Os aspectos jurídicos e psicológicos da psicopatia

Exibindo página 1 de 4
26/09/2018 às 15:08
Leia nesta página:

Loucos, assassinos, insanos e cruéis: como são tratados os psicopatas pela Legislação Brasileira?

Resumo: Este trabalho visa relacionar breves aspectos jurídicos e psicológicos, acerca da mente de um psicopata. Passaremos pela evolução do conteúdo sob a ótica das escolas criminológicas e as características de um indivíduo psicopata, a fim de evidenciar a sua distinção do criminoso comum, no que tange a urgência para o tratamento adequado aos que possuem algum grau da referida “Personalidade Psicopática”. Sendo também exposto, sob diferentes óticas, sua classificação quanto à capacidade penal, e os conceitos da imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade. Analisaremos as diversas alternativas que podem estabelecer possíveis soluções relacionadas ao tema, dando ênfase na importância da conscientização do legislador na revisão das normas já presentes do Código Penal. Podemos observar durante o trabalho, que a ausência de alternativas perante a situação dos psicopatas é um problema, ora pela falta de aprofundamento do tema no Brasil, ora pela falta de opções que visem tutelar sua conduta.

Palavras-Chave: Psicopatia. Direito penal. Criminologia. Transtornos de personalidade. Imputabilidade.

Sumário: Introdução. 1. Histórico. 1.1. Escolas criminológicas. 2. Psicopatia. 2.1 Características. 2.2. Classificação. 3. Legislação. 3.1. Imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis? 3.2 Medida de segurança e tratamento. Considerações finais. Anexo – caso concreto (Chico Picadinho). Referências.


INTRODUÇÃO

Com o intuito de desmistificar o conceito de psicopatia, que se estabelece como um dos transtornos comportamentais mais fascinantes e complexos existentes, estudaremos os principais pontos históricos e evolutivos do tema.

Os psicopatas são pessoas que possuem uma disfunção que afeta a capacidade de compreensão ao sentimento de piedade, empatia e compaixão por outras pessoas; sendo acometidos por altos níveis de egoísmo, que os tornam extremamente manipuladores, com fortes tendências à criminalidade e dificuldade de convívio normal com a sociedade.

Dessa forma, a responsabilidade sob a conduta destes indivíduos deverá ser posta em questão: Devem ser tratados como doentes mentais ou considerados “normais”? Imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis? Este fenômeno ainda não possui uma lógica concreta. Se encontrando deste modo, variadas perspectivas quanto a melhor forma de enquadrá-los, tanto no aspecto clínico, quanto no legislativo.

Existe uma carência de medidas específicas que os responsabilizem de uma maneira adequada no Brasil, de forma que os limites de direitos humanos não sejam excedidos, mas que ao mesmo tempo também não os deixem impune por possíveis condutas delituosas. A medida de segurança, internação em manicômios, criação de estabelecimento prisional específico e o tratamento terapêutico, se mostrarão como algumas alternativas para essa situação.

O caso prático do brasileiro Francisco Costa da Rocha, mais conhecido pelo apelido “Chico Picadinho”, é um grande exemplo da ausência de formas que visem tutelar as pessoas acometidas por algum grau de psicopatia, vez que ele permanece preso até os dias atuais (excedendo a pena máxima do Código Penal brasileiro, de 30 anos) por conta da falta de posicionamento perante sua situação comportamental, que o trata ao mesmo tempo como indivíduo comum e possuidor de anomalia mental.

O presente trabalho tem como base a legislação brasileira, obras de especialistas no assunto, trabalhos acadêmicos e a palestra “Curso de Psicopatologia Forense”, ministrada pelo psiquiatra Dr. José Antônio Eça (que inclusive foi um dos responsáveis pelo laudo de Chico Picadinho); e tem por principal objetivo a discussão dos aspectos criminais e psicológicos perante a situação dos psicopatas.


“A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver”.

