O estado de coisas inconstitucional e o sistema carcerário à luz da ADPF 347

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20/09/2018 às 12:03
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4. ADPF 347

4.1.  Proposta apresentada pelo PSOL

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), frente aos acentuados níveis de violação massiva de direitos constitucionais dos indivíduos encarcerados no país, propôs, mediante Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 347, que fosse reconhecido o Estado de Coisa Inconstitucional, instituto que teve origem na Colômbia e permite que o juiz constitucional atribua aos poderes públicos a tomada de ações urgentes e necessárias ao afugentamento das referidas violações massivas de direitos.

Diante do risco, aponta que é necessário e urgente a tomada de providências para solucionar o problema relatado, inclusive em prol da segurança pública. Portanto, postula o deferimento da liminar para que seja determinada as seguintes propostas apresentadas, conforme está disposto em documento oficial (BRASIL. STF, 2015):

A) aos juízes e tribunais – que lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no artigo 319 do Código de Processo Penal;

B) aos juízes e tribunais – que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;

C) aos juízes e tribunais – que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal;

D) aos juízes – que estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo;

E) ao juiz da execução penal – que venha a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção;

F) ao juiz da execução penal – que abata, da pena, o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento foram significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar o ilícito estatal;

G) ao Conselho Nacional de Justiça – que coordene mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no país, que envolvam a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”;

H) à União – que libere as verbas do Fundo Penitenciário Nacional, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.”

 No mérito, além da confirmação das medidas cautelares, demanda que:

a) haja a declaração do “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro;

b) seja determinado ao Governo Federal a elaboração e o encaminhamento ao Supremo, no prazo máximo de três meses, de um plano nacional visando à superação, dentro de três anos, do quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro;

c) o aludido plano contenha propostas e metas voltadas, especialmente, à (I) redução da superlotação dos presídios; (II) contenção e reversão do processo de hiperencarceramento existente no país; (III) diminuição do número de presos provisórios; (IV) adequação das instalações e alojamentos dos estabelecimentos prisionais aos parâmetros normativos vigentes, no tocante a aspectos como espaço mínimo, lotação máxima, salubridade e condições de higiene, conforto e segurança; (V) efetiva separação dos detentos de acordo com critérios como gênero, idade, situação processual e natureza do delito; (VI) garantia de assistência material, de segurança, de alimentação adequada, de acesso à justiça, à educação, à assistência médica integral e ao trabalho digno e remunerado para os presos; (VII) contratação e capacitação de pessoal para as instituições prisionais; (VIII) eliminação de tortura, maus-tratos e aplicação de penalidades sem o devido processo legal nos estabelecimentos prisionais; (IX) adoção de providências visando a propiciar o tratamento adequado para grupos vulneráveis nas prisões, como mulheres e população LGBT;

d) o plano preveja os recursos necessários à implementação das propostas e o cronograma para a efetivação das medidas;

e) o plano seja submetido à análise do Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, da Defensoria-Geral da União, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Nacional do Ministério Público e de outros órgãos e instituições que desejem se manifestar, vindo a ser ouvida a sociedade civil, por meio da realização de uma ou mais audiências públicas;

f) o Tribunal delibere sobre o plano, para homologá-lo ou impor providências alternativas ou complementares, podendo valer-se do auxílio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça;

g) uma vez homologado o plano, seja determinado aos Governos dos estados e do Distrito Federal que formulem e apresentem ao Supremo, em três meses, planos próprios em harmonia com o nacional, contendo metas e propostas específicas para a superação do “estado de coisas inconstitucional” na respectiva unidade federativa, no prazo máximo de dois anos. Os planos estaduais e distrital deverão abordar os mesmos aspectos do nacional e conter previsão dos recursos necessários e cronograma;

h) sejam submetidos os planos estaduais e distrital à análise do Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, do

Ministério Público da respectiva unidade federativa, da Defensoria-Geral da União, da Defensoria Pública do ente federativo, do Conselho Seccional da OAB da unidade federativa, de outros órgãos e instituições que desejem se manifestar e da sociedade civil, por meio de audiências públicas a ocorrerem nas capitais dos respectivos entes federativos, podendo ser delegada a realização das diligências a juízes auxiliares, ou mesmo a magistrados da localidade, nos termos do artigo 22, inciso II, do Regimento Interno do Supremo;

i) o Tribunal delibere sobre cada plano estadual e distrital, para homologá-los ou impor providências alternativas ou complementares, podendo valer-se do auxílio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça;

j) o Supremo monitore a implementação dos planos nacional, estaduais e distrital, com o auxílio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas

Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça, em processo público e transparente, aberto à participação colaborativa da sociedade civil.” (BRASIL. STF, 2015).

