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Prescrição na execução fiscal:

Possibilidade de sua argüição em sede de exceção de pré-executividade

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13/06/2005 às 00:00
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5. Possibilidade de conhecimento ex officio de alegação de prescrição do crédito em sede de execução fiscal: Ofensa ao Princípio da Moralidade

Demonstrada a possibilidade de reconhecer-se de ofício a prescrição do crédito tributário, em razão de os efeitos da prescrição nessa seara atingirem irremediavelmente o direito material, a verdade é que não só esse argumento milita em favor de tal abertura para o uso da exceção de pré-executividade.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, passou a integrar o corpo do art. 37 da Constituição Federal, como norteador vinculante da atividade da administração pública, o princípio da moralidade administrativa. Este princípio veio ao ordenamento jurídico não apenas para complementar o princípio da legalidade, mas exigir do comportamento da administração pública e de seus agentes conduta objetivamente comprometida com a moralidade.

Importa, destarte, traçar o alcance do princípio da moralidade para demonstrar sua pertinência ao assunto em debate. Nesse passo, é mister trazer à baila a crítica feita por Hugo de Brito ao senso comum doutrinário acerca do seu alcance, afirmando que "os vários doutrinadores reproduzem lição de Maurice Hauriou, segundo a qual a moralidade administrativa deve ser entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração"" (MARTINS, 1998, p. 63).

É de se acatar a relevância da crítica acima reproduzida, pois não se pode crer em tamanha redução do espectro do princípio da moralidade, quase o reduzindo ao pré-existente princípio da legalidade e tornando-o mera redundância ineficaz do texto constitucional. O princípio da moralidade, bem a propósito mencionado após o princípio da legalidade, diz mais que isso. É comando imperativo que exige a moralidade objetiva do Estado no exercício de sua função social. Não apenas no cumprimento das leis, mas inclusive na feitura dessas, e mais, exige-se moralidade na prática de atos em suas relações com os particulares, os cidadãos, no cumprimento de contratos, no fornecimento de serviços e, ainda, nos processos administrativos e judiciais em que for parte.

Essa a conclusão em que o mesmo autor deságua seus ensinamentos e que, por insuperável brilhantismo, transcreve-se:

"A moralidade administrativa, portanto, já não deve ser entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interna da Administração Pública. Pelo menos se como disciplina interior se entende aquela elaborada no interesse do Estado-administração, interesse público secundário que não coincide necessariamente com o interesse público primário, ou interesse do povo. No dizer de Cármen Lúcia, "o Estado não é fonte de uma Moral segundo suas próprias razões, como se fosse um fim e a sociedade um meio. O Estado é a pessoa criada pelo homem para realizar os seus fins numa convivência política harmônica. Quando e onde o Estado arvora-se em fonte de uma Moral e transforma-se em um fim, não há, ali, qualquer Moral prevalecendo, pela circunstância de que ali se estará a aplicar regras antidemocráticas, de voluntarismo do eventual detentor do Poder, sem preocupação com o ideário jurídico da sociedade"" (MARTINS, 1998, p. 64)

O Estado, nas relações com os particulares, estará sempre em situação de superioridade, sendo certo que, ao se valer dessa superioridade para praticar atos contra os interesses primários da sociedade (vedação ao enriquecimento sem causa) em prol de interesses secundários da administração (necessidade arrecadatória) estará atuando em dissonância com o princípio da moralidade.

Sendo marcante o campo de atuação do princípio da moralidade, que bem ao contrário deve ser interpretado de forma ampla a fim de garantir estabilidade jurídico-social aos cidadãos que legitimam a atuação do Estado, não se pode ter dúvida de que, p.ex., a cobrança de tributos que a administração sabia/deveria saber serem indevidos fira inequivocamente o princípio da moralidade. Semelhantes são os dizeres de José Eduardo Soares de Melo, para quem "arranha, ainda, o princípio da moralidade, o ajuizamento de executivo fiscal após o contribuinte haver efetuado depósitos (administrativo ou judicial), pertinentes a medidas cautelares, ações declaratórias, anulatórias, consignatórias e mandados de segurança" (MARTINS, 1998, p. 107).

Noutro giro, mas no mesmo sentido, muitas vozes se indignariam com situação em que o Fisco viesse a executar tributo já pago pelo contribuinte, o que certamente agride ao princípio da moralidade. Porém, a hipótese de tributo pago não se distingue da situação em que o Fisco pretenda exigir tributo inexistente, ou igualmente extinto, merecendo a mesma reprovação, portanto, a execução de tributo afetado pela prescrição tributária.

