INTRODUÇÃO
As organizações criminosas conquistaram formação e estrutura empresarial e consequentemente passaram a evoluir sob essa formatação com comando descentralizado, setorização por gerências, supervisão, individualização de funções até o destinatário final, no caso, a sociedade como vítima.
O mundo do crime há muito tempo deixou de ser controlado por ações e grupos isolados para se tornarem verdadeiras organizações comerciais na estrutura da qual atualmente conhecemos como organizações criminosas. Como reflexo de tais estruturas, o gerenciamento dos bens oriundos das práticas criminosas necessita ser aplicado e ao mesmo tempo desviado do caminho das investigações.
Entretanto, a necessidade da movimentação desse dinheiro exige que, de alguma forma, a aparência de legalidade destes bens seja perceptível, por essa razão a técnica usada para tornar valores ou bens ilegais em bens e valores legalizados é a chamada “lavagem de dinheiro”.
O Estado de Direito necessita de meios específicos para repatriar capitais provenientes da Lavagem de Dinheiro, Bens e Valores conquistados por organizações criminosas. Essa pesquisa irá apresentar meios legais para essa repatriação, bem como analisar a possibilidade da aplicação do RERCT – Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária da Lei 13.254/16.
Com os processos em andamento no país, os quais tratam diretamente dos assuntos de lavagem de dinheiro e a consequente repatriação desses bens, este tema ganha notoriedade nos diversos meios de comunicação; porém, é necessário que haja a produção de estudos técnico-científicos para o embasamento e fortalecimento das ciências jurídicas, permitindo que não somente acadêmicos de Direito tenham acesso aos fundamentos de tais ações e resultados, mas toda a comunidade e áreas afins, vez que o entendimento da tratativa nas investigações até a repatriação efetivamente, necessitam de equipes multidisciplinares, mesmo no âmbito do Direito, pelo fato da presente temática atingir vários campos do estudo das ciências jurídicas.
Como objetivo geral, o enfrentamento técnico se faz necessário para, diante de uma realidade social oferecer estudo conclusivo de maneira a desestruturar as “empresas criminosas” que desestabilizam e concorrem com o Estado de Direito, criando um Estado paralelo e despertar a pesquisa como fonte a gerar modificação e atualização legislativa enquanto meio a delimitar a análise tópica elementar ao tema móvel de uma realidade atual e factual onde o tema “organização criminosa” não pode ter um viés meramente formal e legislativo, mas forjado a partir de estrutura acadêmica por núcleo duro de pesquisa progressiva a permitir a ingerência transacional pela expansão por fronteiras para conquista de uma legislação comum e de aplicação interfronteiras.
Já os objetivos específicos buscam determinar os aspectos Constitucionais, a compreensão da evolução do crime, estudar a formação das Organizações Criminosas, delimitar as etapas da Lavagem de dinheiro, Ocultação de Bens e Valores, o enquadramento do crime de evasão de divisas ilícitas e o repatriamento de bens e valores oriundos das organizações criminosas. A pesquisa objetiva ainda demonstrar a necessidade de uma avaliação acadêmica como suporte à legislação transacional como é objetivo do tema.
As fontes consultadas são a legislação brasileira no que concerne ao Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Tributário, Direito Internacional, Direito Econômico, através da lei seca e doutrinas que tratam da conceituação basilar em cada tópico que possibilitem um aprofundamento e conhecimento mais amplo sobre as normas que regulamentam o presente tema com a pesquisa empírica, legislativa, estudo de casos dentro de cada item, através de consultas a bibliotecas, internet, jurisprudências na pesquisa jurídico-teórica.
O tema escolhido apresenta uma realidade que com relevante frequência envolve a justiça brasileira, no entanto, as produções literárias de materiais de estudo ainda são mais voltadas para a criminalização dos envolvidos e pouco se aborda sobre o tema proposto.
O fortalecimento na estrutura do crime organizado em forma de pirâmide e empresarial exige um estudo acadêmico preparatório para base de modificações legislativas e universais sem ofensa à soberania nacional, mas também com interações por tratados e convenções para o repatriamento de capitais, valores e bens com metas para a sua destinação e efetivação como garantia ao Estado Democrático de Direito.
Como resultado desta pesquisa, o interesse é contribuir com a produção de materiais que possam enriquecer e solidificar o conhecimento nas áreas de estudo propostas nesse trabalho, contribuindo de maneira significativa para a construção de saberes científicos das ciências jurídicas.
1 A IMPORTÂNCIA DA VISÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL
O tema da presente pesquuisa surge como importante ferramenta para a compreensão da atual situação que o país vive, na luta contra a perpetuação das chamadas organizações criminosas. Para tanto, a necessidade da compreensão dos elementos que envolvem não apenas as fases do processo, mas toda a análise constitucional acerca do assunto torna-se fundamental, uma vez que o desenrolar das investigações e a criminalização das organizações tem como escopo não somente a repatriação dos valores e bens que foram lavados e mandados ao exterior, mas também, a tributação sobre esses valores repatriados, como forma de restauração e manutenção da ordem econômica do Estado.
Assim, há a necessidade de se percorrer no desenvolvimento de todo o processo, os princípios constitucionais, aqueles que se mostram mais relevantes dentro da temática a ser estudada no contexto do tema escolhido. Isso não exclui ou mesmo se pretende colocar os outros princípios como de somenos importância, ao contrário, percebe-se que praticamente todos os princípios constitucionais são possíveis de serem abarcados dentro da temática, todavia, se destacam: Princípio da Igualdade, da Inviolabilidade da Vida Privada, Princípio do Contraditório da Ampla Defesa e do Devido Processo Legal, Princípio do Juiz Natural, Princípio da Anterioridade da Lei Penal, Princípio da Individualização da Pena, Princípio da Vedação de Provas contra si mesmo, Princípio de Vedação do “bis in idem”; outros princípios constitucionais possuem tanta importância quanto os que aqui se mencionam; entretanto, para que não se incorra em texto demasiado prolixo, os princípios constitucionais aqui elencados foram escolhidos exatamente por nortearem de maneira mais delineada a questão da repatriação de capitais provenientes da lavagem de dinheiro e ocultação de bens e valores por organizações criminosas.
O Poder Constituinte Originário ao promulgar a Constituição Federal do Brasil em 1988, em seu preâmbulo declarou:
[…] instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional […] (grifos nossos)
O comprometimento do Brasil com a ordem jurídica internacional possibilita que as ações de combate ao crime de lavagem de dinheiro perpetrados pelas organizações criminosas, sejam objetos de investigação transnacional e assim, localizados os ativos pertencentes aos membros das organizações criminosas, tais participações devem ser punidas, conforme preleciona AMBOS (2007, p. 17) à respeito dos precedentes do Direito Penal Internacional sobre Lavagem de Dinheiro:
[...] pode-se distinguir três tipos penais básicos de lavagem de dinheiro:
- A conversão ou transferência dos objetos patrimoniais produzidos ilegalmente (property) com uma determinada finalidade (tipo penal de intenção);
- A ocultação ou encobrimento da verdadeira natureza, da origem, da disposição disso, dos direitos sobre isso, etc (tipo penal de ocultação);
- A aquisição, posse ou o uso de tais objetos patrimoniais condicionados aos princípios constitucionais nacionais e às características principais da ordem jurídica (tipo penal de aquisição ou posse).
