Artigo Destaque dos editores

Direito Constitucional aplicado à profissão:

direitos fundamentais como base da ordem normativa de condutas profissionais e dos códigos de ética empresarial

Exibindo página 2 de 3
21/06/2005 às 00:00

Resumo:


  • A Constituição é norma fundamental e suprema do Estado Brasileiro, e todas as leis e atos infra-legais devem subordinação a ela.

  • Direitos Fundamentais são garantidos constitucionalmente e devem ser respeitados e implementados pelas empresas em seu âmbito interno.

  • Códigos de Ética ou de Conduta são conjuntos de normas estabelecidas pelas empresas para regular comportamentos e orientar ações éticas nas relações com stakeholders.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CAPÍTULO II – DEONTOLOGIA PROFISSIONAL E CÓDIGOS DE ÉTICA

10.Direitos Fundamentais Aplicados à Profissão

Como visto anteriormente, os Direitos Fundamentais devem ser observados obrigatoriamente em qualquer instância comportamental regida por uma Constituição. Portanto, os Direitos Fundamentais, assim como as demais normas da CF/88, são base de todo o ordenamento jurídico brasileiro. A CF/88 está no topo da ordem jurídica, conferindo fundamento e validade para as demais normais que lhes são subordinadas (Leis, Decretos, Atos Administrativos, Regulamentos, Portarias, etc.). De acordo com o esquema proposto por Hans Kelsen, esta é a Pirâmide de Hierarquia das Normas [81]:


Constituição


Leis Complementares


Leis Ordinárias e Medidas Provisórias


Decretos e Resoluções do Legislativo


Decretos do Executivo


Atos Administrativos

Normas de Conduta da


Empresa e Código de Ética

Joaquim Manhães explica essa relação: "Quando uma norma jurídica não está em conformidade com a da hierarquia superior, é porque está padecendo dos vícios de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, ou de ambos." [82] Especificando melhor:

"Mesmo nessas circunstâncias, a empresa ética não pode deixar de cumprir essas normas incorretas por simples decisão de sua administração. Para deixar de cumprir uma norma jurídica, ela precisará de uma decisão judicial que a autorize a assim proceder.

Para evitar que as empresas fiquem aguardando os finais dos processos judiciais, os juízes são autorizados a conceder ordens liminares ou tutelas antecipadas, que, na prática, são autorizações imediatas para que a empresa deixe de cumprir uma norma. Essa decisão é outorgada no início ou no transcorrer de um processo no qual a empresa pleiteie o reconhecimento do vício de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade de uma norma.

A Constituição atual permite que certas associações de classe, de âmbito nacional, também pleiteiem junto ao Judiciário, em nome dos seus associados, o reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade de uma norma jurídica." (MOREIRA, 2002, p. 21, grifo nosso)

Vemos, então, que a empresa não pode descumprir as Leis, exceto se elas forem consideradas ilegais ou inconstitucionais, desde que haja expressa autorização judicial. Afinal, ninguém, em tese, seria obrigado a cumprir o que diz uma Lei ilegal ou inconstitucional, segundo o esquema acima explicado. Em regra, portanto, a empresa deve seguir a legislação que servirá, além dos princípios éticos, para a formação e manutenção das normas de conduta empresarial. Assim, o entendem Klaus M. Leisinger e Karin Schimitt, ampliando e explicitando, ainda, o conceito de Direito e a sua função no resguardo de valores morais:

"’Direito, assim define Otfried Höffe, é ‘a essência das obrigações normativas (normas, mas também estruturas e processos, assim como a conduta que lhes corresponde) que – em vigor num determinado tempo e para uma determinada comunidade política concreta – regulam formalmente a convivência’. Este amplo conceito do Direito abrange normas jurídicas, Direito Positivo e normas sociais. O Direito estabelece quem deve fazer e exigir o quê, como também contém conceitos morais do tipo ‘lealdade e fé’, ‘bons costumes’ ou ‘esperteza’. Desta maneira, através de mandamentos, proibições e regras de procedimento o Direito contribui decisivamente para estabelecer as condições para que numa sociedade a convivência seja o mais possível isenta de conflitos. O Direito é também um meio eficaz para prevenir ou evitar um comportamento criminoso ou grosseiramente negligente." (LEISINGER & SCHIMITT, 2002, p. 46-47, grifos nossos)