Clarice Lispector


1. HISTÓRICO

Na Roma antiga, se deu início a origem do Direito Romano, importante instrumento que agrupava fundamentos, leis e princípios aplicados antigamente na cidade de Roma, na Itália e que influenciou diretamente tanto a legislação na época, quanto a atual.

Seu principal feito, foi o advento da Lex Duodecim Tabularum, habitualmente mais conhecida como “A Lei das 12 tábuas”.1 Nela, havia a nítida distinção entre pessoas, levando em conta características como: idade, sexo, enfermidades psicofísicas ou classe social. Dessa maneira, consolidou-se um dos primeiros materiais que colocava em pauta a incapacidade legal daqueles que portavam doenças mentais, nomeando a eles, representantes legais.

Aqueles que possuíam alguma anormalidade psíquica, eram designados como furiosus (aos loucos que oscilavam entre seu intervalo loucura aos de lucidez) ou mentecaptus, demens e insanus (aqueles sem nenhum intervalo de consciência considerada normal, com uma “loucura permanente”).

Essa nomenclatura era dada aos que a partir do século XV em diante, passaram a ser conhecidos como loucos (alienados, postos de lado, colocados à margem da sociedade). Foi assim então que esta condição passou a ser chamada de alienis mentis, alienação mental. (EÇA, 2010, p.15)

Médicos romanos como Celso, Areteu e Galeno, dissertaram sobre doenças mentais na época, porém não trouxeram o viés jurídico de direitos que essas pessoas detinham.

Os casos que exigiam alguma atitude para essas pessoas, que eram consideradas inimputáveis, baseavam-se em medidas preventivas e auxílio do curador, que zelava pelo bem-estar do considerado enfermo administrando seu patrimônio. Em casos extremos, recorria-se às casas de internação – os Manicômios.

A atenção que o doente mental requeria na época, por vezes não era legítima. No caso de seus curadores, que deveriam visar sua integridade física, mental e gerenciar seus pertences, por vezes, visavam à proteção “não ao incapaz, mas a seus futuros herdeiros, que, como tutores ou curadores, velavam pelo patrimônio que viria a ser deles, e exerciam, em vez de um dever, um verdadeiro poder”. (ALVES, 2008, p. 676).

Isto posto, é evidente a maior importância dada aos bens do mentecapto, do que com sua melhora ou piora de condição psíquica, de fato. Desde os primórdios, o crime sempre foi objeto de atenção para as mais variadas formas de pesquisa.

O mundo criminal, nos desperta muita curiosidade em vista de seu amplo ramo e infinito conhecimento. Quanto mais interessados ficamos sobre um determinado assunto, torna-se maior a sede de pesquisa e desbravamento sob suas mais diferentes óticas. Por essa razão surgiu a Criminologia, que se caracteriza como sendo uma ciência ampla, que engloba o ramo do Direito, na esfera Penal. Ela nos auxilia de modo onde os profissionais avaliam a conduta do sujeito, perante a sociedade.

A Criminologia também possui conexão com múltiplas áreas do conhecimento: Sociologia, Medicina Legal, Psicologia Criminal, Ética, Antropologia e Filosofia. Estabelecendo deste modo, um caráter multidisciplinar. Ou nas palavras de MOLINA:

Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime, contemplado este como problema individual e como problema social, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito (MOLINA, 1999, p.33).

Sua origem etimológica provém do latim crimen (“delito”) e do grego logos (“estudo”), traduzido de maneira literal como o “Estudo do Delito”. Dessa maneira, o estudo da Criminologia consolida-se com enfoque na análise humanística e social do ato da delinquência, suas circunstâncias e vítimas visando compreender a real motivação do criminoso.

