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Considerações acerca da problemática do recolhimento de custas judiciais para recursos no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro

Leia nesta página:

SUMÁRIO: I – Introdução; II – Panorama anterior; III - Do Parecer no proc adm. 04-009977 e do Aviso CGJ 397; IV – Do recolhimento da Taxa Judiciária; V – Comparativo dos valores anteriores com os atuais; VI - Da possibilidade de compensação entre as rubricas destinadas ao Fundo Especial; VII – Conclusões.


I.INTRODUÇÃO:

O presente breve estudo visa analisar a insegurança jurídica criada pelo parecer no processo administrativo 04/009977, consubstanciado pelo Aviso da Corregedoria-Geral de Justiça n° 397, quando mudou os critérios que há anos era utilizado para o recolhimento, e conseqüente certificação pelas serventias da sua regularidade, das receitas judiciais como preparo obrigatório para a interposição de Recursos Inominados em sede de Juizados Especiais Cíveis.

Este, apesar de não ter a pretensão de esgotar a matéria, tem como objetivo demonstrar a possibilidade de compensação entre receitas destinadas ao E. Fundo Especial do TJ/RJ, ponto nodal da discussão, que sendo aceito, joga por terra as decretações de deserção sistemáticas que vêm sendo proferidas pelos Juízos, e abrindo possibilidade à efetivação do Amplo Acesso à Justiça, tão lecionado pela hodierna teoria processual.


II.PANORAMA ANTERIOR:

Desde 1995 o recolhimento de custas judiciais, lato sensu, para Recurso Inominado nos Juizados Especiais do Estado sempre foi feito da mesma forma, ou seja, no tocante ao campo 40 (interposição de recursos em juizados especiais – IRJE), era somado o valor das custas para o recurso + o valor de um preparo, independente da quantidade de pedidos formulados pelo autor em sua exordial, e no tocante ao campo 46 (taxa judiciária) eram recolhidos 2% sobre o valor da causa.

Após o parecer do Exmo Dr. Juiz-Auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça, RENATO LIMA CHARNAUX SERTÃ, no processo administrativo n° 2004-009977, publicado no DO de 21 de junho de 2004, pomo da discórdia apreciado neste resumo, tudo mudou no preparo dos referidos recursos, originando uma enxurrada de inadmissões em face da decretação de deserção dos mesmos.

Vê-se adiante que a principal conseqüência deste mal-fadado parecer foi um bloqueio ao acesso à Justiça, o que vai de encontro com toda a hodierna teoria processual, causando uma discrepância impressionante nos valores recolhidos anteriormente à mudança, e até mesmo se comparado aos recolhimentos feitos nas ações cíveis de valores correlatos ao teto máximo dos JEC’s de 40 salários mínimos.


III.DO PARECER NO PROC ADM. 04-009977 E DO AVISO CGJ 397:

O dito parecer foi prolatado nos autos do processo supra em decorrência de consulta feita à Corregedoria de como deveriam ser recolhidos os preparos dos pedidos formulados nos JEC’s, em razão do parecer contido no processo 2003-031920, concluindo que: "sendo as custas judiciais uma retribuição devida pelo cidadão pela entrega da prestação jurisdicional, se os pedidos cumulados consistirem em provimentos judiciais de naturezas distintas, deverão incidir custas específicas para cada um deles.".

Como era esperado o parecer trouxe uma insegurança jurídica sem precedentes, pois mudou, ou no entender da Corregedoria, adequou o recolhimento de custas da noite para o dia, causando danos irreversíveis aos recorrentes, que não sabendo das "novas regras" mantiveram seus recolhimentos como há anos vinham sendo feitos e aceitos, gerando uma sem número de deserções.

Inobstante este novo entendimento, ainda pairavam várias dúvidas em relação de quais pedidos cumulados seriam alvo de recolhimento, seriam só os de obrigação de fazer, os pecuniários, ou todos, desde pedidos de citação até os de condenação em honorários. Com esse emaranhado de dúvidas que não foram sanadas e nem explicitados o que seriam os pedidos a serem considerados, ficou a comunidade jurídica num mar de incertezas, e deserções, durante meses.

Com a venia necessária, o parecer foi um pouco confuso no que quis explicitar, tanto que a própria Corregedoria exarou o Aviso CGJ n° 397 de 22 de outubro de 2004, ou seja, 04 (quatro) meses após o parecer e depois de muita confusão.

