Juizados especiais: particularidades da sistemática e as alterações trazidas pelo CPC/2015

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26/09/2018 às 13:05
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Ao rito dos juizados especiais, regulamentados pela Lei 9.099/95, é aplicado o NCPC de forma subsidiária, motivo pelo qual se torna relevante conhecer os reflexos deste diploma ao microssistema dos juizados especiais.

RESUMO:Diante dos significativos avanços na prática processual cível nas últimas décadas e após incessantes discussões, o Novo Código de Processo Civil foi votado e aprovado pelo Congresso Nacional em 2015, passando a viger a partir de 16 de março de 2016 como a primeira legislação adjetiva brasileira nascida do seio de um regime de liberdades, representando a ruptura de alguns outrora intransponíveis paradigmas. Neste cenário de mudanças, surge a necessidade de adequação da nova codificação ao microssistema dos Juizados Especiais que, também, a sua época, embora já vigente na plenitude democrática, personificou os ideais libertários de acesso à justiça e de efetividade do provimento jurisdicional. O presente trabalho, portanto, em seu capítulo inaugural tratará das singularidades atinentes aos Juizados Especiais, quais sejam: o jus postulandi; a prova técnica; e, por fim, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias; o capítulo seguinte, in fine, tratará, especificamente, dos reflexos mais relevantes da vigência do CPC/2015 no microssistema dos Juizados Especiais.

Palavras–Chave: Juizados Especiais; Lei nº 9.099/95; CPC/2015;; Juizados e CPC/2015.


1. INTRODUÇÃO

Os Juizados Especiais Cíveis, que sucederam os “Tribunais de Pequenas Causas”, foram criados pelo legislador pátrio para servir como ferramenta indelével de acesso à justiça, levando ao Estado-Julgador a ofertar ao jurisdicional celeridade e efetividade na tutela jurisdicional. Pensando nisso, a legislação atinente não se furtou de delegar aos Juizados Especiais Cíveis uma normativa procedimental especial e peculiar, privilegiando a materialização de princípios basilares como a celeridade, simplicidade, oralidade, informalidade e economia processual, afastando a lógica burocrática que assombra o Poder Judiciário pátrio no que toca ao processamento das demandas judiciais.

Há décadas que a Justiça Brasileira, notadamente a Justiça Comum Estadual, convulsiona-se em uma crise funcional permanente, impregnando na mentalidade social uma permanente sensação de descrédito e desconfiança judiciária, personificada, sobretudo, nos julgamentos longos e, na maioria das vezes, relegados ao esquecimento nos cartórios e gabinetes forenses. 

Por este motivo, é lúcido inferir que a mera instalação dos Juizados Especiais Cíveis no âmbito dos Estados e do Distrito Federal não representa uma fórmula pronta de extermínio da letargia processual, mas, sem dúvida, constitui-se como um parâmetro, um caminho relevante a ser trilhado em busca do que a legislação processual dos últimos tempos tem objetivado construir: uma Justiça mais proativa.

Destarte, inobstante o fato de os Juizados Especiais Cíveis possuírem normatização adjetiva própria, esculpida no intelecto da Lei nº 9.099/95, a qual empresta ao seu processamento menor arcabouço procedimental e/ou recursal - enaltecendo assim a tão sonhada celeridade processual – em ocasiões excepcionais tem guarida, principalmente quando se prostra diante de omissão legal, a aplicação do Código de Processo Civil.     

Algumas inovações, que ganharam nascituro com o advento do CPC/2015, aplicáveis aos Juizados Especiais, merecem relevo.    

Neste liame, destacam-se, como principais reverberações do CPC aos Juizados, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR – como ferramenta imprescindível à cultura do precedente judicial que o Diploma Adjetivo tenta impor ao direito pátrio -, o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica – IDPJ e sua controvertida incidência da Sistemática dos Juizados Especiais; o reflexo dos embargos nos prazos processuais; a inaplicabilidade do modelo de contagem de prazos em dias corridos consignado pelo NCPC e afastado pelos Juizados Especiais; e o regime de tutelas de urgência.

Por outro lado, no que diz respeito especificamente aos Juizados Especiais, realça-se as considerações mais relevantes sobre a prova técnica, prevista no artigo 35 da Lei nº 9.099/95, o jus postulandi, como artifício particular de acesso à justiça e, por fim, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, assunto que suscita a polêmica sobre o cabimento dos Agravos de Instrumento no âmbito dos Juizados Especiais.