4.2. Apreciação pelo STF e o deferimento parcial

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, votaram, no dia 27 de agosto de 2015, sobre as medidas cautelares propostas pelo Partida Socialista e Liberdade, em relação a Arguição de Preceito Fundamental – ADPF 347.

O Ministro Marco Aurélio, relator do processo, reconhece o estado crítico do encarceramento brasileiro, citando comparações feita pelo Ministro de Justiça, José Eduardo Cardoso, de que as prisões brasileiras são “masmorras medievais”. Cita também que os problemas não são exclusivos de um ou outro estabelecimento e sim, que há uma generalidade de quadro de superlotação e problemas estruturais, “devendo ser reconhecida a inequívoca falência do sistema prisional” (BRASIL. STF, 2015, p.25).

Reconhece também a “violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica” (BRASIL. STF, 2015, p. 25), além da violação de legislação interna, como a lei 7.210/84 – Lei de Execução Penal -, e Tratados Internacional como a Convenção Americana de Direitos Humanos.

O Ministro cita a situação dos presídios, que não oferece a ressocialização dos presos e o risco à sociedade, visto que “é incontestável quem implicam o aumento da criminalidade, transformando pequenos delinquentes em “monstros do crime” (BRASIL. STF, 2015, p.26).

A responsabilidade, conforme o Ministro Marco Aurélio (BRASIL. STF, 2015, p. 26), deve ser atribuída aos três poderes e à União e seus estados e distrito Federal, já que “há problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas, quanto de interpretação e aplicação da lei penal.”

É apontado a falha estatal estrutural, já que a responsabilidade do Poder Público é sistêmica.

O Ministro delimita o papel que tem o Supremo Tribunal Federal, dizendo: “Cabe ao Tribunal exercer função típica de racionalizar a concretização da ordem jurídico-penal, de modo a minimizar o quadro, em vez de agravá-lo, como vem ocorrendo” (BRASIL. STF, 2015, p.31),

Contudo, aduz (BRASIL. STF, 2015, p.31) as “dificuldades quanto à necessidade de o Supremo exercer função atípica, excepcional, que é a de interferir em políticas públicas e escolhas orçamentárias.” Porém, conclui o pensamento dizendo que apesar das dificuldades, a forte “violação de direitos fundamentais, alcançando a transgressão à dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimo existencial justifica a atuação mais assertiva do Tribunal.”

Na mesma linha de pensamento, afirma:

Apenas o Supremo revela-se capaz, ante a situação descrita, de superar bloqueios políticos e inconstitucionais que vem impedindo o avanço de soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. Isso é o que se aguarda desse Tribunal e não se pode exigir que se abstenha de intervir, em nome do princípio democrático, quando os canais políticos se apresentam obstruídos, sob pena de chegar-se a um somatório de inércias justificadas.

Mesmo com a defesa da intervenção judicial, o Ministro ressalta a importância do trabalho dos Poderes Legislativo e Executivo, que não devem ser afastados. Muito pelo contrário, o Supremo deve agir conjuntamente com os demais poderes e a sociedade a fim de que o quadro de violação seja superado. Ao “Supremo cumpre interferir nas escolhas orçamentárias e nos ciclos de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, mas sem detalhá-las” (BRASIL. STF, 2015, p.36) devendo esse papel ser executado pelo Poderes Executivo e Legislativo.

Dissertando, por fim, sobre o papel a ser desemprenhado pelo Supremo, o Ministro Marco Aurélio (BRASIL. STF, 2015, p. 37) prediz:

Retirar as autoridades públicas do estado de letargia, provocar a formulação de novas políticas públicas, aumentar a deliberação política e social sobre a matéria e monitorar o sucesso da implementação das providências escolhidas, assegurando, assim, a efetividade prática das soluções propostas.

Sobre as medidas cautelares pleiteadas, o Ministro deferiu os pedidos sobre a redução do número de prisões provisórias, sobre a audiência de custódia, a observância do estado de inconstitucionalidade e a liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN.

Os pedidos relativos ao tempo de prisão, benefícios e direitos do presos e a contagem de tempo, foram indeferidos.

