O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito a uma morte digna

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30/08/2018 às 00:01
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4. ÉTICA MÉDICA

4.1. Entendimento religioso acerca da ortotanásia e terminalidade da vida

Em 2006 o Conselho Federal de Medicina instituiu resolução, publicada no Diário Oficial da União, sobre a terminalidade da vida. Ela aponta que “na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal”. No entanto, o Ministério Público Federal, através da Procuradoria da República no Distrito Federal, determinou ao Conselho Federal de Medicina a revogação da resolução, por entender que a medida é “uma afronta ao direito à vida” e constitui “incitação e apologia ao homicídio” ameaçando entrar com uma ação civil pública na Justiça Federal caso o CFM não atenda à recomendação.

Na verdade, o que se observa é que a Medicina e o meio jurídico têm compreensões e definições diferentes na utilização do termo ortotanásia. Enquanto na Medicina está relacionado à sua semântica, em que o prefixo grego orto significa “correto” ethanatos, “morte”, exprimindo morte no momento certo, sem abreviação da vida e nem prolongamentos desproporcionados do processo de morrer, distanásia, no meio jurídico ela é entendida como eutanásia passiva, ou seja, a suspensão dos recursos indispensáveis à manutenção da vida, sejam eles medicamentosos ou tecnológicos.

No meio dessa discussão estão os pacientes, que ficam perdidos com tantos conceitos confusos e interpretações particularizadas. A situação se apresenta da seguinte forma: de um lado temos a eutanásia, que pode ser ativa, uso de algum método para abreviar a vida, ou passiva, deixar de utilizar ou suspender o suporte que mantém a vida como sendo uma forma de provocar a morte e evitar o “sofrimento” do paciente, e no outro extremo temos o seu oposto, a distanásia, que seria o prolongamento da vida de forma desmedida com recursos que não conseguem evitar a morte, apenas provocam uma agonia prolongada, com sofrimentos físicos e/ou psicológicos ao paciente.

No primeiro caso, encontramos um desrespeito pela vida e uma insubmissão aos desígnios divinos através da fuga das experiências necessárias ao nosso ajustamento espiritual, acreditando que a morte significa o cessar da vida, sem considerar a dimensão espiritual e as consequências dolorosas geradas por essa atitude. Não entendendo o propósito profundo da existência, creem que a vida serve apenas para gozar, sendo a morte a solução final diante do desespero e do despreparo diante do sofrimento e do desencarne. No segundo caso, a morte é um mal que deve ser superado a qualquer preço. É o exagero no sentido oposto como consequência do medo aterrorizante perante a inevitabilidade da morte física, a única certeza absoluta da existência humana.

Ambas as atitudes representam o desconhecimento da vida espiritual com as suas leis e demonstram uma falta da sensibilidade que transforma o médico em apenas um técnico de saúde.

A morte é algo natural e não se justifica a sua recusa absoluta. Há um momento a partir do qual as tentativas de curar podem deixar de demonstrar compaixão ou de fazer sentido sob o ponto de vista médico. Isso não significa que o paciente ficará sem assistência médica, pelo contrário, o esforço deve ser posto em tornar o tempo de vida que reste ao doente o melhor possível, aliviando as dores e outros sintomas que o incomodam, além de oferecer todo o apoio humano, psicológico e espiritual, tanto por pessoal especializado como pelos familiares. Esses cuidados designam-se por cuidados paliativos e devem favorecer aos pacientes uma morte digna, amparados pela família e amigos. É muito triste ver os pacientes morrendo nas UTIs longe dos seus, sem o conforto das palavras amigas e dos recursos das preces e das leituras edificantes junto ao leito. Precisamos refletir muito sobre a necessidade da humanização da morte e do morrer.

Há associações médicas no Brasil que colocam-se totalmente contrária a qualquer tipo de eutanásia, seja ela ativa ou passiva e também não concordam com a obstinação terapêutica que nenhum benefício produz ao paciente e que geralmente inflige mais sofrimento provocando a distanásia. São favoráveis à morte no momento certo, que se anuncia iminente e inevitável, como processo natural da condição humana, renunciando ao chamado excesso terapêutico, que somente provocaria um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, deixar de oferecer aos pacientes a atenção médica e os cuidados paliativos. São contrárias ao uso do termo ortotanásia, utilizado de forma distinta entre o Judiciário e a Medicina, dando margem à confusão com a eutanásia passiva.

