A inconstitucionalidade da cobrança de iluminação pública

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14/08/2018 às 10:36
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A constitucionalidade da cobrança de iluminação pública pelo Supremo. O objetivo no Congresso Nacional na aprovação da emenda nº 39/2002. A deficiência técnica da proposta de emenda. A flagrante inconstitucionalidade.

Pretende-se fomentar uma discussão que até o presente momento se encontra pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, a constitucionalidade da contribuição de iluminação pública. Neste momento, se propõe a esclarecer o grande objetivo do Congresso Nacional ao aprovar a proposta de emenda nº 39/2002, sendo assim, procura julgar a proposta de emenda à luz da técnica do Direito Tributário Constitucional e da legislação tributária refutando os argumentos que deram base ao Constituinte derivado na época. Com isso, mostra de forma clara a deficiência técnica da proposta o que culmina em sua flagrante inconstitucionalidade.

A contribuição especial de iluminação pública foi alvo de grandes discussões na época da emenda 39/2002, visto sua natureza jurídica que admitia uma serie de controvérsias, de tal maneira que muitos doutrinadores advogaram a tese de que ela poderia ter fato gerador de taxa, como também poderiam ter de imposto, há quem chegou a defender que ela nem teria natureza jurídica de tributo, por esta razão, houve divergência na doutrina e até no próprio Poder Judiciário, por isso, houve dificuldades no início de sua instituição para um posicionamento em relação a temática.

Com efeito, resta comprovado que a COSIP foi produto de uma reação legislativa promovida pelas municipalidades junto ao congresso nacional que culminou nesta terrível atrocidade não só com o contribuinte que fora ludibriado, como também com a técnica do Direito Tributário que foi atropelada e desprezada, assim, verifica-se até onde é capaz de ir o ímpeto dos entes políticos quando o assunto se trata de uma nova fonte de renda para seus gastos.


Análise do caso sob o olhar da Competência Privativa

A competência tributária é dada aos entes federados com uma simples finalidade, a de impedir que um invada o território do outro e prejudique o exercício da autonomia que cada ente tem em relação aos outros.Para conceituar e elucidar melhor o assunto de competência tributária, o professor Luciano Amaro diz:

“(...) a competência tributária (...) a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisão sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência, não obstante o legislador esteja submetido a vários balizamentos (...)”.

Nesta lâmina, entende-se que o exercício da competência é pessoal de cada ente político não podendo nenhum ente ultrapassar a frente do outro para tributar em território alheio, isso porque, há um tratado, ou melhor, um pacto entre os entes de forma a impossibilitar tal invasão.

Não obstante a Constituição distribuir poder privativo a cada ente para atuar nos limites de sua competência, esta prerrogativa é dada de forma dosada devendo cada um obedecer aos limites da Lei Maior.

Sendo assim, vejamos, o Caput do artigo 149 da Constituição Federal é muito claro não deixando qualquer margem para dúvidas. Ele revela exatamente o ímpeto, a vontade do legislador constituinte originário pelo que se faz necessária transcrição em letras garrafais:

Art. 149. COMPETE EXCLUSIVAMENTE À UNIÃO INSTITUIR CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS, DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E DE INTERESSE DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS OU ECONÔMICAS, COMO INSTRUMENTO DE SUA ATUAÇÃO NAS RESPECTIVAS ÁREAS, OBSERVADO O DISPOSTO NOS ARTS. 146, III, E 150, I E III, E SEM PREJUÍZO DO PREVISTO NO ART. 195, § 6º, RELATIVAMENTE À CONTRIBUIÇÕES A QUE ALUDE O DISPOSITIVO. (Negrito nosso).

O legislador, neste texto, tratou da competência privativa da União para instituir as contribuições especiais sociais, desta maneira, não haveria de se pairar dúvidas em relação à matéria, uma vez que, não se vislumbra lacunas para disposições em contrário.

A competência privativa ou exclusiva contempla dois aspectos importantíssimos, quais sejam: a irrenunciabilidade e incaducabilidade.

