Direito, democracia e instituições participativas.

Aspecto da normatização e efetividade dos conselhos de politica pública

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15/08/2018 às 15:49
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O presente artigo tem por objetivo apresentar aspectos sociológicos e normativos sobre a construção de novos espaços de participação popular, a partir da ótica da democracia participativa.

Toda produção humana deve ser vista sobre o prisma de sua concepção no espaço e no tempo. É a partir dessa afirmação que partimos para a premissa desse artigo. Ainda no ano de 1715, o filósofo e matemático Leibniz conceituou o tempo como uma ordem de sucessões e o espaço como uma ordem de coexistências: "quanto a mim, deixei assentado mais uma vez que, a meu ver, o espaço é algo puramente relativo, como o tempo; a saber, na ordem das coexistências, como o tempo na ordem das sucessões" (LEIBNIZ, 1974). Essa proposição continua atual ainda hoje, apesar de todos os avanços das ciências e das atualizações conceituais em todos os campos do conhecimento.

Em ciências humanas, a afirmação acima cabe tanto para realizações empíricas tanto teóricas, quero assim dizer que todos os espaços institucionais, regimes políticos, organizações sociais, todos os processos da marcha civilizatória bem como todas as obras acadêmicas, obras literárias, formulações normativas, códices e demais proposições devem ser vistos relativizados pela ótica do espaço e do tempo no qual foram produzidas. Já os ditos espaços sociais, indissociáveis que são do tempo, são criados objetiva e subjetivamente, em processo de alimentação recíproca, que se faz tanto individual, quanto coletivamente.  (VERGARA e VIEIRA, 2004).

O espaço é criação, fruto do meio, concebido de forma objetiva e subjetivamente, em cultura material e imaterialmente, de existência física e/ou virtual. Já o tempo marca a sucessão de eventos arrolados com os espaços criados, é, portanto, concomitantemente uma realidade física e uma simbologia humana para registrar as sucessões, dias e noites, anos, séculos e milênios, eras, a modernidade e a pós-modernidade. Forma mais rebuscada de registrar a passagem do tempo, buscam compreender as mudanças dai existe do diapasão da evolução civilizatória, ou seja, a adaptação à realidade presente através das mudanças sociais, culturais e econômicas.

À medida que avançamos na complexidade de organização e tamanho da sociedade, nos direitos e garantias individuais, e nas estruturas de consumo e mercado, formulamos organizações diversas em vários níveis. Suas formas, atuação e objetivos representam “novos espaços” criados, novos objetos de coexistência e de inter-relações. O espaço, é sempre o que se cria, seja um Estado-nação, um ambiente virtual, um bloco econômico, uma instituição social, uma estrutura de governo, um conselho de política participativa, assim:

A estrutura social e econômica sempre pressupôs uma organização, ou seja, os espaços produtivos foram sendo criados e organizados de acordo com os níveis de desenvolvimento das sociedades. Os espaços produtivos representaram, ao longo dos séculos, as mais variadas formas de organização, tanto no comércio, quanto nas oficinas de artesãos e, mais tarde, nas estruturas de produção de bens e de serviços. À medida que as técnicas e a expansão dos espaços ampliaram suas áreas de atuação, as organizações ganharam novos efeitos multiplicadores. Diversas ordens de sucessões sobre elas foram sendo assinaladas pelo tempo, ganhando novos formatos produtivos e complexidade estrutural. Assim, pode-se afirmar que os acontecimentos gerados no interior das civilizações e que representaram etapas de evolução social, econômica e cultural foram projeções no espaço e no tempo que corresponderam a processos espaço temporais da organização humana. (VERGARA e VIEIRA, 2004).

Sobre essa perspectiva, toda forma de organização humana deve ser vista e analisada por intermédio de sua historicidade, tanto as formulações teóricas tanto as aplicações empíricas são frutos do seu tempo e do local onde são produzidas.

Democracia antiga, antigo regime, absolutismo monárquico, democracia representativa, democracia liberal, democracia de bem-estar-social, democracia deliberativa, democracia participativa também são frutos do seu tempo e do espaço das sociedades onde se desenvolveram. Analisá-las sem considerar seus contextos históricos seria cometer anacronismos. Da mesma forma, a produção acadêmica que embasa a discussão doravante tratada deve ser vista como um modelo de análise situado no tempo e no espaço. Seu marco é o surgimento do Estado Democrático de Direito em seu molde constitucional, mas precisamente as organizações desse Estado que paulatinamente surgem com a crise do modelo representativo na construção de novos canais de participação direta a partir da década de 1960 do século XX, sendo ainda mais preciso após a “hegemonia democrática” com o fim do socialismo soviético na década de 1990, como veremos.

