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Juros compostos e anatocismo: prática ilegal ou permitida?

18/09/2018 às 13:13

Resumo:


  • Juros compostos não são ilícitos por si só, mas a prática de anatocismo, que é a incidência de juros sobre juros já capitalizados, é vedada pela jurisprudência brasileira.

  • O anatocismo ocorre quando há cobrança de juros sobre o montante que inclui juros anteriores não pagos, resultando em amortizações negativas e aumento progressivo da dívida.

  • O uso da Tabela Price ou sistema francês de amortização é legal se expressamente pactuado e não deve configurar anatocismo, com o valor das prestações sendo fixo e os juros distribuídos igualmente entre elas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A prática de aplicação de juros compostos (e a utilização da tabela price), principalmente em contratos firmados com instituições financeiras, é bastante recorrente. A grande dúvida recai sobre a legalidade disto.

Não raras as vezes é possível observar, como prática de mercado, a aplicação de juros compostos para o cálculo final de obrigações contraídas a prazo - sobretudo quando tais obrigações são oriundas de contratos firmados com instituições financeiras.

O que se deve ter em mente é que, ao contrário do que muitos pensam, a simples aplicação de juros compostos não é ilícita; todavia, deve haver uma distinção entre a sua incidência e a prática de anatocismo, esta sim vedada pela jurisprudência tupiniquim. 

Desta forma, vale trazer à baila a conceituação do anatocismo. De acordo com o Desembargador Federal Rogério Favreto, do TRF-4, ao julgar a  Apelação Cível 5001337-74.2017.4.04.7216/SC:

“(...) o que a lei veda é a cobrança de juros sobre capital renovado, ou seja, sobre montante de juros não pagos, já resultantes da incidência de juros compostos (capitalizados). Ter-se-ia, aí sim, a cobrança de juros sobre juros, prática de anatocismo, que se concretiza quando o valor do encargo mensal revela-se insuficiente para liquidar até mesmo a parcela de juros, dando causa às chamadas amortizações negativas (...)."

Nota-se, portanto, que o anatocismo consiste na incidência de juros sobre o capital renovado, o que quer dizer, em suma, e tornando simples um raciocínio um tanto mais complexo, que:

1. Há a contração da obrigação de pagamento de uma quantia X, sobre a qual incidirá, caso não quitada, a taxa de juros J;

2. Quando a obrigação não é quitada, aquele que contraiu a obrigação deve, agora, um novo montante, formado pelo valor original (X) somado da taxa de juros incidente (J) - no caso, a nova dívida é de (X + J);

3. O devedor novamente não paga a dívida de (X + J) na data de vencimento. Novamente incidirá a taxa de juros sobre este valor, sendo que a nova dívida será, agora, de (X + J) + J.

4. Ou seja, a nova taxa de juros incide sobre um capital renovado, um montante que já contava com juros (cuja incidência se deu anteriormente) embutidos nele. Basicamente e utilizando um exemplo bastante simplório, resta configurada a prática de anatocismo.

Tal explicação fica ainda mais inteligível quando se toma como exemplo os contratos de cheque especial em geral. 

Isto porque o cheque especial é utilizado quando a conta bancária fica negativa; ou seja, o banco "cobre" o montante negativo na conta do cliente, mas lhe cobra altos juros por isso (em outras palavras, afastando-se da linguagem jurídica, o montante negativo não é quitado pelo banco; o banco apenas "aceita" que a conta fique negativa por um período, e cobra juros enquanto não houver depósito/transferência de valores que tornem o saldo positivo novamente). 

O problema é que se a conta já estava negativa, e sobre ela incidiram novos juros, caso não haja o depósito/transferência de valores que tornem o saldo positivo, muito possivelmente a conta ficará "ainda mais negativa", uma vez que contará com o montante coberto pelo cheque especial, somado aos juros que nele incidiram. 

Adiante, no mês subsequente será necessária, novamente, a utilização do cheque especial, já que a conta continuou negativa; os juros, agora, incidirão sobre os juros que já haviam incidido anteriormente, uma vez que não foram pagos e assim por diante. 

Acima foi utilizado um exemplo contendo as variáveis X e J. Como o objetivo deste artigo é tornar o conhecimento acessível a todos, utiliza-se, agora, um exemplo matemático bastante simples:

1. Se a conta estava em R$ 100,00 negativos, o banco "cobriu" este montante negativo, mas aplicou juros de 10% para isso; 

2. A conta, agora, não possui mais R$ 100,00 negativos, mas sim R$ 110,00 negativos (R$ 100,00 de montante inicial, mais R$ 10,00 de juros);

3. Caso não quitado este novo montante, serão aplicados juros sobre R$ 110,00, ou seja, sobre os R$100,00 iniciais somados aos R$ 10,00 de juros. Há a incidência, portanto, de "juros sobre juros".