10.1Normas Jurídicas Básicas para as Empresas

Aproveitamos a sistematização de Joaquim Manhães Moreira, para arrolar uma lista de normas jurídicas que consideramos básicas para as empresas, consideradas em seus relacionamentos. Embora não concordemos com todas as classificações, assim as dispomos, para fins meramente didáticos, no intuito de mostrarmos a importância da legislação nacional com relação ao cotidiano profissional. Na nossa concepção, a CF/88 é aplicável e norma base para todos os tipos de relacionamentos da empresa, seja com: a-) clientes; b-) consumidores; c-) concorrentes; d-) empregados; e-) sócios e acionistas; f-) autoridades, candidatos e governo; g-) público em geral.

Para Klaus Leisinger e Karin Schimitt, não basta encarar como agentes morais somente os acionistas (shareholders). Devem ser considerados também como agentes morais, com quem há de se relacionar ética e legalmente, os stakeholders. Que raios são os stakeholders? Um conceito genérico para o ambiente social de uma empresa, composto de, à semelhança do parágrafo anterior: "a-) clientes; b-) ecologistas; c-) vizinhos; d-) fornecedores; e-) concorrentes; f-) sindicatos; g-) associações; h-) autoridades e seus representantes; i-) representantes da vida política." [83] Os interesses dos stakeholders são legítimos e devem ser levados em consideração pelos diversos setores estruturados da empresa.

Há de se levar em conta a legislação e os princípios éticos para se lidar com os stakeholders, tendo em vista que o ordenamento jurídico é um todo harmonioso e, em tese, não contraditório. Daí, as Leis, num sentido amplo, devem ser interpretadas em seu conjunto e não apenas isoladamente. Há de se prestar atenção também no fato de as Leis não serem dogmas intocáveis, pois estão sujeitas a reformas legislativas. E tais reformas podem se dar muito rápido. Assim, é necessário estar atento a tais modificações. Sugerimos visitar constantemente o site da Presidência da República [84], pois lá estão praticamente todas as Leis Federais, atualizadas constantemente.

10.1.1 Relacionamento com Clientes [85]

-Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990);

-Lei n.º 8.884/94 (Repressão ao Abuso de Poder Econômico);

- Lei n.º 8.666/93 (Licitações e Contratos Públicos);

- Decreto n.º 1.171/94 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Federal);

- Código Civil;

- Código Comercial.

10.1.2. Relacionamento com Consumidores [86]

- Lei n.º 8.884/94 (Repressão ao Abuso de Poder Econômico);

- Lei n.º 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 (Proteção aos Programas de Computadores);

- Código Civil;

- Código Comercial;

- Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996 (Nova Lei de Patentes).

10.1.3. Relacionamento com Concorrentes [87]

- Lei n.º 8.884, de 11 de setembro de 1994 (Repressão ao Abuso de Poder Econômico);

- Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996 (Nova Lei de Patentes).

10.1.4. Relacionamento com Empregados [88]

- Constituição Federal de 1988, artigos 5.º e 6.º;

- Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-Lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943;

10.1.5. Relacionamento entre Sócios e Acionistas [89]

- Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas, cujos dispositivos principais são também aplicáveis às Sociedades por Quota de Responsabilidade Limitada).

10.1.6. Relacionamento com Autoridades, Candidatos e Governo [90]

- Código Penal (Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940);

- Lei n.º 9.100, de 20 de setembro de 1995 (Disciplina e dispõe limites para doações destinadas às campanhas eleitorais).

10.1.7. Relacionamento com o Público em Geral [91]

- Lei n.º 9.065, de 17 de fevereiro de 1998 (Punições às condutas lesivas ao meio ambiente);

- Lei n.º 9.613, de 1.º de março de 1998 (Punições às atividades de lavagem de dinheiro).

