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Liquidação do dano moral

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6 – Precedentes judiciais

            Será de enorme injustiça, tanto a sentença que impuser uma reparação moral em nível econômico insuportável para o ofensor, como a que determinar uma indenização irrisória ao ofendido.

            Da mesma forma, será equivocada a decisão que tomar como base o valor da dívida em torno da qual se consumou o dano moral e mandar, simplesmente, indenizar um valor equivalente a tantas vezes o valor da dívida ilicitamente manipulada.

            Por exemplo, um dano moral advindo da anotação de um protesto cambial indevido no Serviço de Proteção ao Crédito – SPC quase nada tem a ver com o valor econômico em jogo. Tomá-lo como base para fixar uma indenização é incompatível com o ideal de equidade e moderação tão preconizado pela doutrina e pela jurisprudência.

            Outro exemplo vem-se firmando no Supremo Tribunal Federal quanto ao critério de atribuir aos pais, pela morte de um filho menor, uma pensão mensal calculada em um salário mínimo. Com todo respeito, discordamos desse critério por entender que o estabelecimento dessa pensão só tem cabimento se a vítima estava em condições de prestar alimentos a outrem ou teve sua capacidade laborativa reduzida.

            É nesse sentido que delineia o Código Civil, vislumbrando o aspecto econômico do dano, no caso o lucro cessante.

            Porém, em relação à morte de um filho menor, que nunca exerceu atividade lucrativa, não há que se falar em frustração de ganhos ou de prestação alimentícia, porque assume o dano um caráter puramente moral.

            Outra constatação, ainda mais grave, faz-se em relação à disparidade de decisões que fixam importâncias tão diferentes em casos semelhantes, levando à comparação do Judiciário a uma "caixa de surpresa", ou pior, a um "jogo lotérico".

            Dentro desse contexto, merecem destaque alguns julgados:

            "Por morte de filho menor ou arrimo. Pelo critério da aplicação analógica dos arts. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações, e art. 52 da Lei de Imprensa – Inteligência dos arts 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – Indenização de cinqüenta salários mínimos" (RT 698/106), (grifo nosso).

            "O dano moral deferido no patamar de 500 salários mínimos não é exorbitante, levando-se em consideração que a vida de duas pessoas, mesmo no aspecto subjetivo, não tem preço" (TJMS, 3ª ed. RT, p. 1524), (grifo nosso).

            "Dano estético. (...) Eleva-se a indenização por danos morais para 500 salários mínimos e a indenização por danos estéticos para 500 salários mínimos" (TACiv/RJ, 2ª Ed. RT, p. 245), (grifo nosso).

            "Responsabilidade Civil - Acidente de Trânsito – Colisão de veículo com moto – Dano estético – Aleijão facial permanente – Indenização fixada em 140 salários mínimos" (TACiv/SP, JTA-LEX 152/177), (grifo nosso).

            "Ressarcimento – Dano Psicológico e moral – Sofrimento psíquico intimamente ligado com a reparação do dano moral – Indenização fixada em 50 salários mínimos, cuja finalidade é da reparação pelo dano extrapatrimonial e o sofrimento psíquico e moral a ser suportado pelo menor, que teve parte do braço amputado, carregando consigo uma deformidade definitiva" ( Ap. Cível nº 42.460-4- São Paulo – 03.09.97 – V.U.), (grifo nosso).

            "A indenização pelo protesto indevido vem sendo reconhecida pelos tribunais do país, inclusivo em ralação ao dano moral para as pessoas jurídicas. (...), fixo a indenização em 100 salários mínimos" (JTARS 101/342), (grifo nosso).

            "Dano moral - Abalo de crédito – Cheque indevidamente devolvido – Reparação fixada em vinte salários mínimos" (TJSP – Ap. 113.554-1), (grifo nosso).

            "Corte ilegal de energia elétrica – indemonstrada pericialmente a fraude alegada – Ocorrência de clamor público e molestamento moral. Ofensa a direito de personalidade – indenização devida – fixada em vinte salários mínimos" (Ap. 4018/93 - 8ª C., ementa 66.353), (grifo nosso).

            "Abalo de crédito. Protesto indevido. É pública e notória a devastação que produz na imagem da pessoa (física ou jurídica) a inserção do seu nome no rol dos maus pagadores em firma que presta serviços de informação aos bancos. (...) Elevação da condenação ao quádruplo do valor do título cujo protesto indevido foi tirado" (TJRAS 87/391), (grifo nosso).