A pesquisa presente, portanto, debruçar-se-á sobre os conceitos doutrinários e jurisprudenciais no tocante aos temas supra elencados, bem como, emitirá considerações acerca dos temas querelados, questionando, em alguns momentos, os posicionamentos dos tribunais sobre a reflexão de uma lei (CPC/2015) a outra (Lei nº 9.099/95).


2. SINGULARIDADES PROCESSUAIS ÍNSITAS AOS JUIZADOS PROCESSUAIS

2.1. O Jus Postulandi

Imiscuído do dever de proporcionar ao jurisdicional amplo e irrestrito acesso à Justiça, o microssistema dos Juizados Especiais acena permissivamente ao que o direito processual chama de “jus postulandi” que, em uma fria análise etimológica, significa “direito de postular”.

Sabe-se, pois, que, no Brasil, a capacidade postulatória é ínsita à atividade advocatícia e ao Ministério Público, sendo o causídico o profissional habilitado para levar aos tribunais os anseios e interesses de seus clientes. Todavia, tal prerrogativa, apesar de sedimentada no entendimento jurídico pátrio, notadamente nas lides cíveis, consoante com o que dispõe o artigo 103 do CPC e artigo 1º, inciso I do Estatuto da Advocacia, não é absoluta. Tanto não é que a legislação pátria, em especial a destinada aos Juizados Especiais traz previsão expressa sobre o cabimento do jus postulandi em suas instâncias monocráticas em causas que não ultrapassem o montante de vinte salários mínimos.

Sobre o assunto, ensina MONTENEGRO FILHO (2015, p.200):

No que atine a capacidade postulatória, é exclusiva do advogado, assim considerado o profissional regularmente inscrito nos quadros da OAB, textualizando o inciso I do art.1º do EOAB: “são atividades privativas da advocacia: I- a postulação em qualquer órgão do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais”.

Ainda sobre o tema, o artigo 133 da CF textualiza que: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. (...)

A regra não é absoluta, visto que a lei confere o jus postulandi à própria parte ou a um terceiro, sem a assistência ou representação de advogado, como nas hipóteses relacionadas ao habeas corpus e às ações que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis, que não exigem a assistência do advogado para o ingresso da ação e o comparecimento à sessão de conciliação.

Do mesmo modo, elucida DIDIER JÚNIOR (2009, p.223):

Por fim, o último “pressuposto processual” relacionado às partes: a capacidade postulatória ou postulacional (ius postulandi).

(...)

A capacidade postulacional abrange a capacidade de pedir e de responder. Têm-na os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Publico e, em alguns casos, as pessoas não advogadas, como na hipótese dos Juizados Especiais Cíveis (causas inferiores a vinte salários mínimos), das causas trabalhistas e no habeas corpus.

Cumpre esclarecer, todavia, apropriando-se dos conceitos de jus postulandi e capacidade postulatória, que os dois institutos, embora semelhantes, guardam estreitas diferenças que os tornam peculiares do ponto de vista processual. O jus postulandi atribui à parte, temporariamente, o direito de litigar em demanda específica para perseguido determinado direito sem, contudo, entregar-lhe a capacidade postulatória típica, consoante com a Carta Maior, aos advogados. A questão é tão sensível que o jus postulandi, sob o prisma do direito adjetivo, é uma exceção à regra, ganhando guarida, seja no âmbito trabalhista ou cível, nas instâncias monocráticas inferiores, sendo defenestrada quando a parte ascende ao segundo grau, oportunidade em que a assistência passa a ser obrigatória.

 Sobre o assunto, preleciona SOARES (2004, p. 79):

Cumpre salientar a diferença entre ius postulandi e capacidade postulatória. Conforme Leal (1999), ius postulandi constitui-se na capacidade da parte de postular ou deduzir sua pretensão em juízo. Já a capacidade postulatória constitui-se da capacidade constitucionalmente atribuída ao advogado, direito fundamental, de exercer o seu direito de postulação em juízo do direito da parte lesada ou ameaçada.

O primeiro refere-se a sujeito e o segundo ao exercício do direito possibilitado pela parte capacidade de estar em juízo. Exige qualificação técnica. Promove-o advogado, em nome do seu cliente. Esta é a função tradicional, historicamente cometida à advocacia.