Na história política do Ocidente, só ocasionalmente a democracia gozou do prestígio que possui hoje: sua vasta popularidade e difusão têm pouco mais de um século. O desenvolvimento e consolidação dos Estados nacionais, a vitória das constituintes como garantidoras de princípios universais de direito, as transformações que marcaram o fim do “mundo bipolar” no final dos anos de 1980 e início de 1990, assim como o fim dos regimes autoritários na América Latina, colaboraram para reforçar esse cenário. Agora, trata-se de criar “novos espaços” dentro da ordem democrática, novos direitos e arenas dentro do Estado democrático.

A democracia foi proclamada o agente do “fim da história”, hegemônica para o aparato estatal das nações, impositiva da estrutura normativa constitucional do Estado Democrático de Direito com a garantia de certos princípios da “cidadania universal” e de uma soberania popular e, por vezes, motivos para se levar a guerra às nações que ousem tentar manter outros regimes políticos.

O paradigma que vivemos do regime democrático se ancora na lógica da legalidade, como garantia a liberdade e a igualdade. A grosso modo, em um tipo ideal, pode-se dizer que o constitucionalismo no Estado Democrático de Direito é o garantidor de seus pilares, seja a ordem pela jurisdição e a coerção que garante o monopólio da força, seja a garantia da livre associação social e/ou econômica, seja a igualdade de julgamento, a liberdade de voto, dentre diversas outras garantias contidas no corpo da lei[1]. Há também a estrutura de governo, que ainda reproduz o modelo clássico de divisão dos poderes preconizado por Montesquieu no Espirito das Leis (executivo, legislativo, judiciário). Seus dois primeiros poderes, constituídos sobre a estrutura da democracia representativa e indireta, consagrado historicamente no Estado liberal inglês.

Entretanto, a realidade contemporânea se encontra, em muitos aspectos, distante da consolidação dos princípios e ideais democráticos. Analisando o Estado Moderno como um “projeto em aberto”, em permanente construção e aprimoramento, é possível considerar o potencial democrático formulado em novas formas de participação, através da sociedade civil e dos movimentos sociais contemporâneos.

Nesse aspecto, os movimentos sociais e processos coletivos que têm emergido na sociedade civil, são hoje marcados pelo declínio dos grandes projetos revolucionários e de alterações no regime político, de outra forma, são compreendidos como uma aposta capaz de ampliar a construção de direitos por dentro do modelo de democracia, através da participação política dos diferentes atores e grupos sociais na busca de causar transformações na cultura, no direito e influenciar nas políticas públicas.

Os processos de redemocratização romperam, a certo modo, com o postulado histórico do Estado totalitário que subjugava os cidadãos impondo-os uma “posição passiva” frente à vida , impedindo qualquer forma de manifestação da opinião da sociedade no âmbito das reivindicações perante o Poder Público, ou mesmo da esfera pública tal como se verificou no Brasil durante a ditadura militar estabelecida no pós-golpe de 1964 (SAMPAIO, 2004).

No Brasil, no período de transição, a década de 1980 foi o marco dessas vastas lutas dos movimentos sociais e populares, protagonizando a abertura política, o clamor por participação no processo político, em prol de uma democracia da soberania popular.

Reflexo deste debate, o processo da constituinte resguardou no texto de nossa Carta Magna tais princípios, garantindo a formalização de reivindicações e conquistas das classes populares, dentre os quais: 1) o exercício livre da cidadania plena e da dignidade da pessoa humana resguardar em seus princípios; 2) a liberdade de pensamento e a livre associação civil; 3) as garantias de uma democracia representativa através do voto universal e da liberdade partidária e; 4) institutos jurídicos e normas que previram as formulações em lei complementar de mecanismo de democracia deliberativa e participativa.

No que tange aos mecanismos de participação popular, além de prever institutos de democracia direta como o plebiscito e a ação popular (CF/88, Art. 5), asseguraram outras possibilidades de participação da população nas decisões de governo, tanto no planejamento municipal (Art. 29) como em algumas áreas de políticas sociais. No título da ordem social, quando trata da seguridade social, a Constituição Federal assegura, tanto nas Disposições gerais (Art. 194) como nas seções que tratam da saúde (Art. 198) e da assistência social (Art. 204), a descentralização e a participação da comunidade na gestão administrativa destas políticas. O mesmo ocorre no âmbito da política de promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes (Art. 227) e da educação, no que se refere à gestão democrática do ensino público (Art. 206) (SANTANA, 2008).

