Aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho

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16/08/2018 às 16:01
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DA APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DO TRABALHO

Chega-se neste capítulo ao ponto nevrálgico do presente trabalho, haja vista que a compatibilidade, ou não, da aplicação incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, prevista no artigo 855-A da CLT, com os princípios e peculiaridades deste ramo, é o que aqui se busca discutir.

Aqui serão abordados alguns princípios do processo do trabalho relevantes ao tema, bem como a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho antes e depois do advento do Código de Processo Civil de 2015 e do informativo n.° 39 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e, por fim, sua atual aplicação, com a reforma da CLT trazida pela Lei n.° 13.467 que inseriu o artigo 855-A, o qual prevê como deva ser esta aplicação, comparando a sua (in)compatibilidade com as formas anteriores, as peculiaridades e os princípios do processo do trabalho.

3.1 DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS NO PROCESSO DO TRABALHO

Na aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica podem ser suscitados alguns princípios que norteiam o direito material e processual do trabalho, razão pela qual serão analisados estes princípios, quais sejam: o Princípio da Proteção do Trabalhador, o Princípio da Razoável Duração do Processo, o Princípio da Celeridade Processual e o Princípio da Economia Processual.

O Princípio, conforme conceitua SARAIVA e MANFREDINI[90] “[...] são proposições genéricas, abstratas, que fundamentam e inspiram o legislador na elaboração da norma.” Exercem, ainda, a função norteadora da interpretação de determinada norma dada pelo operador do direito, bem como, ser fonte integradora desta, suprindo as omissões e lacunas do ordenamento jurídico. [91]

Dessa forma, explica CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE[92] que:

A coerência interna de um sistema jurídico decorre dos princípios sobre os quais se organiza. Para operacionalizar o funcionamento desse sistema, torna-se necessária a subdivisão dos princípios jurídicos. Extraem-se, assim, os princípios gerais e os princípios especiais, conforme a natureza de cada subdivisão.

Assim, temos que os princípios são divididos em gerais, que recaem sobre o direito como um todo, e especiais ou específicos, que recai sobre cada qual dos seus ramos (direito do trabalho, por exemplo). [93]Sendo que os princípios gerais serão aplicados no direito material e processual do trabalho, salvo quando forem incompatíveis com o fim deste. [94]

3.1.1 Princípio da Proteção do Trabalhador

O princípio da proteção do trabalhador está no bojo dos princípios infraconstitucionais do direito do trabalho (específico ao ramo), os quais constituem o fundamento do sistema jurídico trabalhista. [95]

Este princípio, conforme preleciona SARAIVA e MANFREDINI[96], vem do caráter protecionista do direito material trabalhista, sendo também utilizado no direito processual, “[...] o qual é permeado de normas, que, em verdade, objetivam proteger o trabalhador, parte hipossuficiente da relação jurídica laboral”.

Este princípio visa estabelecer a igualdade jurídica entre empregado e empregador, diante da manifesta superioridade econômica do segundo em relação ao primeiro. [97]

Assim, ENOQUE RIBEIRO DOS SANTOS e RICARDO ANTONIO BITTAR HAJEL FILHO[98] lecionam que:

Nada mais justo que o Direito Processual do Trabalho recepcionar e efetivar o princípio da proteção, posto que o processo, com seu caráter instrumental, tem como escopo concretizar as normas de direito material e realizar o amparo a direitos violados. Dessa forma, a proteção em âmbito processual nada mais é do que assegurar, efetivamente, o princípio protetor consagrado no Direito do Trabalho.