Consoante com o disposto alhures, na sistemática dos Juizados Especiais Cíveis, pela inteligência do artigo 9º da onisciente Lei nº 9.099/95, o jus postulandi tem lugar nas ações em que o valor demandado não ultrapasse o valor de vinte salários mínimos, montante correspondente à metade do teto de alçada do rito. Além disso, por disposição contida no §2º do artigo 41 da mesma lei, na hipótese de sobrevinda de recurso tendente a atacar a sentença, a assistência por advogado passa a ser obrigatória.

In verbis, vejamos o que deblateram os dispositivos:

Art.9º. Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória. 

Art.41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio juizado.

§2º. No recurso, as partes serão obrigatoriamente representada por advogado. 

   Desta feita, lúcido se faz considerar, na concepção da pesquisa presente, que o jus postulandi, inobstante ao fato de ser profundamente regulamentado pelo direito pátrio, não merece existir, pois leva ao jurisdicionado uma equivocada concepção de acesso à justiça, quando, em verdade, contribui com a parca qualidade dos pedidos formulados e, por conseguinte, não atinge a decisão, ante a incapacidade técnica do postulante, a plenitude que deveria alcançar.

É imprescindível, mesmo nas lides em que se busca a tutela de “pequenos direitos”, por assim dizer, a presença do advogado como instrumento de efetivação da justiça e proteção do cidadão. Entregar ao jurisdicionado a sagrada tarefa de postular em juízo, mesmo a pretexto de deflagrar o acesso à justiça, é reiterar a latente desigualdade existente nas contendas judiciais, afinal se uma das partes comparece à audiência desacompanhada de advogado e a outra devidamente patrocinada a possibilidade, pelo menos em tese, de a primeira sucumbir na ação é maior, visto o maior poderio técnico da parte opositora.

2.2. A Prova Técnica

Uma das teses defensivas mais adotadas nas demandas vertidas perante os Juizados Especiais é a de complexidade da causa em razão (de suposta) necessidade de perícia para deslindar o fato. Tal artifício retórico é comumente utilizado pelos fornecedores nas lides destinadas a questionar direitos de natureza consumerista.

De fato, até por entendimento sedimentado na jurisprudência reinante, a perícia, concebida nos parâmetros conhecidos, é incompatível com os princípios que norteiam os Juizados Especiais Cíveis, em especial com o princípio da simplicidade que se desapega das instruções processuais mais longas e difíceis. Logo, se a instrução do feito requerer um entendimento pericial mais apurado deverá ser o processo, de pronto, arquivado sem resolução de mérito pelo julgador, devendo a parte autora postular seu direito perante a Justiça Comum.

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Não obstante, apesar de irrefutável a incompatibilidade da perícia com o rito dos Juizados, o legislador criou a possibilidade de requerimento do que a Lei nº 9.099/95 tendeu a chamar de “prova técnica” ou “perícia informal”. Sua prática, pois, se difere da perícia consagrada nos artigos 464 a 480 do CPC, haja vista não necessitar de uma vistoria, exame ou avaliação mais apurada do objeto e/ou produto. Na perícia informal, o técnico também apresentará aos autos seu laudo conclusivo, mas será oralmente inquirido pelo juiz a respeito dos quesitos levantados pelas partes.

Diferentemente da codificação anterior, que não trazia previsão acerca da perícia informal, o CPC/2015 trouxe a prova técnica como disposição expressa contida no íntimo dos §§ 2º e 3º de seu artigo 464, referendando o que já se positivou no artigo 35 da Lei nº 9.099/95. O FONAJE, por sua vez, com o desiderato de diminuir a polêmica acerca da prova técnica, editou o Enunciado nº 12 o qual sedimenta o cabimento de perícia no âmbito dos Juizados Especiais “A perícia informal é admissível na hipótese do art. 35 da Lei 9.099/1995”.

Eis o que deblatera a Lei nº 9.099/95:

Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.

Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado.

A reboque vocifera o CPC/2015:

Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

§ 2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.

§ 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.

    Sobre o assunto, assevera ROCHA (2016, p.189):

Ao contrário do que frequentemente se costuma ouvir e até ler, a Lei nº 9.099/95 admite a produção da prova pericial no seu procedimento. Quem afirma em sentido contrário, dizendo que a oitiva do assistente técnico representa uma prova testemunhal, na verdade, confunde a natureza da prova com a sua forma de produção. Seria a mesma coisa que afirmar que não existe perícia no CPC, mas apenas uma prova documental, o laudo pericial, juntada aos autos pelo perito. O fato é que a perícia existe, mas possui uma estrutura bastante diferente daquela prevista no CPC/15 (arts. 464 a 480). Com efeito, o legislador adotou o modelo americano, mais precisamente o nova-iorquino, em que o perito ou técnico de confiança do juiz apresenta seu laudo e responde aos quesitos oralmente, em audiência, como se fosse uma testemunha. No entanto, ele não foi equiparado a uma testemunha. Apenas a forma de colher a prova o trata como se fosse. Assim, as principais conclusões do técnico deverão ser mencionadas resumidade no corpo da sentença, ao lado das demais provas orais colhidas.

