A socioafetividade no Direito de Família: a verdade real e a verdade biológica !

01/08/2018 às 16:00
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É sabido que o Direito tem se modernizado cada vez mais no âmbito da área de Família, sendo possível citarmos algumas inovações tais quais sequer cogitadas em 1916, como a união estável, o namoro qualificado, as muitas e diferenciadas espécies de família, o divórcio sem a necessidade da separação antecedente, a multiparentalidade ou socioafetividade.

São tantos temas e alterações que nos fazem refletir sobre como um assunto era anteriormente abordado e como hoje é tratado em atenção às significativas mudanças no cenário atual.

O Direito tem surpreendido e cada vez mais tem buscado atualizar-se conforme as inúmeras mudanças que acontecem no dia a dia em todos os âmbitos da vida, em especial quando o assunto recai sobre o Direito de Família e suas inovações, conforme dito anteriormente.

 A separação judicial seja litigiosa ou amigável já deixou de ser requisito para a celebração posterior do divórcio, que pode ser feito em Cartório se observadas algumas condições como consenso e inexistência de filhos menores ou maiores incapazes. A palavra “poder familiar” tem dado espaço para a expressão “autoridade parental” e no campo da sucessão o inventário envolvendo maiores e capazes e com consenso pode ser feito em Tabelionato de Notas. A expressão vênia conjugal deixou de lado as palavras outorga uxória e marital.

O nosso Direito de Família trata de assuntos sobre casamento, união estável, divórcio, tutela, curatela, espécies de família, adoção, pensão alimentícia, poder familiar, guarda, alienação parental, síndrome da alienação parental, dentre outros, que inevitavelmente compõem o cenário de muitos cidadãos que tem a intenção de regularizar sua vida pessoal e também emocional. A família é a base da sociedade e ela é o pilar para a boa formação do caráter das pessoas e de suas relações para com os outros. A pessoa que cresce em um lar estruturado tem melhores condições de transmitir amor, compreender, ter bons relacionamentos profissionais e emocionais e de dar grande valia a princípios norteadores para um caminho correto ou como muitos preferem dizer ‘’o caminho do bem” e compreender que a palavra respeito e sua aplicabilidade é de suma importância para a vida em sociedade.

A filiação é um assunto tratado em Direito de Família. É, de certa forma, delicado e gerador de muitas polêmicas, pois dele suscitam dúvidas e lembranças ou vontades que ficaram em um passado mais remoto ou ansiedades que povoam os dias atuais de muitas pessoas.

Conversar sobre família, pais, irmãos, reuniões familiares é sempre interessante, sendo tais assuntos bem vindos por uns e não colocado muito em ênfase por outros,principalmente nas aulas sobre Direito de Família porque temos a oportunidade de conhecer de forma mais próxima a história de vida de muitos alunos que inevitavelmente encontram um “lugarzinho” em cada tópico abordado pela disciplina em questão.O referido tema aborda filhos advindos do coração,de laços de adoção,de filhos concebidos fora do casamento,de filhos que geram irmandade bilateral,unilateral,enfim são tantas situações comentadas e vivenciadas no cotidiano que conseguimos adequar a teoria com a prática e de forma esclarecedora,motivadora e muito agradável haja vista falar sobre família  é ter a possibilidade de abordá-la em todos os seus aspectos positivos e negativos.São tantas histórias que nos inspiram,alegram e nos motivam,que nos fazem refletir.

Cada pessoa carrega dentro de sí inúmeras alegrias e também frustrações e está sendo perceptível com muita veemência que a verdade real tem prevalecido e muito sobre a verdade biológica nos assuntos que fazem menção à filiação e parentesco.

 O  grau de parentesco para o Direito Civil pode ser compreendido como toda e qualquer relação que gere efeito jurídico, mas que não deve ser confundido com a questão pertinente tão somente à consaguinidade, podendo o mesmo ser natural, civil ou ainda por afinidade.

A adoção  gera parentesco civil, os cônjuges ou conviventes e seus faliliares possuem parentesco por afinidade e os laços de sangue geram o parentesco consanguíneo ou biológico.É importante esclarecer que a adoção extingue os laços biológicos do adotado.

Com base em tantas situações cotidianas alguns questionamentos fazem-se presentes nas aulas de Direito de Família como ser pai, ser mãe, ser apenas genitor (a). Justas são as observações pertinentes, afinal não é de hoje que as pessoas escutam a frase: ‘’Pai e mãe são aqueles que criam”!

A filiação por sua vez ganhou um tópico que honradamente reconheceu que pais e mães  verdadeiramente são aqueles que criam,que educam,que dedicam seu tempo a ensinar,brincar,ouvir,dialogar,dizer “não”,enfim,são aqueles que fazem-se presentes a todos os momentos porque o amor fala mais alto e não a questão consaguínea,afinal cuida-se não só por esse último fator,mas pelo amor,pelo verdadeiro amor,aquele que vem com os dias e as noites,as dormidas e as mal dormidas em virtude de febres, pesadelos,viroses,com as brincadeiras de casinha ou de carrinho,com o abraço apertado no dia do aniversário,da alegria nas noites de natal e nas viradas do ano,nas festas e reuniões escolares,na “chamada de atenção”quando a atitude não foi a melhor e com a paciência de apontar o  caminho certo.