No dito Aviso o Corregedor-Geral, "traduz" o que seria o parecer e admite, na sua segunda consideração, que dúvidas, e que não foram poucas, surgiram quanto à contagem de pedidos cumulados para efeitos de incidência de custas.

Nele fica explícito que pedidos de mero cunho processual, como citação, bem como os acessórios, como multa cominada, não seriam alvo de custas, e, ainda, os que tivessem por resultado o provimento jurisdicional com mesma natureza jurídica, seriam tidos como um só.

Observa-se então, que cada cartório certificava de uma forma os recolhimentos, ocasionando situações onde uma mesma forma de recolher, com os mesmos pedidos, porém em cartórios distintos, acabava tendo desfechos diferentes, com a certificação positiva de um e deserção de outro.

Com isso obstacularizou o acesso à Justiça brutalmente, tanto para a pessoa física que não é beneficiária da gratuidade de justiça, tanto para pequenas empresas, como também para as grandes empresas que têm grandes números de demanda que se viram obrigadas a recolher um valor muitas das vezes em torno de 100% a mais do que recolhiam.


IV.DO RECOLHIMENTO DA TAXA JUDICIÁRIA:

Como não bastasse esta determinação quanto ao recolhimento do preparo de cada pedido formulado, também foi alterada a forma de recolhimento do valor da Taxa Judiciária.

É cediço que a competência ratione valoris dos Juizados Especiais é de 40 (quarenta) salários mínimos, e sendo a taxa judiciária, campo 46 da GRERJ, recolhida na proporção de 2% sobre o valor da causa, que não pode extrapolar o valor supra, sob pena de tornar a exordial inepta ou ser reconhecida a renúncia tácita ao valor que extrapolar, inovou o D. parecerista ao considerar que devia ser também recolhido o valor da taxa judiciária mínima para cada pedido sem cunho econômico, criando, assim, uma condição de serem recolhidos valores que extrapolariam o teto máximo determinado pela Lei 9.099/95.

Impressionante, para não dizer surreal tal situação, gerando conflitos inúmeros em cada cartório, além de efetivamente impedir o acesso à Justiça das pessoas não inclusas nas exigências da gratuidade de Justiça, mormente, as empresas demandadas nos JEC’S, impossibilitando assim, a sua ampla defesa.


V.COMPARATIVO DOS VALORES ANTERIORES COM OS ATUAIS:

Considerando que o parecer foi exarado em 2004 e a tabela de custas judiciais foi reajustada pelo E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aproximadamente, em 7,54%, podemos traçar um comparativo entre as duas realidades.

Tomando como parâmetro um recolhimento numa ação com o teto do Juizado, com um salário mínimo de R$ 240,00, recolhendo a rubrica dos atos dos Oficiais de Justiça, ad cautelam, na quantidade de 7 citações/intimações e de porte/remessa no valor p/ 400 folhas, tinha-se em média um valor total da GRERJ de R$ 432,65.

Considerando que o aumento do salário mínimo só ocorreu a partir de 01/05/05, temos um período de incidência do salário antigo de 21/06/04, publicação do parecer, até 30/04/05.

Levando em conta ainda que o reajuste da tabela foi 7,54%, o valor das GRERJ’s com o parâmetro antes utilizado e durante anos aceito, seria de R$ 449,59, aproximadamente.

Entretanto é que a realidade é bem diferente, pois se tomando como base a quantidade média de pedidos feitos em sede Especial, chega-se a 7 pedidos, ressaltando-se que isto é uma média. Considerando que destes normalmente apenas 2 tem caráter econômico, sobram 5 sem o respectivo viés, perfazendo um valor da GRERJ total, mutatis mutandi, de assombrosos R$ 980,39, ou seja, 118,06% a mais, pela mudança no critério de recolhimentos.


VI.DA POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO ENTRE AS RUBRICAS DESTINADAS AO FUNDO ESPECIAL:

Na falta de previsibilidade de Agravo de Instrumento nos JEC’s, não socorreu outro recurso senão o Mandado de Segurança, como sucedâneo hábil, para tentar reverter a caótica situação.