Desta feita, considera-se o obreiro hipossuficiente também na relação processual, fazendo com que a própria legislação processual trabalhista tenha regras que visam à proteção deste. [99]

Vale ressaltar que não cabe ao juiz do trabalho fazer com que o empregado, parte hipossuficiente, tenha privilégios processuais, infringindo assim, o princípio da isonomia, mas sim o magistrado respeitar as normas preestabelecidas, uma vez que a própria lei processual trabalhista é dotada de dispositivos que visam à proteção do obreiro. [100]

3.1.2 Princípios da Razoável Duração do Processo, da Economia Processual e da Celeridade Processual

Os Princípios da Razoável Duração do Processo e da Celeridade são princípios constitucionais que encontram fundamentação legal no inciso LXXVIII (acrescentado através da Emenda Constitucional n.º 45) do art. 5° da Constituição Federal de 1988 (CF/88)[101], que dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. [102]

Transpondo a legislação constitucional, os princípios ainda encontram-se fundamentados no CPC/15[103], que traz em seu art. 4º: “As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. [104]

Segundo MONTENEGRO FILHO, as normas acima reproduzidas têm redação que “[...] não garante que os processos judiciais e que os procedimentos administrativos sejam encerrados em tempo razoável, evitando as delongas processuais que tanto sacrificam o direito material e as partes”. [105]Todavia a razoável duração do processo será alcançada na medida em que for visualizado como meio, e não como fim, evitando atos exageradamente burocráticos e procrastinatórios, exigindo para tanto, originalidade do operador do direito. [106]

No mesmo sentido, justifica-se o princípio da Economia Processual, onde se consiste na jurisdição atingir o resultado ao qual foi pleiteado com o mínimo de atos processuais, evitando-se dispêndios desnecessários de tempo e dinheiro. [107]Tal princípio autoriza que o juiz aproveite ao máximo os atos processuais já praticados.[108]

Importante ressaltar que os referidos princípios podem ser classificados como “princípios comuns com maior intensidade” no processo do trabalho, os quais exigem uma acentuação maior dentro do processo trabalhista para que este possa cumprir suas finalidades, ante a situação econômica do trabalhador. [109]

Desta feita, não obstante a observação dos princípios acima citados em todos os ramos do Direito, quando utilizados no processo do trabalho exija-se uma maior eficácia destes, haja vista que o ramo do Direito do Trabalho tem como propósito a compensação das dificuldades do trabalhador, muito em virtude do princípio da Proteção,[110] o qual já fora explanado no Capítulo anterior.

3.2 DA APLICAÇÃO ANTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

Antes do advento do código de processo civil de 2015 não havia um rito específico para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e, diante dessas omissões legislativas, os autores discutiram acerca da aplicação deste instituto no processo do trabalho, atribuindo uma forma específica de aplicá-lo. [111]

A desconsideração ocorria precipuamente no bojo das execuções trabalhistas, sendo levada a efeito de ofício pelo juiz que as dirigia, eis que a execução, por força de imperativo legal, tramitava de ofício[112], conforme dispõe o art. 878 da CLT. [113]

Tal medida independia da ciência ou citação pessoal dos sócios incluídos no polo passivo em decorrência da desconsideração para responder pela execução, já que o simples ajuizamento da reclamação outorgou aos sócios-proprietários ciência da existência de débito perseguida em desfavor da pessoa jurídica por eles constituída.[114]

Nesse sentido, segue os julgados:

EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A desconsideração da personalidade jurídica não exige solenidades, não é coisa que dependa de forma especial, de algum anúncio ou proclama ou editais. É uma circunstância, uma consequência, um fato. Se a empresa devedora não tem bens para responder pela execução, vai a Justiça atrás dos bens pessoais do sócio. Pronto. Já se desconsiderou a personalidade jurídica. Agravo de petição da executada a que se nega provimento. (TRT-2 Agravo de Petição. Proc. 1456199730102009 – Acórdão número: 20100268956 SP, Relator: MARIA APARECIDA DUENHAS, 11ª TURMA, Data de Publicação: 13/04/2010). [115]

EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO SÓCIO. FALTA SUPRIDA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. No processo do trabalho, conforme dispõe o art. 794 da CLT, só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes. Assim, desconsiderada a personalidade jurídica da executada não há falar em nulidade processual por ausência formal de citação dos sócios se tomaram eles ciência, por outros meios, da sua inclusão no pólo passivo da demanda e do valor do débito exeqüendo. (TRT-12 - AP: 01917200401812859 SC 01917-2004-018-12-85-9, Relator: MIRNA ULIANO BERTOLDI, SECRETARIA DA 1A TURMA, Data de Publicação: 30/03/2009). [116]

EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CITAÇÃO. Consoante os termos dos artigos 592, II, e 568, do Código de Processo Civil, recaindo a execução sobre os bens de um dos sócios (responsáveis secundários), em virtude do redirecionamento do processo decorrente da aplicação do princípio da desconsideração da personalidade jurídica, não há a necessidade de nova citação para continuidade da execução. Decisão por unanimidade.

(TRT-15 - AGVPET: 54361 SP 054361/2007, Relator: OLGA AIDA JOAQUIM GOMIERI, Data de Publicação: 31/10/2007). [117]

Pode-se observar, portanto, que, em razão dos princípios que regem o processo do trabalho, dentre eles o da celeridade, informalidade e efetividade, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não dependia de formalidades, assim, se a empresa devedora não tivesse bens para responder a execução, a justiça ia atrás dos bens pessoais do sócio, fazendo, o juiz, a aplicação do instituto de ofício, não citando o sócio incluído no polo passivo da execução, diferente do que veio prevendo o CPC/15. [118]

3.3 DA APLICAÇÃO APÓS O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 E A INSTRUÇÃO NORMATIVA DO SUPERIOR TRIBUNAL DO TRABALHO N° 39

A CLT, antes da reforma introduzida pela Lei n.º 13.467 DE 13 de julho de 2017, não contemplava o procedimento a ser adotado nas hipóteses de utilização da desconsideração da personalidade jurídica[119], e, diante de tal omissão, por força do disposto no art. 15 do CPC/15 juntamente com o art. 769 da CLT, aplica-se o CPC/15 ao processo do trabalho de forma supletiva, desde que compatível com a principiologia e as peculiaridades do Direito do Trabalho. [120]

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), buscando antecipar às inúmeras discussões que surgiriam face da aplicação do CPC/15 no processo do trabalho, criou a Instrução Normativa nº 39/2016 (IN nº 39 do TST), editada através da sua Resolução 203, de 15 de março de 2016, que dispõe acerca das normas do código que são aplicáveis ou inaplicáveis neste caso. [121]

Quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, traz o art. 6º da IN nº 39 do TST:

Art. 6° Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878).

§ 1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:

I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do art. 893, §1º da CLT;

II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;

III – cabe agravo interno se proferida pelo Relator, em incidente instaurado originariamente no tribunal (CPC, art. 932, inciso VI).

§ 2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC. [122]

Com isso evitou-se que inúmeras decisões pela não adoção do incidente viessem a ser reformadas quando chegassem ao órgão uniformizador nacional desde tema. [123]

Não obstante, surgiram desentendimentos doutrinários quanto à aplicabilidade do instituto na forma prevista pelos arts. 133 ao 137 do CPC/15, conforme entendeu o TST através da IN nº 39/2016. [124]

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Surgiram entendimentos que externaram que o incidente de desconsideração previsto no CPC/15 não seria aplicado ao processo do trabalho, vez que era incompatível com as regras processuais trabalhistas e com seus princípios, tais como o da Celeridade, bem como com o próprio processo de execução trabalhista.[125]

Um dos argumentos utilizados por quem defende que não deveria ser aplicado o CPC/15 em relação a esse instituto, compreende-se no fato de que o mesmo prevê a suspensão do processo, sendo contrário ao princípio da celeridade processual. [126]E ainda, tal suspensão, não compreenderia o rol taxativo que prevê a CLT em seu art. 799[127], conforme vejamos:

Art. 799 - Nas causas da jurisdição da Justiça do Trabalho, somente podem ser opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou incompetência. [128]

Nesse sentido, CLEBER LÚCIO DE ALMEIDA[129] assim se manifesta:

Destarte, não é compatível com o direito processual a previsão de que, requerida, a desconsideração da personalidade jurídica, deverá ser instaurado incidente, com suspensão do processo, medida que se mostra, inclusive, injustificável, na medida em que faz depender do reconhecimento do crédito (objeto da demanda) a fixação da responsabilidade pela sua satisfação (objeto incidente).