Ser pai e mãe vai muito além de ter o mesmo sangue, de ser apenas genoitor ou genitora em outras palavras, ter apenas simplesmente gerado, contribuído para a concepção. Ser pai e mãe significa, pois, doar tudo de sí, dar a vida, fazer renúncias em prol do melhor para o filho, dedicar-se e crescer profissionalmente estando lado a lado com o filho, acompanhando-o em seu desenvolvimento, amparando-o e orientando- no que for preciso.Ser pai e mãe no verdadeiro sentido é ter vontade e lutar por crescer como pessoa e profissionalmente não por vaidades, mas visando oferecer boas condições de vida para o filho, para que nada lhe falte.

Ser genitor na acepção da palavra significa ter gerado ou ter de forma biológica contribuído para a gestação, mas ser pai e mãe é ser tudo, fazer de tudo para o filho sempre que possível! Filho (s) precisam de afeto e atenção sempre e não de vez em quando.Ser pai, ser mãe é missão, é ensinamento, é conquista, é benção, é doar amor e sentí-lo de forma incondicional.É tirar o pão da boca para ofertar apenas ao filho, quando não for possível dividí-lo.

O Direito de Família já reconhece a multiparentalidade, ou seja, uma pessoa pode ter seu pai biológico e seu pai de coração, podemos exemplificar a relação entre padrasto e enteado (a), sendo que até a referida expressão tem caído em desuso, falando-se, pois, “bondrasto”, pai socioafetivo, pai de coração e ainda “pai postiço”.

O que a lei compreendeu foi que tanto o pai como a mãe biológicos como os socioafetivos e a multiparentalidade são merecedores de reconhecimento e respeito, sem excetuarmos que é direito de todos saber quem é o pai biológico, ter seu sobrenome, contato, convívio.

A figura do pai socioafetivo ou até tempos atrás “padrasto” tem sido cada vez mais comum e frequente na vida de muitas crianças e adolescentes que dizem ter “dois pais”,que os amam e que querem ter o mesmo sobrenome deles também.Dessa forma a legislação manifestou-se no sentido de que pode haver a acréscimo do sobrenome do pai ou mãe socioafetivo no documento daquele que almeja essa situação.Não se fala em hipótese alguma sobre não amar ou desconsiderar o pai ou a mãe biológicos,mas sim de reconhecer o amor daquele que também cria e ama independentemente do fator consanguíneo.

Indubitável é que existem pais biológicos que são maravilhosos como tal:educam, criam, preocupam, são presentes e seria excelente sempre que todos pudessem ter seus “dois pais”, afinal receber amor é algo muitíssimo bom, mas também não podemos deixar de observar a ausência infelizmente de muitos pais biológicos e muito menos deixar de enaltecer aqueles que criam sozinhos e com muita dignidade seus filhos.

Há pais que assumiram o papel de pai e mãe e estão exercendo-o com tal esplendor ocasionando admiração por parte de toda a sociedade.

Não podemos também confundir a adoção com a multiparentalidade por serem institutos diferenciados, no primeiro alguém designado adotante pede em juízo para adotar uma pessoa e consequentemente terá o direito de alterar se quiser o prenome e o sobrenome do adotado que terá consequentemente alterada sua filiação.O filho adotivo tem igualdade de direitos assim como os filhos biológicos, vale ressaltar.A adoção extingue a filiação dos pais biológicos e é ato irrevogável.A socioafetividade não extingue a filiação biológica,reconhece pois a advinda do amor e da criação.Em outras palavras pode-se afirmar que a intenção da socioafetividade é somar e jamais excluir.

A multiparentalidade significa dizer que alguém tem dois pais ou duas mães, é aquela relação que envolve os pais biológicos e os padrastos ou madrastas.O Direito não poderia deixar de reconhecer essa situação e muito menos abster-se de produzir efeitos jurídicos em relação a todos eles.

Atualmente a família tem seus alicerces fixados e inevitavelmente estruturados na relação de afetividade, solidariedade, não havendo a exclusão do vínculo biológico, mas sim amparando o socioafetivo: a multiparentalidade.

A socioafetividade nasce com a aproximação, com a convivência e vai se moldando ao longo do tempo, com o passar dos anos, na confiança que vai se estabelecendo entre as partes em questão e é interessante mencionar que ainda que haja o divórcio dos pais, a socioafetividade também não deve acabar.Estamos tratando de relação estável consolidada entre pessoas que se reconhecem como pai e filho ainda que não tenha havido a contribuição genética nessa situação.