Qualquer participação em um destes tipos penais fundamentais, inclusive a união ou conspiração (conspiracy) para a perpetração, assim como a tentativa, deve ser punida. [...]
Temos assim que, a busca pela manutenção e restauração da ordem econômica, projeta-se diretamente ao patamar de Direito Fundamental, pois, a saúde econômica do Estado é que possibilita a efetividade do cumprimento dos direitos e garantias fundamentais inerentes ao Estado Democrático de Direito, daí a importância das ações de combate aos crimes perpetrados por tais organizações.
Conforme preleciona Prado (2007; p. 39) acerca da ordem econômica na Constituição Federal, resta clara a necessidade da compreensão do tema sob o aspecto dos princípios constitucionais, pois:
A ordem econômica e financeira vem disciplinada de forma minudente no texto constitucional (arts. 170 a 181, CF), formando parte da denominada Constituição Econômica, como marco jurídico para a ordem e o processo econômico, em que se encontram ancorados os pressupostos constitucionais dos bens jurídicos que devem ser protegidos pela lei penal.
Essas breves considerações são necessárias para que ao analisar os princípios constitucionais, mais especificamente, os princípios elencados no Artigo 5º da Constituição Federal concernentes ao tema, o entendimento e percepção de que muitos dos princípios constitucionais se complementam e interagem com os princípios internacionais que permeiam a noção do Estado Democrático de Direito e assim haja maior compreensão diante dos assuntos tratados nesse estudo.
Mas para que servem os princípios constitucionais?
Eduardo de Azevedo Paiva, na obra Curso de Constitucional – Normatividade Jurídica – Série Aperfeiçoamento de Magistrados, traz a lição da importância dos princípios constitucionais nas seguintes palavras:
Os princípios constitucionais espelham categoria diversa e, repita-se, não podem ser confundidos com os princípios que se prestam ao suprimento de omissões do legislador como derradeira fórmula. É que os princípios constitucionais possuem força vinculante e são na verdade o início, o ponto de partida de qualquer atividade judicante, seja de interpretação, integração ou de aplicação da lei. São de observância necessária e obrigatória em qualquer situação, sob pena de invalidade por vício de inconstitucionalidade. E, antes de mais nada, devem informar a própria atividade legislativa, bem como a atuação de todos os entes estatais. (p. 52).
Com a Emenda Constitucional 45/2004, foi acrescido ao texto constitucional no Artigo 5º os §3º e 4º, dando equivalência de Emenda Constitucional os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos e tenham sido aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, por três quintos dos votos dos respectivos membros e a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, respectivamente. Desta forma, os princípios constitucionais trazem consigo além da força normativa interna, a vinculação aos tratados de Direitos Humanos, que devem ser observados, inclusive, nos processos que versem sobre o tema da presente pesquisa.
2 Formação Histórica das organizações criminosas
A compreensão acerca da temática ora estudada necessita que haja um relato, ainda que breve, sobre a formação das organizações criminosas para que, então, se possa vislumbrar com maior propriedade, o alcance de suas ações e a importância dos esforços no combate a sua perpetuação.
Segundo Marcio Sergio Christino, na obra A Máfia (2016), pode-se estabelecer como marco das ações dos grupos mafiosos, a morte de Emanuele Nortarbartolo de San Giovani, ex presidente da Câmara de Palermo e ex diretor geral do Banco da Sicília, sinalizando assim, que a mão da máfia alcança a tudo e a todos, em 1º de fevereiro de 1893. Ainda segundo Christino, não se trata, todavia, do início da máfia Cosa Nostra, mas sim, de seu amadurecimento e perpetuação na história.
Por certo, quando se trata do tema organizações criminosas, não somente se refere às organizações oriundas da Itália (tais como a Cosa Nostra, N´drangueta e Camorra), pois bem se conhecem histórias das máfias japonesa (Yakuza), Tríade (Chinesa) e da máfia Russa. Entretanto, partimos do estudo do “modus operandi” das máfias italianas a fim de compreender a relação destas com a formação das organizações criminosas no Brasil a partir do século XX.
2.1 A chegada da máfia no continente americano
Segundo DEL ROIO (1993, p.26), o termo “máfia” tem origem desconhecida, embora muitos autores tragam diversas versões sobre o real significado, porém a maioria dos estudiosos atribua sua origem ao povo árabe, mesmo que a referência à palavra máfia traz instantaneamente à ideia as organizações criminosas italianas, ideia, inclusive, muito difundida pelos vários meios de comunicação e cultura, como nos filmes sobre máfia que eternizou a figura de Don Vito Corleone na obra “O Poderoso Chefão”, interpretado pelos atores Marlon Brando e Al Pacino:
Uma das mais aceitas deriva do substantivo maha, ou seja, pedreira, lugar onde – já no tempo da ocupação sarracena (sécs. VIII – XI) – se refugiavam, perseguidos pelos mais variados motivos. Autores românticos propõem que a origem advém do grito de guerra dos conjurados contra a ocupação normanda (francesa). Estes dominaram a Sicília entre 1072 a 1282, quando foram expulsos na sublevação conhecida como vesprisiciliani, durante a qual os autóctones usavam o lema “Morte Alla Francia, Itália Anela”. Ou seja, “Morte à França, a Itália Almeja”, cujas iniciais formam a palavra Máfia.
Nos dias atuais, é comum verificarmos o uso deste termo como sinônimo às organizações criminosas de maneira abrangente; porém, esse termo, especificamente, traz a referência às organizações criminosas da Itália, pelas razões supracitadas.
Ainda segundo o mesmo autor, entre os anos de 1876 a 1973, grande parcela da população italiana imigrou para a América, algo em torno de 25 milhões de pessoas, sendo que somente 5 milhões retornou à Itália.
A maioria dos italianos que imigraram rumo aos Estados Unidos, pertenciam à região da Sicília, sendo maioria homens jovens e fortes que formaram a força de trabalho principalmente na construção civil e nos serviços de limpeza urbana; já os italianos que imigraram rumo ao Brasil provinham da região de Vêneto e vieram acompanhados de toda a família, pois eram trabalhadores rurais e assim, poderiam explorar culturas agrícolas, como o café, por exemplo. Mesmo porque, a intenção dos grandes donos de terras do Brasil era “embranquecer” a população brasileira.
Como a maioria dos jovens que foram para os Estados Unidos encontraram uma situação não muito favorável para sua sobrevivência em solo americano em função, principalmente do preconceito que sofriam por parte de outros povos (irlandeses, alemães, etc), a saída que alguns desses jovens encontraram para reverter a situação foi a de se utilizar dos conhecimentos dos métodos empregados pela Máfia no intuito de se sobressaírem perante as situações que até então lhes eram desfavoráveis.