Ainda nas palavras de Molina, que demonstra a função e relevância do ramo da Criminologia:

A função básica da Criminologia consiste em informar à sociedade e aos poderes públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos que permita compreender cientificamente o problema criminal, preveni-los e intervir com eficácia e de modo positivo no homem delinquente. A investigação criminológica, enquanto atividade científica, reduz ao máximo a intuição e o subjetivismo, submetendo o problema criminal a uma análise rigorosa, com técnicas empíricas. Sua metodologia interdisciplinar permite, ademais, coordenar os conhecimentos obtidos setorialmente nos distintos campos do saber pelos respectivos especialistas, eliminando contradições e suprindo as inevitáveis lacunas. Oferece, pois, um diagnóstico qualificado e de conjunto sobre o fato delitivo (Molina, 1999, p.107).

Diferentemente do Direito Penal, que normatiza o Poder punitivo do Estado ligando uma conduta ilícita à tutela de suas regras, a Criminologia visa o profundo entendimento das ações e emoções (ou a falta dela), que existe por trás da mente de um psicopata.

Possui foco em pontos como as causas da criminalidade, “a personalidade do delinquente, sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo”, segundo explica Edwin H. Sutherland.

Já o conceito para Nelson Hungria, seria de que a criminologia “ é o estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar a etiologia e tentar a sua debelação por meios preventivos ou curativos”.2

Analisando o posicionamento destes doutrinadores, faz-se perceber que a criminologia, além de analisar o comportamentos e atos do sujeito, também ressalta o caráter de reintegração social do indivíduo, proveniente do fenômeno criminal estudado, possuindo como objeto de estudo o próprio delinquente e os demais fatores ao seu redor.

Portanto, embora pareçam semelhantes, as duas ciências contêm diferenciados campos de atuação; estando o Direito Penal agindo de uma forma mais rígida e repressora, objetivando o bem-estar social e protegendo bens jurídicos essenciais, enquanto a Criminologia pesquisa intimamente os fatores em torno das atitudes motivadoras de um fato ilícito, fundado em possíveis causas de tratamento, com a perspectiva de que o mesmo não retorne a reincidir nestes atos criminais.

O surgimento da Criminologia possibilitou o entendimento do crime de uma forma profunda, buscando a sua real causa. Considerada como sendo um fenômeno social, ela estuda os acontecimentos causado diretamente pelo homem, que na definição de Aristóteles, é considerado um “animal social e político”3.

Desta maneira, o estudo Criminológico a respeito do delinquente, trouxe grandes vantagens às ciências jurídicas, propiciando uma compreensão mais ampla do fato jurídico apresentado, levantando outros pontos considerados relevantes em questão, além do fator legislativo.

Partindo deste viés, através de seu auxílio, ela poderá contribuir na criação de normas mais específicas e eficazes para o Direito, unificando ambos os estudos, a fim de conseguir uma resolução maior de questões oriundas da criminalidade do criminoso da criminalidade.

1.1. ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS

Surgiram inúmeras correntes doutrinárias que apontaram explicar as causas do delito. Para o Direito Penal, na teoria do crime, conceitua-se delito como todo fato típico, ilícito, culpável e punível, adotada majoritariamente partindo do conceito tripartido de crime.

Nas palavras de Nucci (2007, p. 160):

Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuricidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito.

Assim sendo, centraliza-se o indivíduo como principal responsável pela delinquência, onde ele cometerá o ilícito através do verbo “fazer”, na conduta da prática transgressora, ou na omissão do ato que deveria fazer, tipificando conduta omissiva.

Contudo, para algumas correntes da Criminologia, o delito teria causas de cunho amplo, desviando o foco somente na atitude do indivíduo. Tomando assim, formas mais abrangentes, sob um aspecto não de patologia individual, mas sim, social, como defende a corrente da Escola de Chicago.4

A criminologia se divide em três principais Escolas: A escola Clássica (século XVIII), a escola Positiva (XIX) e a escola Sociológica (ao final do século XIX).

A escola Clássica, obteve notoriedade com a publicação do livro de Cesare Beccaria, “Dos delitos e das Penas”. Nele, o autor criticou a legislação vigente na época, que incluía desde tortura, até penas consideradas desproporcionais. Com sua obra, ajudou a difundir o que futuramente se tornariam princípios fundamentais ao estudo do Direito, como por exemplo, o princípio da proporcionalidade, em frases como “[...] Sendo a perda da liberdade uma pena em si, esta apenas deve preceder a condenação na exata medida em que a necessidade o exige”.