Das normativas constitucionais têm-se gradualmente aperfeiçoado mecanismos de integração entre sociedade civil e Estado no processo de gestão e execução de políticas públicas. Progressivamente, ocorreu a promulgação de leis complementares que favorecem e ordenaram a abertura da participação paritária em torno das discussões acerca da gestão pública, como forma de dar efetividade ao princípio da soberania popular e garantir legitimidade ao processo político. Desta forma, pode-se caracterizar em teoria esse conjunto normativo como:

Um modelo democratizante de descentralização, que busca a garantia dos direitos de cidadania numa perspectiva ampla, pretendendo a superação da pobreza econômica e política, instituindo um novo cidadão, partícipe das políticas públicas, apontando um modelo de democracia participativa potencialmente capaz de enfrentar a alienação política a que sempre esteve submetida à sociedade brasileira. (SOUZA SILVA, 2010).

O princípio da soberania popular versa que, cada cidadão deve tomar parcelas da conjuntura do poder do Estado, seja através do voto na democracia representativa, seja de forma direta em instituições de democracia participativa para que exista a circulação do próprio poder, refleti assim, a concepção de poder político no qual:

Uma democracia deve fomentar procedimentos para a abertura do discurso entre os indivíduos, de maneira tal que o que for deliberado através do consenso produzido pela força do melhor argumento seja uma decisão legitimada e aceita perante os seus signatários (a própria comunidade afetada a que diz respeito) (HABERMAS, 1997, 27).

Pode-se daí concluir, que a concepção de “ascensão do poder do povo é marca característica de nossa recente democracia como pressuposto de legitimidade. Constitucionalmente deve ser expressa por uma via dúplice: o exercício decorrente da representação e aquele praticado de maneira direta pelo próprio povo” (AZEVEDO, 2014), segundo o jurista Canotilho:

Esse modelo de democracia e a democracia representativa admitem a possibilidade de duas formas de combinação:  coexistência e complementaridade  [...] tal tendência da democracia como uma crítica à teoria pluralista da democracia (processo de formação da vontade democrática por grupos definidos), funcionando como alternativa ao impasse do sistema político representativo, insuficiente para garantir a efetivação do Estado Democrático de Direito” (CANOTILHO, 1994).

A análise das arenas institucionalizadas na dita democracia deliberativa sobre a ótica da efetividade de seus resultados é o foco sobre a qual o presente trabalho se debruçará. Esta formulação deliberativa se dá de forma a coexiste e complementar aos institutos da democracia representativa, criando arenas permeáveis entre o Estado e Sociedade Civil permitindo a aproximação do cidadão no processo decisório.

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Como instrumento para esse modelo de democracia no Brasil surgiram ao longo das últimas três décadas as ditas Instituições Participativas – IPs – trata-se de mecanismos normativos e institucionais tais como os orçamentos participativos, as audiências públicas, os fóruns e os conselhos gestores no qual há a participação concomitante de atores estatais e atores da sociedade civil e de seus movimentos sociais.

Essae artigo é parte de um esforço acadêmico para compreender a dinâmica desses novos institutos sobre o foco de sua efetividade que vem sendo fortalecido para a construção de uma Administração Pública dialógica. Para tal tarefa, o estudo se debruça sobre os denominados Conselhos Gestores a nível municipal, desta forma:

Analisar o papel desses conselhos importa na anuência de que funcionem como mecanismos de participação popular na esfera da Administração Pública, haja vista o esforço de se promover a efetivação da democracia participativa no Brasil e o reconhecimento do desafio do cidadão ativo em sua missão de corresponsabilidade pela gestão pública, corroborando na assunção de novas políticas sociais (AZEVEDO, 2014, p. 12).

Na última década, os conselhos se expandirão para quase totalidade dos setores de políticas públicas, nos três níveis de governo, dos pioneiros Conselhos de Saúde no município de São Paulo, ainda no governo militar, aos Conselhos de Assistência Social, e da Criança e Adolescente fortalecido no início da década 1990 e, posteriormente, os conselhos de educação, segurança alimentar e nutricional, direitos humanos, turismo, idoso, etc.. Essas arenas se tornaram canais de formulação de política, que aproximaram o gestor estatal e a organizações da sociedade civil, na medida em que permite a participação, a deliberação e subsidiam políticas em especial nos municípios brasileiros. Mas, o que seriam e qual é a função desses conselhos?