Basicamente: a opressão ao próprio povo como forma de demonstrar a necessidade de proteção e assim receberem um pagamento como forma de garantir essa segurança; fortalecidos, passam então, a desenvolver novas atividades, sendo a maior parte delas ilegais, tais como: salas de jogos, prostituição e o controle das bebidas alcoólicas, já que o governo americano havia proibido o comércio – a chamada lei seca – e posteriormente, contando com altas somas de dinheiro e poder estabelecido, passaram a influir na vida política do país.
Na década de 30, ganha destaque no meio mafioso a figura de Salvatore Lucania, popularmente conhecido como Luck Luciano, que apesar da condenação que tinha, firmou um acordo com o governo americano através do serviço secreto, para que este fornecesse informações ao governo sobre espiões nazifascisctas que chegassem aos portos. Assim, a Cosa Nostra (nome de uma das principais máfias italiana) passava, enfim, a estabelecer o seu império fora da Itália.
Esta parceria permitiu que a máfia se infiltrasse cada vez mais nos mais diversos segmentos (inclusive nos partidos políticos) firmando assim seu poderio, já que entre outras mercadorias, nas décadas de 1970 e 1980, contando com o fato de a máfia dispor de altas somas de valores, passaram a investir maciçamente no tráfico de armas e drogas.
Nessa fase, a corrupção na Itália assolava sobremaneira toda sociedade. Nos idos da década de 90, um político por nome Mario Chiesa viria a protagonizar o que foi batizado de operação Mani-pulite ou Mãos Limpas; talvez tenha recebido este nome pelo fato que ao exigir o pagamento mensal de propina de milhões de liras de um pequeno empresário do segmento de limpeza para que este pudesse seguir com o de fornecimento de serviços para a prefeitura, este delatou o esquema para o Juiz Antonio Di Pietro, que autorizou então um flagrante esperado a Mario Chiesa e, uma vez que o partido simplesmente o ignorou durante sua prisão preventiva, após trinta dias– e até então não havia feito nenhuma declaração sobre as circunstâncias do flagrante – optou por entregar todo o esquema, naquilo que hoje se chama por delação premiada, tecnicamente, colaboração premiada, conforme dispõe o artigo 4º da Lei 12.850/13 – Lei das Organizações Criminosas.
Foi com base na operação Mãos Limpas que o juiz Sérgio Moro iniciou a operação denominada Lava-Jato.
2.2 A globalização e a expansão dos negócios das organizações criminosas
Embora o processo de globalização da máfia tenha seu início antes da década de 90, é inegável que ao se falar da globalização como um fenômeno de impulsionamento das transações entre países contando com a junção de países em blocos econômicos e o apoio incomensurável da rede mundial de computadores, as máfias e as organizações criminosas se reinventaram e, com isso, as transações financeiras, absurdamente volumosas, permite que as atividades ilícitas ganhem novos horizontes, pois a lavagem de dinheiro se torna, em termos, mais fácil, conforme:
O que não sabemos muito bem é o tamanho da riqueza que a globalização trouxe para os criminosos. O mundo interconectado abriu novos horizontes ao comércio ilícito. E o que os traficantes, contrabandistas e seus cúmplices encontram nesses horizontes não é somente dinheiro, mas também poder político. (BARROS, 2007, p. 36).
Na obra O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) – Organizações internacionais e crime transnacional, o autor Luiz Maria Pio Corrêa demonstra que
Do final do século XIX até a década de 1950, foram assinadas as primeiras convenções internacionais voltadas ao combate ao tráfico de escravos, pessoas e drogas, à produção de moedas falsas, ao terrorismo e à pirataria. Entre as décadas de 1960 e 1980, “acentuaram-se os esforços de definição e persecução criminal de atividades” relacionadas à primeira categoria de crimes internacionais, com a assinatura, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), de convenções sobre tráfico de drogas (1961, 1971, 1988) e sobre distintos atos terroristas.
Com isso, fica evidente então que a globalização enquanto fenômeno que buscou aproximar os mercados financeiros e econômicos dos países, permitindo que houvesse por acordos e tratados uma maior flexibilização da circulação das mais diversas mercadorias, o crime organizado também se atualiza e reinventa, ao perceber as possibilidades não só de aumentar consideravelmente seus lucros e conquistar novos mercados, como também, vislumbra-se a maior facilidade de se desviar grandes valores das investigações.
Surge então, o que a doutrina costumeiramente denomina como Internacionalização do Direito Penal, ou seja:
[…] ocorre pela adoção de instrumentos internacionais de diferentes naturezas e alcance, que visam introduzir, nos distintos direitos nacionais, dispositivos comuns, necessários ao enfrentamento de crimes de natureza transnacional. A maior aproximação jurídica entre os Estados, decorrente da adoção de instrumentos comuns, é também indispensável à cooperação jurídica internacional. (CORRÊA, 2013, p. 23)
Assim, pelo fenômeno da globalização, a prática de se desviar as altas somatórias, produtos das atividades ilícitas, conhecida como lavagem de dinheiro, ganha, nas transações online, uma nova e poderosa ferramenta para o disfarce desses valores, dando a aparência de legalidade ao ilegal.
Porém, a técnica da lavagem de dinheiro não é algo novo, pelo contrário: sua história remonta aos idos da década de 1930, quando a máfia italiana dominava todo o comércio ilegal de bebidas nos Estados Unidos, e se viram ante a necessidade de que de alguma forma, todo o dinheiro arrecadado necessitava de uma origem com toda a aparência de legalidade, para que então se pudesse investir e aumentar cada vez mais o poder estrutural da máfia; assim, durante as décadas de 1920 e 1930, a máfia adquire lavanderias de roupas (daí o termo Money laudering), a fim de mesclar com o dinheiro lícito provenientes da atividade lícita de lavanderia com os valores ilícitos.
Até então, os governos (não somente o americano) não faziam controle sobre a circulação em quantidade pelas contas de seus correntistas. Entretanto, na década de 1970, no esforço de se descobrir esse tipo de fraude, o governo norte americano editou uma lei tornando obrigatória a identificação pessoal dos depósitos em montantes superiores a 10 mil dólares. Por óbvio, a máfia continuou a efetuar os depósitos de seus valores, porém, limitando-se a 9.999,00 dólares.
A lavagem de dinheiro não significa a lavagem em sua literalidade; conforme ensina Marco Antonio de Barros na obra Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas 2013, quanto à lavagem de dinheiro:
[…] costuma-se dizer que há três tipos de dinheiro fora do País: um é o dinheiro quente, que possui origem regular comprovada; outro é o dinheiro frio, não declarado ao governo, visto que sonegado geralmente em caixa 2 das empresas; e o terceiro é o chamado dinheiro sujo, cuja origem corresponde ao produto de ilícito penal.
Essas breves considerações são necessárias para que ao adentrarmos na questão do repatriamento desses valores, esteja clara a diferenciação entre as espécies de dinheiro, e assim haja maior compreensão da temática.