A Escola Clássica, foi muito influenciada por princípios do Iluminismo, de forma com que Beccaria, definia que o praticante do delito “rompe com o pacto social”, seguindo os ideais de conceitos contratualistas, implementado pelo filósofo Rosseau. Nesta escola, era de grande valia a tutela jurídica como forma de obediência ao direito, sendo consolidada de uma maneira proporcional ao ato cometido

Já a escola Positiva, tem como principais representantes Cesare Lombroso (1835-1909), Enrico Ferri (1859-1929) e Raffaele Garofalo (1851-1934). Indo em contraponto à escola Clássica que focava no caráter punitivo da Lei, a escola Positiva enfatizou o estudo do crime, com a intenção de buscar sua compreensão e origem para deste modo, cessar a criminalidade.5 A escola Positiva defendia que o homem era um delinquente nato, que possui inclinação para a criminalidade e por vezes não tem domínio sob sua conduta.

Nas palavras de Casoy (2004, p. 13):

A Escola Positivista acredita que os indivíduos não têm controle sobre suas ações; elas são determinadas por fatores além de seu controle, como fatores genéticos, classe social, meio ambiente e influência de semelhantes.

Esta escola reuniu estudos biológicos, sociológicos e antropológicos que determinavam se o infrator possuía influência da genética, aparência física, tatuagens ou ao ambiente em que fora criado, segundo consta a obra de Lombroso, “L’uomo Delinquente”, de 1876. (Em tradução livre: O homem delinquente) acontecimento este que se mostrou equivocado, futuramente.

Por fim, a escola Sociológica, que como o nome alude, possuiu grande influência de pensadores da área da Sociologia, como Émile Durkéim. Baseou-se em preceitos semelhantes à já citada Escola de Chicago.

Em contraponto ao que defendia Lombroso, acredita que o crime se origine através dos fatores sociais, levando em consideração fatores como sexo, classe social, clima e não de patologias individuais. Pautava sua ideologia com base em diversas categorias de delinquência diferentes, como o delinquente nato, passional, imprudente, etc.

Enquanto a escola Clássica usa a lei como forma repressiva e não aponta como causa da criminalidade o sujeito e sim a sociedade e outros fatores externos, a escola Positiva visa localizar a causa não ao meio no qual o sujeito se encontra inserido, mas sim, analisando o próprio indivíduo delinquente.

Já a escola Sociológica já se baseia em fatores sociais e de múltiplos fatores que diferenciam cada indivíduo, colocando-os em uma posição particular. Nas referidas Escolas, podemos observar que elas se destinam a tentar resolver o problema criminal, sob diferentes aspectos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

2.PSICOPATIA

Muito se confunde quando se vem em mente a palavra “psicopata”, ao qual consideramos como loucos, assassinos ou portadores de algum tipo de insanidade mental. De fato, etimologicamente, a palavra psicopata origina-se do grego: “Psyche” (mente) e Pathos (doença), significando assim, doença da mente.

Emprega-se erroneamente, o termo serial killer, como seu sinônimo. Diferente do psicopata, o serial killer possui a compulsão por matar. Podemos dizer que, nem todo psicopata é necessariamente um criminoso, e nem todo criminoso é um serial killer. Porém, todo serial killer demonstra um certo nível de psicopatia.

Num primeiro momento, podemos entrelaçar a imagem do psicopata junto a pessoas reconhecidas notoriamente por atos cruéis, violentos e aparentemente sem escrúpulos, seja como o famoso assassino Edmund Kemper, retratado no seriado “Mindhunters”, o médico canibal Dr. Hannibal Lecter, no filme “O silêncio dos inocentes”, ou até mesmo Adolf Hitler, que através de políticas fascistas, comandou milhões de genocídios, sem piedade alguma por seus atos.