É certo que a grande maioria, quase na sua totalidade, dos recolhimentos de receita judiciária são destinados ao Fundo Especial, sendo divididos em campos e denominações diversas meramente para efeito estatístico, o que não influencia no destinatário final destas: o E. FUNDO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

As Turmas Recursais em sede liminar vem deferindo a suspensão das execuções que porventura sejam iniciadas em face da deserção, por entenderem, os I. Julgadores, que apesar de serem as receitas recolhidas a maior em alguns campos ou inferiormente em outros, sendo estas destinadas ao Fundo Especial, são possíveis de compensações entre si, tendo sido em vários feitos concedidas liminares de efeito ativo para suspender a decisão atacada, e consectariamente pedindo cálculo às serventias de quais campos houve recolhimentos a maior e a menor, para avaliar o saldo e a possibilidade de compensações entre si.

Merece a colação da fundamentação I. MM Adalgisa Baldotto Emery, nos autos do Mandado de Segurança n° 2005.700.001569-9 em relação a possibilidade de compensação das verbas, in verbis:

"Não obstante esta magistrada adotasse entendimento totalmente contrário à exposição acima, sendo inflexível quanto à incidência do referido parecer, melhor analisando a situação, verifico que o mesmo fere os princípios de economia e celeridade processual. Ademais, traz para a Recorrente uma despesa extra que, na maioria das vezes, acarreta a pena de deserção, tanto através da controvérsia a respeito da legalidade dos pedidos, quanto ao conceito de "pedidos cumulados", porquanto freqüentes os casos de deserção em foram considerados como "acumulação de pedidos" a "citação, inversão do ônus da prova e indenização", por exemplo.

Além dos argumentos expostos acima, verifico que o preparo efetuado excede em mais R$ 100,00, consoante GRERJ de fls. 76 destes autos...

(...)

Por fim, vale ressaltar que quaisquer valores recolhidos em excesso são passíveis de restituição pelo FETJ, através de requerimento dirigido ao magistrado gestor do referido órgão.

Isto posto, defiro a liminar requerida para suspender os efeitos da decisão impugnada..." (GN)

Importante frisar que o Juiz-Auxiliar da E. Corregedoria de Justiça, que exarou o parecer no processo administrativo 009977/04, Dr. Juiz Renato Lima Charnaux Sertã, que também abrilhanta o E. Conselho Recursal com a sua presença, e comprovando de forma insofismável o fummus boni iuris da Impetrante, solidificando o seu direito líquido e certo, o próprio Juiz-Auxiliar prolator do parecer, quando da relatoria do MS 2005.700.003081-0, requisitou informações à serventia originária do feito alvo da deserção, que esclarecesse se haveria recolhimento a maior em algum dos campos, tendo como norte de serem possíveis as compensações de recolhimentos que tenham por destinatário o E. Fundo Especial, in verbis transcrito:

"REQUISITEM-SE INFORMAÇÕES, DEVENDO TAMBÉM SER ESCLARECIDO SE EVENTUALMENTE HÁ SUFICIÊNCIA DE PREPARO POR CONTA DO EXCESSO EM OUTRAS RUBRICAS

." (GN)

Não podendo ser olvidada a posição da D. representante do Parquet junto ao Conselho Recursal, Drª Cristina Bernstein Seixas, que no seu parecer nos autos do Mandado de Segurança 2005.700.002673-9, foi favorável à concessão da ordem, por entender que o pleito autoral é um só: a procedência dos pedidos elencados, que melhor se coloca in verbis:

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"(...) POR OUTRO LADO, SOMOS QUE, EM VERDADE, O PEDIDO É UM SÓ, QUAL SEJA, O DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, COM A CONDENAÇÃO DA IMPETRANTE À OBRIGAÇÃO DE FAZER E AOS DANOS MORAIS ADVINDOS DO NÃO CUMPRIMENTO DAQUELE MESMO FATO QUE SE PEDE A DETERMINAÇÃO.

PORTANTO, BASTARIA UM ÚNICO RECOLHIMENTO, OU SEJA, AQUELE EFETUADO PELA IMPETRANTE, É SUFICIENTE."

Com todo o exposto fica claro que a matéria é seara ainda fértil de conflitos e incertezas quando o próprio parecerista, Dr. Sertã deixa subentendido que há possibilidade da referida compensação, o que em nada afetaria o valor devido ao Fundo Especial e garantiria o devido acesso ao Judiciário e que o custus legis entende ferido direito líquido e certo quando se nega prosseguimento ao pleito recursal, por entender a unicidade do pedido formulado na exordial: a procedência do pedido.

Começa-se a ficar claro que são possíveis tais compensações, como se pode denotar pelo reconhecimento de integrantes do E. Conselho Recursal, e também à brilhante análise dos membros do parquet lá em atuação, em alguns Mandados de Segurança visando garantir o direito dos Recorrentes em ter seu pleito analisado.

