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Deveres gerais de conduta nas obrigações civis

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16/06/2005 às 00:00
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3. DEVER DE REALIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DAS OBRIGAÇÕES

O princípio da função social determina que os interesses individuais das partes do negócio sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles pois os interesses sociais são prevalecentes. Qualquer obrigação contratual repercute no ambiente social, ao promover peculiar e determinado ordenamento de conduta e ao ampliar o tráfico jurídico.

Para Miguel Reale o contrato nasce de uma ambivalência, de uma correlação essencial entre o valor do indivíduo e o valor da coletividade. "O contrato é um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele que o cria, mas, de outro lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida" [13].

No período do Estado liberal a inevitável dimensão social do contrato era desconsiderada para que não prejudicasse a realização individual, em conformidade com a ideologia constitucionalmente estabelecida; o interesse individual era o valor supremo, apenas admitindo-se limites negativos gerais de ordem pública e bons costumes, não cabendo ao Estado e ao direito considerações de justiça social.

A função exclusivamente individual do contrato é incompatível com o Estado social, caracterizado, sob o ponto de vista do direito, como já vimos, pela tutela explícita da ordem econômica e social na Constituição. O art. 170 da Constituição brasileira estabelece que toda a atividade econômica – e o contrato é o instrumento dela – está submetida à primazia da justiça social. Não basta a justiça comutativa que o liberalismo jurídico entendia como exclusivamente aplicável ao contrato [14]. Enquanto houver ordem econômica e social haverá Estado social; enquanto houver Estado social haverá função social do contrato.

Com exceção da justiça social, a Constituição não se refere explicitamente à função social do contrato. Fê-lo em relação à propriedade, em várias passagens, como no art.170, quando condicionou o exercício da atividade econômica à observância do princípio da função social da propriedade. A propriedade é o segmento estático da atividade econômica, enquanto o contrato é seu segmento dinâmico. Assim, a função social da propriedade afeta necessariamente o contrato, como instrumento que a faz circular.

Tampouco o Código de Defesa do Consumidor o explicitou, mas não havia necessidade porquanto ele é a própria regulamentação da função social do contrato nas relações de consumo.

No Código Civil de 2002 a função social surge relacionada à "liberdade de contratar", como seu limite fundamental. A liberdade de contratar, ou autonomia privada, consistiu na expressão mais aguda do individualismo jurídico, entendida por muitos como o toque de especificidade do direito privado. São dois princípios antagônicos que exigem aplicação harmônica. No Código a função social não é simples limite externo ou negativo mas limite positivo, além de determinação do conteúdo da liberdade de contratar. Esse é o sentido que decorre dos termos "exercida em razão e nos limites da função social do contrato" (art. 421).

O princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual comum brasileiro e, talvez, a de todo o Código Civil. Os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem ser interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão. Segundo o modelo do direito constitucional, o contrato deve ser interpretado em conformidade com o princípio da função social.

O princípio da função social do contrato harmoniza-se com a modificação substancial relativa à regra básica de interpretação dos negócios jurídicos introduzida pelo art. 112 do Código Civil de 2002, que abandonou a investigação da intenção subjetiva dos figurantes em favor da declaração objetiva, socialmente aferível, ainda que contrarie aquela.


4. DEVER DE EQUIVALÊNCIA MATERIAL DE DIREITOS E DEVERES

O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio clássico pacta sunt servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas.

No Código Civil o princípio teve introdução explícita nos contratos de adesão. Observe-se, todavia, que o contrato de adesão disciplinado pelo Código Civil tutela qualquer aderente, seja consumidor ou não, pois não se limita a determinada relação jurídica como a de consumo. Esse princípio abrange o princípio da vulnerabilidade jurídica de uma das partes contratantes, que o Código de Defesa do Consumidor destacou.

O princípio da equivalência material rompe a barreira de contenção da igualdade jurídica e formal, que caracterizou a concepção liberal do contrato. Ao juiz estava vedada a consideração da desigualdade real dos poderes contratuais ou o desequilíbrio de direitos e deveres, pois o contrato fazia lei entre as partes, formalmente iguais, pouco importando o abuso ou exploração da mais fraca pela mais forte.