Embora essas pessoas de fato tenham personalizado a crueldade, seja na ficção ou na vida real, não podemos simplesmente denominá-los como psicopatas, como sendo sinônimos de assassinos insanos ou lunáticos.6 A psicopatia não pode ser meramente enquadrada como semelhante a distúrbios mentais homicidas ou com algum grau de insanidade.

Os psicopatas são dotados de racionalidade e consciência sob suas práticas. Escolhem voluntariamente ignorar os demais, entendendo perfeitamente o que fazem ou o que deixam de fazer. Deste modo, há um equívoco entre a distinção do conceito de psicopatia, que não deve ser enquadrado apenas como uma doença psiquiátrica.

Conforme entendem Braghirolli, Bisi, Rizzon e Nicoletto (2003, p. 201):

O termo psicopatia se aplica aos indivíduos de comportamento habitualmente antissocial, que se mostram sempre inquietos, incapazes de extrair algum ensinamento da experiência passada, nem dos castigos recebidos, assim como incapazes de mostrar verdadeira fidelidade a uma pessoa, a um grupo ou a um código determinado. Costumam ser insensíveis e de muito acentuada imaturidade emocional, carentes de responsabilidade e de juízo lúcido e muito hábeis para racionalizar seu comportamento a fim de que pareça correto, sensato e justificado.

O conceito de psicopatia surgiu dentro da Medicina Legal, quando médicos se depararam com o fato de que muitos criminosos agressivos e cruéis não apresentavam os sinais clássicos de insanidade.7

Segundo desenvolvem Soeiro e Gonçalves (2010), as primeiras abordagens quanto a conceituação da psicopatia era muito confusa. A ausência de denominação específica destinada a este grupo gerou muitas designações, como perturbação de carácter (Millon, 1981), perturbação da personalidade antissocial (American Psychiatric Association – APA,1980), perturbação da personalidade dissocial (World Health Organization – WHO, 1965, citado por Gonçalves, 1999) e sociopatia (Partridge, 1930).

Ao longo da história, este transtorno foi conhecido pelos seguintes nomes (Trindade, 2012):

  1. Insanidade sem delírio (Pinel, 1806);

  2. Insanidade moral (Prichard, 1837);

  3. Delinquência nata (Lombroso, 1911);

  4. Psicopatia (Koch, 1891);

  5. Sociopatia (Lykken, 1957).

Em visto disso, muito se discutiu o melhor emprego de um termo apropriado para essa designação específica. Houve definições que possuíam um significado não muito preciso, como exemplo do conceito de perturbação de caráter que se mostrava demasiadamente amplo.

Notou-se, a ausência de uma denominação que conseguisse compreender fatores de personalidade especificando um grupo em particular, de forma que evitasse inclusão de fatores de desordens psíquicas, conforme acentua Jorge Trindade (2012, p.165):

Em realidade, o termo personalidade psicopática, atualmente de uso corrente, foi introduzido no final do século XVIII, para designar um amplo grupo de patologias de comportamento sugestivas de psicopatologia, mas não classificáveis em qualquer outra categoria de desordem ou transtorno mental.

Desta forma, através do trabalho pioneiro desenvolvido por Philippe Pinel em 1801, com a obra Traité médico-philosophique sur l’aliénation mentale ou La manie, deu-se origem a uma observação de características atribuídas a um padrão de indivíduos que demonstravam sinais de agressividade sem possuir quaisquer delírios mentais, dispondo de uma racionalidade perante aos seus atos; o qual os denominou como “manie sans delire”, ou seja, insanidade sem delírio. 8

Esta observação, foi de contraponto aos estudos da época, que determinava que a mente era um fator qualitativo de racionalidade, e com o advento dos estudos de Pinel, se iniciou o questionamento de um indivíduo insano, que não portasse nenhuma confusão mental. A partir desta pontuação do autor, foi dado início a uma apuração mais aprofundada a este perfil em específico.