O processo de lavagem de dinheiro carrega em si a tarefa de dar a aparência de legalidade ao dinheiro ilegal, ou seja, ao dinheiro que tem a sua origem em atividades criminosas. Para tanto, há um circuito em que o dinheiro sujo deve circular até que esteja apto a ser incorporado ao patrimônio da organização criminosa, sem rastros; tais fases compreendem: a) a colocação (também chamada de ocultação), onde se utilizam bancos de crédito, paraísos fiscais, aquisição de joias, obras de arte; b) dissimulação (processo de lavagem): o caminho em que se disfarça o percurso dos ativos provenientes do crime antecedente, e assim, se consegue camuflar a origem; c) integração: fase que corresponde à finalização da lavagem do dinheiro.
Segundo PRADO (2007), quando estabelece de forma sintética o conceito de lavagem de dinheiro, cita o autor que
Ainda que o conceito de lavagem de capitais apresente inúmeras vertentes, costuma ser entendido como o processo ou conjunto de operações mediante o qual os bens ou dinheiro resultantes de atividades delitivas, ocultando tal procedência, são integrados no sistema econômico e financeiro.
Por essa razão, a Convenção de Viena deve ser considerada um marco no Direito Internacional, pois nela se busca a união dos países em esforço conjunto no combate aos delitos praticados pelas organizações criminosas.
Conforme CORREA (2013), a Convenção de Viena é fundamental, pois:
Em seu preâmbulo, a Convenção indica a intenção de lançar as bases jurídicas necessárias ao combate à lavagem de dinheiro, como se observa na menção aos “consideráveis rendimentos financeiros” e às “grandes fortunas que permitem às organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas da administração pública, as atividades comerciais e financeiras lícitas e as pessoas dedicadas ao tráfico ilícito do produtos de suas atividades criminosas e eliminar, assim, o principal incentivo a essa atividade”. Em outro trecho, reconhece a “responsabilidade coletiva” dos Estados e destaca a “importância de fortalecer e intensificar os meios jurídicos efetivos para a cooperação internacional em matéria penal”.
O Brasil editou a Lei 9.613/98 – Lei da Lavagem de Dinheiro posteriormente atualizada pela Lei 12.683/12, a qual além de revogar o art. 3º, trouxe mudanças essenciais, dentre elas, logo no artigo 1º que na lei 9613/98 fazia menção dos atos que fossem decorrentes de crime e elencava especificamente à quais crimes se referiam, para, na lei 12.683/12 trazer expresso atos que sejam decorrentes de infração penal, trazendo então um rol taxativo para um rol exemplificativo, mantendo, contudo, a mesma pena, mesmo que os atos a princípio sejam elencados como contravenção penal.
Nesta mesma lei foi criado o Conselho de Controle de Atividades Financeira (COAF) que detém, entre outras responsabilidades, conforme dispõe o artigo 14, identificar as ocorrências de atividades ilícitas previstas na lei de lavagem de dinheiro, além de coordenar e cooperar em mecanismos de troca de informações visando o pronto combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.
A edição desta lei contemplando a criação de um conselho especializado permite, então, que as atividades econômicas transacionadas no Brasil, possam ter maior rigidez e sejam monitoradas, a fim de inibir, privar que as pessoas envolvidas nas atividades da máfia e/ou organizações criminosas possam exaurir os crimes e usufruir dos valores resultantes das atividades ilícitas por eles desenvolvidas, desequilibrando, inclusive, a ordem social e econômica do Estado brasileiro.
2.3 A Organização Criminosa no Ordenamento Jurídico Brasileiro
O artigo 2º da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Protocolo de Palermo), promulgada pelo Decreto nº 5.015/04, define grupo criminoso organizado como o “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
O Código Penal Brasileiro em seu artigo 288, com redação dada pela Lei 12.850/13 traz a definição da associação criminosa de três ou mais pessoas com finalidade específica o cometimento de crimes, diferente da redação anterior dada pela Lei 9034/95 que trazia como sinônimos quadrilha ou bando à organização criminosa, pois esta não estabelecia critérios de diferenciação.
Entretanto, a Lei 12.850/13 – Lei das Organizações Criminosas dispõe, em seu artigo 1º, § 1º, uma maior especificidade e detalhamento das condutas que determinam a constituição e consideração de uma organização criminosa, ainda consonante com o Protocolo de Palermo, todavia, mais restritiva; não se trata, porém, de uma aparente dicotomia, ao contrário: sendo o legislador mais específico no conceito de organização criminosa, permite ao sistema criminal, como um todo, estabelecer os critérios para as ações de investigação e processo, de maneira a se separar os chamados criminosos comuns daqueles que integram organização criminosa, in verbis:
§ 1º- Considera-se organização criminosa a associação de 04 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (grifos nossos).
Conforme FERNANDES apud SILVA, Organizações Criminosas: Aspectos Penais e Processuais da Lei Nº 12.850/13, tratando sobre a conceituação de organização criminosa
Assim, ao limitar a definição de organização criminosa, o legislador equiparou o tratamento de quadrilhas que praticam pequenos ou médios crimes (furto e receptação de toca-fitas, roubo e receptação de relógios) a grandes organizações que se dedicam ao crime organizado (tráfico ilícito substâncias de entorpecentes e de armas, grandes fraudes fiscais), em frontal contradição com a tendência contemporânea de separar as diversas modalidades de crimes.
A estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas de que trata a Lei das Organizações criminosas pode ser percebida ao se observar a estrutura das organizações criminosas existentes no país; como exemplo, a operação ETHOS desencadeada por investigações do Ministério Público Estadual de São Paulo, no ano de 2015, permitiu a compreensão da complexidade dessa estrutura organizacional existente nas organizações criminosas, a setorização das atividades, atribuição de cargos e responsabilidades, e, se não fosse pela prática de crimes, poderia se estabelecer uma relação de emprego dadas as características existentes entre as atividades executadas em empresa regularmente constituída e as atividades nessas organizações: subordinação, hierarquia, habitualidade, onerosidade e pessoalidade, exatamente como demandam a organização empresarial.
Assim, percebe-se que a necessidade da constante atualização do ordenamento jurídico é indispensável, para que os esforços de combate ao crime organizado encontrem o amparo legal.
Por certo, é justo que o legislador faça a diferenciação para os incursos em crimes que apesar da gravidade em abstrato, esses elementos não integrem força de trabalho de organizações criminosas àqueles que, mesmo incorrendo em contravenção penal, pelo transcorrer das investigações, se verifique ser membro de tais organizações.
A Lei 11.343/06 – Lei de Drogas, no § 4º do artigo 33, prevê que para os delitos praticados constantes do caput do artigo, a pena poderá ser reduzida de um sexto a dois terços, caso a pessoa não integre organização criminosa: logo, se depreende o fato que, ao pertencer a uma organização criminosa, há razão e causa de aumento de pena.