O princípio da equivalência material desenvolve-se em dois aspectos distintos: subjetivo e objetivo. O aspecto subjetivo leva em conta a identificação do poder contratual dominante das partes e a presunção legal de vulnerabilidade. A lei presume juridicamente vulneráveis o trabalhador, o inquilino, o consumidor, o aderente de contrato de adesão, dentre outros. Essa presunção é absoluta, pois não pode ser afastada pela apreciação do caso concreto. O aspecto objetivo considera o real desequilíbrio de direitos e deveres contratuais que pode estar presente na celebração do contrato ou na eventual mudança do equilíbrio em virtude de circunstâncias supervenientes que levem a onerosidade excessiva para uma das partes.


5. DEVER DE EQUIDADE

A equidade, entendida como justiça do caso concreto, tem este como sua razão de ser, na contemplação das circunstâncias que o cercam; cada caso é um caso. O apelo à equidade é o reconhecimento pela própria lei de que a prestação pode ser injusta. Já Aristóteles, em lição sempre atual, dizia que a própria natureza da equidade é a retificação da lei onde esta se revela insuficiente pelo seu caráter universal, porque "a lei leva em consideração a maioria dos casos, embora não ignore a possibilidade de falha decorrente dessa circunstância" [15]. Nesses casos a equidade intervém para julgar, não com base na lei, mas com base naquela justiça que a mesma lei deve realizar.

Durante o predomínio do individualismo jurídico, a equidade praticamente desapareceu do direito civil, principalmente do direito das obrigações, em virtude da concepção dominante de insular as relações privadas em campo imune à interferência do Estado ou dos interesses sociais. A aplicação da equidade, milenarmente construída como valor constituinte da justiça, envolve necessariamente a intervenção do juiz, que é o agente do Estado, e retomou sua força no Estado Social, desenvolvido desde as primeiras décadas do século XX, como etapa da evolução do Estado Moderno.

O juízo de eqüidade conduz o juiz às proximidades do legislador, porém limitado à decidibilidade do conflito determinado, na busca do equilíbrio dos poderes privados. Apesar de trabalhar com critérios objetivos, com standards valorativos, a eqüidade é entendida no referido sentido aristotélico da justiça do caso concreto. O juiz deve partir de critérios definidos referenciáveis em abstrato, socialmente típicos, conformando-os à situação concreta, mas não os podendo substituir por juízos subjetivos de valor.

O Código Civil determina explicitamente a formação do juízo de equidade, para solução de certas situações com potencialidade de conflito, o que obriga o juiz a buscar os elementos de decisão fora da simples e tradicional subsunção do fato à norma. São exemplos dessa viragem à equidade, aplicáveis ao direito das obrigações: a) se os juros de mora não cobrirem o prejuízo do credor, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder eqüitativamente indenização suplementar (art. 404); b) se a pena civil ou cláusula penal for manifestamente excessiva, deve ser eqüitativamente reduzida pelo juiz (art. 413); c) se a obrigação do locatário pagar o aluguel pelo tempo que faltar, pelo fato de devolver a coisa antes do encerramento do contrato, for considerada excessiva, o juiz fixará a indenização "em bases razoáveis", ou seja, equitativamente (art. 572); d) se o aluguel arbitrado pelo locador, após notificado o locatário a restituir a coisa em razão do encerramento do prazo, for considerado manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo (art. 575); e) se a prestação de serviços for feita por quem não possua título de habilitação, mas resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá uma "compensação razoável", o que apenas será feito mediante a equidade (art. 606); f) se ocorrer diminuição do material ou da mão-de-obra superior a dez por cento do preço convencionado, no contrato de empreitada, poderá ser este revisto (art. 620); g) se as pessoas imputáveis pela reparação dos danos causados pelo incapaz não dispuserem de meios suficientes, o juiz fixará indenização equitativa que será respondida diretamente pelo incapaz, de modo a não privá-lo do necessário (art. 928); se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir eqüitativamente a indenização (art. 944).