O Ministro Edson Fachin, subscrevendo as palavras do Ministro relator Marco Aurélio, sustenta a importância da atuação do Supremo na Arguição de Preceito Fundamental – ADPF 347, dizendo:

[...] Não trata de usar o Poder Judiciário e o Supremo Tribunal Federal como espaço constituinte permanente, mas sim como um poder que atua contramajoriatamente para a guarda da Constituição e a proteção de direitos fundamentais que vem sendo violados pelos Poderes que lhes deveriam dar concretude.” (BRASIL. STF, 2015, p.50)

Em relação ao seu voto sobre as cautelares pleiteadas, o Ministro Edson Fachin defere os pedidos contidos na alínea “b”, referente à audiência de custódia, na alínea “g”, referente ao mutirão carcerário e alínea “h”. Sem a mesma sorte, rejeita os pleitos das alíenas “a”, “c”, “d”, “e” e “f”.

O Ministro Luís Roberto Barroso, em discurso oral, dirigido ao relator Ministro Marco Aurélio, discorre que não existe “nenhuma hesitação em sustentar, não apenas o cabimento da ADPF, como também a legitimidade da atuação do Poder Judiciário nessa matéria” (BRASIL. STF, 2015, p.73).

Em relação as cautelares, o Ministro Roberto Barroso teve seu voto de maneira muito semelhante ao Ministro Edson Fachin, deferindo as cautelares das alíneas “b”, “g”, “h”. As demais alíneas foram indeferidas.

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Importante citar a medida liminar de ofício dada pelo Ministro Barroso, a fim de:

“Determinar ao Governo Federal que encaminhe ao Supremo Tribunal Federal, no prazo de um ano, um diagnóstico da situação do sistema penitenciário e as propostas de solução que cogita para a solução desses problemas, em harmonia com os Estados-membro da Federação.” (BRASIL. STF, 2015, p. 78)

Seguindo o voto dos Ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, o Ministro Teori Zavaski indeferiru as cautelares presentes nas alíneas “a”, “c”, “d”, “e”, e “f”, julgando prejudicada a alínea “g” e deferindo as alíneas “b” e “h”, referente a realização de audiência de custódia e o descontingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, respectivamente. (BRASIL. STF, 2015)

Já a Ministra Rosa Weber, em breve voto proferido, indeferiu o postulado na alínea “a”, “c”, “d”, “e” e “f”. Os pleitos contidos nas alíneas “b” e “h” foram deferidas. Porém, teve por prejudicado o pedido exposto na alínea “g”, que diz respeito aos mutirões carcerários. (BRASIL. STF, 2015)

O Ministro Gilmar Mendes, em voto similar ao da Ministra Weber, indeferiu os pedidos contidos nas alíneas “a”, “c”, “d” e “f”. Julgou prejudicado o pedido contido na alínea “g” e deferiu os pedidos das alíneas “b”, “e” e “h”. (BRASIL, STF, 2015)

Os Ministros Luiz Fux e Carmém Lúcia corroboraram o voto do Ministro relator Marco Aurélio, assim como Ministro Celso de Melo, que se diferenciou daquele apenas em relação a alínea “g”, a deferindo. (BRASIL. STF, 2015)

Frente à apreciação dos Ministros do Supremo Tribunal e seus respectivos votos, segue abaixo, o acordão proferido no dia 09 de setembro de 2015, que deferiu parcialmente o pedido da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 347:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em, apreciando os pedidos de medida cautelar formulados na inicial, por maioria e nos termos do voto do Relator, deferir a cautelar em relação à alínea “b”, para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão, com a ressalva do voto da Ministra Rosa Weber, que acompanhava o Relator, mas com a observância dos prazos fixados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, vencidos, em menor extensão, os Ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, que delegavam ao CNJ a regulamentação sobre o prazo da realização das audiências de custódia; em relação à alínea “h”, por maioria e nos termos do voto do Relator, em deferir a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos, vencidos, e menor extensão, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que fixavam prazo de até sessenta dias, a contar da publicação desta decisão, para que a União procedesse à adequação para o cumprimento do que determinado; em indeferir as cautelares em relação às alíneas “a”, “c” e “d”, vencidos os Ministros Relator, Luiz Fux, Cármen Lúcia e o Presidente, que as deferiam; em indeferir em relação à alínea “e”, vencido, em menor extensão, o Ministro Gilmar Mendes; e, por unanimidade, em indeferir a cautelar em relação à alínea “f”; em relação à alínea “g”, por maioria e nos termos do voto do Relator, o Tribunal julgou prejudicada a cautelar, vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que a deferiam nos termos de seus votos. O Tribunal, por maioria, deferiu a proposta do Ministro Roberto Barroso, ora reajustada, de concessão de cautelar de ofício para que se determine à União e aos Estados, e especificamente ao Estado de São Paulo, que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Relator, que reajustou o voto, e os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Presidente, em sessão presidida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.” (BRASIL STF, 2015, p. 5).