11. Introdução à deontologia profissional

Em 1834, o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham – pai da Escola Utilitarista – cunhou o termo "deontologia". Deontologia é um ramo da ética normativa que estuda os fundamentos do dever e as normas morais, ou seja, é uma teoria do dever. A deontologia profissional, por sua vez, descreve e prescreve o agir correto de uma determinada profissão. Senhoras e senhores. Façamos um adendo. Expliquemos o que vem a ser a ética e o que vem a ser a moral, segundo Klaus M. Leisinger e Karin Schimitt: "Por ‘moral’ entendemos determinadas normas que orientam o comportamento prático (sobretudo para com o próximo, mas também para com a natureza e para consigo mesmo). A ‘ética’, como ciência, ocupa-se com o tema de uma maneira descritiva e comparativa, mas também como uma avaliação crítica da moral." [92]

A moral constitui-se de valores e de normas. Os valores orientam a moral, já as normas são as exigências que lhe conferem imperatividade. Como era de se esperar, as normas morais só possuem eficácia quando são evidentes para o indivíduo, alertam Leisinger e Schimitt. Daí, é necessária uma justificativa quando tais normas morais não são evidentes e, muita vezes, o "convencimento". Por que a justificativa e o convencimento? Porque, muitas vezes, o que representa um valor para um pode ser um desvalor para outro. Esse juízo de valor, segundo Victor Kraft, tem dois componentes: "o caráter de valor, isto é, a propriedade do valor (por exemplo, ‘bom’ ou ‘mau’), e o objeto (por exemplo, sinceridade, falsidade), ao qual o caráter de valor é atribuído." [93]

Diante disso, há de se tomar cuidado com o "moralismo", ou "falso moralismo". "O moralismo reduz a ética a banalidades, transforma a vida moral em assunto de trivial importância. Ele amputa radicalmente a complexidade da ética, reduzindo-a a dimensões manipuláveis de pequenez moral, capaz de ser reduzida a um código, cujo seguimento tranqüiliza a consciência." [94] Por isso, antes de se tomar juízos precipitados, é preciso analisar todas as variáveis possíveis, o contexto do problema, os agentes envolvidos, a legislação e os princípios éticos. Com calma, se possível, e buscando colocar-se no lugar dos outros. Com relação aos stakeholders, há de se perguntar:

" Quem são os stakeholders, e quais os seus interesses?

Quais as possibilidades positivas e as potenciais ameaças que podem partir deles?

Que responsabilidades (econômicas, sociais, ecológicas e outras) resultam da teia de relações entre a empresa e eles?

Qual a estratégia correta para lidar com estas pessoas e seus interesses?" (LEISINGER & SCHIMITT, 2001, p. 109)

Para não nos atermos, ademais, as definições terminológicas. Trataremos deontologia empresarial como sinônimo de ética empresarial.

11.1. Julgamento Ético

Antes de versarmos sobre o julgamento ético, devemos fazer um interlúdio. Precisamos de uma definição de realidade. Para Paul Watzlawick, segundo Leisinger e Schmitt, existe uma realidade de primeira ordem e uma realidade de segunda ordem. Que raios são cada uma? Leisinger e Schmitt explicam:

"A realidade de primeira ordem refere-se aos fatos físicos, isto é, àqueles aspectos da realidade relacionados com o consenso da percepção, e sobretudo com as confirmações experimentais, que podem ser repetidas e desta maneira verificadas. A realidade de segunda ordem baseia-se exclusivamente na atribuição de sentido e de valor às coisas. Esta ‘segunda’ realidade está marcada por experiências presentes e passadas e pelo estado de conhecimento das pessoas, por seus desejos, sonhos e pesadelos. Tais fatores influenciam as idéias das pessoas a respeito do ‘bem’ e do ‘mal’, seus conceitos de sabedoria e loucura. No âmbito das realidades de segunda ordem não tem sentido discutir sobre o que é realmente real." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 113, grifos nossos)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A realidade de primeira ordem refere-se ao mundo ontológico, aquilo que é. Já a realidade de segunda ordem diz respeito ao mundo deontológico, aquilo que deve ser. A ética e o Direito movimentam-se nos meandros da realidade de segunda ordem, ou seja, no mundo do dever ser, que não corresponde necessariamente àquilo que tem que ser. Ocorre que nessa realidade de segunda ordem, nem tudo é igual para todos. Aquele que crê que a sua concepção de realidade é a única classificará as vozes discordantes com valores negativos, como "bobos", "maus" ou "loucos". Portanto, não basta apenas afirmar-se numa convicção. É necessário levar o outro em conta.