Para Almeida, Carlos e Silva (2016) nos estudos da democracia, apesar de participação e deliberação serem conceitos distintos, na lógica das instituições deliberativas acabam tornando-se um fim em sim mesmo. Portanto, se faz necessário compreender como esse processo dialógico proporcionado pelo espaço das instituições participativas é capaz de produzir efeitos e soluções para as políticas públicas em sociedade. Nesse sentido:

Os processos participativos têm potencialidades de produzir efeitos positivos em termos de políticas porque, geralmente, a) agrupam indivíduos que possuem conhecimentos relevantes – de expertise - sobre os assuntos alvo das decisões; b) incorporam indivíduos que vivenciam na prática os temas alvos das decisões; c) regulam a tomada de decisão de modo que todos os participantes possam oferecer informações úteis sobre os temas alvos das decisões e, assim, geram também decisões mais pactuadas; d) encurtam a distância entre as decisões e sua implementação, na medida mesma em que reúnem e possibilitam pactos entre os diferentes agentes implicados com a implementação de decisões (ALMEIDA, CARLOS, SILVA, 2016, no prelo).

Os conselhos são espaços, arenas de debate, normativamente institucionalizados pelo Estado que têm por objetivo servi como canais de vocalização participativa entre os movimentos da sociedade civil e os membros do Estado através da ação comunicativa (HABERMAS, 1997), subsidiando as decisões sobre as políticas públicas. No Brasil, em geral, sua ação pode ser descrita através de três principais atos: 1) a deliberação com a emissão de um juízo sobre determinada formulação de política; 2) a execução direta de políticas públicas com controle autônomo e; 3) o fomento e financiamento de dada ação voltada à sociedade, que é executada por um movimento social ou entidade da sociedade civil formalmente constituída.

O primeiro trata-se da deliberação na esfera de ação comunicativa dos conselhos, refere-se ao debate retórico entre os atores ora convergentes ora divergentes que buscam a formulação de propostas de política pública. O espaço dessa deliberação são as reuniões e as conferências, seu objetivo é influenciar o Estado através das decisões tomadas em coletivo para acatar as formulações da política pública deliberada. Nota-se que as formulações deliberadas não são obrigatoriamente incorporadas pelo poder executivo ou legislativo, mas, via de regra, comporiam uma decisão de foro popular e, portanto, imbuída de legitimidade que deve ser seguida pelo agente público.

O segundo trata-se do controle direto que o conselho tem sobre as instituições de dada política pública, em outras palavras, é aquilo que é normativamente designado como competência primaria dos conselhos, e o caso da autonomia outorgada para organização e realização das conferencias, a fiscalização das políticas que possuam relação com o conselho dentre outros atos de competência executiva[2].

Há ainda alguns dentre esses conselhos que tem sua “capacidade executiva” ampliada pela existência dos Fundos Orçamentários que proporcionam certa autonomia financeira para executar as ações deliberadas pelos conselheiros dentro dos limites legais. Esses fundos autônomos recebem o repasse de recurso da União, do Estado do Município, também podem recolher doações de pessoas físicas e jurídicas – com a possibilidade de dedução sobre o imposto de renda – e podem ser o destino de arrecadações com multas e sentenças condenatórias por designação do judiciário.

O terceiro ponto, portanto, é ação só possível aos conselhos que possuem fundo orçamentário. Trata-se do fomento financeiro, após um processo deliberativo no qual, movimentos sociais e associações civis que executam ações concomitantes ou complementares a ações do poder público e possuam vínculo com o conselho, podem apresentar projeto executivo, para receber recursos. É sobre esse aspecto que será realizado o esforço cognitivo dessa pesquisa.

Instituições tais como os Conselhos Municipais da Criança e do Adolescente e o Conselho Municipal de Assistência Social são exemplos pois lançam anualmente editais destinado à escolha de projetos e repasse de recursos públicos para entidades da sociedade civil que realizam sua execução.

Os pesquisadores deste campo analítico ressaltam que os estudos sobre IPs se aprimoraram nos últimos anos a partir de mudanças importantes na abordagem do objeto pela literatura, tais como a proposta aqui apresentada. Segundo Avritzer, uma dessas importantes mudanças dar-se em virtude da pluralização da participação em função do advento de uma legislação local sobre os conselhos surgidos entre os anos de 1990 e 2000 e principalmente após a promulgação do Estatuto das Cidades (AVRITZER, 2010; Brasil, 2004). Para o autor, esse marco normativo é um dos responsáveis pela ampliação dos espaços participativos, assim:

Diversas novas dimensões foram adicionadas à participação com a proliferação dos conselhos tais como a variação temática, uma vez que foram implantados conselhos em diversas áreas de política pública (...) além da variação temática, a questão regional adquiriu outra relevância com a expansão dos conselhos para médias e pequenas cidades do Brasil. O problema da escala adquiriu maior importância. (AVRITZER, 2010, 14)

Daí advém a relevância em efetuar a pesquisa em cidades de médio e pequeno porte, uma vez que já são comuns os estudos focados nas grandes metrópoles principalmente do eixo sul-sudeste. Além disso, estudiosos afirmam que a escala é um indicador importante ao mensurar os requisitos de efetividade (TATAGIBA, 2013; FARIAS 2014) existindo variação de acordo com o tamanho do Município e por consequência dos atores que compõem a rede dos conselhos.

