3. Considerações Finais
A recorrer parcialmente o pensamento de Maquiavel, o artigo pontuou e esclareceu alguns tópicos do mesmo.
O primeiro esclarecimento refere-se ao adjetivo “maquiavélico”, utilizado atualmente tanto em falas coloquiais bem como em discurso mais técnicos. Termo de forte conotação depreciativa, configurando algo ardiloso, cruel, a ser substituído, de acordo conhecedores do autor, por “maquiaveliano”, por refletir melhor e de maneira mais apropriada, a lógica que inspira e perpassa os escritos do florentino.
Outro ponto em destaque é o relativo ao ideal de liberdade buscado por Maquiavel e destaque na obra O Príncipe. Ao se tornar um homem público, percebeu os mecanismos utilizados pelos detentores do poder para manterem-se no topo. A obra é um espelho para que os leitores de todos os tempos, tenham ciência disso. Hoje é possível afirmar que Maquiavel foi um dos maiores defensores da liberdade, pois mostrou ao povo como ele deve defender-se dos governantes corruptos, desleais e infiéis que pode vir a cercear este valor absoluto, segundo só após a vida, conforme o pensamento dos teóricos Contratualistas.
Para mostrar aos homens a necessidade de conhecer de suas capacidades para não serem dominados por outros, sejam eles governantes, Estados ou tiranos, mescla os pensamentos renascentista e humanista que enfatizam dignidade e capacidade de auto-gestão. O indivíduo capaz e autônomo, não precisa esperar a intervenção divina, ele próprio pode agir em defesa de sua liberdade fazendo uso de seu poder. Isto vale também para o corpo coletivo que é a sociedade.
Ao discutir a liberdade do governante em relação às virtudes, apresenta um realismo aparentemente cruel, mas totalmente oportuno. O político incapaz de possuir todas as virtudes próprias de um governante deverá, sem constrangimento nem limitações, mas com a liberdade que quem sabe que urge governar e deter o poder, aparentá-la, tanto em seus discursos bem como em seu agir público, pois assim angariará confiança do povo.
Ao debater a atualidade do autor, o artigo detecta o ponto nevrálgico que por sua vez transforma-se no maior desafio na relação indivíduo – estado: a participação política. Participação que vai muito além do voto e do debate partidário. Participação que envolve o respeito das leis superando a ardilosa ideia de que a observância da lei é falta de caráter, e principalmente o envolvimento em movimentos populares que transformam os indivíduos em povo gordo, isto é provocadores de políticas públicas em benefício da sociedade.
O artigo, fiel à metodologia maquiaveliana, realiza uma leitura realista e não idealista do pensamento do autor. Detecta que o exercício do poder pelo governante, muitas vezes provoca descontentamentos por não acatar os pedidos da sociedade civil. Para o bem da mesma sociedade, em circunstâncias extremas, é necessário o governante contrariar os princípios éticos. Quando o desejo do povo for a desordem e a revolta, o governante deverá, ao usar do princípio do utilitarismo, ser cruel e rígido com alguns em prol da proteção da coletividade.
Tanta aparente crueldade nasce de uma certeza: quem melhor conhece o governante, de acordo com Maquiavel, é o povo; e quem conhece melhor o povo é o governante. E este mesmo governante deverá sempre tentar conciliar o amor com o temor do povo. Ao optar, poderá escolherá o temor, jamais o ódio, pois o ódio é início da ruína de todo governo.
Ao refletir sobre a figura do príncipe, o artigo deixa claro que o verdadeiro príncipe hoje é a sociedade civil, pois no modelo republicano e democrático de governo quem toma as decisões de fato é a coletividade por meio de seus representantes. Logo, deve ser bom e apoiar para com o governante e mau quando diante das circunstâncias, necessário seja assim ser, até o extremo de afastá-lo de sua função.
Finalmente, corrobora-se o pensamento maquiaveliano, relativo ao realismo da política, a ser vista como ela é e não como deveria ser, no respeito ao que Maquiavel escreve ao destacar não a ideal bondade humana, mas a maldade que acompanha o homem desde o nascer. Portanto, os conselhos do florentino ainda podem ser usados, por existirem homens maus tanto na função de governante como na de sociedade civil: todos aspirando a detenção do poder.
Finalizando, o artigo deixa claro que, tanto hoje, como em 1513, ano em que Maquiavel escreve sua principal obra, parece não existir nenhum “príncipe” capaz de levantar o Brasil da crise política que envolve o governo, a economia e a sociedade civil. Mesmo assim, tanto hoje, como na época de Maquiavel, não é possível renunciar à política como meio para solucionar os problemas da sociedade. Eis a atualidade do florentino e do seu irreverente, mas provocador, pensamento: o caminho é a política participativa por parte da sociedade civil, comprometida por parte da sociedade política.
REFERÊNCIAS:
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Notas
[1] “É com Maquiavel (1469-1527) que a construção do Estado Moderno principia com a separação das diferentes esferas: política, religiosa e moral”. (CHIARO, L., 2015, p. 21)
[2] Tão grande nome nenhum elogio alcança.