A socioafetividade estabelecida não exclui os direitos e deveres de nenhum dos genitores, como dever de cuidado, de pagar pensão alimentícia, dos direitos sucessórios e outros.

 O procedimento para o reconhecimento da multiparentalidade não é complicado como muitos acreditam:basta que a pessoa menor, acompanhada por seu pai e mãe ou ainda representante legal compareça até o cartório de registro civil,juntamente com o pai ou mãe sociafetivo para que haja legalmente o ato,sendo feito o acréscimo do sobrenome do socioafetivo ao nome do filho em questão.O reconhecimento deve ser voluntário e perante o Oficial do Registro,sendo irrevogável e caso haja a necessidade de desconsiderar,a via judicial deve ser invocada,deve haver diferença de 16 anos entre o pai ou mãe socioafetivo com o filho ou filha a ser reconhecido(a).As pessoas com idade igual ou superior a 18 anos,sendo maiores e capazes podem requerer o reconhecimento da socioafetividade,independentemente do estado civil.

O artigo 11 do provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça, em seus parágrafos 4º e 5º trata da anuência pessoal do filho maior de 12 anos de idade.

É vedado o reconhecimento de irmãos entre sí, da mesma forma no que pertine aos ascendentes, exemplo: uma avó não pode dizer que o neto é seu filho socioafetivo à luz do artigo, parágrafo 3º do provimento em questão.

Pode-se ainda em testamento, que é ato de disposição de última vontade, deixar manuscrito o reconhecimento da socioafetividade seja em um testamento público ou privado.

O provimento número 63 do Conselho Nacional de Justiça, de 17 de novembro de 2017 traz as regras atinentes à emissão de certidões de casamento, nascimento e óbito.

 Se houver suspeita de fraude, má-fé, o Oficial do Registro deverá recusar-se a celebrar o registro e encaminhar o fato ao juiz competente.

A condição da posse do estado de filho deve ser analisada de forma minuciosa pelo Oficial, que deve solicitar duas testemunhas que atestem conhecer o requerente e o filho e a relação afetiva entre eles, além dos documentos exigidos pelo provimento 63 do CN

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 O afeto não nasce com o fato de alguém ser apenas considerado genitor,nasce do genitor que é pai e mãe,do que é pai e mãe sem ter sido genitor.Realmente grande inovação para as relações familiares e em algumas leituras nessa área podemos ainda manifestar-nos no sentido de que a verdade real tem prevalecido sobre a verdade biológica,muitos filhos que sequer conhecem os pais tem buscado o reconhecimento da socioafetividade e não da verdade biológica e outros mesmo com o vínculo com o pai biológico fazem questão de homenagear,de agradecer e acima de tudo reconhecer a socioafetividade.A verdade real acompanha a biológica em casos raros e isso porque muitos casais ainda não entenderam que eles dissolveram a sociedade conjugal,mas não a estabelecida com os filhos.

É comum verificarmos a socioafetividade mais em situações que envolvam pessoas na representação da figura paterna conforme já mencionado outrora.

Alguns princípios como  o da dignidade humana e da afetividade são enaltecidos quando há a manutenção de vínculos chamados de “parentais” e a lei deve sempre fazer valer o direito daqueles que os tem e no caso da socioafetividade, por mérito, amor verdadeiro e dedicação.A socioafetividade ganha muito espaço nas relações familiares e isso é bom para o enaltecimento de sentimentos e formação de vínculos duradouros e positivos.

Não é fácil criar, educar e também não é impossível haver amor nas várias formas de ser pai e mãe.O mérito da maternidade/paternidade é reconhecer que o filho (a) é o motivo pelo qual vivemos e por ele (ela) tudo fazemos, não deixando que os próprios interesses e vaidades prevaleçam sobre as necessidades do filho, que para vivermos é preciso que o filho esteja bem e com saúde.Pai e mãe são aqueles que criam!

 Reconhecimento e gratidão são os sentimentos que mais podem descrever o amor expresso por alguém que enxerga em outra pessoa a segurança, o afeto, a dedicação que só um verdadeiro pai ou mãe poderiam conceder ao (s) filho (s). É nobre toda a pessoa que se amolda ao papel de pai ou mãe socioafetivos, gesto cabível a pessoas detentoras do real significado da palavra amor.

 É o Direito em toda a sua amplitude e na busca pela modernização entendendo e acompanhando as transformações,modificando alguns conceitos que até então eram tradicionalíssimos como aquele que pai e mãe e filho é que formavam família.Hoje por família entendemos mães ou pais solteiros,divorciados ou viúvos que criam seus filhos,por avós que fazem esse papel em relação aos netos ófãos,por pais e mães biológicos e socioafetivos,por pais adotivos,por pais,por mães,independentemente de credo,de orientação sexual ou de estado civil.Todas são merecedoras de destaque,respeito e admiração!

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Sobre a autora
Kelly Moura Oliveira Lisita

Advogada.Membro da Comissão de Direito das Famílias da OAB GO.Docente Universitára nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em EAD.Articulista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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