Dessa forma, além de ir de encontro com a legislação processual trabalhista, a suspensão processual implicaria vulnerar o princípio da celeridade processual, com evidente prejuízo da efetividade jurisdição. [130]

No tocante a defesa do sócio, quando utilizado o incidente sem observar o que prevê os artigos 133 a 137 do CPC/15, não configuraria violação ao contraditório, vez que, bastava que o mesmo, atingido pela penhora de seus bens pessoais, fizesse a indicação de patrimônio de pessoa jurídica capaz de atender a execução trabalhista, onde se presume que a ciência da divida trabalhista por parte do sócio se dá com a mera propositura da ação trabalhista. [131]

Pelo exposto, é preciso destacar que os princípios que regem o direito processual e material trabalhista não admitem que se possa pensar em medidas que dificultem a garantia de pagamento da dívida trabalhista. [132]

Contrapondo a essa corrente que insurgiu e corroborando com o entendimento do TST, estavam os que entendem que a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC/15 é plenamente compatível com o processo do trabalho, haja vista a omissão quanto ao tema e que não haveria prejuízo aos princípios deste ramo. [133]

Defendiam, ainda, que o a utilização de tal instituto de acordo com o previsto no CPC/15 vai ao encontro dos princípios éticos e da busca da aplicação da justiça, haja vista que assegura o contraditório e a ampla defesa. [134]

Nesse sentido, prelecionam JOUBERTO DE QUADROS PESSOA CAVALCANTE e FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO[135], quando dizem:

Assim como inúmeras outras inovações do NCPC, não temos dúvidas que o incidente da desconsideração da personalidade jurídica é compatível com o processo trabalhista (arts. 769 e 878, CLT; art. 15, NCPC5), notadamente, por ser um procedimento que permite o respeito à segurança jurídica e ao devido processo legal quanto à pessoa do sócio ou ex-sócio (arts. 7º e 10, NCPC).

Para BRITEZ[136], apesar do processo do trabalho ser dotado de princípios específicos, tendo plena autonomia doutrinária e científica, não deverá ser encarado de forma isolada dentro do ordenamento jurídico, pelo contrário, deve está sempre dialogando com os demais ramos do direito, principalmente com o direito processual comum e, acima de tudo, como o direito processual oriundo da CR/88, “[...] de forma a concretizar o postulado da Unidade do ordenamento jurídico, corolário da visão sistêmica e hierárquica próprias deste ramo da ciência”.

Pelo o exposto, verificou-se, apesar de posicionamento do TST, a existência de divergência pelos operadores do direito quanto à aplicação supletiva do incidente de desconsideração da personalidade jurídica do CPC/15, uma vez que surgiram defensores de que a sua utilização iria de encontro aos princípios e preceitos da legislação processual trabalhista, [137]enquanto outros analisam que sua aplicação não atentaria tal contrariedade, que, inclusive, estaria de acordo com o que prevê a legislação vigente e os princípios constitucionais. [138]

Malgrado a divergência que surgiu no campo doutrinário, a aplicação da jurisprudência, pelo menos no âmbito dos tribunais, se mostrou uníssona, sujeitando-se ao entendimento do TST, conforme se verifica nas seguintes ementas:

AGRAVO DE PETIÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PROCESSO DO TRABALHO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. O Novo Código de Processo Civil, em seus artigos 133 e seguintes, trouxe a previsão de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo certo que o c. TST, por meio da Instrução Normativa nº 39/2016, se manifestou pela compatibilidade do referido incidente com o Processo do Trabalho. Recurso do executado a que se dá provimento.