Para Leisinger e Schmitt, o filósofo Hans Jonas soube lidar com esse problema de maneira exemplar. O princípio da responsabilidade, de Hans Jonas, versa que é necessária uma nova ética, que leve em conta "a responsabilidade concreta pelo que é dado aqui e agora, e por seus efeitos no futuro". [95] Isso não significa negar o mundo material, muito pelo contrário. "Pelo menos eu interpreto isto no sentido de que, em seu conceito de progresso, o essencial é a perfeição ética dos indivíduos e da sociedade como um todo. Dentro deste conceito, o progresso material também tem lugar; o que ele rejeita é a cegueira material para com todos os valores imateriais do homem e da dignidade humana." [96]

Obviamente, a atividade empresarial visa o lucro, porém, como ressalta Hans Jonas, não se pode permitir o lucro a qualquer custo. Há limites para a obtenção desse lucro, que pode ser conquistado, desde que respeite os valores da dignidade humana. Em outras palavras. A corrida pelo lucro e pelo sucesso empresarial é lícita desde que não ofenda Constituição, a Legislação e, principalmente, os Direitos Fundamentais do ser humano.

O julgamento ético deve levar tudo isso em consideração – as questões de fato (da realidade de primeira ordem – ou mundo ontológico) e as questões éticas e jurídicas (da realidade de segunda ordem – ou mundo deontológico) – e mais: os sentimentos de empatia. Por empatia, entendemos, em termos simples, o colocar-se no lugar do outro. [97] Aliás, as tomadas de decisões devem ser levadas em conta todas as opiniões, mesmo as contrárias: "Nos complexos processos de decisão sempre devem ser incluídas vozes dissidentes (dissident voices) – tudo precisa ser colocado sobre a mesa, não somente os fatos mas também todas as opiniões possíveis, por menos simpáticas que possam parecer. A contradição de quem pensa de maneira diferente, mesmo quando pareça inconveniente e contrária à tendência geral das opiniões, tem que ser racionalmente refutada ou superada nas discussões de grupo, e não ser sem discussão ou por razões ideológicas varridas para debaixo do tapete." [98]

Essa preocupação se estende também ao meio ambiente e às conseqüências que determinada atividade o influencia, assim com os demais agentes em redor:

"Como regra prática vale que, com a gravidade e a intensidade dos efeitos para a sociedade e para o mundo ambiente, aumenta a necessidade de legitimação do agir empresarial. Exigências feitas contra a vontade dos atingidos necessitam, em todos os casos, de uma legitimação especial, do contrário elas representam uma deficiência moral da ação da empresa. Pois a liberdade das pessoas consiste também em que são elas, e não outras, que devem decidir sobre o valor e a importância de seus desejos e interesses." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 116, grifo nosso)

Para se evitar preconceitos ou pré-condenações, e decisões por demais generalizantes, há de se esquematizar todo o processo de julgamento ético

, inserido no contexto da ética empresarial. Leisinger e Schimitt, citando Tödt, mostram os passos do julgamento ético:

"1. Percepção do problema: Em que consiste o problema ético? Trata-se realmente de um problema ético, ou será que a problemática se encontra em outro plano inteiramente diferente? Em todos os casos, é necessária aqui uma percepção integral do problema, isto é, os problemas parciais têm que ser integrados dentro de um contexto mais amplo, para que sua importância ética possa ser reconhecida.

2. Análise da situação: Quais os contextos relevantes? Pelo problema que se apresenta nesta situação específica, quem se encontra em obrigação ou em uma responsabilidade especial?

3. Julgamento das opções de conduta: Como devem ser julgadas a longo prazo, num mundo de incertezas e contradições sob o ponto de vista ético, as soluções técnicas e pragmáticas imediatas e aparentemente naturais? Quais as alternativas, quais suas conseqüências e seus efeitos colaterais?

4. Analisar as normas, os bens e as perspectivas: Que normas e padrões têm que ser empregados para estabelecer as alternativas possíveis de conduta, e para avaliar a opção preferencial? Que bens devem ser preferidos em determinadas situações?