Esta aplicação de juros sobre montante renovado, que já contava com a incidência anterior de juros, caracteriza o anatocismo.

Como observado nas palavras do Des. Federal Rogério Favreto, esta prática de anatocismo é vedada. Apesar disso, continua sendo amplamente utilizada nas relações cotidianas, o que enseja a apreciação judicial de uma infinidade de casos.

Veja-se, por exemplo, jurisprudência extraída do TRF-4:

CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS. CRÉDITO ROTATIVO. CDC E CHEQUE ESPECIAL. JUROS REMUNERATÓRIOS - CAPITALIZAÇÃO - ANATOCISMO. (...) 3. Embora a CEF, reiteradamente, argumente que não ocorre cobrança de juros sobre juros no caso de crédito rotativo - sob o fundamento de que seria apenas cobrança e pagamento dos juros lançados a débito na conta, que, por não terem sido quitados, passam a compor o saldo devedor da conta -, o que costuma acontecer é a incidência mensal sobre o saldo devedor de novos juros, ou seja, os juros são somados ao saldo devedor, e sobre o resultado calculam-se novos juros. Tal situação evidencia o anatocismo, que deve ser afastado. (TRF-4, AC 5038310-36.2013.4.04.7000/PR, Des. Luís Alberto D´Azevedo Aurvalle, Julgado em 21/07/2015).

Neste momento, oportuno ressaltar que já não restam mais dúvidas acerca da conceituação do anatocismo e de sua vedação. O que deve ficar evidente, agora, é que a aplicação de juros compostos não quer dizer, por si só, que há a ocorrência de anatocismo em determinada operação.

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Em que pese a prática de anatocismo não seja aceita, a aplicação de juros compostos, desde que pactuada, não é vedada pela jurisprudência brasileira. Sendo assim, ressalvados alguns casos (sobretudo quando há a incidência de cláusulas abusivas), não há problemas que sejam contraídas obrigações a prazo, cujo montante final venha a ser calculado através da utilização de juros compostos. Em suma, em geral pode haver a incidência de juros compostos, desde que não se pratique o anatocismo. 

Daí é que surge uma nova dúvida no que diz respeito, agora, à legalidade ou ilegalidade de utilização da Tabela Price, ou sistema francês de amortização, que consiste na contração de uma obrigação a prazo, sobre a qual incide determinada taxa de juros, sendo que o valor das prestações é sempre o mesmo, porquanto o montante total de juros já se encontra "embutido" em cada uma das prestações.

Novamente afastando o juridiquês, sempre que se pensa em um pagamento a prazo, pensa-se, consequentemente, em parcelas que vão aumentando de valor gradativamente com o passar do tempo. Se aplicada a Tabela Price isto não acontece, tendo em vista que o valor total dos juros que seria pago ao final (somatório dos juros pagos em cada parcela) é dividido e diluído igualmente de acordo com o número de parcelas a serem quitadas, de tal forma que o valor da primeira parcela é o mesmo valor da última parcela.

A utilização da Tabela Price, que quase sempre é remetida à aplicação de juros compostos, também não é ilegal, e pode ser utilizada desde que prevista e expressamente pactuada. Outra vez, a ressalva que se faz é que, mesmo com a utilização do sistema francês de amortização, não pode haver a prática de anatocismo. Veja-se:

"(...) A adoção do sistema francês de amortização, conhecido como Tabela Price, não implica necessariamente capitalização indevida de juros, não havendo óbice à sua utilização quando expressamente pactuado. A prática de anatocismo é vedada nos contratos de financiamento quando o aporte dos juros remanescentes decorrentes de amortizações negativas para o saldo devedor, incidindo a cobrança de juros sobre juros". (TRF4, AG 5040455-11.2016.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 04/09/2018)

Nota-se, portanto, que deve-se distinguir a prática de juros compostos (e até mesmo a utilização da Tabela Price) da prática de anatocismo, tendo em vista que, embora possam ocorrer simultaneamente, uma não é condição necessária para a outra. Desta maneira, nada impede que seja expressamente pactuada a incidência de juros compostos em determinado contrato; todavia, é amplamente vedada a prática de anatocismo, sendo que, caso constatado pelo consumidor, pode haver até mesmo o ajuizamento de Ação Revisional no intuito de reaver os valores indevidamente pagos a mais (ou ainda compensar com valores ainda devidos ao credor). 

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Sobre o autor
Luiz Fernando Calegari

Advogado, OAB/SC 49886, sócio do escritório Fontes, Philippi, Calegari Advogados, graduado em Direito (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC), Especialista em Direito Civil (Rede LFG) e em Compliance Contratual (LFG), Mestrando em Direito (UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALEGARI, Luiz Fernando. Juros compostos e anatocismo: prática ilegal ou permitida?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5557, 18 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69010. Acesso em: 18 dez. 2024.

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