Como que num alinhamento proposital de idéias, foi de grande felicidade a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no julgamento dos embargos de declaração em Apelação Cível, processo nº 2002.02.01.000437-7, publicado no D.J. de 29/10/2002, página 259, no qual funcionou como relator o ilustre Juiz Federal Ney Fonseca e que resume em algumas linhas todo o pensamento do presente trabalho:

"ADMINISTRATIVO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - EXECUÇÃO FISCAL - POSSIBILIDADE DA DECRETAÇÃO DE OFÍCIO DA PRESCRIÇÃO - ARTIGO 174 DO CTN - HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO - ATINGIMENTO DO FUNDO DE DIREITO - COBRANÇA INDEVIDA - MÁCULA AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE.

I - A cobrança de tributo pela Administração Pública que se encontra prescrito traduz mácula ao princípio da moralidade administrativa, vez que se permitiria ao agente lançar e cobrar crédito inexistente.

II - A decretação da prescrição de ofício não só impede a cobrança de crédito extinto, como também que o contribuinte pagando venha a propor a ação de repetição do indébito.

III - Embargos de declaração improvidos."

Em seu voto, o eminente Relator expôs:

"A prescrição no campo de direito privado, regulado pelo Código Civil e Processual Civil, nos artigos 166 e 219 § 5º, tem por fim regular relações jurídicas patrimoniais disponíveis entre pessoas que se encontram em igual plano de igualdade, decorrendo daí a impossibilidade de sua declaração de ofício.

Diversamente, ocorre no campo do Direito Público, vez que a Administração Pública guarda obediência ao princípio da moralidade (art. 37 da CF/88), que impõe ao administrador conduta, de molde que o ato administrativo por ele praticado guarde fundamento de validade.

Neste sentido, observa-se que a prescrição tributária, prevista no artigo 174 do CTN, atinge a própria relação jurídica de direito material, resultando na extinção do crédito tributário (art. 156 do CTN).

Assim sendo, ao se permitir ao servidor público que faça a cobrança de tributo que sabe ou deveria saber indevido, vez que prescrito, tem-se que tal ato, no âmbito da Administração, será tido como inválido, ante ofensa ao princípio da moralidade, instituído no artigo 37 da Constituição Federal, razão pela qual se torna possível a sua decretação de ofício."

Aliás, é de reconhecer-se que o pagamento de tributo prescrito configura, sem sombra de dúvidas, pagamento indevido, razão pela qual nasce direito de repetição para o contribuinte. Para firmar esse posicionamento serve-se do trecho da ementa do acórdão citado alhures, segundo o qual "a decretação da prescrição de ofício não só impede a cobrança de crédito extinto, como também que o contribuinte pagando venha a propor a ação de repetição do indébito". Essa conclusão, que decorre do fato de que crédito tributário prescrito é crédito inexistente, é imperativa por força do princípio da moralidade administrativa, que repele a idéia de que a Administração Pública possa enriquecer-se indevidamente às expensas do cidadão. Em última análise, é dever do Poder Público, portanto, sob pena de ferir-se a moralidade administrativa, evitar o enriquecimento sem causa dos cofres públicos em detrimento do patrimônio do particular.

Partindo-se da premissa, aparentemente sustentável, de que o crédito tributário prescrito é inexistente e de que eventual pagamento espontâneo afigura-se como indevido e repetido deve ser, resulta óbvio que sua exigência por parte do ente público tributante encerra agressão ao princípio constitucional da moralidade administrativa. Até porque, seria ilógico admitir-se ser indevido o pagamento de tributo prescrito, acatando-se tese segundo a qual há a possibilidade de repetição do tributo prescrito pago, e, numa contra-mão de idéias, permitir-se que haja execução fiscal com base em título com crédito prescrito. Ou pior, exigir do executado, para defender-se, o depósito do montante integral em execução fundada em título representativo de crédito inexistente/prescrito.

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Portanto, permitir-se a execução nesses moldes, e ainda, exigir-se que o contribuinte, para defender-se dessa atividade executiva vazia de fundamento jurídico, tenha que dispor de seu patrimônio para alegar em embargos de executado a prescrição afronta, inequivocamente, a lealdade e honestidade que se espera da administração pública, invertendo a ordem das coisas, vez que o Estado deve ser meio e não fim da sociedade. Ainda mais se imaginar hipótese em que o contribuinte executado injustamente tenha patrimônio insuficiente para a garantia do juízo. Em suma, tal situação não parece poder prosperar ao confronto com o princípio constitucional da moralidade administrativa.