2.4 O instituto da Delação Premiada ou colaboração premiada
A colaboração premiada (gênero), popularmente tratado pelos meios de imprensa no país como delação premiada (espécie, pois na colaboração premiada, a delação é apenas uma das maneiras de colaboração e para que haja a homologação do acordo, o colaborador deve, além de confessar a sua participação na organização, revelar os demais integrantes, a estrutura hierárquica e a divisão das tarefas, o modo como se procede à lavagem de dinheiro, entre outros), tem previsão legal no artigo 4º da Lei 12.850/13 – Lei das Organizações Criminosas, a qual permite que o juiz aplique desde uma redução em até dois terços do cômputo da pena privativa de liberdade, bem como a sua substituição por pena restritiva de direitos ou mesmo a concessão do perdão judicial, mas não por uma benesse do magistrado e sim, como uma espécie de incentivo à colaboração das investigações, desde que das informações prestadas surjam provas contundentes daquilo que está sendo investigado; dispõe o Artigo 4º, § 1º:
§ 1º - Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. (grifos nossos)
O conceito dado por SILVA, Eduardo Araujo da, Organizações Criminosas: Aspectos Penais e Processuais da Lei Nº 12.850/13 no capítulo que trata objetivamente da colaboração premiada traduz
A colaboração premiada, também denominada de cooperação processual (processo cooperativo), ocorre quando o acusado, ainda na fase de investigação criminal, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infrações venham a se consumar (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia na sua atividade de recolher provas contra os demais coautores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva). Incide, portanto, sobre o desenvolvimento das investigações e o resultado do processo.
Tal circunstância denota que, a concessão dos benefícios da colaboração não decorre automaticamente da delação, ao contrário, o texto expressa a necessidade de que tal colaboração seja eficaz para a condução das investigações.
Tanto o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a devida manifestação do Ministério Público, como o próprio MP no transcorrer do processo, poderá apresentar ao juiz, com as devidas formalidades processuais exigidas, o pedido de concessão de perdão judicial, mesmo que num primeiro momento isso não tenha sido cogitado quando da proposta do instituto da colaboração premiada.
Não há a obrigatoriedade de o Ministério Público oferecer a denúncia, assim como não há a obrigatoriedade do juiz homologar o acordo. Porém, uma vez que o juízo proceda à homologação deste acordo, as informações prestadas pelo réu colaborador não poderão fundamentar, unicamente, a sentença condenatória, conforme dispõe o artigo 4º, § 16: “§ 16 – Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. (grifos nossos).
É cediço que, a colaboração premiada não acontece por ser o réu consciente de sua má conduta e movido por um sentimento de dever ético, colabora com as investigações: por certo, se não houvesse alguma contrapartida, o sistema criminal não poderia se valer desta importante ferramenta para o curso da persecução criminal.
Todo o processo de colaboração premiada, desde o acordo até a homologação, em conformidade com o texto da lei, só terá acesso aos autos o juiz, o Ministério Público, o delegado e o defensor, ou seja, corre sob sigilo, deixando o mesmo de ser sigiloso assim que o juiz recebe a denúncia.
3 Repatrição de capitais e a tributação sobre bens e valores oriundos das atividades das organizações criminosas
Para a abordagem pretendida neste capítulo se fazer de forma clara, é necessário que primeiramente, se traga a conceituação de elementos básicos do Direito Tributário, bem como seus princípios, para que, então, se possa vislumbrar de maneira mais pontual a importância do estudo desta temática.
De pronto, se pode mencionar que não há ainda um consenso entre os doutrinadores no Direito Tributário acerca da tributação sobre capital ilícito; todavia, com os processos em andamento no sistema judiciário oriundos de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e afins, desperta, invariavelmente os questionamentos que embasaram a proposta do presente trabalho.
3.1 Porque o Estado tributa?
Se, para que haja a subsistência de uma família é necessária a auferição de renda para as atividades mercantis inerentes à vida cotidiana (compra e venda), também o Estado necessita que haja em seus cofres (Erário) a entrada de valores para a subsistência deste; uma vez que é vedado ao Estado, por força do artigo 173 e seguintes da Constituição Federal, o exercício de atividades econômicas, ressalvadas aquelas em que sejam de competência exclusiva, a entrada de tais valores sujeitará, de maneira obrigatória (compulsória) aos cidadãos em forma de tributos.
Assim, em apertada síntese, o Estado institui os tributos para que haja formas de garantir o próprio sustento financeiro.
Ruy Barbosa Nogueira apud Sabbag ensina que “o direito de tributar do Estado decorre do seu poder de império pelo qual pode fazer derivar para seus cofres uma parcela do patrimônio das pessoas sujeitas à sua jurisdição e que são chamadas receitas derivadas ou tributos”.
A definição legal para o conceito de tributo encontra-se na Lei 4.320/64 em seu artigo 9º, conforme:
Art. 9º - Tributo é a receita derivada, instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições, nos termos da Constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades. (grifos nossos)
Também se verifica como conceito legal de tributo a redação dada pelo Código Tributário Nacional em seu artigo 3º, conforme:
Art. 3º - Tributo é toda a prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (grifos nossos)
Importante salientar que a lei especifica o tributo como sendo produto de receita derivada e não originária; ainda nas lições de SABBAG, Manual de Direito Tributário, têm-se a seguinte definição:
As receitas derivadas agrupam, pois, os rendimentos do setor público que procedem do setor privado da economia, por meio de prestações pecuniárias compulsórias – quase sempre, na forma de tributos -, derivadas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que desenvolvam atividades econômicas.
O Código Tributário Nacional acrescenta ainda em seu artigo 4º que a natureza jurídica do tributo será em si considerada de acordo com o fato gerador da respectiva obrigação. Isso significa dizer que, havendo o fator gerador (o qual estudaremos mais detidamente), nasce a obrigação do recolhimento do respectivo tributo.
Por certo, é imperiosa a observância dos princípios que regem o Direito Tributário: certamente, expressar que pelo simples fato de se realizar o fato gerador nasce a obrigação do respectivo tributo, implicitamente, se depreende a observância do princípio da legalidade tributária constante do artigo 150, I da CF/88 e o princípio da anterioridade tributária constante do inciso III “b” e “c” do mesmo artigo, ou seja, conforme a própria redação do artigo 3º do CTN ao redigir a expressão instituída em lei, se entende que, para que haja o tributo à partir do fato gerador, é necessário que haja, antes de tudo, a previsão legal, ou ainda, dada a sua especificidade, observar-se-á o princípio da estrita legalidade.
Por essa razão, a Constituição Federal ao tratar do Sistema Tributário Nacional, estabelece limites ao poder de tributar.
3.2 Fato Gerador e as atividades ilícitas
Vários autores têm se debruçado nas explicativas sobre o que é o fato gerador e o momento em que ocorre; nas lições de HARADA, Direito Financeiro e Tributário, encontramos a seguinte definição:
Costuma-se definir o fato gerador como uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação tributária. Logo, essa expressão fato gerador pode ser entendida em dois planos: no plano abstrato da norma descritiva do ato ou do fato e no plano da concretização daquele ato ou fato descritos.
