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O postulado ético do devido uso do instrumento de averbação premonitória

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4. A Axiologia do Uso das Certidões de Averbação da Execução

Pelos efeitos do decurso do tempo e do campo fértil que é a execução para o devedor, traziam para o exequente o que podemos chamar de vulnerabilidade instrumental - que pode se conceituar como uma lacuna do ordenamento processual em não confere instrumentos para satisfazer sua posição jurídica de vantagem.

A impossibilidade de adoção de medidas a fim de impedir eventual conduta maliciosa do devedor a execução, por muitas vezes, representava para o exequente uma encenação teatral. Quase sempre as operações de blindagem e sucateamento eram verificadas a posteriori de forma repressiva e não preventiva, por meio de ações paulianas ou nos casos mais graves reivindicatórias.

Era evidente a zona cinzenta que as sucessivas aquisições de bens poderiam criar junto a terceiros e os riscos que o sentimento de imprestabilidade da execução poderiam causar par a sociedade. Como exemplo, antes da Lei 11.382/06, ou seja, sem a possibilidade do uso da certidão de averbação da execução, em meio a operações imobiliárias, a primeira aquisição do bem seria a única que poderia ser anulada: a má-fé só poderia ser oponível ao primeiro adquirente e aos sucessores apenas se fosse remotamente comprovada a má fé – algo de extrema dificuldade pois envolve um aspecto subjetivo. Ademais, não se justificaria em hipótese alguma exigir que os adquirentes e órgãos registrais fossem demandados a verificar o teor das certidões de distribuição dos proprietários anteriores a fim de buscar se haveria algum risco. Caso a solução para a garantia da segurança jurídica tivesse que partir pela reforma da Lei de Registros Públicos se instauraria um caos inadmissível e ilógico ao sistema.

Diante de tal hiato e dos sucessivos casos nos quais que se verificou as consequências desta lacuna, o STJ editou, em 2009, a Súmula 375 que definiu que “o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Ainda assim a exigência dependia ainda da averbação da penhora que poderia demorar um tempo indefinido tornando ainda mais perigosa a posição do exequente aos efeitos do tempo e dos mecanismos de blindagem patrimonial ilícita.

Humberto Theodoro Júnior (2016; pág 226) aborda os efeitos que transcendem a relação processual mantida apenas entre o devedor originário e o credor – opina no sentido de que terceiros adquirentes do bem se sujeitam também a anulação do negócio:

“Os bens afetados pela averbação não poderão ser livremente alienados pelo devedor. Não que ele perca o poder de dispor, mas porque sua alienação pode frustrar a execução proposta. Trata-se de instituir um mecanismo de ineficácia relativa. A eventual alienação será válida entre as partes do negócio, mas não poderá ser oposta à execução, por configurar hipótese de fraude nos termos do art. 593, como prevê o §3º do art. 615-A. Não obstante a alienação subsistirá a responsabilidade sobre o bem, mesmo tendo sido transferido para o patrimônio de terceiro”

Com o crescimento econômico e em meio a uma economia cada vez mais volátil fez-se necessário o aperfeiçoamento dos sistemas voltados a tutelar o interesse não só do exequente, mas também do executado. Por muitas vezes o próprio uso das certidões de averbação de execuções eram utilizadas de forma arbitrária pelo exequente que pelo verniz de apenas dar publicidade a futuros adquirentes, utilizavam-na como evidente instrumento de coação pelo congelamento por inúmeras vezes total do patrimônio do executado sob o pretexto do exercício regular de um direito.

As sanções para o uso indevido ou excessivo do direito de averbar eram brandas e por muitas vezes sequer eram aplicadas. Não foram poucos os casos que após anos da constatação dos excessos cometidos pelo exequente, o tribunal se limitava a apenas determinar o levantamento das penhoras ou, quando muito, aplicar pena de litigância de má-fé uma rara indenização de difícil e rara aplicação pois não se compreendia bem o que seria averbação indevida indenizável.