Conforme complementa historicamente, Oliveira9: Em 1835, em “A treatise on insanity and other disorders affecting the mind” o britânico J. C. Prichard aceitou a teoria de Pinel acerca do “manie sans delire”; entretanto, dissentiu sobre a moralidade neutra deste transtorno (a qual Pinel acreditava), tornando-se um dos expoentes a crer que tais comportamentos significavam um repreensível defeito de caráter, que merecia condenação social. Além disso, ele abrangiu o escopo da “síndrome” original, criando o rótulo “insanidade moral”, incluindo, então, uma vasta gama de outras condições mentais e emocionais.

De acordo com Prichard, todos estes pacientes compartilhavam um defeito no poder de se guiar de acordo com os “sentimentos naturais”, isto é, um intrínseco e espontâneo senso de retidão, bondade e responsabilidade. Aqueles que tinham tal condição eram seduzidos, apesar de suas habilidades de entender suas escolhas, por um “sentimento superpoderoso”, que os conduzia a praticar atos socialmente repugnantes, como, por exemplo, crimes. Observou, portanto, a carência de sentimentos, a falta de autodomínio e ausência de todo sentimento ético de alguns de seus pacientes, determinando, então, os principais traços destas personalidades.

Outro importante instrumento de estudo da época, foi a obra de Hervey Cleckley, que lançou “The mask of sanity”, em tradução, Máscara da Sanidade. Título este, que faz alusão à duplicidade comportamental contida nos traços de um psicopata, que por vezes aparenta ser uma pessoa comum.

Cleckley (1941) descreveu de forma detalhada as características mais frequentes do que atualmente chamamos de psicopata. Após análise do quadro clínico de seus pacientes, ele citou algumas características para a “síndrome da psicopatia” tais como: problemas de conduta na infância, inexistência de alucinações e delírios, impulsividade e ausência de autocontrole, notável inteligência, falta de sentimento de culpa ou vergonha, dentre outros (GUIMARÃES, 2005). 10

Através do aperfeiçoamento dos presentes estudos, o estudioso Schneider (1923/1955) classificou as personalidades psicopáticas em 10 categorias distintas:

Tabela 1- Categoria de Personalidades Psicopáticas de Schneider 11:

Categoria de Personalidades Psicopáticas de Schneider

1) Hipertímicos: São aqueles que têm vocação para as disputas, os escândalos, as brigas familiares e também no trabalho. Seu modo de ser oscila, estando às vezes tranquilos e calmos e em outros momentos ficam extremamente furiosos.

2) Depressivos: São aqueles que apresentam como característica o mau humor, o pessimismo e a desconfiança. Eles permanecem num estado de ânimo depressivo. São de pouca criminalidade, mas propensos ao suicídio.

3) Inseguros: São aqueles que não possuem confiança em si próprio e se sentem inferiores perante as outras pessoas. São sensitivos, pessimistas, possuem ideias obsessivas e algumas fobias.

4) Fanáticos: São aqueles que mesmo possuindo uma intelectualidade limitada e ideias confusas, estão propensos a liderar grandes grupos de pessoas em épocas em que o político-social se encontra instável, encontrando-se aí a sua periculosidade. Não costumam ficar imparciais diante de fatos, tomando sempre partida de um dos lados, muitas vezes se exaltando em assuntos estranhos.

5) Carentes de valor: Sua principal característica é que eles gostam de se demonstrar mais do que são e muitas vezes chegam a acreditar nas suas próprias mentiras. “Fazem parte do grupo dos petulantes, fanfarrões, exibicionistas e presunçosos, com extrema labilidade afetiva, teatralidade e exaltação”

6) Lábeis de humor: São aqueles que possuem um estado de ânimo que oscila desproporcionalmente entre as crises de depressão e de irritação, sendo muito perigosos nessa fase impulsiva.