(TRT-1 - AP: 00000416320165010030 RJ, Relator: Paulo Marcelo de Miranda Serrano, Sexta Turma, Data de Publicação: 30/01/2018). [139]

INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - APLICAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos artigos 133 a 137 CPC, é aplicável no processo do trabalho, assegurada a iniciativa do Juiz do Trabalho (artigo 878 CLT).(grifo nosso) Incidência do artigo 6ª da Instrução Normativa 39/2016 do Colendo TST.

(TRT-3 - AP: 01559201303903002 0001559-12.2013.5.03.0039, Relator: Jales Valadao Cardoso, Segunda Turma, Data de Publicação: 02/03/2018).[140]

AGRAVO DE PETIÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. APLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. Previsto nos artigos 133 e seguintes do Novo CPC de 2015, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, instituído pelo novo Código de Processo Civil, é aplicável à execução trabalhista, a teor do que estabelecido no artigo 6º da Instrução Normativa nº 39 do C. TST.

(TRT-7 - AP: 00018864420155070016, Relator: DULCINA DE HOLANDA PALHANO, Data de Julgamento: 11/10/2017, Data de Publicação: 13/10/2017). [141]

AGRAVO DE PETIÇÃO. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SEM OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO CPC/2015. A teor do art. 6º, da Instrução Normativa nº 39, do TST, aplica-se ao Processo do Trabalho o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica regulado pelo CPC/2015, nos arts. 133 a 137. Apelo provido. (Processo: AP - 0002105-86.2015.5.06.0371, Redator: Maria do Carmo Varejao Richlin, Data de julgamento: 21/01/2018, Terceira Turma, Data da assinatura: 24/01/2018)

(TRT-6 - AP: 00021058620155060371, Data de Julgamento: 21/01/2018, Terceira Turma). [142]

Noutro giro, esmiuçando o ensejo dos recursos que geraram os acórdãos das ementas acima, verifica-se uma resistência de alguns juízes de primeiro grau para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica utilizando o procedimento adotado pelo CPC/15, conforme entendimento de juízo a quo transcrito pelo relator Desembargador Federal do Trabalho PAULO MARCELO DE MIRANDA SERRANO do Tribunal Regional do Trabalho da 1° Região em Acórdão que contrariou este entendimento, determinando a instauração do incidente nos termos do CPC/15.[143] Vejamos o que argumentou o juízo de primeira instância:

Inicialmente, ante a petição de fls. 538/543, indeferido o requerido pelo sócio, uma vez que o art. 133, do Novo Código de Processo Civil é incompatível com caráter célere da Justiça do Trabalho. Anote-se o patrocínio do sócio informado à fl. 542, intimando-se para tomar ciência do presente despacho bem como para efetuar o pagamento ou garantir a execução do prazo preclusivo de 48 horas. (fl. 157). [144]

Nesse sentido, há também, entendimentos de segunda instância, conforme ementa que segue:

AGRAVO DE PETIÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, versado nos artigos 133 a 137 do CPC/2015, é inaplicável ao processo do trabalho, de forma que a sua inobservância, no caso concreto, não conduz à nulidade do redirecionamento da execução aos sócios, cujos elementos necessários se encontram evidenciados nos autos. (grifo nosso) Além disso, os agravantes estão tendo a oportunidade de se defender tanto do redirecionamento da execução, quanto da penhora online, pelos meios processuais adequados, dentre os quais o presente recurso. Apelo negado.