Ademais, em recente decisão da lavra da I. Juíza Drª. Gilda Maria Carrapatoso Carvalho de Oliveira, nos autos do MS 2005.700.001596-1, onde esta CONCEDE A ORDEM, vislumbrando direito líquido e certo da Ré que foi atacado pela decisão monocrática de deserção, a mesma, JUNTAMENTE COM O PARECER DO I. PARQUET, RECONHECE A POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DAS VERBAS RECOLHIDAS AO FUNDO ESPECIAL, MESMO QUE EM CAMPOS DISTINTOS, o que trazemos in verbis:

"Trata-se de MS contra decisão de fls. 95 que deixou de receber o recurso interposto, por deserto. (...) Parecer do MP às fls. 101/102, opinando pela concessão da ordem. DECIDO. Analisando o preparo efetivado pela impetrante, constata-se que houve recolhimento a menor no campo 40 e excesso de preparo nos campos 37 e 38. DESSA FORMA, VERIFICA-SE A POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DAS VERBAS RECOLHIDAS, EIS QUE REVERTIDAS AO FUNDO ESPECIAL DO TJRJ." (GN)

Ainda na fonte das peças entranhadas nos autos supra, vale também trazer a lume a fundamentação do d. parecer da I. Promotora Lúcia Ramos Serao, in verbis:

"A hipótese sub judice aponta para irregularidades no recolhimento, sendo certo o recolhimento integral das custas e, enfatize-se, a maior.

INSTA SALIENTAR A POSSIBILIDADE DE APOSTILAMENTO DE VALORES PERANTE O FUNDO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO CASO DE RECOLHIMENTO INSUFICIENTE NUM DOS CAMPOS DA GRERJ E PAGAMENTO A MAIOR EM OUTRO DAQUELES CAMPOS, CONSOANTE NORMA ADMINISTRATIVA EXISTENTE SOBRE A MATÉRIA E ACEITA POR ESTE E. CONSELHO

.

Portanto, não se revela adequada a deserção se chegou a ser pago valor a maior pela Impetrante.". (GN)

Com argumentos tão explícitos, não podem continuar a grassar a análise obtusa que vem sendo feita da Guia de Recolhimento de Receita Judiciária, quando se analisa somente campos isolados do recolhimento.

Dentre os princípios norteadores dos Juizados Especiais estão a Celeridade Processual e o Amplo Acesso à Justiça, ambos com arrimo constitucional, após a EC 45/04, logo, ao decretar a deserção do Recurso, sem fazer a devida análise se há compensação ou não entre os campos recolhidos destinados ao Fundo Especial, o Juízo está enfrentando ambos os princípios, o que no momento da teoria processual atual é inconcebível.


VIII.CONCLUSÕES:

Com estes dados, fica claro que as deserções decretadas devido à mudança da forma do recolhimento, foram injustas, e, numa interpretação sistemática-teleológica do pleno acesso à Justiça, são açodadas e ferem diretamente os princípios da celeridade e economia processual.

Gerou-se com a mudança um aumento despropositado nos valores recolhidos pelos recorrentes, quando não amparados pela benesse da gratuidade, o que os obsta a perseguir a devolução da análise do seu pleito original por um segundo grau de jurisdição.

Conclui-se que nos casos onde se operou a deserção, poderia ter sido dada a possibilidade do recorrente comprovar que houve recolhimentos a maior em outras rubricas, compensando-se e dando seguimento ao Recurso interposto, tendo como norte que todas as verbas destinadas ao Fundo Especial são compensáveis e passíveis de devolução quando recolhidas a maior através do procedimento de apostilamento, procedimento este que não enfrentaria o art. 42, §1° c/c art. 54, p. ún. Da Lei 9.099/95.

Finalmente, quando atacado o despacho de deserção pelo remédio constitucional próprio, é necessária, viável e legítima a concessão da ordem, por que todas as verbas destinadas ao E. Fundo Especial são compensáveis entre si.

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Sobre o autor
Marcio Luís de Oliveira Marques

acadêmico do curso de Direito-UNESA/ Niterói, Colaborador do Instituto de Estudos, Pesquisas e Desenvolvimento de São Gonçalo – IPDESG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Marcio Luís Oliveira. Considerações acerca da problemática do recolhimento de custas judiciais para recursos no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 703, 8 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6852. Acesso em: 19 abr. 2024.

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