5. Análise da obrigatoriedade ética e comunicativa: Será que, nesta situação e sob estes mesmos pressupostos vitais, as outras pessoas podem comportar-se como é imposto pela decisão em vista?

6. Decisão adotada: Qual o resultado da ponderação e combinação dos cinco fatores precedentes? A que conduta leva esta visão e decisão?" (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 116-117, grifos nossos)

11.2. Dos Males, o Menor?

Estamos diante de um dilema ético [99], quando nos encontramos em situações limite. Mesmo que tenhamos nos precavido e nos guiado pelos princípios éticos e jurídicos, mais os seis passos para o julgamento ético, muitas vezes, teremos que decidir entre alternativas que não são de todo boas em si, nem trazem 100% de conseqüências benéficas. O ideal, como gostaríamos sempre – agindo segundo a Lei Moral, nos preceitos de Immanuel Kant -, seria obedecer as normas. Mas e se obedecer as normas cegamente ocasionar um resultado pior que desobedecê-las? E se, mesmo obedecendo as normas, chegássemos a conclusões que causassem, cada qual num determinado grau de grandeza, um mal? Dos males, o menor. Assim, dizia o velho ditado popular.

Como agir diante de tais situações? Citando Georges Enderle, Leisinger e Schmitt, propõem quatro regras?

"1. Decida sempre a partir de um ponto de vista imparcial.

2. Decida dentro de um sistema de objetivos e direitos, de tal forma que os diretamente atingidos sejam o mais possível respeitados em seus direitos básicos, e que o seu conforto não seja influenciado por considerações de vantagens.

3. Decida de tal forma que a exigência de jogo limpo em relação às pessoas seja levada em consideração.

4. Decida de tal forma que os recursos tenham um aproveitamento ótimo, respeitando da melhor maneira possível as três regras mencionadas acima." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 121, grifos nossos)

Lembremos sempre, que vislumbramos, em regra, um cenário de normalidade, em que as empresas operam diante de desafios possíveis em caso de paz, e não de guerra. Portanto, importante salientar, qualquer que sejam as decisões tomadas, elas não podem violar os direitos básicos, ou os Direitos Fundamentais, dos diretamente afetados, como assinala o item 3. A imparcialidade deve marcar não só as decisões, mas todo procedimento que levou a tomada das decisões, mostrando, inclusive, transparência para todos os envolvidos. Tudo isso tem o intuito de evitar – ou diminuir, se for o caso –, o máximo possível, os danos que, porventura, vierem a ocorrer por causa das decisões.

12. Conceito e Função de Código de Ética

Os códigos de ética empresarial são conjuntos de normas estabelecidas pela empresa no intuito de regular os comportamentos

. Na verdade, em vez de "Código de Ética", preferimos o termo "Código de Conduta". Como já vimos, ética é a parte da filosofia, ou ciência, que tem por objeto a moral, esta relativa no tempo e no espaço. Seria simplista reduzir, então, a ética a um apanhado de normas codificadas por uma empresa. No máximo, poderíamos falar em deontologia profissional que tem como referencial de racionalidade para procedimentos decisórios e de regulação de comportamentos um código de normas. Mas como já foi popularizado o termo "Código de Ética", usaremos o dito cujo. Fazer o quê, né? Antes falemos do poder normativo das empresas e das normas empresariais.

A empresa tem poder de direção que lhe confere, de certa forma, um poder normativo no seu âmbito de atuação. Quer dizer, por elaborar normas empresariais, que "são diretrizes éticas de orientação e ação postas em vigor por iniciativa própria da empresa, isto é, sem que exista imposição legal, mas mesmo assim obrigando todos os colaboradores" [100]. Tais normas não são feitas à toa. Têm uma função: "contribuir para que sejam visados e atingidos da maneira mais harmoniosa possível os objetivos econômicos, sociais e ecológicos da empresa. (...) sobretudo para grupos que atuam a nível internacional, que precisam ocupar-se com as mais diversas condições jurídicas, sociais e culturais." [101] Para Leisinger e Schmitt, têm as seguintes funções:

- "Elas ajudam a empresa a identificar e definir suas responsabilidades não-econômicas.

