo testemunhasse como testemunha perita nos Estados Unidos no caso Estado vs. Motorista, sobre delinquência juvenil, é considerado um passo importante no desenvolvimento da área, ainda que a corte tenha rejeitado o testemunho posteriormente.

Contudo, é em 1962 que a psicologia forense consegue o evento que marcará o progresso do campo. No caso Jenkins vs. Estados Unidos, a corte determinou que fosse reconhecido o testemunho psicológico para determinar a responsabilidade criminal dos agentes (inimputabilidade). Após isso os psicólogos forenses passaram a testemunhar frequentemente em casos de inimputabilidade depois de avaliarem os réus. A decisão em Jenkins levou a uma explosão da psicologia forense nos Estados Unidos durante as décadas de 1960 e 1970.

“Antes da decisão de Jenkins, o testemunho psicológico sobre inimputabilidade tinha sido excluído de um modo geral em favor do testemunho de médicos e psiquiatras. Jenkins foi um dos primeiros exemplos em que a lei e o sistema legal influenciaram tanto a pesquisa quanto a prática da psicologia forense.” (HUSS, Matthew T. Psicologia Forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Pag. 25)

No ano de 1969 é fundada a Sociedade Americana de Psicologia Jurídica e na década de 70 são criados inúmeros periódicos especializados que publicam artigos exclusivos de psicologia forense. A psicologia jurídica (gênero que abriga o tipo psicologia forense) se consolida nos anos seguintes, sobretudo, depois das experiências de psicologia criminal desenvolvidas por agentes do Federal Bureau of Investigation (FBI) que entrevistaram assassinos em série presos, com o intuito de entender como esses criminosos pensam e aplicar esse conhecimento da psicologia e da ciência comportamental ao comportamento criminoso violento de maneira abrangente.[5] 

Atualmente, o campo da psicologia forense abrange desde o direito criminal – avaliação de risco no momento da sentença, estudo dos testemunhos nos processos criminais, inimputabilidade e responsabilidade criminal, tratamento de agressores sexuais – até, mais recentemente, o direito civil – responsabilidade civil, casos de interdição, mediação, tutoria e curadoria de absoluta/relativamente incapazes, dentre outros conflitos de âmbito das varas de família.


Psicologia forense no Brasil

De certo modo, a psicologia forense já era utilizada no país antes mesmo da regulação da profissão de psicólogo, em 1962. Desde meados de 1930 psicólogos já desenvolviam atividades nessa área, como o psicólogo polonês Waclaw Radecki no Laboratório de Psicologia da “Colônia de Psicopatas de Engenho de Dentro”, no Rio de Janeiro. Outro exemplo do desenvolvimento da área é “Manual de Psicologia Jurídica”, escrito pelo psicólogo e médico psiquiatra Emilio Myra y Lopes, lançado no Brasil em 1955 (escrito em 1932).

O trabalho não oficial dos psicólogos ao sistema jurídico, no início, foi feito de maneira extremamente informal – não raro, de forma voluntária – direcionada ao estudo de questões criminais, como, por exemplo: perfil psicológico do criminoso, da criança e dos adolescentes ligados aos atos ilícitos. Os psicodiagnósticos eram vistos como instrumentos que forneciam dados matematicamente comprováveis para orientação dos operadores do direito.[6]

O auxílio profissional de psicólogos dentro do sistema penitenciário também data de antes da década de 60, mas, é com a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 1984) que o psicólogo brasileiro passa a ser reconhecido legalmente pela instituição penitenciária.

Ainda que inicialmente o principal ponto de contato entre o direito e psicologia tenha sido a área criminal, a demanda por psicólogos forenses também se estendeu a outros ramos do direito, sobretudo, ao direito civil. A partir do ano de 1979, no Tribunal de Justiça São Paulo, o auxílio de psicólogos a famílias carentes demostra a necessidade de profissionais especializados na área. Em 1985 ocorre o primeiro concurso público com admissão de psicólogos no tribunal.

Em 1990, com a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o trabalho dos psicólogos frente as varas de família é expandido. Além de auxiliar nos processos de adoção, os psicólogos passam a assistir atividades na área pericial, acompanhamento e aplicação das medidas de proteção e medidas socioeducativas.