Por perícia, depreende DINAMARCO (2001, p.584):

Perícia é o exame feito em pessoas ou coisas, por profissional portador de conhecimentos técnicos e com a finalidade de obter informações capazes de esclarecer dúvidas quanto a fatos. Daí chamar-se perícia, em alusão à qualificação e aptidão do sujeito a quem tais exames são confiada. Tal é uma prova real, porque incide sobre fontes passivas, as quais figuram como mero objeto de exame sem participar das atividades de extração de informes.

A respeito da prova técnica, ensina THEODORO JUNIOR (2006, p.442):

A prova técnica é admissível no Juizado Especial, quando o exame do fato controvertido a exigir. Não assumirá, porém, a forma de uma perícia, nos moldes habituais do Código de Processo Civil. O perito escolhido pelo Juiz será convocado para a audiência, onde prestará as informações solicitadas pelo instrutor da causa (art. 35, caput). Se não for possível solucionar a lide à base de simples esclarecimentos do técnico em audiência, a causa deverá ser considerada complexa. O feito será encerrado no âmbito do Juizado Especial, sem julgamento do mérito, e as partes serão remetidas à justiça comum. Isto porque os Juizados Especiais, por mandamento constitucional, são destinados apenas a compor 'causas cíveis de menor complexidade' (CF, art. 98, inc. I).

Assevera, também, DALL’ALBA (2010, p.56):

Poderá o juiz, se entender necessário, inquirir técnico de sua confiança sobre questões que requeiram conhecimento especializado, facultada às partes a apresentação de parecer técnico (art.35). Não se trata de perícia nos moldes tradicionais do CPC e sim de ato a ser pratico em audiência, sem as formalidades usuais e sem apresentação prévia de quesitos pelas partes. Quando for necessário perícia técnica de maior complexidade, deverá a causa ser aviada nas instâncias ordinárias, sendo caso de extinção no juizado (art.51, II).

Depreende-se, portanto, que muito embora a prova técnica esteja prevista como meio de prova nos Juizados Especiais Cíveis, lamentavelmente não é um instituto que vem sendo aplicado, em razão, sobretudo, de os magistrados preferirem julgar as demandas sem o parecer do expert, tornando-a um meio probatório regulamentado, necessário, mas ineficaz.

2.3. Irrecorribilidade das decisões interlocutórias

Prima facie, compreende o direito processual civil como decisões interlocutórias aquelas proferidas no curso do processo que não põe fim a relação jurídica em contento. Pela dicção do Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 994 alocado na Parte Especial Livro III, as decisões interlocutórias são recorríveis por Agravo de Instrumento nas hipóteses taxativas elencadas no artigo 1015 do Diploma Adjetivo.

Vejamos o que depreende o dispositivo evocado:

Art.1015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Na peculiaridade do rito dos Juizados Especiais, em regra e por entendimento da doutrina jurídica majoritária, o Agravo de Instrumento falece frente à carga axiológica que permeia o sistema. De fato, a Lei nº 9.099/95 não prevê o cabimento de Agravo de Instrumento, motivo pelo qual dá vazão, principalmente no tocante a intenção de atacar decisões interlocutórias de caráter liminar, ao manejo de Mandado de Segurança como sucedâneo recursal.

Neste manejo, contudo, é que reside a grande controvérsia sobre a irrecorribilidade das decisões no âmbito dos Juizados. Parte da doutrina, sobre a qual se filia a pesquisa presente, entende que as decisões interlocutórias, por respeito ao princípio da oralidade, não são recorríveis, não obstando, todavia, as hipóteses em que a decisão liminar proferida causar a parte vencida dano irreparável, oportunidade, excepcional – repise-se – em que se admitirá o manejo de Mandado de Segurança como sucedâneo recursal a ser apreciado pela Turma Recursal. Ora, aduz-se, portanto, que se o decisum interlocutório não causou comprovados danos a parte sucumbente não há necessidade de provocar, ainda na ocasião do julgamento liminar, a instância “ad quem”, podendo a irresignação ser postergada até a apreciação em sede de preliminar de eventual Recurso Inominado. Se urgente, excepcionalmente, e desde que cumpridos os requisitos legais, será cabível impetrar Mandado de Segurança. 