Essa expressão, fato gerador, empregada pelo CTN tem merecido violentas críticas por certos setores da doutrina, sob a alegação de que nada gera, a não ser confusão na mente dos juristas. Por isso preferem a expressão hipótese de incidência ou hipótese tributária para designar a descrição legislativa de um fato, e a expressão fato imponível ou fato jurídico-tributário ou ainda hipótese de incidência realizada, para designar aquele fato concreto, localizado no tempo e no espaço.
Já CARVALHO, Curso de Direito Tributário, tece considerável crítica a tais nomenclaturas, expondo
Contra essa verdade, penetrada de indestrutível convicção científica, conspiram certos magistérios ao admitirem a procedência das críticas aduzidas, porém justificando a continuidade do emprego da expressão, com o simplório argumento de que, apesar disso, como é a fórmula escolhida pelo legislador, vamos persistir no seu uso. […] nessa linha de raciocínio, jamais apreenderemos aquilo que subjaz à letra despretensiosa que o legislador normatiza a conduta humana, prescrevendo direitos subjetivos e deveres correlatos.
Assim, escolhe Paulo de Barros Carvalho, usar as terminologias na linguagem prescritiva geral e abstrata (hipótese tributária) e sua projeção factual (fato jurídico-tributário).
Logo, depreendemos de maneira mais didática, tratar-se de fato gerador ou hipótese de incidência, as atividades às quais o legislador prevê ser o início do direito do Estado de tributar à partir das atividades descritas (ainda em abstrato) e a hipótese de incidência realizada, o momento em que efetivamente os atos constituem a realidade factual, ensejando assim, o fato jurídico-tributário, ao qual se concretiza a hipótese de incidência.
O artigo 114 e seguintes do CTN tratam especificamente do fato gerador: este pode se dar tanto com relação à obrigação principal como na obrigação acessória. Porém, importa-nos a observação mais detida sobre o artigo 118, no qual lemos:
Art. 118 – A definição legal do fato gerador é interpretada, abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. (grifos nossos)
Em tese, para que haja a hipótese de incidência, faz-se necessário que o fato jurídico-tributário esteja relacionado à atividade lícita, que o negócio jurídico tenha satisfeito todos os seus pressupostos. Sendo assim, não se poderia falar em tributação quando a hipótese de incidência ou o fato jurídico-tributário estiver fundado em atividades ilícitas, ou seus objetos sejam ilícitos.
Não há um consenso doutrinário sobre a tributação de atividades ilícitas; hipoteticamente, afirmar a possibilidade de se tributar sobre atividade ilícita (como tráfico de drogas, por exemplo), estaria o Estado dando legalidade aos atos ilícitos oriundos desta atividade defesa por lei, conforme sustenta SABBAG, Manual de Direito Tributário:
[…] a incidência do tributo nas atividades ilícitas provocará uma antinomia com o art. 3º do CTN, segundo o qual “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Já, no entendimento de MINARDI, Manual do Direito Tributário, a tributação sobre atividade ilícita é perfeitamente possível, pois não se trata de eleger como hipótese de incidência tributária uma conduta ilícita; Paulsem apud Minardi assim descreve:
O tributo não é sanção de ato ilícito e, portanto, não poderá o legislador colocar, abstratamente, o ilícito como gerador de uma obrigação tributária, ou dimensionar o montante devido como critério à ilicitude (e.g definir alíquota maior para o IR relativamente à renda advinda do jogo do bicho). Entretanto, a ilicitude subjacente é irrelevante. A aquisição de renda e a promoção da circulação de mercadorias e.g. são abstratamente consideradas, fatos lícitos e passíveis de serem tributados. Se a renda foi adquirida de modo ilegal ou se a mercadoria não poderia ter sido vendida no País, são fatos que desbordam na questão tributária, são ilicitudes subjacentes que não afastam a tributação.
A tributação dos atos ilícitos se justificaria pela chamada Cláusula Tributária “non olet”, que segundo historiadores, trata-se de um Princípio que teve sua origem na Roma Antiga, quando o então imperador romano Vespasiano instituiu a cobrança pelo uso dos banheiros públicos. Seu filho Tito, contrário à essa cobrança, argumentava pela origem suja deste dinheiro. O imperador, diante disso, pegou uma moeda, aproximou-se de seu filho e perguntou: olet? (tem cheiro?) Ao que Tito, então, respondeu: “non olet”! (não tem cheiro!).
Este conceito foi trazido pelos juristas Otmar Buhler e Albert Hensel.
Na ata dos trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, cuja relatoria ficou a cargo de Rubens Gomes de Souza, na descrição de MARTINS, A Tributação do Ilícito – Limites à Aplicação do Princípio do Non Olet, encontramos:
[…] como decorrência natural da regra básica de interpretação econômica dos fatos geradores posta no artigo 84 do projeto do CTN, revela-se a preocupação quanto à tributação do ilícito, como se via na redação então proposta ao subsequente artigo 85, senão vejamos: Art. 84. Na conceituação de determinado ato, fato ou situação jurídica, para efeito de verificar se configura ou não o fato gerador e de definir alíquota aplicável, ter-se-á diretamente em vista o seu resultado efetivo, ainda que não corresponda ao normal em razão da sua natureza jurídica, com o objetivo de que resultados idênticos ou equivalentes corresponda tratamento tributário igual. […] Art. 85. A circunstância dos negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados serem inexistentes, nulos ou anuláveis, ou terem objeto impossível, ilegal, ilícito ou imoral não exclui, modifica ou difere a tributação, desde que os seus resultados efetivos sejam idênticos aos normalmente decorrentes do estado de fato ou situação jurídica que constitui o fato gerador da obrigação tributária principal […]
Desta forma, pode-se perceber que a temática sobre tributação sobre ilícito, apesar de ser um assunto novamente em pauta por conta dos processos que atualmente tramitam no Poder Judiciário nacional, de longa data se discute sobre sua viabilidade jurídica ou não, inclusive, à época da promulgação do Código Tributário Nacional, discutia-se sobre a tributação irrestrita das atividades ilícitas.
O Instituto dos Auditores Fiscais manifesta-se pela legalidade, viabilidade da tributação sobre o ilícito, embasando-se, sobretudo, nas palavras de Aliomar Baleeiro ao comentar o artigo 118 do CTN, in verbis:
A validade, invalidade, nulidade, anulabilidade ou mesmo a anulação já decretada do ato jurídico são irrelevantes para o Direito Tributário. Praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei tributária prescreve como fato gerador, está nascido a obrigação para o fisco. E essa obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato. Se nulo ou anulável, não desaparece a obrigação fiscal que dele decorre, nem surge para o contribuinte o direito de pedir repetição do tributo pago sob invocação de que o ato era nulo ou foi anulado. O fato gerador ocorre e não desparece, do ponto de vista fiscal, pela nulidade ou anulação.