Irrenunciabilidade: O ente político pode por alguma razão não exercer sua competência tributária, mas esta é irrenunciável, quem a possui não pode abrir mão dela.

Sendo assim o artigo 7º do Código Tributário Nacional disciplina:

              “A competência tributária é indelegável, salvo               atribuição das funções de arrecadar ou               fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços,               atos ou decisões administrativas em matéria               tributária, conferida por uma pessoa jurídica               de direito público a outra (...)”.

Incaducabilidade: O poder de tributar é uma faculdade do ente político que o exerce quando lhe seja mais conveniente e oportuno, o fato de permanecer inerte e não criar o tributo não altera sua competência tributária, permanecendo sempre a mesma, isto é, de acordo com a leitura do dispositivo do art. 8º do mesmo diploma:

“O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.” (Negrito nosso).

Firma-se o entendimento de que o não exercício da competência tributária privativa não faz com que passe para outro ente político.

Neste sentido, não pode jamais a União renunciar o seu poder de instituir tributos aos Estados ou aos Municípios e Distrito Federal, sendo assim, e se está consagrado pelo legislador originário, qualquer emenda a constituição que versar sobre disposição em contrário deve ser rechaçada e taxada de inconstitucional sob pena de violar o pacto federativo entre os entes políticos e a consequente desarmonia com o texto constitucional vigente. Porque se desta forma não fosse, o legislador de 1988 não recepcionaria os artigos 7º e 8º do CTN.

A grande questão é procurar entender a vontade do legislador originário e, para isso, deve-se fazer um excelente uso dos recursos de interpretação, a saber, a exegese do texto de 88 procurando buscar a revelação pura da vontade do legislador daquela época.

Nesta linha de interpretação exegética o art. 149, CAPUT, CF, revelou a vontade do constituinte originário que abstraído de qualquer favoritismo ou pressão política, expressou o seu ímpeto de dar uma maior segurança ao ordenamento jurídico constitucional de tal forma a privar a competência exclusiva à União Federal para instituir as três únicas espécies de contribuições especiais.

Neste diapasão, percebe-se que os Municípios, Estados e Distrito Federal não podem exercer a competência privativa de instituir contribuições especiais, com a única exceção das contribuições cobradas de seus servidores para o custeio do regime previdenciário, também não podem exercer a competência residual como se verificará mais a frente, então, só restou ao constituinte derivado ferir o pacto federativo matéria resguardada e selada pelo constituinte originário como cláusula pétrea é o que tem se subtraído da leitura do texto constitucional art. 60, § 4º, I, CF:

“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado”. (Negrito nosso).

Assim, entende-se que a matéria de competência é um assunto discutido e consolidado no pacto federativo que somente fora possível devido a forma federativa de ser do Estado, com isso, não se faz forçoso o argumento de que de uma forma direita ou indireta a emenda constitucional nº 39/2002 feriu esse compromisso firmado entre os entes políticos materializado no pacto federativo entre os entes políticos da federação brasileira.


A emenda 39/2002 é atentatória ao pacto federativo

A emenda constitucional nº 39/2002 se fez atentatória ao pacto federativo, vez que dilatou em prol dos Municípios e Distrito Federal o uso da competência exclusiva da União para instituir contribuições sociais, tal medida se fez inconstitucional pelo que diz o art. 60§ 4ºICF, quando diz que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir o pacto federativo.

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O art. 149, CAPUT, CF, não deixa a menor margem de dúvida, no sentido de ser exclusiva da União a competência de instituir contribuição social, a única exceção está no § 1º quando o legislador de 88 concedeu aos Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para instituírem contribuição de seus servidores para o custeio do regime previdenciário, esta é a única exceção prevista pelo legislador de 1988.

Desta maneira, está claramente verificado que o assunto não poderia ser objeto de emenda, visto que, está a disciplinar questão de reserva de competência dos entes federativos, assunto fechado e definido em 1988 com clausula de reserva pela enorme importância, sendo assim, União não pode delegar sua competência a Municípios e Distrito Federal e muito menos tais entes políticos invadirem a competência da União para avocarem para si.


