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Tratados internacionais

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31/08/2018 às 15:15
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Plano da eficácia: os efeitos da internalização dos tratados internacionais no ordenamento interno

Os atos jurídicos, depois de verificada a sua validade, estarão aptos a produzir os seus efeitos específicos ingressando assim, no plano da eficácia.

O presente tópico trata da eficácia jurídica, ou seja, da análise do conjunto das consequências (efeitos) imputadas pelas normas jurídicas ao fato jurídico – análise das consequências da internalização dos tratados na ordem interna - e da eficácia do direito ou eficácia social que designa a efetiva realização da norma jurídica no meio social a que se destina.

Quando em vigor no plano internacional os tratados ratificados pelo Estado, promulgados e publicados, passam a integrar o arcabouço normativo interno e a produzir efeitos na ordem jurídica interna.

A eficácia (jurídica e social) dos direitos consagrados nos tratados ratificados pelo Brasil dependerá da sua recepção na ordem jurídica interna e do status jurídico que esta lhes atribui.

Como já visto, os tratados em geral quando recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro adquirem o status de normas infraconstitucionais. Nesses termos, tais tratados, quando promulgados, revogam todas as normas anteriores contrárias ao seu conteúdo e, por outro lado, são revogados por leis posteriores quando da existência de um conflito.

Com relação aos tratados de direitos humanos acolhidos como normas supralegais, encontram-se localizados acima da legislação ordinária, mas, em caso de conflito com a Constituição, prevalecerão as normas constitucionais.

Os tratados de direitos humanos que adquirirem hierarquia constitucional, nos termos do art. 5º, parágrafo 3º da CF, passam a constituir cláusulas pétreas não podendo ser suprimidos sequer por emenda constitucional; tornam-se insuscetíveis de denúncia e passam a ter aplicabilidade imediata tão logo sejam ratificados. Nesses termos, a partir da entrada em vigor do tratado internacional, toda norma preexistente que seja com ele incompatível perde automaticamente a vigência.

Ademais, passa a ser recorrível qualquer decisão judicial que viole as prescrições do tratado e no caso de um conflito com normas constitucionais deverá prevalecer a norma mais favorável ao titular do direito.

Importante destacar que, ao contrário da posição adotada pelo Supremo, para os autores como Pontes de Miranda que consideram que os Estados estão submetidos à ordem supra estatal, a incidência dos direitos fundamentais não depende do reconhecimento constitucional, uma vez que tais direitos pertencem à ordem jurídica exterior e acima do Estado e, por isso, impõem limites tanto ao Poder estatal quanto ao Poder Constituinte, que são obrigados a incorporá-los à Constituição, cercando-os das garantias necessárias à sua efetividade.

Os direitos fundamentais supra estatais são considerados paradigmas de validade das normas de direito interno, inclusive das normas constitucionais. Tais direitos impõem limites aos poderes do Estado – nenhuma norma interna pode ser interpretada ou executada em contradição com a Constituição e com as normas de direitos fundamentais supra estatais; ademais, o Estado se vê obrigado a incorporar esses direitos à Constituição e a garantir os meios necessários para a efetividade de tais direitos.

Cabe ao Poder Judiciário e aos demais Poderes Públicos assegurar a implementação no âmbito nacional das normas internacionais de proteção dos direitos humanos ratificadas pelo Estado brasileiro; ao Congresso Nacional a obrigação negativa de se abster de legislar em sentido contrário às obrigações assumidas internacionalmente; e aos cidadãos, beneficiários diretos de instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos, reclamarem, perante os órgãos judiciais do Estado, a satisfação dos direitos estabelecidos nos tratados.

Levando em consideração que o Direito Internacional ainda não conta com mecanismos jurídicos internacionais de controle bem organizados e aptos para aplicar, no caso concreto, as punições para os Estados que, vinculados a tratados internacionais, não cumpram as obrigações assumidas, é possível concluir que a efetivação dos direitos humanos se encontra, ainda e principalmente, na dependência da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente considerados.


O Brasil e os tratados de direitos humanos

A Constituição Federal de 1988 erigiu a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos a princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Ela instituiu novos princípios jurídicos que conferem suporte axiológico a todo o sistema normativo brasileiro e que devem ser sempre levados em consideração quando da interpretação de quaisquer normas do ordenamento jurídico prático. Esta Constituição deu um passo rumo à abertura do nosso sistema jurídico ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, sendo sua promulgação um marco para o início do processo de redemocratização do Estado brasileiro e de institucionalização dos direitos humanos.