Inclusive, ainda há que se considerar que o próprio credor acabava por impedir que o devedor realizasse parte do seu patrimônio para remir a execução – uma faculdade prevista no próprio ordenamento processual. Os juros e consectários da mora permaneciam sendo exigíveis mesmo quando se observava tal fato oponível apenas ao credor e nada era feito contra ele. O desequilíbrio e a impunidade quanto ao uso indevido das certidões premonitórias era recorrente. Contudo, ainda assim tal instrumento permanecia como uma saída para tornar operativa e eficaz a execução arvorada.

“Ao se debruçar sobre o tema, Araken de Assis registra, inclusive, que, em meio à arredia conjuntura econômica atual, “a esfera patrimonial das pessoas se desvaneceu, adquirindo escassa transparência”, e acrescenta que “os bens de raiz deram lugar a depósitos anônimos em paraísos fiscais”, não havendo “meios técnicos disponíveis [...] para se adaptar a esta nova realidade[4].

Em excelente trabalho monográfico de conclusão do curso de graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Lucas Rocha Mendes lança importantes questionamentos quanto à dificuldade que o exequente enfrentaria caso tivesse que combater eventual planejamento voltado a blindagem patrimonial perpetrado pelo executado no curso da execução:

“O levantamento de bens se mostra ainda mais anêmico quando analisadas as ferramentas pelas quais se realiza essa busca. Para a localização de imóveis de propriedade do devedor em Santa Catarina, por exemplo, é necessário o requerimento – e recolhimento de custas – para cada um dos Ofícios de Registro de Imóveis, espalhados pelas 111 (cento e onze) Comarcas instaladas no Estado. Considerando que em diversas Comarcas existe mais de um Ofício competente, resta evidente a impossibilidade de um completo levantamento nesse território. Verifica-se, ainda, que muitos registradores levam até 3 (três) dias úteis para disponibilizar cópias das matrículas atualizadas dos imóveis encontrados e, na maioria das ocasiões, não as concedem por meio eletrônico, restando ao solicitante aguardar o envio pelo sistema postal que melhor aprouver ao registrador. A situação não difere quando se almeja levantar os veículos registrados em nome do devedor. Em que pese o sistema do Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina (DETRAN/SC) unificar a pesquisa para todos os Municípios do Estado, o órgão exige que o interessado faça pessoalmente o requerimento de busca e, não fosse suficiente tal entrave, ainda estabelece que o resultado pode ser disponibilizado em até 5 (cinco) dias úteis. Ora, se após a assinatura do Certificado de Registro do Veículo (CRV) este mesmo Departamento, por vezes, transfere a titularidade de um automóvel no mesmo dia, significa dizer que o devedor que assim desejar, dispõe de amplas possibilidades de ocultamento patrimonial”.

O mesmo autor ainda cita a falha técnica de se requerer já na inicial a expedição da referida certidão (2015; pág. 19):

“Na literalidade do seu texto, portanto, a certidão passará a ser referir à admissão da execução pelo juízo – daí porque denominada “certidão de admissão” –, e não mais ao seu ajuizamento. Tal aspecto remete a uma substancial mudança procedimental: não será mais no momento do protocolo que se realizará o pedido de expedição da certidão, mas tão somente após o despacho inicial do juízo. Além disso, a forma de requerimento também poderá sofrer alteração, a depender do posicionamento dos Tribunais. Afinal, se a certidão se referirá à admissão da execução, poderá ser exigido o requerimento expresso na petição inicial, para que no despacho de recebimento o juízo ordene ao cartório a disponibilização do documento”.