Por outro lado, o próprio Instituto faz menção sobre outra linha argumentativa, onde se defende que, por ser o Erário nobre, pertencente ao Estado e assim, demonstra uma das características da soberania, o fato de tributar sobre o ilícito desrespeitaria tal soberania “… ao tributar os rendimentos da atividade ilícita, o Estado estaria “pari passu” sancionando conduta ilegítima, comportando-se como se fosse coautor do negócio espúrio praticado”.
Longe de ser um entendimento uníssono, Berliri apud Martins, […] para quem não se tributa, propriamente, a atividade ilícita, mas o efeito econômico dela resultante, sem se levar em consideração o caráter lícito ou ilícito da atividade que ele decorreu, verberando que num sistema constitucional rígido não seria possível, por lei ordinária, criar tributo especifico sobre ato ilícito.
3.3 Considerações sobre Crime de Evasão de Divisas e a Lavagem de Dinheiro
Conforme NUNES, O crime de evasão de divisas em seus aspectos práticos e teóricos no ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de divisas pode ser assim definido:
Corresponde a um elemento normativo do cujo significado encontra-se associado às disponibilidades jurídicas que um país, ou mesmo particular (pessoa física ou jurídica) possui em moedas estrangeiras obtidas a partir de um negócio que lhe confere origem (exportação, empréstimo, investimento, saldos de agências bancárias no exterior, ouro, cheques sacados contra bancos nacionais, etc).
Assim, para melhor compreensão do crime de evasão de divisas, convém trazer à baila o texto da lei e sua definição, conforme dispõe o artigo 22 da Lei 7492/86, in verbis:
Art. 22 – Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa;
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente. (grifos nossos)
Esses depósitos não declarados à repartição federal, no entanto, não significam que sejam valores em espécie somente; conforme as informações do Banco Central do Brasil, são considerados ativos: depósito no exterior, empréstimo em moeda, financiamento, leasing e arrendamento financeiro, investimento direto, investimento em portfólio, aplicação em derivados financeiros, incluindo imóveis e outros bens.
Neste crime, o agente tanto pode trabalhar sozinho ou contar com o auxílio de terceiros (geralmente, pessoas de altos cargos das instituições financeiras); ainda conforme NUNES:
O dolo é genérico, ou seja, o tipo não demanda o elemento subjetivo específico […] o fato se consuma no momento em que o agente, diretamente ou com o auxílio material de terceiros, logra a saída da moeda ou das divisas: se a evasão é em espécie, tal ocorrerá com a transposição de nossas fronteiras. Logo, o crime é material (exige a efetiva comprovação da saída da moeda ou divisas, sem o conhecimento das autoridades monetárias.
A Lei 9069/95 que estabeleceu o Plano Real e o Sistema Monetário Nacional, dispõe sobre os critérios para o envio e remessa de valores ao exterior; de acordo com a Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 2.524/98 a DPV (Declaração de Porte de Valores), que deve ser preenchida por viajantes que adentrarão ou deixarão o País, portando dinheiro em espécie ou cheques de viagem, o limite para a não declaração é de R$10.000,00 (Dez mil reais), valor este que se mantém, conforme a instrução constante na Cartilha de Câmbio no site do Banco Central do Brasil, a qual orienta sobre os procedimentos e valores para envio e recebimento de valores do exterior.
Na visão de BARROS, Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas, o crime de evasão de divisas é uma das modalidades de crime contra o Sistema Financeiro Nacional e aparece como um crime antecedente ao crime de Lavagem de Capitais, conforme:
O crime de evasão de divisas constitui mais uma modalidade de crime praticado contra o Sistema Financeiro Nacional, por sinal muito utilizado em esquemas de “lavagem” que visam apagar rastros de dinheiro “sujo” provenientes da corrupção ou de outras infrações penais. Portanto, em tese, configura espécie de crime antecedente básico do posterior delito de “lavagem”.
A Lei 12.850/13 – Lei das Organizações Criminosas – veio a estabelecer legalmente o conceito de organização criminosa, permitindo então, o aumento de pena que a lei 9.613/98 estabeleceu no artigo 1º, § 4º, ao determinar como causa de aumento de pena, a prática por intermédio de organização criminosa.
3.4 A Repatriação de Capitais no Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, Perdimento de Bens, e a (in) Aplicação do RERCT para os Bens e Valores das Organizações Criminosas
A Lei 13.254/16 – dispõe:
Sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de recursos, bens ou direitos de origem lícita não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País
A repatriação de que trata esta lei, refere-se aos bens, valores, direitos, que tendo sido enviados ao exterior, não foram devidamente declarados ao FISCO como determina as orientações do Banco Central, porém, o fato gerador cuja hipótese de incidência da tributação, advém de atividade lícita. O prazo para a repatriação deste programa foi estabelecido até 30 de junho de 2016; posteriormente, a Lei 13.428/17, alterou o prazo, prorrogando por mais 120 (cento e vinte) dias para a adesão ao programa.
Dizer que a hipótese de incidência, por ter sua origem na atividade lícita, não significa dizer que não houve incidência em crimes: tanto o é, que a própria lei 13.254/16, em seu artigo 5º, traz o rol taxativo dos crimes praticados e que, não havendo, até a data de adesão ao programa sentença penal condenatória transitada em julgado, trouxe a possibilidade da extinção da punibilidade, produzindo os efeitos tanto na seara criminal, como também, em relação à administração pública, conforme dispõe o Artigo 5º, § 2º, III:
III – produzirá, em relação à administração pública, a extinção de todas as obrigações de natureza cambial ou financeira, principais ou acessórias, inclusive as meramente formais, que pudessem ser exigíveis em relação aos bens e direitos declarados, ressalvadas as previstas nesta lei.
A lei 13.428/17 que trouxe alterações ao RERCT, estabeleceu também as alíquotas de destinação do produto de arrecadação em seu artigo 2º § 7º, distribuindo da seguinte maneira:
§ 7º - Do produto da arrecadação da multa prevista no § 6º, a União entregará 46% (quarenta e seis por cento) aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios na forma das alíneas a,b,d e e do inciso I do artigo 159 da Constituição Federal.
Porém, quando se trata de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional praticados pelas atividades de origem ilícita das organizações criminosas, a repatriação se dará seguindo-se aos procedimentos das medidas assecuratórias de que tratam o Código de Processo Penal.
Nas lições de LIMA (2015, p. 335) lemos:
As medidas assecuratórias podem ter dois objetos: o condenado ou a vítima. No primeiro, miram o patrimônio que ilicitamente foi conquistado pelo futuro condenado, e tem por finalidade exatamente garantir, ainda na fase investigatória ou processual, que toda vantagem material que deriva do delito seja arrolada e bloqueada para ao final ser perdida. No segundo caso, recairão sobre o patrimônio lícito e servem para garantir que a vítima ou o prejudicado pelo delito terá seu prejuízo ressarcido pelo futuro condenado.