Concomitantemente, desenvolveu-se a ratificação de tratados internacionais dos direitos da pessoa humana, pelo Brasil, os quais perfazem uma gama de normas diretamente aplicáveis pelo judiciário e que agregam vários novos diretos e garantias àqueles já constantes do ordenamento jurídico brasileiro.

Consolida o §2º do artigo 5º da Carta Magna que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte”.

E é baseando neste parágrafo, que se conclui que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil têm status material constitucional, além de aplicação imediata, não podendo em hipótese alguma ser revogados por lei ordinária posterior.

O texto constitucional ao estabelecer que os direitos e garantias nele expressos, não excluem outros provenientes dos tratados internacionais, está a autorizar que estes, constantes das convenções de proteção aos direitos humanos, se incluam no ordenamento jurídico pátrio, passando a ser considerados como se estivessem escritos na própria Magna Carta, ampliando seu rol de constitucionalidade.

Em matéria de direitos e garantias, a Carta Federal, com o estabelecido no §2º do artigo 5º, reconhece uma dupla fonte normativa. A primeira vem do direito interno, ou seja, os direitos expressos e implícitos no texto constitucional e, a segunda, vem do direito internacional decorrente dos acordos internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil:

A) Sistema global

Convenção para Prevenção e a Repressão do crime de genocídio (1948)

Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951)

Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados (1966)

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)

Protocolo Facultativo relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966)

Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1965)

Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979)

Protocolo Facultativo à Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1999)

Convenção contra a tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanas ou degradantes (1984)

Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989)

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de criança, à prostituição infantil e à pornografia infantil (2000)

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados (2000)

Convenção das Nações Unidas contra corrupção (2000) – Convenção de Mérida

B) Sistema regional interamericano

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) – Pacto de San José da Costa Rica

Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos (1979)

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Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais (1988) – Protocolo de San Salvador

Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos referentes à abolição da pena de morte (1990)

Convenção Interamericana para prevenir e punir a Tortura (1985)

Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a Mulher (1994) – Convenção de Belém do Pará

Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (1994)

Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência (1999)

Os tratados internacionais são a fonte principal do direito internacional. São leis do plano internacional, consubstanciadas em textos formais e escritos, celebrados por pessoas jurídicas de direito público externo.

No Brasil, a competência para incorporação ou consentimento definitivo do tratado internacional é compartilhada entre o Legislativo e o Executivo, com atuação específica de cada Poder, nos termos expressos da Constituição de 1988, passando por aprovação e promulgação, em três fases distintas, a saber: a celebração, o referendo ou aprovação e a promulgação. A celebração é ato da competência privativa do Presidente da República (Constituição de 1988, art. 84, inciso VIII), a aprovação ou referendo é da competência exclusiva do Congresso Nacional (Constituição, art. 49, inciso I; art. 84, inciso VIII), e a promulgação é da competência privativa do Presidente da República (Constituição de 1988, art. 84, inciso IV). Importante destacar que por disposição expressa do art. 5.º, § 3.º, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de dezembro de 2004, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em dois turnos, por três quintos dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, serão equivalentes às emendas constitucionais.


REFERÊNCIAS

ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. São Paulo: Quartier Latin, 2009, 3 v.

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Enciclopédico de Direito, Brasiliense, 5 v.

BENTHAM, Jeremy. An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, Oxford University Press.

BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law, Oxford, 6a. edição, 2003.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público, Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 8a edição, 1986, 2 v.

MENEZES, Wagner. Direito internacional na América Latina. Curitiba-PR: Juruá, 2007.

MORRIS, Clarence. Os Grandes Filósofos do Direito, Martins Fontes, 2002 (Hugo Grócio).

REZEK, J.F. Direito Internacional Público - Curso Elementar, Ed. Saraiva, 8a edição, 2000.

SILVA, G.E. do Nascimento; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público, Ed. Saraiva, 15a edição, 2002.

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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação a distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOVO, Benigno Núñez. Tratados internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5539, 31 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68592. Acesso em: 26 abr. 2024.

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