7 – Tentativa de reduzir a subjetividade no arbitramento do dano moral

            Como demonstrado, ainda faltam critérios de validez geral para a quantificação do dano moral e por isso faz-se um apelo a um critério sumamente subjetivo, qual seja, o prudente arbítrio do juiz. Mas, deixar somente ao arbítrio de um ser humano o trabalho de encontrar o montante indenizatório, além da parte ficar entregue ao sabor de características pessoais e da personalidade do magistrado, acarreta dualidades e incertezas.

            Não é difícil supor que não havendo uniformidade em casos similares, mesmo que seja utilizada a prudência, sobrarão fixações díspares e injustas, por fatos semelhantes e, para que isso não aconteça, necessário seria ter soluções comuns e gerais no que concerne, ao menos, ao esqueleto primário do assunto.

            Em agosto de 1998 o Centro de Estudos Jurídicos Juiz Ronaldo Cunha Campos, que reunia os membros do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, promoveu um amplo debate pertinente à reparação do dano moral e divulgaram a título de sugestão para o respectivo arbitramento:

            "1- Pedido de dano moral por inclusão indevida do nome em SPC, SERASA ou Cartório de Protestos: até 20 salários mínimos;

            2- Pedido de dano por morte de esposo, esposa e filhos: 100 salários mínimos;

            3- Outras bases de pedidos: até 90 salários mínimos;

            4- Com atenção ao caso concreto, cada juiz tem inteira liberdade na aquilitação dos valores indenizatórios. As sugestões, no entanto são válidas, como parâmetros orientadores, no comum dos ‘casos’. (DJMG. Cad. II, 8-10-1998).

            De grande importância é o estudo desse Tribunal, porém ressaltamos que na reparação da lesão moral nunca se chegará a qualquer tipo concreto de equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento, assim os critérios a prevalecer nas indenizações, mesmo que semelhantes, não podem seguir planos rígidos de cálculos aritméticos em função do patrimônio do culpado, espécie de lesão ou qualquer outro, e muito menos usar multiplicadores sobre o dado econômico envolvido no evento ilícito.

            Diante dessa disparidade, há quem propugne pelo tarifamento, almejando acabar com a disparidade de decisões, pelo qual o quantum das indenizações é prefixado.

            Sob esse aspecto o legislador, no já referido Código de Telecomunicações, estimou o dano extrapotrimonial de cinco a cem salários mínimos, no art. 8º, parágrafo 1 º, e a Lei nº 5.250/67, em seus arts. 51 e 52, elevou o teto para duzentos salários mínimos.

            Porém, uma tentativa de tarifar a indenização do dano moral, na vigência da atual Constituição de 1988, pode redundar em flagrante inconstitucionalidade, pois o princípio geral de não causar dano a outrem possui hierarquia constitucional.

            Nesse sentido, leciona Carlos Roberto Gonçalves:

            "O inconveniente desse critério é que, conhecendo antecipadamente o valor a ser pago, as pessoas podem avaliar as conseqüências da prática do ato ilícito e as confrontar com as vantagens que, em contrapartida, poderão obter, como no caso do dano à imagem, e concluir que vale a pena, no caso, infringir a lei" (p.569).

            Dessa forma, não tem aplicação em nosso ordenamento jurídico o critério da tarifação, predominando entre nós o critério do arbitramento pelo juiz, a teor do disposto no art. 946 do Código Civil, que determina seja a liquidação da obrigação indeterminada apurada na forma da lei processual. O Código de Processo Civil, nos arts. 603 a 611, prevê a liquidação por artigos ou por arbitramento, sendo esta última a mais adequada para a quantificação do dano moral.

            A crítica que se faz é que não há defesa eficaz contra uma estimativa que a lei submete apenas a critério livremente escolhido pelo juiz, porque, exorbitante ou ínfima, qualquer que seja ela, estará em consonância com a lei.

            Mas, é mesmo o próprio juiz quem deve fixar o quantum da reparação da dor moral, em cada caso concreto, porém não deve jamais se distanciar do bom senso e da equidade, levando em consideração todos os pontos até aqui ressaltados, com o objetivo de alcançar um valor adequado ao lesado pelo vexame, ou pelo constrangimento experimentado, não para apagar os efeitos da lesão, mas para reparar os danos, sendo certo que não se deve cogitar de se mensurar o sofrimento, ou de provar a dor, porque esses sentimentos são intrínsecos ao espírito humano.


8 – Necessidade de fixar parâmetros

            Entendemos que seria viável a adoção de um sistema que, sem a rigidez de uma tarifação, concedesse ao juiz uma faixa de atuação em que pudesse graduar a reparação de acordo com o caso concreto.