Ainda nas lições de LIMA (2015, p. 339) quando ao abordar sobre a destinação desses bens:
Havendo necessidade, o juiz poderá determinar a alienação dos bens sequestrados por meio de leilão ou pregão sempre que estiverem sujeitos à deterioração ou forem de difícil manutenção. O montante arrecadado será depositado em conta judicial na CEF ou em instituição financeira pública federal ou estadual.
O artigo 312 do Código de Processo Penal traz em seu escopo as situações que se justificam a prisão preventiva, dentre as quais, nesse aspecto, há que se destacar a garantia da ordem pública e da ordem econômica. Dentro do conceito de ordem pública, convém salientar que se deve de pronto afastar a ideia de clamor social, pois este não condiz com o conceito de ordem pública, e se atentar a ordem econômica.
A ordem econômica surge, então, como algo muito mais abrangente, pois enquanto a ordem pública trata de crimes individuais, a ordem econômica, necessariamente, trata de crimes coletivos, ainda que esses crimes sejam praticados de maneira individual, os efeitos dessas ações não são efeitos individuais, como por exemplo, subtrair algo de alguém: protege-se a tutela jurídica do bem patrimônio, entretanto, se atinge o patrimônio de alguém específico, indiretamente, se protege um bem em abstrato, mas diretamente se protege um bem concreto.
No instante em que se fala em ordem econômica, ainda que se refira a crimes individuais, o reflexo desses crimes são reflexos coletivos, ou seja, ainda que o crime seja cometido por uma única pessoa, as consequências serão absorvidas por toda a sociedade; mas não a sociedade especificamente que seria atingida em qualquer ordem dentro do clamor social, mas a sociedade atingida dentro de um tópico onde se compromete toda a estrutura do Estado, uma vez que o Estado não subsiste sem a economia, pois esta é pilar para a formação e manutenção do Estado, e é a economia que demonstra, internacionalmente, a força desse Estado.
É o que se tem, por exemplo, ao verificar a força de uma moeda como o dólar: demonstra-se a força do Estado pela relação econômica.
Assim sendo, a relação Estado versus Economia, é uma relação muito mais próxima da ordem pública do que necessariamente ao que se trata de ordem econômica em paralelo. A ordem econômica detém tamanha importância, que ela por si só pode quebrar um país; neste ponto especificamente, se pode vislumbrar o perigo das organizações criminosas, pois enquanto Estado Paralelo, os efeitos de sua atuação são diretamente sentidos na ordem econômica do país.
Desta forma, o tratamento dispensado às organizações criminosas ao não recolherem os tributos que deveriam recolher fossem uma organização empresarial, também pelo próprio meio de lavagem de dinheiro, por exemplo, exercendo atividade lícita, mas de maneira ilícita, concorrendo com o próprio Estado, como por exemplo, nos transportes públicos.
Desencadeia, com isso, os sérios efeitos à própria ordem econômica e tributária, pois a economia do Estado se perfaz na própria exação, ou seja, a capacidade do Estado ao recolhimento de tributos.
Assim, as tributações dos rendimentos derivados das atividades ilícitas são necessárias a fim de se mitigar os efeitos danosos dessas atividades à ordem econômica do país.
Por outro lado, a aplicação do Regime Especial de Regularização Cambial Tributária para a repatriação dos rendimentos das organizações criminosas não se mostra viável, uma vez que, aos moldes deste regime, aplicar às organizações criminosas, seria de fato, a legalização estatal da atividade ilícita.
3.5 O Entendimento dos Tribunais sobre a Tributação das Atividades Ilícitas
A tributação sobre atividades ilícitas, há algum tempo já vem sendo aplicada nas decisões do Tribunais no país, inclusive, já pacificado o entendimento de que a competência para tal é da Justiça Federal, principalmente quando da prática estiver envolvidos tributos federais.
Assim, trazemos à baila alguns julgados como exemplo da aplicação na prática da cláusula tributária “non olet”.
PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. SONEGAÇÃOFISCAL. CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRISÃOPREVENTIVA. REVOGAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. "HABEAS CORPUS". 1. É possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção, mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita. 2. Noticiada a prática de sonegação de tributos federais, cabe à Justiça Federal processar e julgar esse crime e dos que lhe forem conexos (Sum. 122/STJ). 3. Inadmissível a revogação da prisão preventiva se subsistentes os motivos autorizadores. 4. "Habeas Corpus" conhecido; pedido indeferido.
(STJ - HC: 7444 RS 1998/0032244-2, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 23/06/1998, T5 - QUINTA TURMA Data de Publicação: DJ 03/08/1998 p. 268) (grifos nossos)
Ainda no mesmo ano, em outro julgamento, o STJ decidiu, sob a relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence:
EMENTA: Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: "non olet". Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética. (HC 77530, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/08/1998, DJ 18-09-1998 PP-00007 EMENT VOL-01923-03 PP-00522) (grifos nossos).
A pesquisa jurisprudência se mostra farta quanto à aplicação do Princípio “non olet” quando se trata dos crimes contra a ordem tributária, ainda que se trate de atividades ilícitas, como as tipificadas como contravenção penal.
Entretanto, importante salientar que a lei que define e dispõe sobre organização criminosa, os meios de prova, as infrações penais correlatas, é extremamente recente, sendo do ano de 2013; logo, por certo, não há abundância jurisprudencial sobre a aplicação da cláusula tributária supracitada no que concerne às atividades descritas pela lei 12.850/13 – a Lei das Organizações Criminosas.
CONCLUSÃO
Buscou-se com a presente pesquisa compreender as nuances que envolvem o tema organizações criminosas e a entender, a destinação dos bens e valores que tais organizações detêm, e que para a sua manutenção, recorre-se à lavagem de dinheiro como forma de exaurimento dos crimes e a consequente perpetuação, graças aos valores que possibilitam suas ações.
A problemática se debruçou sobre os questionamentos: é possível a aplicação do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária nos procedimentos de repatriação dos valores das organizações criminosas? É possível a tributação sobre capital ilícito?
Assim, verificou-se no item 3.4 que o texto da lei que regulamentou o RERCT é expressa ao determinar que a repatriação de bens e valores para a adesão ao regime será para os bens e valores de origem lícita e que foram desviados, não declarados à autoridade competente. Logo, chega-se à conclusão que o RERCT não pode ser aplicado à repatriação de bens e valores oriundos da lavagem de dinheiro provenientes das atividades das organizações criminosas, sob pena de se estar legalizando a atividade ilícita e estendendo a extinção da punibilidade para sujeitos aos quais vários diplomas legais estabelecem como causa de aumento de pena, integrar tais organizações.
Todavia, no item 3.5, verifica-se que, os tribunais, apesar de entenderem ser plenamente possível a aplicação do Princípio “non olet” para a tributação dos rendimentos ilícitos, ainda não há consenso na doutrina, como se verifica no item 3.2. Porém, a tributação sobre a repatriação dos bens e valores provenientes da lavagem de dinheiro oriundos das atividades das organizações criminosas, ao ser feito, permite que sejam mitigados os efeitos sobre a ordem econômica, citado no Código de Processo Penal, mas que pouco se discorre sobre a temática.