O estranhamento da COSIP com o caput do artigo 149CF

Ao fazer a leitura não muito apurada do artigo 149CF/88, é muito fácilperceber que o legislador só reservou, à União, a competência para instituir ascontribuições especiais, desta forma, não há dúvidas de sua competência exclusiva.

O problema surgiu com a emenda constitucional nº 39/2002 quando deucompetência também aos Municípios e Distrito Federal para instituição da COSIP.

O que aconteceu foi uma reação legislativa na época, visto que,anteriormente a esta emenda o custeio da iluminação era feito pela modalidade tributária das taxas como já mencionado no início. Os Municípios cobravam a taxa de iluminação pública, muito criticada na época e objeto de muitas ações judiciais, desta forma a Suprema Corte se posicionou contrária à cobrança por aquela via modal foi então que o Supremo editou a súmula vinculante nº 41 declarando inconstitucional a TIP.

Sendo assim, os Municípios vieram a pressionar o Congresso Nacional para a edição da emenda constitucional 39/2002, o que veio a causar um terrível descompasso com o texto de 1988.

O professor Sacha Calmon trás em uma de suas obras lembranças da época de sua militância contra a TIP:

“Tivemos a oportunidade de dar parecer contrário a projeto de lei que instituía uma taxa de iluminação pública em prol dos municípios, mas que quebrava o princípio da divisibilidade dos serviços que ensejam taxa, sem a qual o quantum devido por cada um não pode ser individualizado à medida do uso que faça do serviço público, que, por isso mesmo, tem que ser específico e divisível. Agora temos um imposto com o nome de contribuição que será pago por todos os proprietários de imóveis para financiar de maneira indistinta a iluminação pública das cidades brasileiras. A ânsia arrecadatória vai, pouco a pouco, derruindo as bases científicas do Direito Tributário como plasmado na Constituição e no Código Tributário Nacional.”

Foi muito feliz o professor Sacha nessas últimas palavras quando disso daânsia arrecadatória dos entes políticos, visto que, de uma forma ardilosa os entesmunicipais (Poder Executivo) em conjunto com o Congresso nacional deturparam otexto do artigo 149CF, numa ação forçosa de dilatar a competência para instituir (criar) as contribuições sociais, enxertaram no diploma constitucional o artigo 149-A,com isso, desarmonizaram a Constituição e se furtaram da vontade legítima dolegislador constituinte originário.

O artigo 149-A é tão desarmônico que a impressão que ficou foi que oconstituinte derivado precisava encaixar o tributo em alguma das espécies tributáriasde qualquer forma, mas para sua infelicidade no artigo 149 o constituinte originárioconcedeu competência privativa de instituir contribuições sociais a União, destaforma, não deixando lacuna para outra interpretação.

Imagina-se que tenha sido muito difícil pensar em alguma solução que não quedasse inconstitucional, pois, de um lado, a União não poderia delegar a função aos Municípios e Distrito Federal, por ser indelegável tal função, de outro, a União não poderia instituir o tributo dentro do território dos entes políticos, sob pena de violar a autonomia dos mesmos.

Realmente, deve ter sido difícil, mas o Congresso Nacional em conjunto com a vontade dos Municípios e Distrito Federal se superou, assim, nasceu a COSIP, e após o seu nascimento artificial, para a infelicidade da harmonia do ordenamento jurídico constitucional a Suprema corte, os guardiões da Constituição, resolveu acatar o tributo taxando-lhe, lamentavelmente, de Constitucional.

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Sobre o autor
Wagner Ceará

Sou Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Rio de Janeiro, Trabalho em estilo de uma advocacia artesanal, atualmente, estou me especializando em Finanças Públicas e Tributação.

Informações sobre o texto

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O texto faz parte de um trabalho científico de conclusão de graduação e tem o objetivo de demonstrar o ímpeto que têm os fiscos na criação de novas fontes de arrecadação.

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