            Tarifar não é a solução, mas para encontrar o justo equilíbrio e evitar decisões tão conflitantes quando se trata do montante indenizatório convém uma regulação normativa, condutora e flexível, que indique as ferramentas a serem usadas para ressarcir ajustadamente cada dano moral concreto.

            Faz-se necessário uma razoável uniformização das decisões quanto ao montante indenizatório nos casos similares, evitando julgamentos díspares, uma vez que a conjugação de dispositivos do Código Civil e a analogia de leis especiais não encerra uma linha segura para a fixação do dano moral.

            Por isso é importante que os juízes cheguem a um ponto comum sobre a quantia da indenização dos danos morais.

            É claro que o magistrado analisará cada caso concreto, levará em consideração todas as suas peculiaridades, e, assim, dificilmente vai chegar a valores iguais, porém estes devem ser uniformes, dentro de um equilíbrio.

            O Poder Judiciário poderá utilizar os critérios aqui destacados, como o sofrimento experimentado pela vítima, suas condições pessoais, a magnitude da lesão e a situação econômica do ofensor e do ofendido, e também os parâmetros fixados nas decisões judiciais já consolidadas. Para isso deve usufruir das vantagens que o computador oferece e estabelecer banco de dados contendo o quantum das indenizações anteriormente fixadas pelos Tribunais e estabelecer comparações diante dos casos similares.

            A harmonização de cifras nos casos similares, diante do que o Tribunal já consolidou, será fonte de afastamento da chamada "loteria jurídica". Reconhecemos que os casos raramente se repetem e, dependendo das circunstâncias, repercutem de maneira mais ou menos intensa, porém tomando em conta uma e outra situação, poderá o juiz graduar esse montante, com mais equidade.

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            Assim, armando o juiz do mínimo necessário para ter um parâmetro objetivo na árdua tarefa de fixar o valor da reparação alcançaríamos a tão almejada segurança jurídica, pelo menos com relação à quantificação do dano moral.


9 - Conclusão

            Parece-nos lamentável o vácuo legislativo a respeito da quantificação do dano moral. Daí podem surgir distorções e erros de avaliação, submetendo as pessoas a condenações em tetos tão variáveis, apesar de irradiadas de fatos semelhantes.

            Desta maneira o dano moral se inclui em um dos vários problemas que prejudicam o desenvolvimento econômico e social do país.

            Diante de tal postura o "custo Brasil" se agrava e quem irá responder por esses custos majorados é a sociedade consumidora como um todo, porque todo o sacrifício imposto aos meios de produção é repassado ao consumidor final e se o empresário onerado não conseguir repassar o custo para o preço final, seu negócio arruinará, e mais uma vez quem suportará a conseqüência mais grave será a sociedade.

            Assim, quando o juiz tiver uma causa de dano moral a ser decidida deverá se conscientizar de que sua decisão se refletirá em todo o sistema político, social, econômico e jurídico.

            Enfatizamos que a responsabilidade civil não é meio de impor pena ao causador do dano privado; seu objetivo é reconstituir o patrimônio de quem sofreu o prejuízo. Mesmo não sendo de fácil mensuração no plano econômico, a indenização não pode servir de pretexto para enriquecer a vítima, nem levar à ruína o ofensor.

            Então, com equidade, deverá ser quantificado o dano moral, é claro que levando em conta as condições sócio-econômicas da vítima e do ofensor, mas atentando-se para o fato de que o enriquecimento sem causa é repudiado pelo ordenamento jurídico.

            Em suma, a indenização pelo dano moral não deve ser insignificante, mas também não deve ser exorbitante; sempre haverá um meio de se encontrar o equilíbrio, diante de cada caso concreto.


BIBLIOGRAFIA

            ABRAGÃO, Severino Ignácio de. O Dano Moral na Prática Forense. Rio de Janeiro: Editora Idéia Jurídica, 1998.

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            SILVA, Wilson Melo da. O Dano Moral e sua Reparação. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 3ª ed. rev. e ampl., 1999.

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Sobre os autores
João Agnaldo Donizeti Gandini

juiz de Direito em Ribeirão Preto (SP), mestrando pela Unesp, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Ribeirão Preto

Dahyana Siman Carvalho da Costa

Advogada em Ribeirão Preto – SP, Graduada pela UNAERP, Pós-graduanda pela FGV –Fundação Getúlio Vargas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GANDINI, João Agnaldo Donizeti ; COSTA, Dahyana Siman Carvalho. Liquidação do dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6821. Acesso em: 25 abr. 2024.

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