(TRT-4 - AP: 00202838720145040302, Data de Julgamento: 26/07/2017, Seção Especializada em Execução). [145]

Denota-se assim, que, se tratando da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, desde que o CPC/15 entrou em vigor, existiu, tanto na doutrina como na jurisprudência, certa divergência quanto a sua (in)aplicabilidade no  processo do trabalho, prevalecendo o entendimento de que deveria ser aplicado, sendo certo que, em ambos os entendimentos, o juiz poderia fazê-lo de ofício, conforme excetuou a Instrução Normativa n.º 39 do TST. [146]

3.4 DA APLICAÇÃO COM O ADVENTO DO ARTIGO 855-A DA LEI N.° 13.467 DE 13 DE JULHO DE 2017 (REFORMA DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO)

Em 13 de julho de 2017 foi publicada a Lei n.° 13.467, que entrou em vigor em 11 de novembro do mesmo ano, 120 dias após sua publicação, conforme previu o art. 6° desta. [147]A referida lei acrescentou a Seção IV ao Capítulo III do Título X da CLT, com o art. 855-A, o qual trata do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. [148]Vejamos o que dispõe o referido artigo:

‘Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.

§ 1° Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:

I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1° do art. 893 desta Consolidação;

II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;

III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal.

§ 2° A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). [149]

Como se pode observar, a CLT, desde 11 de novembro de 2017, prevê o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o qual deverá ser aplicado conforme previsto nos artigos 133 e 137 do CPC/15. [150]

Por sua vez, o § 1° deixa claro que a decisão que acolhe ou rejeita o incidente é de natureza interlocutória, da qual não cabe recurso imediato se proferida na fase de cognição. [151]

Entretanto, se for proferida na fase de execução, caberá Agravo de Petição, independentemente de garantia do juízo, e, caso de o incidente ser instaurado originalmente no tribunal, cabe agravo interno da decisão proferida pelo relator. [152]

Por fim, observa-se que o § 2° explica que a instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo da concessão de tutela de urgência de natureza cautelar, nos termos do art. 301 do CPC/15. [153]

A inclusão do art. 855-A veio no intuito de retificar o que previu o artigo 6° da IN n.° 39 do TST e, assim, suprir à omissão da CLT e tentar pôr fim as divergências doutrinárias e jurisprudenciais que insurgiram acerca do tema. [154]

Cabe ressaltar, todavia, que, diferente do que previa o art. 6° da IN n.° 39 do TST[155], o art. 855-A não autoriza a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de ofício pelo juiz. [156]Assim, a aplicação do incidente no processo do trabalho deverá observar o previsto no CPC/15, impossibilitando a instauração de ofício pelo juiz, conforme prevê o artigo 133, no qual expõe vedação expressa de tal prática. [157]

No entanto, no processo do trabalho, diferente do processo civil, em razão da natureza do crédito em discussão, bem como das peculiaridades do seu procedimento, defende-se a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica determinada de ofício pelo juiz, conforme o próprio TST externou na IN n.° 39. [158]

Assim, malgrado as divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da aplicação do incidente previsto no CPC/15 ao processo do trabalho, a instauração deste pelo juiz de ofício era admitido, [159]sendo ponto convergente em ambos os entendimentos, conforme se verificou no Capítulo 3.2 deste trabalho.

A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de ofício pelo juiz encontra fundamento no art. 878 da CLT. [160]Vejamos o que dispõe o referido artigo:

Art. 878.  A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.  (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).

Parágrafo único.  (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).[161]

Como pode se observar, a execução pode ser movida de ofício pelo juiz, assim, demonstra-se que, muito por conta dos princípios inerentes ao ramo, bem como da hipossuficiência por parte do trabalhador, deve-se haver uma atuação ativa por parte do juiz para que o crédito em discussão seja devidamente quitado. [162]

Desse modo, não seria justificável não haver a possibilidade de instauração de ofício do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. [163]

Nesse sentido, prelecionam NOGUEIRA e BENTO[164], quando dispõem que, no âmbito do direito processual do trabalho, a desconsideração da personalidade jurídica onde tal instituto é levado a efeito será no bojo das execuções trabalhistas, onde tramitando esta de ofício, “[...] nenhuma justificativa há para aguarda-se requerimento da parte ou do Ministério Público e, muitos menos, de justificativa outra parte para que a desconsideração seja efetuada.”[165], ou seja, contrário ao que prevê o art. 855-A.