No ano de 1992, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) formulou um documento tratando das atividades dos psicólogos em diferentes áreas, inclusive a do psicólogo jurídico. O documento do CFP foi enviado ao Ministério do Trabalho para constar da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), aumentando o reconhecimento do psicólogo forense.

Nos anos seguintes diversos tribunais passarão a compor seu quadro com profissionais de psicologia: o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), em 1992, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), em 1993, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), em 1998.

Em 20 de dezembro de 2000, o CFP, por meio da Resolução CFP n.º 14/2000, instituiu o “título profissional de especialista em Psicologia”, reconhecendo oficialmente a especialidade em Psicologia Jurídica.

Atualmente no país pouquíssimos cursos de psicologia oferecem a disciplina de Psicologia Jurídica, da mesma forma que a disciplina no curso de direito também não integra a lista de matérias obrigatórias em muitas faculdades[7]. Quanto a pós-graduação, algumas universidades brasileiras já oferecem a especialização lato sensu, como instituições no Ceará, Bahia, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e no Distrito Federal.[8] A psicologia forense ainda tem muito a trilhar até consolidar-se dentro do meio acadêmico brasileiro!

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BIBLIOGRAFIA

BOCK, A.M.B; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, M.L.T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo. Ed. Saraiva, 2001. Cap. 2, p. 15-30.

DE ALMEIDA FREITAS, Marcel. Psicologia Jurídica e Psicologia Forense: Aproximações e Distinções. Psikeba: Revista de Psicoanálisis y Estudios Culturales, n. 10, p. 18, 2009.

DE MEDEIROS LAGO, Vivian et al. Um breve histórico da psicologia jurídica no Brasil e seus campos de atuação. Estudos de Psicologia, v. 26, n. 4, p. 483-491, 2009.

FIGUEIREDO, L. C. M. Matrizes do pensamento psicológico. Petrópolis: Vozes, 2008. Cap. 1, p. 13-25.

FRANÇA, Fátima. Reflexões sobre psicologia jurídica e seu panorama no Brasil. Revista Psicologia-Teoria e Prática, v. 6, n. 1, 2004.

HUSS, Matthew T. Psicologia Forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Artmed Editora, 2009. Cap. 1.

SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. História da Psicologia Moderna: Tradução: Adail Ubirajara Sobral; Maria Stela Gonçalves. 2001. Cap. 1 e 2.


Notas

[1] Um exemplo disto encontra-se no direito penal. Diz respeito da inimputabilidade dos agentes:

Código penal, art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

[2] DE ALMEIDA FREITAS, Marcel. Psicologia Jurídica e Psicologia Forense: Aproximações e Distinções. Psikeba: Revista de Psicoanálisis y Estudios Culturales, n. 10, p. 18, 2009.

[3] Hugo Munsterberg estabeleceu as bases e justificativas da psicologia industrial na administração científica. Munsterberg relacionou as habilidades dos novos empregados com as demandas de trabalho da organização.

[4] HUSS, Matthew T. Psicologia Forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Artmed Editora, 2009. Pag. 25.

[5] Serial Killers, Part 1: The FBI's Role Takes Shape. Federal Bureau of Investigation. Disponível em: <https://www.fbi.gov/news/stories/serial-killers---part-1-the-fbis-role-takes-shape>. Acesso em 01 de jul 2018.

[6] DE MEDEIROS LAGO, Vivian et al. Um breve histórico da psicologia jurídica no Brasil e seus campos de atuação. Estudos de Psicologia, v. 26, n. 4, p. 484, 2009.

[7] O currículo da Universidade de Brasília (UnB) não abrange Psicologia Jurídica como disciplina obrigatória ao curso de direito. Há Psicologia da Personalidade 1 e Psicologia Social 1 como disciplinas optativas. Já no curso de Psicologia há como optativa a disciplina de Psicologia Forense (não obrigatória).

[8] No Distrito Federal a única instituição a oferecer pós-graduação em Psicologia Jurídica é a instituição privada Centro Universitário UNIEURO.

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Sobre a autora
Sara P. Leal

Graduanda em direito pela Universidade de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Sara P.. Psicologia forense: a contribuição da psicologia ao direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5566, 27 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67952. Acesso em: 28 mar. 2024.

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