Sedimentando o entendimento, ensina ROCHA (2016, p.248-249):

O entendimento da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias nos Juizados Especiais representa a orientação majoritária em nosso país. De acordo com os partidários dessa corrente, as decisões interlocutórias nos Juizados Especiais não seriam passíveis de agravo de instrumento por conta da oralidade e da celeridade do procedimento. Além disso, a falta de previsão expressa desse recurso na Lei nº 9.099/95 serviria para reforçar essa orientação. Não obstante, os partidários dessa corrente sustentam que essas decisões poderiam ser atacadas pelo mandado de segurança, quando presentes os requisitos legais.

De outro lado, aloca-se a tese da irrecorribilidade absoluta das decisões interlocutórias na seara dos Juizados. Os defensores desta tese, a exemplo de DALL’ALBA (2010, p.59) “no microssistema dos Juizados Especiais impera o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, não havendo previsão de agravo, recurso cabível para tais decisões no sistema geral do CPC”, propalam que a parte, ao optar pelo procedimento dos Juizados Especiais, tacitamente anui à irrecorribilidade, ou seja, já postula ciente de que as decisões interlocutórias proferidas por juízes togados não poderão ser questionadas em peça recursal autônoma.

No tocante ao entendimento defendido por esta corrente, vocifera ROCHA (2016, p.247):

Wander Paulo Marotta Moreira foi um dos primeiros defensores da tese de que não caberia qualquer forma de impugnação às decisões interlocutórias nos Juizados Especiais, nem mesmo através de ações impugnativas (como o mandando de segurança, por exemplo). Posições como essa, com o passar do tempo, acabaram ficando isoladas, pois não apresentaram soluções para os problemas existentes. Não obstante, em 20/05/09, o STF surpreendeu a comunidade jurídica nacional ao proclamar, de forma categórica, a prevalência da tese da impossibilidade absoluta de impugnação das decisões interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais. Nesse julgado, relatado pelo Ministro Eros Grau, o STF manteve acórdão da 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, que havia afirmado a inadmissibilidade do mandado de segurança contra decisão interlocutória dos Juizados Especiais. A posição foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 576847/BA, levado ao Plenário da Suprema Corte por iniciativa de seu relator. De acordo com o voto vencedor, a parte que opta pelo procedimento dos Juizados Especiais já sabe de antemão que as decisões interlocutórias ali proferidas são irrecorríveis, não desafiando recurso ou mandado de segurança, em nome da celeridade e informalidade. 

A referida tese, defendida pelo STF no julgado aventado, apesar de amplamente fundamentada não merece guarida, visto, não obstante a importância da irrecorribilidade decisória para proporcionar celeridade e oralidade ao rito dos Juizados, o caráter não absoluto do instituto. Entender a irrecorribilidade como um princípio puro é vilipendiar a sensibilidade da Justiça e fomentar o nascimento de decisões torpes prolatadas ao desiderato do arrepio valorativo. Decerto, que a pesquisa presente rechaça a tese da irrecorribilidade absoluta, mas, ao mesmo tempo, preserva os postulados intrínsecos ao rito dos Juizados Especiais, concebendo que o Mandando de Segurança, por seu viés, não pode ser incompatibilizado, sob pena de acinte a ampla defesa. A deflagração fria da ampla defesa na simples alusão da irresignação em preliminar recursal não é suficiente para suplantar danos irreparáveis que merecem estanque imediato, sendo inarredável e louvável, excepcionalmente, a provocação da via mandamental.

Destarte, felizmente, a tese prevalecente no julgado alhures foi isolada e não mais persiste no entendimento reinante no Supremo Federal. Após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 576847/BA, entretanto, o Tribunal Maior reviu sua posição e decidiu, em situações esporádicas de sobrevinda de dano irreparável, pelo cabimento de Mandado de Segurança.