CLAUS[166], corroborando com tal argumento, dispôs que:

A execução de ofício constitui uma das medidas destinadas a enfrentar o desafio de promover o reequilíbrio da assimétrica relação de emprego. O equacionamento dessa desigualdade é conduzido sob a inspiração do princípio da proteção, princípio que se comunica ao processo do trabalho. Equacionar essa desigualdade real na perspectiva de uma igualdade ideal implica adotar tratamento diferenciado aos litigantes, de modo que a superioridade econômica do empregador seja compensada por vantagens jurídicas asseguradas ao litigante hipossuficiente.

Assim, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deve continuar a ser concedida de ofício pelo Magistrado do Trabalho. [167]

Para asseverar tal entendimento, há de que se falar do poder geral de cautela, que consiste em uma permissão dada ao Estado-juiz para que possa conceder medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória, mesmo que não descritas pela norma jurídica. [168]O poder geral de cautela encontra escopo legal no art. 297 do CPC/15. [169]

O processualista CÂMARA[170] explica que:

O poder geral de cautela é instituto considerado necessário em todos os quadrantes do planeta, e decorre da óbvia impossibilidade de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o processo que podem vir a ocorrer em concreto. Por tal razão, tem-se considerado necessário prever a possibilidade de o juiz conceder medidas outras que não apenas aquelas expressamente previstas pelas leis processuais.

Denota-se que o poder geral de cautela compreende no poder atribuído ao juiz para conceder medidas cautelares atípicas (não previstas em lei), como forma de proteger aquelas situações de perigo para efetividade do processo para as quais não haja qualquer medida cautelar típica adequada. [171]

A rigor, o poder geral de cautela, como previsto no art. 297 do CPC/15, reúne ambas as tutelas existentes, quais sejam, a cautelar, se tratar de se assegurar o resultado útil do processo, ou a satisfativa, se tratar, de forma imediata, entregar de maneira satisfativa o bem da vida ao seu legítimo titular. [172]De modo que o magistrado deverá (devendo entender este como o ‘poder-dever geral de cautela’) determinar as medidas que considerar adequadas para satisfazer ambas as tutelas citadas. [173]

Por óbvio, o denominado poder geral de cautela se aplica ao processo do trabalho, sendo utilizado, inclusive, pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) para justificar a parte final do enunciado n.° 109, aprovado através da 2° jornada de direito material e processual do trabalho, ocorrida em 09 e 10 de outubro de 2017. [174] Vejamos o que dispõe o enunciado n.° 109:

PROCESSO DO TRABALHO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: APLICAÇÃO LIMITADA

[...] IV - ADOTADO O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, O JUIZ, NO EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA, DETERMINARÁ ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS A INDISPONIBILIDADE DE ATIVOS FINANCEIROS E DECRETARÁ A INDISPONIBILIDADE DE OUTROS BENS PERTENCENTES AOS SÓCIOS, PESSOAS JURÍDICAS OU TERCEIROS RESPONSÁVEIS, SENDO DESNECESSÁRIA A CIÊNCIA PRÉVIA DO ATO.[175]

Como pode ser observado, a ANAMATRA imiscuiu-se no sentido de que, aplicando o incidente de desconsideração jurídica, o magistrado, no exercício do poder geral de cautela, deve, sem dar ciência prévia a aquele que irá sofrer a desconsideração, garantir a eficácia da execução. [176]

Desse modo, é bastante evidente que a ANAMATRA corrobora no sentido de que existe a possibilidade do juiz instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica de ofício, afirmando isto categoricamente na fundamentação do enunciado citado acima. [177]

Por todo o exposto, denota-se que, apesar da reforma na CLT ter, com a introdução do art. 855-A, suprimido uma lacuna que existia quanto à aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, criou-se uma nova discussão além das divergências que já se apontava, qual seja, acerca da impossibilidade de haver a instauração de ofício pelo juiz do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

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Sobre o autor
Iago Oliveira Redivo

bacharel em direito pelo Centro Universitário Faesa, Pós-graduando em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e advogado (OAB/ES n.º 30819)

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