6. Conclusão

Reconhecendo-se a relativa autonomia das normas de direito tributário, demonstrou-se que os efeitos da prescrição nesta seara não são os mesmos daqueles emanados pelo mesmo instituto no campo do direito civil. Essa constatação implica em importante corolário, qual seja a possibilidade de se incluir no rol de matérias argüíveis em sede de exceção de pré-executividade, especialmente quando se tratar de execução fiscal, a prescrição.

A prescrição, nas relações de direito tributário, tem o condão de extinguir o crédito tributário, esvaziando a pretensão da Fazenda de ajuizar ação de execução com base em título executivo representativo de crédito prescrito. Todavia, se por qualquer razão venha a ser ajuizada ação de execução fiscal nos moldes acima referidos, o contribuinte não estará obrigado a sofrer a injusta constrição patrimonial prevista na sistemática dos embargos de executado, depositando o montante integral em execução. Isso porque, nesses casos, a alegação de prescrição mostra-se apta a ser reconhecida de ofício pelo juiz, o que autoriza sua oposição em exceção de pré-executividade.

Ademais, inexistindo crédito tributário prescrito, como inexiste, sua execução em face do cidadão, caso provoque algum tipo de constrangimento patrimonial, seja pelo efetivo pagamento ao final da execução seja pela exigência de garantia do juízo, malfere o princípio constitucional da moralidade administrativa na medida exata em que agride a lealdade e honestidade que se espera do administrador, bem como promove o indevido enriquecimento dos cofres públicos em detrimento do patrimônio dos particulares.

Por todas essas razões, não se pode admitir o prosseguimento da execução fiscal fundada em título representativo de crédito prescrito, sendo imperativo, quando comprovada a prescrição, o conhecimento da exceção de pré-executividade, a qualquer tempo na execução fiscal, salvo a existência de coisa julgada, com a conseqüente extinção da execução.


Bibliografia:

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CONRADO, Paulo César (Coord.). Processo tributário analítico. São Paulo: Dialética, 2003.

KINIJNIK, Danilo. A exceção de pré-executividade. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. 2 ed. Rio de janeiro: Forense, 1959.

MACHADO, Hugo de Brito. Juízo de admissibilidade na execução fiscal. Revista de direito tributário, São Paulo, v. 22, p. 18-23, julho 1997.

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). O princípio da moralidade no direito tributário. 2 ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

MIRANDA, Pontes de. CAVALCANTI, Francisco. Dez anos de pareceres. 1 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974.

MOREIRA, Alberto Camiña. Defesa sem embargos do executado: exceção de pré-executividade. 2 ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2000.

ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Problemas de processo judicial tributário. São Paulo: Dialética, 4 vol., 2000.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.


NOTAS

01 PROCESSUAL CIVIL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – PRESCRIÇÃO – TERMO A QUO: DO DESPACHO QUE DETERMINA A CITAÇÃO (ART. 8º, § 2º, DA LEF) OU DA DATA DA CITAÇÃO (ART. 219 DO CPC E ART. 174, § ÚNICO, DO CTN).

1. A exceção de pré-executividade, como defesa excepcional, não tem o condão de substituir os embargos, ação própria para o executado formular sua impugnação.

2. A exceção de pré-executividade limita-se às objeções que, por serem de ordem pública, podem ser decretadas de ofício pelo julgador.

3. Prescrição não é objeção e, em princípio, não poderia ser argüida, senão via embargos, tolerando-se a via escolhida, exceção, em nome do princípio da economia processual.

4. A jurisprudência do STJ, após divergências, pacificou-se no sentido de admitir como termo a quo para a contagem da prescrição a data da citação, como estabelecido no CTN, no CPC e no CC, afastando-se o rigor da LEF, que indica a data do despacho que ordena a citação.

5. Recurso especial desprovido. (Resp. nº 437.183, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, julgado em 04/05/2004)

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Sobre o autor
Rafael Fiuza Casses

especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, membro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASSES, Rafael Fiuza. Prescrição na execução fiscal:: Possibilidade de sua argüição em sede de exceção de pré-executividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 708, 13 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6879. Acesso em: 27 dez. 2024.

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