4.3. Audiência de Custódia e o Descontingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN

4.3.1.Audiência de Custódia

O Conselho Nacional de Justiça – CNJ (BRASIL, 2016, p.11), define a audiência de custódia da seguinte forma:

Trata-se de uma ação do Conselho Nacional de Justiça mediante a qual o cidadão preso em flagrante é levado à presença de um juiz em um prazo de 24 horas. Acompanhando de seu advogado ou de um defensor público, o autuado será ouvido, previamente, por um juiz, que decidirá sobre o relaxamento da prisão ou sobre a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. O juiz também avaliará se a prisão em flagrante pode ser convertida em liberdade provisória até o julgamento definitivo do processo, e adotará, se for o caso, medidas cautelares como monitoramento eletrônico e apresentação periódica em juízo. Poderá determinar, ainda, a realização de exames médicos para apurar se houve maus-tratos ou abuso policial durante a execução do ato de prisão.

A audiência de custódia está prevista nos artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e no artigo 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Contudo, apesar de suas disposições legais, esta não se encontrava vigente no país até a pouco tempo. (Ávila, 2016).

A realização da audiência de custódia tem como finalidade, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2016) o respeito ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, assegurando ao preso uma maior dignidade e segurança quando a legalidade de seu encarceramento. Além disso, também objetiva a diminuição da superlotação carcerária, evitando que prisões ilegais sejam decretadas sem que antes seja feito uma análise do caso perante o juiz.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal prolatou decisão sobre a ADPF 347, determinando que as audiências de custódia sejam implementadas em todos os Estados-membros e Distrito Federal, no prazo de 90 dias, contados a partir da data de 09 de setembro de 2015, aonde o preso deveria ser apresentado à autoridade judiciária no prazo de 24 horas a partir do momento se sua prisão. (Ávila, 2016)

O Ministro Ricardo Lewandoviski, presidente do Conselho Nacional de Justiça à época, começou a implantar a audiência de custódia nos Estados, visto que “durante diversas correições e mutirões carcerários coordenados pelo CNJ, viu-se um número extremamente elevado de prisões ilegais, torturas e excessos de prazo e descumprimento de direitos fundamentais dos presos” (Ávila, 2016, p.303). Além dos motivos expostos anteriormente, o elevado número de presos provisórios no país tem sido um forte motivo para a instalação dessas audiências.

O Conselho Nacional de Justiça aprovou, em 15 de dezembro de 2015 a Resolução n. 213/2015, “que regulamenta a realização da audiência de custódia em todo território nacional, nem prazo de 90 dias (Ávila, 2016, p.304).

Importante citar que, com a EC n. 45/2004, que alterou o artigo 5, parágrafo 3 da Constituição de 1988, “os tratados internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados seguindo o rito das emendas constitucionais terão esse status” (Ávila, 2016, p.304). Significa dizer que os artigos 9.3 e 7.5 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, respectivamente, estão abaixo da Constituição Federal mas também estão acima de qualquer outra lei, o que torna impossível revoga-las através de lei ordinária posterior.

Ávila (2016, p.304), descreve a importância da superioridade dos tratados frente as leis federais, exemplificando com a própria audiência de custódia, dizendo:

Apesar de o artigo n. 306 do Código de Processo Penal não prever a necessidade de apresentar pessoalmente o preso ao juiz, contentando-se com o mero encaminhamento de cópia do auto de prisão em flagrante, no qual consta o interrogatório do preso, tal disciplina não pode ter o condão de afastar a aplicação imediata dos artigos de tratados internacionais recepcionados pelo Brasil, já que são, por sua clareza, autoaplicáveis.

A doutrina brasileira tem defendido a abrangência da audiência de custódia para todos os tipos de prisão e não apenas nos casos de prisão em flagrante. O direito do preso de apresentar sua versão dos fatos deve ser garantida, mesmo que tenha sido preso preventivamente.  Assim como já é garantida a audiência de custódia para qualquer crime praticado, independentemente de sua natureza.