O contrato pode estar submetido à arbitragem por opção das partes, seja mediante cláusula compromissória nele incluída, seja mediante específico contrato de compromisso (arts. 851 a 853 do Código Civil), subtraindo-se da administração regular de justiça ou do juiz de direito, para solução de eventuais conflitos. O art. 2º da Lei n. 9.307, de 1996 (que regula a arbitragem), estabelece que a arbitragem poderá ser de direito (definindo qual) ou de equidade, a critério das partes, e o art. 18 define o árbitro como juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou homologação do Poder Judiciário. Como juiz de fato, o árbitro decide segundo o largo alcance da equidade, sem se ater a qualquer norma de direito. Mas, ainda que as partes tenham vinculado a arbitragem a normas jurídicas, o dever geral de agir segundo a equidade integra o contrato.


6. DEVER DE INFORMAR

O direito à informação e o correspectivo dever de informar têm raiz histórica na boa-fé, mas adquiriram autonomia própria, ante a tendência crescente do Estado Social de proteção ou tutela jurídica dos figurantes vulneráveis das relações jurídicas obrigacionais. Indo além da equivalência jurídica meramente formal, o direito presume a vulnerabilidade jurídica daqueles que a experiência indicou como mais freqüentemente lesados pelo poder negocial dominante, tais como o trabalhador, o inquilino, o consumidor, o aderente. Nessas situações de vulnerabilidade, torna-se mais exigente o dever de informar daquele que se encontra em situação favorável no domínio das informações, de modo a compensar a deficiência do outro. O dever de informar é exigível antes, durante e após a relação jurídica obrigacional.

O ramo do direito que mais avançou nessa direção foi o direito do consumidor, cujo desenvolvimento aproveita a todo o direito privado. A concepção, a fabricação, a composição, o uso e a utilização dos produtos e serviços atingiu, em nossa era, elevados níveis de complexidade, especialidade e desenvolvimento científico e tecnológico cujo conhecimento é difícil ou impossível de domínio pelo consumidor típico, ao qual eles se destinam. A massificação do consumo, por outro lado, agravou o distanciamento da informação suficiente. Nesse quadro, é compreensível que o direito avance para tornar o dever de informar um dos esteios eficazes do sistema de proteção.

O dever de informar impõe-se a todos os que participam do lançamento do produto ou serviço, desde sua origem, inclusive prepostos e representantes autônomos. É dever solidário, gerador de obrigação solidária. Essa solidariedade passiva é necessária, como instrumento indispensável de eficaz proteção ao consumidor, para que ele não tenha de suportar o ônus desarrazoado de identificar o responsável pela informação, dentre todos os integrantes da respectiva cadeia econômica (produtor, fabricante, importador, distribuidor, comerciante, prestador do serviço). Cumpre-se o dever de informar quando a informação recebida pelo consumidor típico preencha os requisitos de adequação, suficiência e veracidade. Os requisitos devem estar interligados. A ausência de qualquer deles importa descumprimento do dever de informar.

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A adequação diz com os meios de informação utilizados e com o respectivo conteúdo. Os meios devem ser compatíveis com o produto ou o serviço determinados e o consumidor destinatário típico. Os signos empregados (imagens, palavras, sons) devem ser claros e precisos, estimulantes do conhecimento e da compreensão. No caso de produtos, a informação deve referir à composição, aos riscos, à periculosidade. Maior cautela deve haver quando o dever de informar veicula-se por meio da informação publicitária, que é de natureza diversa. Tome-se o exemplo do medicamento. A informação da composição e dos riscos pode estar neutralizada pela informação publicitária contida na embalagem ou na bula impressa interna. Nessa hipótese, a informação não será adequada, cabendo ao fornecedor provar o contrário. A legislação de proteção do consumidor destina à linguagem empregada na informação especial cuidado. Em primeiro lugar, o idioma será o vernáculo. Em segundo lugar, os termos empregados hão de ser compatíveis com o consumidor típico destinatário. Em terceiro lugar, toda a informação necessária que envolva riscos ou ônus que devem ser suportados pelo consumidor será destacada, de modo a que "saltem aos olhos". Alguns termos em língua estrangeira podem ser empregados, sem risco de infração ao dever de informar, quando já tenham ingressado no uso corrente, desde que o consumidor típico com eles esteja familiarizado. No campo da informática, por exemplo, há universalização de alguns termos em inglês, cujas traduções são pouco expressivas, a exemplo do aparelho denominado mouse.