Não pode o ator processual na posição de exequente proceder a averbações excessivas sob o pretexto de pretender “dar publicidade a terceiros da existência da execução” ou até a avaliação dos bens, sob o pretexto de que não teria como avalia-los e etc. Deve o exequente se municiar de informações mínimas do preço de mercado do bem que pretende que passe a constar a existência da execução – a alegação de ingenuidade ou desconhecimento não se coaduna com sua posição de credor e nem pode socorrer a sua eventual má-fé.

Não estamos defendendo que o executado não esteja sujeito à excussão do seu patrimônio, mas o mesmo tem o direito de que o seja por meio do devido processo legal. Cabe ao magistrado, não obstante o quão cansativo seja sua posição de diretor de um processo de execução, a condução do processo em fiel observância aos interesses juridicamente tutelados de todas as partes. A tão frágil posição do exequente não pode ser motivo para a decretação da sua morte civil e alijamento de todo o seu patrimônio disponível. Pode e deve ser respeitada a reserva de patrimônio do devedor e a preservação da sua parte disponível.    


5. A Evolução do Instituto

A Lei 13.105/15 equilibrou as forças antagônicas da execução e aprofundou mais ainda as normas que definem qual conduta processual aceitável e esperada do exequente quanto ao uso de tais averbações. Ao mesmo tempo que aumentou a sua liberdade quanto ao uso das certidões premonitórias, que, em sua forma, passaram a ser mais genéricas, possibilitando a averbação por iniciativa do próprio exequente, fez com que este tivesse o dever de levantar ele próprio as averbações excessivas após perfectibilizada a penhora de bens suficientes.

Pela nova sistemática, detém o exequente o dever processual de comunicar ao juízo acerca dos bens que teria averbado, sob pena de esta ser considerada manifestamente indevida, acarretando ao credor a obrigação de indenizar o devedor pelo excesso praticado – consoante dicção do § 5º do art. 828 do CPC/2015:

Art. 828.  O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

§ 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.   

§ 3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

§ 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

Bastante equilibrada a disposição do art. 828 do Código de Processo Civil de 2015 pois concedeu ao exequente maior liberdade e celeridade na assunção de medidas que visassem a salvaguarda não só do seu crédito, mas também de terceiros adquirentes que não teriam como ter ciência dos riscos anteriores a aquisição do bem pelo vendedor.

A liberdade do exequente, pelo simples fato de ser parte, não é absoluta. Em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da menor onerosidade, o §5° do art. 828 obriga ao exequente que comunique as averbações realizadas ao juízo da execução para que em 10 dias posteriores a formalização da penhora cancele os excessos.

Cabe ao credor levar a averbação a existência da execução, bem como, retirá-la, não sendo necessária ordem judicial para tanto. Ou seja, o exequente é quem providenciará o cancelamento das penhoras excessivas não cabendo imputar ao juízo eventual irresponsabilidade por sua inércia:

§ 2º - Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.

§ 3° - O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

A par destas regras, a CGJ editou a seguinte:

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CNNR - Artigo 427-A – O cancelamento das averbações premonitórias, que trata o artigo 615-A do Código de Processo Civil, efetuar-se-á nas seguintes hipóteses:

I – determinação judicial;

II – através de requerimento expresso do credor/exequente quando a execução já estiver garantida por outros bens devidamente penhorados ou quando o processo de execução estiver extinto, desde que o próprio credor/exequente tenha solicitado a averbação premonitória;

III – através de requerimento expresso do devedor/executado quando comprovada a extinção do processo de execução.

  O quarto dispositivo é o que consta no § 5º do mesmo artigo 828, correspondente ao 615-A: § 5º - O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

  Desde o momento em que foi editado o artigo 615-A, em 2015, a doutrina já chamava atenção para os riscos para o credor que averbasse a referida certidão em excesso de premonição, vale dizer, para o risco de averbar a certidão em mais imóveis/bens móveis do que os necessários.