Entendem que, através da resolução sobre a terminalidade da vida, o Conselho Federal de Medicina está buscando a humanização da morte, evitando os prolongamentos abusivos com aplicações de meios desproporcionados que imporiam sofrimentos adicionais aos pacientes.

Não é aceitável, numa sociedade democrática, que alguns poucos médicos definam o pensamento de uma classe, com repercussões técnicas e morais profundas, sem uma discussão mais ampla e rigorosa. Resoluções essas que muitas vezes ferem o próprio objetivo do Conselho Federal de Medicina que é a defesa da ética e da vida.

Precisamos promover discussões capazes de deixar muito bem definidas as situações clínicas, eticamente compatíveis com o abandono da terapêutica, o que não deve implicar no abandono dos cuidados médicos e humanos básicos para conforto e segurança do paciente.

É necessário um maior preparo dos médicos para lidar com a morte, que, diante da inevitabilidade desta, geralmente não permanecem ao lado do paciente terminal, deixando-o aos cuidados da enfermagem nos derradeiros momentos de agonia.

É fundamental expandirmos o conceito de cuidados paliativos dentro da área médica, onde o cuidar é mais importante que curar, buscando oferecer mais atenção ao doente do que à doença e medidas de conforto com alívio do sofrimento. Não está se falando aqui em omissão de recursos necessários, o que poderia deixar a impressão de uma eutanásia passiva. O foco está em não serem utilizadas medidas desnecessárias que visam apenas impedir a morte a todo custo e por todos os meios, sem outro objetivo além de, precisamente, prolongar a vida. Segundo o Dr. Carlos Roberto de Souza, da Associação Médica de Campina Grande (PB), morrer dignamente é: 20

1. Morrer sem dor (analgesia), sem sofrimento e na hora certa.

2. Morrer na presença de uma pessoa de estima (familiar ou amigo).

3. Morrer onde queira morrer (na sua família, por exemplo).

4. Apoio psicológico ou religioso.

5. Não ser abandonado.

6. Participar tanto quanto possível das decisões dos cuidados.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto neste trabalho, chegamos a conclusão que existem muitas divergências a respeito do morrer dignamente. O medo do desconhecido ainda nos apavora e esse medo age como um entrave para a libertação do Ser em suas convicções, dúvidas que ainda pairam sobre nossa existência física e espiritual fazem com que fiquemos presos a conceitos e dogmas.

Lidar com a vida e a morte, a dor e o sofrimento, a doença e a cura é um aprendizado pedagógico que extrapola os limites da ciência jurídica, e requer uma compreensão da própria dimensão da alma e da profundidade da natureza humana. Por esse motivo, quando alguns juristas fundamentam a antecipação da morte (eutanásia) no direito de morrer com dignidade, parecem fazê-lo à revelia de outras ciências que procuram dar sentido à vida. Não resta dúvida de que em situações limite, a eutanásia seria o caminho mais fácil a se percorrer, mas nem de longe o mais digno. Caminho muito mais árduo seria procurar compreender o sentido da dor e do sofrimento humano, além do seu termo técnico, e redescobrir o sentido da vida, com o auxílio de outras ciências.

Estender o sofrimento do paciente terminal, distanásia, comprovou-se não só o desgaste físico e emocional do paciente, mas como de toda a família, sem trazer a cura para o individuo.

O suicídio assistido pratica usada pelo próprio paciente com auxilio de uma segunda pessoa é censurada criminalmente previsto no Código Penal Brasileiro.

A ortotanásia, que visa à morte no tempo certo, é o procedimento pelo qual o médico suspende o tratamento que cause um prolongamento desnecessário, causando um maior desgaste ao paciente. O tratamento se realiza com terapêuticas paliativas, para evitar dores e sofrimentos ao paciente terminal, que já não tem mais chances de cura; desde que esta seja a vontade do paciente, ou de seu representante legal.

O procedimento da ortotanásia, faz com que o paciente seja tratado em sua própria casa ao lado de seus entes queridos, participando do dia a dia com seus familiares, causando assim menos dor e solidão. Tudo acontece naturalmente, visando a morte como um processo natural da vida.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro - Eutanásia, ortotanásia e distanásia; Artigo publicado no Migalhas – Publicado em 04/04/2005. Acessado em 18/11/2013. https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI11097,71043-Eutanasia+ortotanasia+e+distanasia+breves+consideracoes+a+partir+do

CAMAPUM, Leandro. O Direito de Morrer e Morte Digna, Texto publicado no site JurisWay em 28/12/2011. Disponível em https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6933 - Acessado em 30/11/2013.