Todavia, defende Ávila (2016, p.326 e 327), que apesar das melhores intenções do Supremo Tribunal Federal em implantar a audiência de custódia como alternativa à superlotação dos presídios, “convém a realização de uma reforma que dê celeridade processual ao momento da audiência.”

Por fim, importante citar que, embora a audiência não resolva todos os problemas que enfrenta o sistema carcerário, foi uma medida que visa a redução drástica de prisões que, ao ver jurídico, seria desnecessária, apenas contribuindo com o agravamento dos presídios brasileiros. Afirma Ávila (2016, p.328):

Sua implementação exige uma mudança cultural dos atores jurídicos, a interiorização da relevância de efetivamente não tolerar espaços de arbitrariedade dentro do sistema penal, por meio do concurso de todos os sujeitos processuais no ato mais intrusivo do processo penal: a restrição de liberdade antes da superação cabal da presunção de inocência.

4.3.2.  Descontingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional

Descontingenciamento é uma palavra que deriva da palavra contingenciar e que, de acordo com o dicionário, significa: “Controlar despesas; fazer controle das despesas de um orçamento, buscando evitar a falta de equilíbrio financeiro: o governo contingenciava verbas.”

Portanto, Descontingenciar é liberar o valor disponível em fundo próprio, a fim de que seja realizado as medidas cabíveis.

No Brasil, há o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, que foi criado através de Lei Complementar n. 79/1994 e regulamentado pelo Decreto n. 1.093/1994. De acordo com Moreira (2015, p.18):

Tem por finalidade proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro, sendo que a gestão de seus recursos é a atribuição do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.

De acordo com o alegado pelo PSOL, o salto total disponível, de cerca de R$2,2 bilhões de reais, não estava sendo gasto efetivamente, já que o governo federal contingenciou o uso desses recursos, alegando que a porcentagem liberada para realização de obras ou qualquer outra melhoria necessária, não estava sendo repassado devidamente. (MOREIRA, 2015).

No pensamento do Moreira (2015, p. 23):

[...] A ideia mais relevante para a determinação do descontingenciamento do FUNPEN é basicamente a mesma empregada em controle de constitucionalidade incidental na qual a prestação do mínimo existencial de um direito fundamental é contestada com base na reserva do possível, na inexistência de autorização orçamentária, e na separação dos poderes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já é consolidada no sentido de que é lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação da dar ou fazer, não sendo oponíveis tais argumentos.

A decretação do descontingenciamento consolida e prioriza um direito fundamental, associando o mínimo existencial ao estabelecimento de prioridades orçamentárias.

O Ministro relator, Sr. Marco Aurélio, em sua voto, afirma (BRASIL. STF, 2015, p.40):

A violação da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial autoriza a judicialização do orçamento, sobretudo se considerado o fato de que recursos legalmente previstos para o combate a esse quadro vêm sendo contingenciados, anualmente, em valores muito superiores aos efetivamente realizados, apenas para alcançar metas fiscais. Essa prática explica parte do fracasso das políticas públicas existentes.

Na mesma linha de pensamento, assevera (BRASIL. STF, 2015, p.40): “Os valores não utilizados deixam de custear não somente reformas dos presídios ou a construção de novos, mas também projetos de ressocialização que, inclusive, poderiam reduzir o tempo no cárcere.”

Moreira (2015), em suas concepções, afirma que o Supremo Tribunal Federal deve se conter quando o assunto é controle de constitucionalidade abstrato no que concerne ao contingenciamento, pois pode refletir no equilíbrio fiscal do ente federativo.

Por fim, Moreira (2015, p.25) que:

[...] A análise abstrata de descontingenciamento do FUNPEN pode gerar situações não desejadas, na qual a interferência do Judiciário no contingenciamento exercido discricionariamente permita a realização de uma despesa que não se enquadra no conteúdo do mínimo existencial, especialmente ante as desigualdades regionais brasileiras, reconhecidas em diversos dispositivos constitucionais.

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Sobre a autora
Laura Cristina Silva Valle

Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior, em Juiz de Fora/MG, com experiência em Direito Previdenciário e Direito do Consumidor, onde atuou ao longo do curso. Além disso, prestando concursos públicos frequentemente, com alto empenho nos estudos e buscando sempre novos conhecimentos para melhor atender a quem precisa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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