Tanto o Código de Processo Civil de 1973 quanto o atual, impõe que no prazo de dez dias o requerido deveria comunicar a realização do ato e providenciar o desbloqueio dos excessos. A própria interpretação literal do art. 615-A, em seu § 4º c/c o art. 828, §5º do atual, anotam que a averbação manifestamente indevida acarreta ao exequente (ora requerida) a obrigação de indenizar, bem como a multa decorrente da litigância de má-fé. 

A indisponibilidade de todo o patrimônio do executado impossibilita a realização de parte do seu patrimônio como forma de fazer frente as suas obrigações. Comprovada a reserva de patrimônio superior a execução e o cerceamento do direito pleno de propriedade do autor, naquela ocasião, executado, não pode o exequente querer que o executado responda pelos corolários de mora e de juros. Mais que isso, deve a ré indenizar a parte autora pelo longo período de alijamento do direito de disposição dos seus bens – que superam em muito o valor da presente execução.

Ademais, a averbação da penhora ou da averbação premonitória significam o mesmo: imposição de restrição aos direitos de disposição do bem. Caso fosse necessário o posterior registro da penhora sobre bem que pendesse o registro da averbação citado. Daí a conclusão de que a lei dispensou a realização de novo registro no caso de penhora de bem com averbação anterior, como esclarece Luciano Santhiago Ziebarth[5]:

“A par disso, uma vez realizada a averbação, não há necessidade do posterior registro da penhora, uma vez que a averbação do ajuizamento da execução possui a mesma finalidade do registro da penhora, isto é, gerar a presunção absoluta de conhecimento de terceiros, evitando alienações ou onerações maliciosas. Assim, “não apenas com a penhora, mas também com a averbação premonitória se obtém a finalidade publicitária necessária à presunção de fraude à execução, tornando-se desnecessária a averbação da primeira quando já concretizada a segunda no álbum registral” (ZIEBARTH, 2007)”

O parágrafo 2° do art. 828 conferiu ao exequente um dever e lhe impôs o marco temporal para o seu exercício. O parágrafo quinto impõem a sanção ao seu descumprimento visando minorar eventuais prejuízos pela sua conduta excessiva e prazos mais do que bem definidos.

Lucas Rocha Mendes apud Wambier[6] defendem que o termo inicial para a contagem do prazo de dez dias é a data do efetivo registro da penhora suficiente a garantir a execução e tornar os excessos indenizáveis:

“Quanto ao primeiro aspecto, impõe-se analisar a forma de contagem desse prazo(principalmente se considerados os novos dispositivos trazidos pelo CPC/2015 sobre o tema) e o seu termo inicial. É uníssono que o prazo fluirá da data da concretização do ato registral, sendo este o momento em que ocorre a prenotação da certidão na matrícula no bem, conforme disposto no artigo 182 da Lei nº 6.015/1973 (a Lei de Registros Públicos) Não obstante, a aludida contagem se valerá do disposto no artigo 219 do CPC/201547, pelo qual serão contabilizados somente os dias úteis. Sem pretender criticar o dispositivo, mas tão somente avaliar os efeitos práticos da mudança, significa dizer que o prazo (real) para comunicação ao juízo será de até 14 (quatorze) dias corridos (sem considerar eventuais feriados)”.

Quase que sempre o exequente se preocupa apenas com a averbação da penhora do bem. Não se preocupando se a manutenção das demais averbações premonitórias implicariam ou não prejuízo para o patrimônio do executado. Com isso, num misto de falta de zelo e omissão, o credor costuma atribuir tal responsabilidade ao juízo da execução – tal conduta já não se afigurava como aceitável no sistema anterior, tendo sido necessário o legislador disciplinar a matéria.   

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Sobre o autor
Matheus dos Santos Buarque Eichler

Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes Centro. Sócio Fundador do escritório Eichler e Eichler. Diretor Jurídico de Empresas de Energia. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EICHLER, Matheus Santos Buarque. O postulado ético do devido uso do instrumento de averbação premonitória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5550, 11 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68481. Acesso em: 16 abr. 2024.

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