- Servem de orientação nas situações eticamente confusas, desta maneira tornando desnecessárias decisões ad hoc.

- * Atuam em sentido contrário a uma progressiva regulamentação pelo Estado e suas autoridades, desta forma contribuindo para se chegar à liberdade empresarial.

- Diminuem os custos sociais das transações." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 124, grifos nossos)

As normas empresariais devem ser referenciais para a solução de problemas reais, tendo em sua elaboração o diálogo como um dos principais ingredientes. Essas normas empresariais podem ser compiladas em forma de um código. Geralmente, as empresas denominam essa compilação de "Código de Ética". Segundo Joaquim Manhães Moreira, "Código de Ética é um padrão de conduta para pessoas com diferentes visões e experiências aplicadas a atividades empresariais complexas. Pode servir como prova legal da intenção da empresa". [102] Evitar as deturpações na interpretação e aplicação de princípios legais e éticos é uma das principais preocupações:

"O Código de Ética tem a missão de padronizar e formalizar o entendimento da organização empresarial em seus diversos relacionamentos e operações. A existência do Código de Ética evita que os julgamentos subjetivos deturpem, impeçam ou restrinjam a aplicação plena dos princípios. Além disso o Código de Ética, quando adotado, implantado de forma correta e regularmente obedecido, pode constituir uma prova legal da determinação da administração da empresa, de seguir os preceitos nele refletidos." (MOREIRA, 1999, p. 33-34, grifos nossos)

13. Bases para um Código de Ética

Seremos breves neste tópico, pois cremos que Leisinger e Schmitt sintetizaram de forma coerente os princípios básicos para a elaboração de um Código de Ética Empresarial, que deve levar em consideração: a-) clientes; b-) empregados; c-) investidores; d-) fornecedores e parceiros; e-) empresas concorrentes; f-) sociedade.

13.1. Para uma Relação Ética com os Clientes

Leisinger e Schmitt afirmam o óbvio. Todos os clientes, sejam diretos ou indiretos, devem ser tratados com respeito. Isso significa que os produtos e serviços devem ter a máxima qualidade possível de acordo com as necessidades dos seus clientes. Esse jogo limpo se refere "à lisura e honestidade em todas as transações de negócios, à plena satisfação, e a um serviço e uma assessoria prestativas, bem como a correção dos erros". [103] Outras preocupações de extrema importância são a consideração com a saúde e segurança dos clientes, seja no aspecto da conservação seja no aspecto do favorecimento. Ampliando esse raciocínio, os produtos e serviços da empresa não podem deteriorar o meio ambiente, devendo preservá-lo e corrigi-lo, na medida do possível. "A oferta de produtos e serviços da empresa, bem como suas medidas de marketing e propaganda, têm que respeitar a dignidade humana e proteger a integridade cultural de seus clientes." [104]

13.2. Para uma Relação Ética com os Empregados

Como não poderia deixar de ser, é claro, os interesses e a dignidade dos empregados devem ser preservados. Leisinger e Schmitt explicam tais princípios: [105]

- "criar e conservar vagas de trabalho, bem como pagar salários que melhorem as condições de vida dos empregados;

- cuidar de um clima e de condições de trabalho que correspondam à dignidade humana e proteger os empregados de doenças e ferimentos evitáveis;

- comunicar-se com sinceridade

com os empregados, compartilhar as informações com eles abertamente, sem outras limitações que não sejam os deveres legais e competitivos de sigilo;

- estar francamente abertas às idéias, propostas, sugestões, perguntas e queixas dos empregados, ouvi-los, e, quando possível, agir de acordo com isto;

- negociar fielmente com os empregados e suas associações

quando ocorrerem conflitos;

- não admitir nem praticar discriminação por razão de sexo, idade, raça, religião e outras diferenças

;

- colocar os empregados da melhor maneira possível de acordo com suas capacidades, favorecer suas aptidões, bem como encorajá-los e apoiá-los, a fim de que ampliem seus conhecimentos e habilidades;

- em todas as decisões da empresa exercer seu dever de cuidado para com os empregados, bem como tratar com seriedade e sensibilidade os grandes problemas sociais do desemprego." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 194-195, grifos nossos)

