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A figura do investidor-anjo à luz da LC 155/2016

05/09/2018 às 15:20
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A Lei Complementar nº 155/2016 inovou ao definir e conceituar uma figura já há muito conhecida, porém, até então, carente de regulamentação específica: o investidor-anjo. Em vista disso, este artigo abordará os principais erros e acertos do legislador.

No fim de 2016, foi sancionada a Lei Complementar nº 155 - que alterou a LC 123/2006 -, com a premissa de reorganizar e simplificar a metodologia de apuração do imposto devido por optantes pelo Simples Nacional.

Dentre outras disposições, o seu texto legal inovou ao definir e conceituar uma figura já há muito conhecida, porém, até então, carente de regulamentação específica: o investidor-anjo.

Ao longo de quatro artigos (61-A a 61-D), foram institucionalizadas as definições acerca dessa modalidade de investimento, sobretudo quanto à forma de contratação, às obrigações assumidas, ao prazo de vigência contratual e aos limites de resgate dos valores aportados.

É nítido que, em vista das tendências atuais do mercado - tomado, sobretudo, pelo surgimento acelerado das chamadas startups[1] -, o legislador tratou de assegurar a proteção jurídica aos investimentos realizados no setor, de modo a atender e conciliar os interesses tanto do investidor quanto do investido.

Isto porque as empresas desse estilo são, quase que unanimemente, optantes pelo Simples Nacional, e, por conseguinte, alcançadas pelas disposições da LC 155/2016.

E, assim definido pela Lei Geral[2], com a exceção do Empresário Individual, as empresas legitimadas para aderir ao programa (Microempresa - ME e Empresa de Pequeno Porte - EPP) representam a grande maioria do enquadramento, para fins tributários, das startups nacionais.

Dito isso, sem a pretensão de exaurir integralmente a interpretação dos dispositivos ali inseridos, serão apontadas as críticas referentes a certas particularidades adotadas pela LC 155/2016, além de enfrentadas as questões relevantes ao desenlace do que ainda é controvertido.

Posto que, se por um lado, a regulamentação específica do investimento-anjo representou um importante avanço no fomento da atividade econômica e empreendedora no Brasil, por outro, incorporou à legislação alguns obstáculos que, por ora, carecem de melhor discussão.

De início, é patente o interesse que motivou o legislador a estipular as aludidas normas em Lei Complementar, eis que constou, expressamente, em seu artigo introdutório, a sua real pretensão ao promulgá-la: “incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos” no Brasil. Tanto é que o próprio § 1º do artigo 61-A, inclusive, obriga as partes a preverem essa finalidade por escrito em contrato[3].

O que se buscou foi justamente fortalecer economicamente as micro e pequenas em empresas que, via de regra, são mais vulneráveis aos efeitos da instabilidade econômica vivenciada pelo país nos últimos anos.

Aliás, não parece certo afirmar que a figura do investidor-anjo foi criada a partir da LC 155/2016, vez que as suas práticas já se faziam evidentes há algum tempo, sem, contudo, gozarem de proteção jurídica. Por seu turno, com a vigência da Lei, os interessados puderam sentir-se mais seguros para investir em empresas com o enquadramento permitido pelo Simples Nacional.

O investimento-anjo, ademais, caracteriza-se pela utilização do capital financeiro próprio para investir em empresas recém desenvolvidas ou em empreendimentos emergentes com considerável potencial de crescimento.

Geralmente, o investimento é efetuado por pessoas físicas - profissionais ou empresários bem-sucedidos - em empresas iniciantes, fornecendo não somente capital financeiro, mas também intelectual, apoiando o empreendedor com sua experiência e conhecimento.[4]

Antes, o investidor aportava certa quantia de capital em troca de um pequeno percentual societário da nova empresa. Isto é, o investidor era efetivamente sócio da startup. Nada obstante, com a condição de sócio adquirida, surgia, em contrapartida, a possibilidade de ser legalmente responsável por eventuais obrigações que viessem a surgir, sobretudo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica e de recuperação judicial.

O temor de ser responsabilizado por algo a que não deu causa levava o investidor a ponderar, já que muitas vezes desejava tão somente usufruir do retorno financeiro proporcionado pelo seu investimento, sem que eventualmente pudesse responder pessoalmente por isso.

Quanto a essa questão, a nova Lei tratou de resolver – em parte – a preocupação do investidor, ao estabelecer, em seu artigo 61-A, § 4º, que:

§ 4º. O investidor-anjo:

II - não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;

Tal previsão exime o investidor-anjo da responsabilidade que naturalmente seria imputada a ele caso de fato fosse sócio. Assim, em nenhuma hipótese os seus bens particulares poderão ser afetados em decorrência de dívida social contraída pela sociedade investida, o que acaba por ser um incentivo àqueles que buscam um investimento desse porte.

Neste dispositivo, o legislador se limitou a mencionar a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica prevista no Artigo 50 do Código Civil Brasileiro[5], que, se preenchidos os requisitos elencados em seu caput, implicará a extensão das obrigações da pessoa jurídica aos bens pessoais dos seus sócios ou administradores.

Muito embora tenham sido omitidos os demais casos de desconsideração, como os previstos no Código de Defesa do Consumidor[6] e na Lei de Danos Ambientais[7], não seriam também aplicáveis aos investidores-anjo, exatamente por não ostentarem a condição de sócio, nem tampouco a de administrador.