A terceira corrente, por sua vez, certamente tão incabível e inconsistente quanto a que pugna pela irrecorribilidade absoluta, defende que Agravo de Instrumento não pode ser afastado. Dissertam seus defensores que o crescimento das decisões interlocutórias como instrumento de efetivação da tutela jurisdicional não pode se desassociar de um controle efetivo sobre elas, cenário em que o Agravo de Instrumento ganharia protagonismo como ferramenta fiscalizadora. Não há consistência, em respeito aos princípios basilares do rito, para evocar a recorribilidade via agravo do decisum interlocutório de competência dos Juizados. 

No tocante à temática, elucida ROCHA (2016, p.249-250):

Por esses motivos, embora continuemos a aceitar a impetração de mandado de segurança, em caráter excepcional, como ocorre no juízo ordinário, temos que é inevitável reconhecer o cabimento do agravo de instrumento do agravo de instrumento em face das decisões interlocutórias proferidas nos Juizados, em homenagem ao princípio do acesso à Justiça.18 Esse posicionamento, admitindo a recorribilidade de algumas decisões interlocutórias nos Juizados Especiais, defendido por autores como Fux, Dinamarco e Câmara, não é novo. Apesar de ser um entendimento minoritário, em alguns Estados a utilização do agravo de instrumento é aceita de forma pacífica. Além disso, o STJ vem reiteradamente afirmando seu cabimento.

Para esta tese, em específico, tem-se que nos últimos anos tantos os Juizados Especiais Federais quanto os Juizados de Fazenda Pública têm permitido a interposição de agravo de instrumento em suas lides. Nos Juizados Federais e nos Fazendários utiliza-se, por mandamento expresso esculpido no artigo 5º da Lei nº 10.259/01 e 4º da Lei nº 12.153/09 respectivamente, os Agravos de Instrumento para impugnar decisões atinentes a tutelas cautelares incidentais. Desse modo, por pura analogia, as tutelas incidentais cautelares proferidas no bojo dos Juizados Especiais Cíveis também seriam atacáveis por recurso de agravo, ferindo de morte os preceitos norteadores do rito específico da Lei nº 9.099/95.

Nesta toada, discorre ROCHA (2016, p.250):

O grande desafio, no entanto, é definir quais são as decisões que estão sujeitas ao agravo de instrumento. Nesse passo, importante destacar que o Novo CPC adotou o paradigma da recorribilidade em separado restrita das decisões interlocutórias. Essa visão foi construída dentro do Sistema dos Juizados Especiais, em primeiro lugar, pela edição da lei que trata dos Juizados Especiais Federais, em que o legislador previu expressamente a recorribilidade das decisões sobre tutelas cautelares incidentais (art. 5º da Lei nº 10.259/01). Essa diretriz foi seguida e ampliada, mais tarde, pela Lei dos Juizados Especiais Fazendários (art. 4º da Lei nº 12.153/09). Portanto, hoje, não há como negar a aplicação desses dispositivos à Lei nº 9.099/95, para concluir que as decisões sobre tutelas provisórias incidentais nos Juizados Especiais Estaduais também são passíveis de agravo de instrumento.

Outrossim, faz-se pertinente colacionar que, no atinente aos agravos, não se pode olvidar a influência do Código de Processo Civil sobre a Lei nº 9.099/95. O procedimento executório dos julgados nos Juizados Especiais segue a lógica imposta pelo artigo 52 do CPC/2015, sendo evidente que se o Diploma Processual consente a interposição de agravo em face de decisões interlocutórias prolatadas na fase pós-sentencial, a sistemática dos Juizados Especiais também acenaria no mesmo sentido, obedecendo ao disposto no parágrafo único do artigo 1015 do CPC.

            In fine, arremata ROCHA (2016, p.250):

Como visto, a execução na Lei nº 9.099/95 segue a estrutura da execução prevista no CPC, por determinação do caput do art. 52. De modo que não há como afastar dos Juizados Especiais a aplicação da regra contida no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/15, que prevê o cabimento do agravo de instrumento em face da decisão proferida na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença e no processo de execução.

A irrecorribilidade das decisões interlocutórias é, pois, uma das pedras angulares do rito dos Juizados Especiais, notadamente por carregar o estigma de que a alta recorribilidade por agravo engessa o provimento jurisdicional e atravanca, não apenas o desfecho processual, mas colabora para o agigantamento do descredenciamento das Pequenas Cortes. 

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Sobre o autor
José Vincenzo Procopio Filho

Bacharel em Direito pela Faculdade Ideal. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Professor Damásio de Jesus. Pós-Graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade da Amazônia – UNAMA. Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas Universidade do Porto. Advogado brasileiro inscrito na OAB/PA sob o nº 21.459.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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