A suficiência relaciona-se com a completude e integralidade da informação. Antes do advento do direito do consumidor era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre intencionais, relativamente a dados ou referências não vantajosas ao produto ou serviço. A ausência de informação sobre prazo de validade de um produto alimentício, por exemplo, gera confiança no consumidor de que possa ainda ser consumido, enquanto que a informação suficiente permite-lhe escolher aquele que seja de fabricação mais recente. Situação amplamente divulgada pela imprensa mundial foi a das indústrias de tabaco que sonegaram informação, de seu domínio, acerca dos danos à saúde dos consumidores. Insuficiente é, também, a informação que reduz, de modo proposital, as conseqüências danosas pelo uso do produto, em virtude do estágio ainda incerto do conhecimento científico ou tecnológico.

A veracidade é o terceiro dos mais importantes requisitos do dever de informar. Considera-se veraz a informação correspondente às reais características do produto e do serviço, além dos dados corretos acerca de composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos. A publicidade não verdadeira, ou parcialmente verdadeira, é considerada enganosa e o direito do consumidor destina especial atenção a suas conseqüências.

Em determinadas obrigações o dever de informar é particularizado para um dos figurantes ou participantes. No Código Civil, por exemplo, o comprador, se o contrato contiver cláusula de preferência para o vendedor, tem o dever de a este informar do preço e das vantagens oferecidos por terceiro para adquirir a coisa, sob pena de responder por perdas e danos (art. 518); o locatário tem o dever de informar ao locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito (art. 569); o empreiteiro que se responsabilizar apenas pela mão-de-obra tem o dever de informar o dono da obra sobre a má qualidade ou quantidade do material, sob pena de perder a remuneração se a coisa perecer antes de entregue (art. 613); o mandante tem o dever de informar terceiros da revogação do mandato, sob pena de esta não produzir efeitos em relação àqueles (art. 686); o segurado tem o dever de informar à seguradora, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé (art. 769); o promitente na promessa de recompensa tem o dever de informar a revogação desta, utilizando a mesma publicidade, sob pena de cumprir o prometido (art. 856); o gestor de negócio tem o dever de informar o dono do negócio a gestão que assumiu, tanto que se possa fazê-lo, sob pena de responder até mesmo pelos casos fortuitos (art. 864). São todos deveres anexos à prestação, não se enquadrando no conceito de deveres gerais de conduta.

6.1. Dever de informar e efeito jurídico da publicidade

Décadas atrás, Jean Carbonnier levantara a necessidade da análise jurídica da publicidade, ao afirmar que "o estudo do contrato na nossa época não se deveria separar de um estudo da publicidade" [16]. Para o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, publicidade é "toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e idéias" [17]. Para atingir suas finalidades, a publicidade deve observar os princípios básicos de liberdade, identificação, veracidade, lealdade e ordem pública. Porém, há uma distinção qualitativa com a informação em sentido estrito. A publicidade tem por fito atrair e estimular o consumo, enquanto a informação visa a dotar o consumidor de elementos objetivos de realidade que lhe permitam conhecer os produtos e serviços e exercer suas escolhas. Sem embargo da distinção, ambas são espécies do gênero informação, incidindo o dever de informar. Até o advento e consolidação do direito do consumidor, a publicidade não gerava conseqüências jurídicas a quem dela se utilizasse ou mesmo abusasse. Entendia-se que era o preço a pagar ou a ser suportado pela sociedade, para o desenvolvimento das atividades econômicas, em favor do irrestrito princípio da livre iniciativa. Afirmava-se que era um dolus bonus, tolerado ou desconsiderado pelo direito, pois sua função era apenas a de estimular e atrair ao consumo. Mas, já se disse que "a evolução contemporânea do direito positivo, caracterizado pela proteção e informação dos consumidores, a regulamentação da publicidade, a força obrigatória dos documentos publicitários e o desenvolvimento da obrigação de informar, parece deixar um lugar muito reduzido ao ‘dolus bonus’" [18]. No nosso entendimento, não há mais lugar algum ao dolus bonus.

Para realizar o direito fundamental à informação, o direito do consumidor toma a publicidade sob dois aspectos: no primeiro, a publicidade preenche os requisitos de adequação, suficiência e veracidade, considerando-a lícita; no segundo, a publicidade ultrapassa limites positivos e negativos estabelecidos na lei, para defesa do consumidor, tornando-a ilícita. A publicidade ilícita é enganosa quando divulga o que não corresponde ao produto ou serviço, induzindo em erro; é abusiva quando discrimina pessoas e grupos sociais ou agride outros valores morais. A publicidade ilícita não produz efeitos em face do consumidor, que pode resolver o contrato por esse fundamento. A Constituição portuguesa (art. 60º) proibe todas as formas de publicidade oculta ou indireta. Do mesmo modo, a Lei de Defesa dos Consumidores portuguesa rejeita a publicidade que não seja inequivocamente identificada e desrespeite a verdade e os direitos dos consumidores. O sentido de "inequivocamente identificada" resulta em tornar ilícito o merchandising. Considera-se merchandising a aparição ou inserção camuflada de produtos em programas de televisão, rádio, em filmes, em espetáculos teatrais, sem indicação da natureza de mensagem publicitária. No direito brasileiro não é clara a proibição, havendo entendimento doutrinário de sua possível admissibilidade, desde que seja adaptada ao princípio da identificação [19]. Pensamos, ao contrário, que não preenche o requisito de adequação do dever informar, porque não utiliza a transparência na publicidade, alcançando o consumidor de surpresa e de modo subliminar.

6.2. Dever de informar e garantia de cognoscibilidade

O direito fundamental à informação visa à concreção das possibilidades objetivas de conhecimento e compreensão, por parte do consumidor típico, destinatário do produto ou do serviço. Cognoscível é o que pode ser conhecido e compreendido pelo consumidor. Não se trata de fazer com que o consumidor conheça e compreenda efetivamente a informação, mas deve ser desenvolvida uma atividade razoável que o permita e o facilite. É um critério geral de apreciação das condutas em abstrato, levando-se em conta o comportamento esperado do consumidor típico em circunstâncias normais. Ao fornecedor incumbe prover os meios para que a informação seja conhecida e compreendida.

A cognoscibilidade abrange não apenas o conhecimento (poder conhecer) mas a compreensão (poder compreender). Conhecer e compreender não se confundem com aceitar e consentir. Não há declaração de conhecer. O consumidor nada declara. A cognoscibilidade tem caráter objetivo; reporta-se à conduta abstrata. O consumidor em particular pode ter conhecido e não compreendido, ou ter conhecido e compreendido. Essa situação concreta é irrelevante. O que interessa é ter podido conhecer e podido compreender, ele e qualquer outro consumidor típico destinatário daquele produto ou serviço. A declaração de ter conhecido ou compreendido as condições gerais ou as cláusulas contratuais gerais não supre a exigência legal e não o impede de pedir judicialmente a ineficácia delas. Ao julgador compete verificar se a conduta concreta guarda conformidade com a conduta abstrata tutelada pelo direito.

Pretende-se com a garantia de cognoscibilidade facilitar ao consumidor a única opção que se lhe coloca nos contratos de consumo massificados, notadamente quando submetidos a condições gerais, isto é, "pegar ou largar" ou avaliar os custos e benefícios em bloco, uma vez que não tem poder contratual para modificar ou negociar os termos e o conteúdo contratual. O Código do Consumidor brasileiro (arts 46 e 54) estabelece que os contratos de consumo não serão eficazes, perante os consumidores, "se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo", ou houver dificuldade para compreensão de seu sentido e alcance, ou se não forem redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, ou se não forem redigidos com destaque, no caso de limitação de direitos.

Todas essas hipóteses legais configuram elementos de cognoscibilidade, situando-se no plano da eficácia, vale dizer, sua falta acarreta a ineficácia jurídica, ainda que não haja cláusula abusiva (plano da validade). Os contratos existem juridicamente, são válidos mas não são eficazes. O direito do consumidor, portanto, desenvolveu peculiar modalidade de eficácia jurídica, estranha ao modelo tradicional do contrato. No lugar do consentimento, desponta a cognoscibilidade, como realização do dever de informar.

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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Deveres gerais de conduta nas obrigações civis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 711, 16 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6903. Acesso em: 25 nov. 2024.

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