Outro aspecto relevante na composição da hipótese diz respeito ao formato institucional/normativo adotado tanto para deliberação quanto para o resultado dos temas suscitados no espaço de democracia participativa. Desta forma, tal como propõem Faria, uma avaliação da normativa com a qual se organiza juridicamente a participação, que considere o regimento dos conselhos, as formas de eleição dos seus pares e do corpo administrativo e a presença ou ausência de câmeras técnicas, cuja presença permitiria uma participação mais qualificada dos atores (FARIA, 2007) é necessária para compreender os aspectos da efetividade deliberativa nessas arenas de debate.

Aqui ressalto que não se trata de uma perspectiva enviesada por uma teoria procedimentalistas e minimalistas da democracia, que restringe sua dinâmica a um conjunto de regras para a tomada de decisões políticas.

Há a compreensão de que a origem do problema da legitimidade no Estado, ainda que democrático, também repousa na ordem econômica e estatal do regime capitalista e em seus reflexos na estrutura de dominação, que as políticas sociais têm sua origem na desigualdade do mundo trabalho e da distribuição de renda, e que a deliberação nesses institutos participativos podem ser cooptadas  forças sistêmicas.

Outra compreensão está na perspectiva pela qual as inúmeras experiências analíticas sobre os conselhos gestores têm sido previamente vista como experiências com profunda diferenciação dos mecanismos tradicionais da democracia representativa. Esta perspectiva ofusca o entendimento pelo qual a participação formulada pelos conselhos se concretiza nos moldes da democracia representativa. Ainda que os representantes da sociedade civil que se assentam ao conselho, sejam escolhidos por seus pares e tenham com os mesmos uma vinculação orgânica, sua escolha não deixa de ser representativa, um porta voz eleito para ressoar as demandas na arena paritária e com poderes para decidir por seus representados, nesse aspecto:

Portanto, soa irreal a expectativa de que os representantes dos usuários nestes espaços tenham maior capacidade de articulação e que continuamente estejam em contato com suas entidades e representados, articulando seus interesses. O modelo com o qual se lida é o da representação (FERRAZ, 2005, p. 55).

 Contudo ainda que imbuído dessa compreensão, não será esse o foco pelo qual se debruçará essa pesquisa. O recorte proposto vai restringir o objeto e sua análise ao ciclo de distribuição dos recursos do fundo orçamentário do conselho, trata-se, portanto, de observar um procedimento, na tentativa de avaliar sua efetividade e propor padrões e possíveis indicadores que facilitem a mensuração dos resultados nos mecanismos de instituição participativa.

 Concluindo o presente artigo, tratou-se de perpassar o “estado de arte” sobre os aspectos históricos, sociológicos e normativos da construção dos espaços de participação no modelo democrático vigente, com enfoque nas instituição participativa, em especial na descrição dos conselhos de políticas públicas. Tratou-se de apresentar parte de um desenho de pesquisa em construção, que permita uma melhor compreensão das interações sócio-estatais entre esses espaços híbridos, onde sociedade civil e Estada convergem. Por fim, faz-se coro, a necessidade do aprimoramento de uma agenda de pesquisa, que permita traçar indicadores e normativas que auxiliem para o aperfeiçoamento e a efetividade dos resultados advindo desses espaços de democracia participativa.

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Sobre o autor
Rhadson Monteiro

Advogado e professor formado em Direito pela UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto e em História pela mesma universidade; Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UCM - Universidade Cândido Mendes, Mestre em Ciências Sociais da linha "Instituições, Participação e Políticas Publicas" da UFES - Universidade Federal do Espírito Santo. Já ocupou diversos cargos do executivo Municipal e Estadual como servidor concursado e nomeado. Na acadêmica atua principalmente nas seguintes áreas: História do Direito, história das Ideias, Direito Constitucional, Direitos Humanos, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Público e Administrativo, Direito Civil, Ciências Políticas, Teoria do Estado, Políticas Públicas, Movimentos Sociais, Instituições, Sociologia Jurídica, Hermenêutica Jurídica, Filosofia Jurídica, Teoria do Direito, Teoria da História e Historiografia, Instituições Participativas. Atualmente servidor público no cargo de analista lotado na Procuradoria Jurídica da Universidade Estadual de Santa Cruz.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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