MARTON, Scarlett - professora titular de Filosofia contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). https://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/32/artigo129564-1.asp - Publicado em:16/10/2009 - Acessado em 30/11/2013.

MORAES, Alexandre de – Direito Constitucional, pg 35/36; 23ª Ed. editora ATLAS S.A. - 2008.

OLIVEIRA, Edwillams Gomes de - Eutanásia: conflito de garantias fundamentais? Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 58, out 2008. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5225>. Acesso em 01/12/2013.

SUPREMO, A Constituição e o - https://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp - acessado em 1º/12/2013.

TAQUES, Senador Pedro, A Comissão De Juristas Para A Elaboração De Anteprojeto De Código Penal; criada pelo Requerimento nº 756, de 2011, do, aditado pelo de nº 1.034, de 2011, https://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/06/pdf-veja-aqui-o-anteprojeto-da-comissao-especial-de-juristas , acessado em 01/12/2013.

Wikipédia, a enciclopédia livre. – Suicidio - acessado em 19/11/2013. https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio

ROBERTO, Gilson Luís - Terminalidade da vida e a resolução do CFM, publicada em janeiro de 2007. https://www.amebrasil.org.br/html/outras_cfm.htm - acessado em 02/12/2013.

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Notas

1 MARTON, Scarlett - professora titular de Filosofia contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). https://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/32/artigo129564-1.asp - Publicado em:16/10/2009 - Acessado em 30/11/2013.

2 Artigo 1º, inciso III da CRFB: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana; acessado em 26/11/2013.

3 BRASIL, Constituição Federal de 1988. TITULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no CAPÍTULO I - DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, em seu Artigo 5º, caput. e incisos II; III; IV; VI; X, XXXV. acessado em 26/11/2013.

5 CAMAPUM, Leandro. O Direito de Morrer e Morte Digna https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6933 Texto criado em 08/12/2011. Acessado em 30/11/2013.

6 Ibid, https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?pagina=280&idarea=54&id_dh=6933

7 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro - Eutanásia, ortotanásia e distanásia - Postado em 04 abril 2005. Acessado em 18/11/2013. https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI11097,71043-Eutanasia+ortotanasia+e+distanasia+breves+consideracoes+a+partir+do

8 Significados.com.br - mantido pela empresa 7Graus - https://www.significados.com.br/eutanasia/ - acessado em 27/11/2013.

9 OLIVEIRA, Edwillams Gomes de - Eutanásia: conflito de garantias fundamentais? Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 58, out 2008. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5225>. Acesso em 01/12/2013.

10 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro - Eutanásia, ortotanásia e distanásia - Postado em 09 abril 2012. Acessado em 18/11/2013. https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI11097,71043-Eutanasia+ortotanasia+e+distanasia+breves+consideracoes+a+partir+do

11 Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio - acessado em 19/11/2013.

12 Ibid, 10

13 Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio - acessado em 19/11/2013.

14 TAQUES, Senador Pedro, A Comissão De Juristas Para A Elaboração De Anteprojeto De Código Penal; criada pelo Requerimento nº 756, de 2011, do, aditado pelo de nº 1.034, de 2011, https://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/06/pdf-veja-aqui-o-anteprojeto-da-comissao-especial-de-juristas , acessado em 01/12/2013.

13 Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio - acessado em 19/11/2013.

14 TAQUES, Senador Pedro, A Comissão De Juristas Para A Elaboração De Anteprojeto De Código Penal; criada pelo Requerimento nº 756, de 2011, do, aditado pelo de nº 1.034, de 2011, https://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/06/pdf-veja-aqui-o-anteprojeto-da-comissao-especial-de-juristas , acessado em 01/12/2013.

15 Ibid. 10.

16 Ibid. 14.

17 MORAES, Alexandre de – Direito Constitucional, pg 35/36; 23ª Ed. editora ATLAS AS- 2008.

18 Ibid. 10.

19 SUPREMO, A Constituição e o - https://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp - acessado em 1º/12/2013.

20 ROBERTO, Gilson Luís - Terminalidade Da Vida E A Resolução Do CFM, publicada em janeiro de 2007. https://www.amebrasil.org.br/html/outras_cfm.htm

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Sobre a autora
Giselle Sengès

Advogada atuante na Área Cível e Trabalhista

Informações sobre o texto

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