Ora, o próprio inciso I do artigo 64-A determina que o Anjo não será considerado sócio, nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa. Não seria justo, então, equipará-los apenas para fins de responsabilização.

Outro ponto que merece destaque diz respeito ao instrumento jurídico que norteará, obrigatoriamente, as diretrizes e as cláusulas mínimas acerca dos investimentos operados neste estilo. O contrato de participação, assim chamado, terá vigência não superior a 07 (sete) anos e definirá os termos e o prazo de remuneração proveniente dos aportes de capital realizados. 

Nesse sentido, a LC 155 definiu que o investidor será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos[8], não podendo desembolsar, ao final de cada período, valor superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros obtidos pela sociedade[9]. Estipula, ainda, que o exercício de resgate dos valores investidos somente poderá ser feito após decorrido o prazo de 02 (dois) anos do aporte de capital[10].

Isso significa que, não obstante ao fato de o contrato ter validade de 07 (sete) anos, o investidor terá até 05 (cinco) para obter uma rentabilidade satisfatória referente ao investimento realizado. O que, em se tratando de startup, poderá representar um período de retorno insuficiente.

Esse tipo de empresa notabiliza-se por ser um negócio escalável e de grande potencial econômico. Porém, muito embora possa se desenvolver rapidamente, os seus ganhos, sobretudo os destinados ao repasse aos investidores, não se dão com a mesma celeridade. Isto porque o crescimento é quase sempre freado pela escassez de recursos financeiros disponíveis na fase inicial de planejamento.

Assim, o investidor deverá considerar que o retorno desse investimento é, em regra, de longo prazo, de baixíssima liquidez e de alto risco. Talvez a maior incidência de lucro seja através da aquisição da startup por uma companhia de maior poderio econômico, pois, apesar de o legislador ter deixado claro que o anjo não é efetivamente sócio, foram a ele conferidos alguns direitos semelhantes. É o caso do artigo 61-C[11], que possibilitou o direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nas mesmas condições ofertadas aos sócios regulares (tag along[12]). Ainda assim, as ocorrências dessas aquisições historicamente demandam um tempo considerável, e que provavelmente seria maior do que o previsto no contrato de participação.

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Situação mais delicada é a probabilidade de ganho mensal regular pelo investidor, uma vez que, diante do cenário em que se encontram, a maioria do lucro obtido por essas sociedades é destinada, no início, ao desenvolvimento da própria empresa. Ou seja, em muitas delas não há o pagamento de juros mensais ou dividendos, por exemplo, tendo o investidor de esperar um bom tempo para ter o seu retorno financeiro consolidado.

Pelo o que se vê, essa limitação traz alguns desdobramentos interessantes, dentro os quais destaca-se a premência de a empresa investida escalonar o investimento aportado, de modo a conseguir atender a expectativa de retorno ao investidor em um prazo consideravelmente curto.

A crítica construída permeia-se no engessamento demasiado das cláusulas de exigência obrigatória nos contratos de participação, principalmente no que se refere aos prazos ali definidos. Talvez pela pretensão acentuada de proteger juridicamente as sociedades investidas, munido do manifesto interesse de incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos no Brasil (o que representou um grande avanço), foram inobservadas algumas particularidades de trato importante para o alcance da regulamentação almejada.

Posto que, muito embora exista a possibilidade de negociarem entre si certos termos e cláusulas do contrato, uma maior flexibilização dada às partes representaria o fim de eventuais omissões e condições desmedidas que, consequentemente, impulsionaria o mercado de investimentos-anjo.

Em vista do todo apresentado, é forçoso concluir que, apesar de a promulgação da LC 155/2016 ter se revelado significativa para o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no âmbito do Direito Societário, o seu texto legal não contemplou satisfatoriamente todos os aspectos atinentes ao novo instituto regulamentado. Por isso, é imprescindível que se acompanhe de perto os novos desdobramentos que irão surgir, para, gradativamente, corrigir e readequar, na prática, as inconsistências e as incertezas identificadas.


[1] grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza.

[2] Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

[3] Art. 61-A, § 1º: as finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos deverão constar do contrato de participação, com vigência não superior a sete anos.

[4]Disponível:https://endeavor.org.br/sem-categoria/afinal-o-que-e-investimento-anjo/?gclid=EAIaIQobChMI6uj-ypm_3AIVAweRCh01Ww--EAAYASAAEgLMyfD_BwE

[5] Art. 50 do CC/02: em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

[6]  Art. 28 do CDC: o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

[7] Art. 4º da Lei nº 9605/98: poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

[8] Art. 61-A, III: será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos.

[9] § 6º: ao final de cada período, o investidor-anjo fará jus à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte.

[10] § 7º: o investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.

[11] Art. 61-C: caso os sócios decidam pela venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares.

[12] mecanismo de proteção a acionistas minoritários de uma empresa de capital aberto na bolsa de valores, que garante os seus respectivos direitos de saída do papel de sócios dessa companhia em caso de mudança no seu controle.

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Sobre o autor
Rafael Avellar Centoducatte

Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito de Vitória -ES (FDV). Aluno da Pós Graduação em Direito Empresarial na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CENTODUCATTE, Rafael Avellar. A figura do investidor-anjo à luz da LC 155/2016. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5544, 5 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68637. Acesso em: 22 dez. 2024.

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