13.3 Para uma Relação Ética com os Investidores

De acordo com Leisinger e Schmitt, a empresa deve corresponder à confiança que os investidores nela depositaram, tendo o dever de:

- "gerir os negócios de uma maneira profissional, cuidadosa e inovadora, que garanta a rentabilidade do capital empregado pelos investidores;

- conservar e ampliar os bens

de seus investidores;

- ter uma comunicação franca com os investidores e informá-los sobre todos os assuntos importantes que, por razões legais ou de concorrência, não devam permanecer sob sigilo;

- respeitar as perguntas, propostas, queixas e resoluções formais dos investidores

, e atender a suas necessidades na medida do possível." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 195)

13.4. Para uma Relação Ética com Fornecedores e Parceiros

O respeito e a confiança mútua devem pautar as relações da empresa com seus fornecedores e parceiros. Para que isso se mantenha, Leisinger e Schmitt recomendam:

- "na escolha de seus fornecedores e parceiros, cuidar que eles assumam responsabilidades do ponto de vista social e ecológico, e que suas condições de emprego respeitem a dignidade humana;

- cultivar relações constantes com os fornecedores cujos produtos e serviços sejam competitivos no tocante a valor, qualidade e segurança, e também quanto à confiabilidade;

- em todas as relações comerciais com fornecedores e parceiros agir com lisura, confiabilidade e fidelidade;

- evitar pressão e desnecessárias questões jurídicas

, ou resolvê-las pacificamente;

- prestar aos fornecedores e parceiros informações relevantes e inclui-los em processos de planejamento;

- pagar pontualmente aos fornecedores

, como foi acertado." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 195)

13.5. Para uma Relação Ética com as Empresas Concorrentes

No Brasil, há previsão constitucional legal e constitucional de defesa da concorrência, de regulação e proteção da propriedade industrial e dos direitos autorais

. Aliás, este é um dos preceitos fundamentais da economia de mercado, contribuindo para a produção de riqueza e distribuição de bens e serviços. Para cumprir esse intuito, as empresas devem:

- "apoiar a abertura dos mercados para o comércio e os investimentos;

- contribuir em toda parte para a criação e conservação de uma economia de mercado ecologicamente compatível, favorecendo-a e protegendo-a da observação de suas regras;

- mostrar lisura e respeito aos concorrentes no mercado;

- não ir atrás de pagamentos ou favores questionáveis

, nem prestar tais favores, visando conservar duvidosas vantagens de concorrência;

- respeitar os direitos de propriedade material e intelectual

;

- não adquirir informações economicamente relevantes com métodos desonestos ou antiéticos

;

- motivar as empresas concorrentes, e outros ramos, a empregarem os mesmos princípios, e apoiá-las em seus esforços pelo emprego das máximas da ética empresarial." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p. 196)

13.6. Para uma Relação Ética com a Sociedade

Leisinger e Schmitt afirmam que as empresas, como parte de uma sociedade global, têm o dever de apoiar uma reforma para a defesa e implantação dos direitos humanos e do meio ambiente. As empresas devem ainda apoiar os legítimos interesses dos governos e as políticas que visem o desenvolvimento humano duradouro. O econômico não deve se sobrepôr aos interesses sociais, nem vice-versa. Ambos devem ser conciliados. "Por último, como bons membros da comunidade global, constitui parte do dever das empresas, sempre que possível, possibilitarem ajuda comunitária, doações caritativas, contribuições para a formação e a cultura, bom como a participarem das atividades e iniciativas da comunidade e dos cidadãos." [106]

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Roger Moko Yabiku

Advogado, jornalista e professor universitário. Bacharel em Direito e Jornalismo, graduado pelo Programa Especial de Formação Pedagógica de Professores de Filosofia, MBA em Comércio Exterior, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal e Mestre em Filosofia (Ética). Professor do CEUNSP e da Faculdade de São Roque - UNIESP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YABIKU, Roger Moko. Direito Constitucional aplicado à profissão:: direitos fundamentais como base da ordem normativa de condutas profissionais e dos códigos de ética empresarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 716, 21 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6913. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos