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O poder da pesquisa eleitoral e a falácia do chamado voto útil

24/09/2018 às 10:10
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Análise sobre a capacidade das pesquisas eleitorais viciarem uma eleição com a modificação da vontade primária do eleitor em razão do desempenho do "seu" candidato nas pesquisas divulgadas.

Todo ano eleitoral temos as mesmas situações: projeções realizadas, candidatos tidos como eleitos e, após abertura das urnas, cenários distorcidos da pesquisa pré-eleição e, por muitas vezes, candidatos antes com números incapazes de vencerem o pleito, surgem como os vencedores escolhidos de determinada localidade.

A grande questão trazida de forma perfunctória nesse expediente, entretanto, é debater a capacidade da pesquisa eleitoral de intenção de votos influenciar na escolha de candidato e, a partir de então, nos debruçarmos sobre o malfadado “voto útil”.

Para Rodrigo López Zilio[1], as pesquisas eleitorais servem “invariavelmente, como elemento de interferência no processo eleitoral” Afirma, também, que “pode caracterizar-se como valioso elemento de indução à manifestação de vontade dos eleitores, sem a convicção formada, já que demonstra aqueles candidatos que –naquele momento – possuem um melhor desempenho na avaliação dos eleitores”.

Como bem disse Adriano Oliveira[2] é preciso ter em mente que as pesquisas eleitorais têm dois objetivos principais: 1) Desvendar a realidade; 2) Construir cenários. Brilhantemente ainda expõe: “Os cenários são consequências do desvendamento da realidade. E da especulação. Esta deve ser entendida como possibilidade de algo ocorrer.”. Continua: “Conjuntura significa ambiente. Este é formado por indivíduos que recebem influência de outros, de instituições e de eventos. Os eleitores fazem escolhas, mas não as fazem em um vazio social. Eles estão imersos em uma conjuntura e recebem, repito, influências. Isso significa que a escolha do eleitor Pedro pode ser X na conjuntura 1. Entretanto, na conjuntura 2, a escolha de Pedro pode ser Y. Decifrar a conjuntura é um dos objetivos da pesquisa eleitoral. Quando a conjuntura é desvendada, a fragilidade de intenção de voto aparece.”.

Tal crítica muito bem trazida por Oliveira, ao nosso sentir, tem especial sentido a partir do momento em que se analisa as pesquisas após os resultados eleitorais.

Não se quer aqui, frise-se, desconstituir a importância das pesquisas eleitorais, matéria muito bem desnudada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3741-2/DF, cujos direitos fundamentais da liberdade de expressão, do direito à informação são correlatos.

Ocorre, porém, que, num país tão plural, com mais de 147.302.354 eleitores[3], mais de 30 agremiações partidárias espalhadas pelas 27 unidades federativas e seus 5.570 municípios, as circunstâncias, ou como disse Oliveira, a conjuntura, de cada eleitor é extremamente volátil e isso, como matéria de fundo da pesquisa de intenção de voto, é fator preponderante para opinião do eleitorado. Explica-se e exemplifica-se.

Ainda segundo Oliveira, em 2014, antes do falecimento do ex-governador de Pernambuco (11/08/2014), Eduardo Campos, então candidato a presidência da república, o instituto de pesquisa Uninassau verificou que o candidato que Eduardo declinava público e notório apoio, o Sr. Paulo Câmara, possuía 11% das intenções de voto e seu opositor 18%, sendo certo de que os entrevistados ao serem questionados se “Pernambuco mudou para melhor nos últimos anos?” 47% afirmaram que “sim” e 45% disseram “não”, traduzindo que seria extremamente acirrada a disputa vindoura.

Com nova pesquisa realizada após falecimento do ex-governador, em 13/11/2014, aqueles que responderam que Pernambuco mudou para melhor, 69,9%, atribuíram ao ex-governador Eduardo Campos (repita-se, já falecido) o responsável pela citada mudança, calhando, também, no aumento de mais de 5 pontos percentuais nas intenções de voto do Sr. Paulo Câmara, o que o tornou líder das pesquisas. Resultado: Paulo Câmara, então apoiado pelo falecido governador, foi eleito com 68% dos votos.

“Identificar a saudade e o entusiasmo do eleitor para com alguém significa decifrar a conjuntura. Isto é: verificar/conhecer o ambiente em que o eleitor está e qual escolha eleitoral tende a fazer.”, foi a conclusão trazida por Oliveira o que, repita-se, tem nossa total concordância.

Ora, em que pese tenha advindo de um evento completamente fora da órbita de qualquer controle e previsão (falecimento do maior apoiador político), como negar, então, a monstruosa influência que tal fato teve na eleição para o cargo de governador em Pernambuco em 2014? Pensamos ser deveras improvável.

As circunstâncias/conjunturas pessoais e psicológicas de cada eleitor somadas com as mesmas circunstâncias/conjunturas do local onde este mesmo eleitor vive naquele momento têm papel crucial na suposta “intenção de voto” declinada. Esse é o plano de fundo balizador.

Assim, pensamos que a omissão da grande mídia desses fatores que desencadeiam nos números finais de intenção de voto e rejeição (únicos números divulgados) é grande causa da divergência entre os resultados de pesquisa e o resultado oficial da eleição.

Sugere-se, então, na esteira de intelecção de Adriano Oliveira que “a divulgação de pesquisas pela imprensa que vão além da intenção de voto, possa criar, lentamente, nova cultura entre os interessados em disputa eleitoral. A cultura hoje é caracterizada pelo supremo interesse à variável intenção de voto.” Arrematando: “A intenção de voto, como este artigo revelou, é um indicador secundário e até desprezível, quando a pesquisa eleitoral vai além da intenção de voto. E ir além é decifrar a conjuntura e construir cenários eleitorais. Portanto, para saber quem vai ganhar a eleição é necessário decifrar os desejos e as visões de mundo do eleitor na conjuntura. E identificar de como este agiria (escolha) em nova conjuntura.”

Nessa toada, em 2018, apenas à guisa de exemplificação, ao analisar a pesquisa Ibope divulgada em 18/09/2018[4] disponibilizada pelo TSE, verificamos que perguntas como  “Como o(a) sr(a) diria que se sente com relação à vida que vem levando hoje?”, “Considerando seu momento de vida atual, quais são as três características que melhor descrevem o(a) sr(a) nesse momento?” e “Considerando seu momento de vida atual, quais são as três características que melhor descrevem o(a) sr(a) nesse momento?”, o que corrobora a tese das circunstâncias que revelam a intenção de voto.

A pesquisa – e aqui não se discute os números por ela ofertados, tampouco sua legalidade/legitimidade -, realizada em 177 municípios, sem questionar um eleitor sequer em 5 capitais do país (Palmas – TO, Florianópolis-SC, Boa Vista-RR, Porto Velho-RO e Vitória-ES) teve questionamentos fundamentais para se compreender os principais números divulgados (intenções de voto), reveladores de circunstâncias que embasaram a escolha por A, B ou C e, muito provavelmente, destoará com uma margem muito maior de erro anunciada (3%), como tem ocorrido em diversos casos no país. Seguem dois exemplos:

- Bahia – Eleições para o cargo de Governador em 2006: pesquisas nas vésperas da eleição apontavam Paulo Souto, candidato à reeleição, com 48% e Jaques Wagner com 31% das intenções de voto. Resultado: Wagner eleito no primeiro turno com 52,89% e Paulo Souto 43%. (diferença de 21,89% em favor do candidato eleito. Quase 70% de erro na previsão de votos do mesmo candidato)

- Rio Grande do Sul – Eleições para o cargo de Governador 2014: pesquisas na véspera da eleição apontavam Tarso Genro, candidato à reeleição, com 35% e José Sartori com 32,5% das intenções de voto. Resultado: eleição só decidida no 2º turno em razão de Sartori atingir 40,4% e Tarso com 32,5%. (diferença de 8% percentuais em favor do candidato mais votado. 20% de erro na previsão de votos do mesmo candidato).

Aqui reside, então, o ponto nevrálgico deste artigo.

O quão significativa as pesquisas eleitorais devem ser para o eleitor? Pelos números trazidos, pensaria o leitor, aparenta não possuir tanta representatividade, afinal, em que pese às divulgações determinasse que candidato “A” seria eleito, na abertura das urnas o candidato “B” quem se consagrou vencedor.

Mas, se analisarmos pelo cenário contrário, de que muitos dos votos do candidato “A” foram influenciados – e, assim, viciados - pela massa de manobra que a pesquisa conseguiu atingir, não estaríamos, então, de uma votação possivelmente viciada?

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Dizemos isso porque num cenário eleitoral de pluralidade de candidatos, nos quais determinado eleitor deixa de votar naquele que lhe representa por supostamente “perder o voto”, já que “seu” candidato não tem números significativos nas pesquisas, e vota naquele que “tem mais chances” de vencer o pleito (mesmo ser sua primeira preferência) em nome da suposta “utilidade do voto”, é a prova inequívoca do poder profundo das pesquisas eleitoreiras.

Caetano Ernesto Pereira de Araújo, citado pelo ilustre Min. Tarcísio Vieira de Carvalho[5], salienta que “em uma democracia, o eleitor é soberano sobre o seu voto e pode defini-lo à base de convicção, de cálculo ou mesmo aceitar o conhecido efeito manada. Assim: O voto útil e a correria atrás do vencedor podem ser qualificados, com bons argumentos, de imaturidade política. O ponto é que o eleitor tem o direito de cometê-la e a lei não deve vedar essa opção do leque a sua disposição. Cabe, na verdade, aos demais partidos e candidatos, a tarefa, que é de natureza política, de convencer os eleitores manada e os estratégicos da insuficiência de sua opção”.           

Não se está aqui, é bom repetir, buscando meios de se coibir as pesquisas eleitorais, mas dialogarmos mais a fundo sobre a necessidade de se conhecer as circunstâncias/conjunturas que elas foram produzidas, sobretudo para que se perceba o porquê dos números de intenções de voto e/ou rejeição, praticamente os únicos dados divulgados.

Como bem disse o Ministro Tarcísio, na já citada obra, embora a influência das pesquisas sobre o resultado das eleições não seja, segundo defende Caetano Ernesto Pereira de Araújo, necessariamente ilegítima, passível de restrição legal, “pode ser considerada prejudicial ao processo democrático”.

Prejudicial, frise-se, seja por destoar significativamente da realidade, em muitos casos, seja pela ausência de divulgação pela grande imprensa sobre as circunstâncias/conjunturas nas quais aqueles números de intenção de voto e rejeição foram atingidos, o que, ao nosso sentir, diminuiria o peso e a importância cultural das pesquisas eleitorais, abrindo mais espaço para a real vontade do eleitor, afastando-se, como corolário lógico, a incidência do falacioso “voto útil”, que nada mais é, ao nosso sentir, um voto viciado e destoante da primária ratio decidendi daquele eleitor.


[1] Direito Eleitoral, 2ª Ed. Verbo Jurídico

[2] Oliveira, Adriano. TRATADO DE DIREITO ELEITORAL – TOMO 4 – PROPAGANDA ELEITORAL. PG. 320.

[3] Luiz Fux ainda presidente do TSE divulgando o “Perfil do Eleitor” – agosto/2018

[4] http://www.tse.jus.br/eleicoes/pesquisa-eleitorais/consulta-as-pesquisas-registradas - BR-09678/2018.

[5] TRATADO DE DIREITO ELEITORAL – TOMO 4 – PROPAGANDA ELEITORAL. PG. 358.

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Sobre o autor
Lucas Ribeiro

Sócio fundador do escritório Gabriel Andrade & Lucas Ribeiro Advogados, Especialista em Direito Público Municipal pela Fundação da Faculdade de Direito da Bahia/Universidade Católica do Salvador, Pós Graduando em Direito Eleitoral pela PUC/Minas Gerais, além de prestar assessoria a Municípios e Câmara de Vereadores no Estado da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Lucas. O poder da pesquisa eleitoral e a falácia do chamado voto útil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5563, 24 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69108. Acesso em: 21 nov. 2024.

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