ALGUMAS HIPÓTESES DE APLICAÇÃO
Cuidando, por derradeiro, de alguns casos de aplicação da cláusula geral em comento, vale destacar, exemplificativamente, que o acordo celebrado para estabelecer que eventual recurso de apelação seja julgada pelo próprio juiz de primeiro grau é inválido, porquanto versa sobre competência funcional – e, portanto, absoluta – e o Código só admite acordo sobre competência de natureza relativa (art. 63 do CPC).
Sobre o tema, se pronuncia Fredie Didier Jr.:
“Sempre que regular expressamente um negócio processual, a lei delimitará os contornos do seu objeto.
Acordo sobre competência, por exemplo, é expressamente regulado (art. 63 do CPC) e o seu objeto, claramente definido: somente a competência relativa pode ser negociada. Assim, acordo sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa não pode ser objeto de negócio processual”[20].
Igualmente, tem-se o Enunciado FPPC nº 20, que veda o acordo que pretenda modificar competência absoluta:
Enunciado FPPC nº 20. Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância.
Dessa forma, um acordo atinente à competência para julgamento da apelação, é inválido, em razão de o objeto extrapolar os limites definidos pela lei, tornando-se ilícito.
Diversamente, o chamado acordo de instância única é reputado válido pelo direito comparado[21] e pela doutrina pátria[22], à luz do estatuído pelo art. 190 do CPC.
O art. 681º, 1, do CPC português, por exemplo, permite expressamente o acordo de instância única:
“1 – É lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes.”
Sobre tal convenção, embora se pudesse cogitar de violação ao contraditório ou mesmo ao duplo grau de jurisdição, deve-se ter em mente que o contraditório consiste na possibilidade de reação, mas não obriga as partes a reagirem; da mesma forma, se o recurso é orientado pelo princípio da voluntariedade, óbice não há a que as partes renunciem de forma antecipada à faculdade de recorrer por meio do acordo de instância única.
Não obstante a força e coerência dos argumentos expostos, algumas vozes se insurgem contra a validade do acordo de instância única, argumentando que não se poderia renunciar antecipadamente ao recurso, mas apenas depois de proferida a decisão.
Embora se nos pareça mais correta a posição que preconiza a validade do acordo de instância única, não é desnecessário acompanhar a evolução da nova temática, a fim de se verificar se o examinador a ser escolhido tem posição específica sobre o assunto.
Outro questionamento recorrente está relacionado à hipótese de se celebrar um negócio jurídico processual, como o já mencionado acordo de instância única, no bojo de uma demanda versar sobre alimentos entre ex-cônjuges.
Tal contexto processual não repercute na validade do acordo de instância única, uma vez que, como visto, o CPC sequer restringe os negócios jurídicos processuais aos direitos disponíveis, mas autoriza que versem sobre todos os direitos que admitam a autocomposição. E, insofismavelmente, os alimentos podem ser objeto de autocomposição (art. 9º, §1º, da Lei 5.478/1968). Portanto, o acordo de instância única também é válido nessa hipótese.
Anote-se, por fim, que esse negócio jurídico processual não se confunde com o acordo de supressão de primeira instância, que impõe que determinada demanda seja apreciada, em primeiro grau, pelo Tribunal, e não pelo juiz. Como tal acordo versa sobre competência absoluta, deve ser tido como inválido, consoante já indicado e como se extrai do Enunciado FPPC nº 20.
CONCLUSÃO
Induvidosamente, o NCPC modificou drasticamente as relações contratuais entre as partes, que podem agora formatar o procedimento que resolverá os conflitos atuais ou vindouros sem a necessidade de suportar o alto custo do procedimento arbitral.
Também de modo a prestigiar a efetividade, têm as partes força jurígena capaz de traçar a disciplina que permita alcançar o resultado almejado sem delongas desnecessárias e igualmente custosas.
Empregada adequadamente, a negociação sobre o processo pode trazer significativos avanços à justiça brasileira, na esteira da tendência de democratização do processo, a partir da busca por soluções mais eficientes, céleres e menos custosas.
Notas
[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18ª ed. Salvador: Ed. JusPodvim, 2016, p. 380.
[2] Ibid, p. 381.
[3] Ibid, p. 385.
[4] No que toca à classificação, os negócios jurídicos podem se dividir em: (i) Unilaterais: só há uma vontade. Ex: renúncia, reconhecimento da procedência do pedido; (ii) Bilaterais: são aqueles negócios que há duas vontades (acordos). Ex.: foro de eleição; (iii) Plurilaterais: mais de duas vontades. (ex.: negócio envolvendo litisconsortes).
[5] Podem, ainda, ser divididos em: a) Expressos: são aqueles que se revelam a partir de uma manifestação expressa feita em determinado sentido, seja ela escrita, seja oral (ex.: outorga de procuração em audiência); b) Escritos: são os negócios documentados por escrito; c) Tácitos: é o negócio que se celebra sem a manifestação expressa de vontade. O negócio tácito não é necessariamente omissivo, já que se pode ter um negócio tácito por comportamento comissivo.
[6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 307.
[7] Há polêmica quanto à possibilidade de o juiz ser considerado sujeito de uma convenção processual. Antônio do Passo Cabral, por exemplo, nega tal possibilidade, ao passo que Fredie Didier o admite.
[8] Enunciado FPPC nº 256. A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual.
[9] Enunciado FPPC nº 253. O Ministério Público pode celebrar negócio processual quando atua como parte.
[10] NEVES, 2016, p. 307-308.
[11] DIDIER JR., 2016, p. 390.
[12] Ibid, p. 391.
[13] NEVES, 2016, p. 308.
[14] DIDIER JR., 2016, p. 394.
[15] NEVES, 2016, p. 308.
[16] DIDIER JR., 2016, p. 392.
[17] Ibid, p. 392.
[18] NEVES, 2016, p. 310.
[19] DIDIER JR., 2016, p. 395.
[20] Ibid, p. 393.
[21] O art. 41, par. 2, do CPC francês permite o acordo de instância única.
[22] Ibid, p. 385.