7) Explosivos: São diferentes dos hipertímicos e dos histéricos, pois nestes a irritabilidade é apresentada como uma forma de agir, enquanto que neles há um excesso de irritabilidade da afetividade e do humor, seguida de uma tensão violenta. Mas a alta periculosidade se concentra nos histéricos, que nos picos da irritação cometem crimes passionais, homicídios. Possuem um casamento instável e no tocante à educação de seus filhos, agem de maneira inadequada.

8) Apáticos: Sua característica mais marcante é o fato de não possuírem sentimentos de amor, afeto, de carinho, de simpatia, sendo capazes de cometer várias ações antissociais como o roubo, a fraude, o estelionato, o homicídio, a prostituição, entre outras. Essas anormalidades que eles possuem são herdadas desde a infância, quando já praticavam atos de crueldade e a delinquência já os dominavam. O tratamento desse tipo de psicopata tem se demonstrado insuficiente e o seu confinamento em unidades carcerárias tem piorado ainda mais o quadro desses indivíduos.

9) Instintividade débil: São aqueles que não possuem iniciativa, ou seja, quando começam a desenvolver uma atividade não chegam a terminá-la, abandonando-a logo, não conseguindo se fixar numa só coisa. São indivíduos propensos ao homossexualismo, ao alcoolismo, a vagabundagem e aos tóxicos. São inquietos, intransigentes e indecisos, não sabem o que realmente querem.

10) Asténicos: São aqueles que possuem uma tendência ao alcoolismo, aos tóxicos, a depressão e ao suicídio. São influenciados por outros e às vezes agem por indução a determinados crimes. Muitas vezes são confundidos com hipocondríacos. Essas características fazem parte do tipo clássico desse psicopata, mas podem existir algumas formas mistas ou ainda formas associadas a alguma doença mental, ou seja, além da psicopatia esses indivíduos possuem uma enfermidade.

A tradição clínica apoiou-se basicamente em estudos de casos de criminosos e pacientes psiquiátricos, com o uso de entrevistas e observações como fontes principais de dados para a descrição do fenômeno e a hermenêutica clínica como método de análise dos dados.12

A evolução científica do conceito apresentou vários percursos determinados por aspectos sociais, morais e estereótipos associados à comunidade científica. (Gonçalves, 1999).

A designação objetiva do termo, se constituiu de uma forma essencial no que tange toda a estrutura por trás dos diagnósticos mais precisos, investigações de crimes e também análises estudantis associadas à personalidade psicopática. Nas palavras de Trindade (2012, p. 179):

Mesmo que a psicopatia seja considerada uma patologia social (pelo sociólogo), ética (pelo filósofo), de personalidade (pelo psicólogo), educacional (pelo professor), do ponto de vista médico (psiquiátrico) ela não parece configurar uma doença no sentido clássico, sendo que atualmente há uma tendência universal de considerar os psicopatas como plenamente capazes de entender o caráter lícito ou ilícito dos atos que pratica e de dirigir suas ações.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) através da Classificação Internacional de Doenças, mais conhecida pela sigla CID-10, delimitou através dos códigos F00 a F99, a classificação onde poderemos diferenciar os transtornos mentais dos transtornos comportamentais.

Sabemos que o psicopata, não denota nenhuma anormalidade mental, mas sim, comportamental. Em vista disso, sob o código F60 da CID13, veremos a descrição dos transtornos específicos da personalidade:

Trata-se de distúrbios graves da constituição caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo, não diretamente imputáveis a uma doença, lesão ou outra afecção cerebral ou a outro transtorno psiquiátrico. Estes distúrbios compreendem habitualmente vários elementos da personalidade, acompanham-se em geral de angústia pessoal e desorganização social; aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência e persistem de modo duradouro na idade adulta. (CID F60) (Grifo nosso)

No que tange aos Transtornos específicos da Personalidade Antissocial (TPAS), define-se o código F60.2, ao Transtorno da Personalidade Dissocial, que é o mais se assemelha as características da psicopatia. Temos a seguir, sua descrição:

Transtorno de personalidade caracterizado pelo sentimento de desprezo por obrigações sociais ou falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade. (CID F60.2) (Grifo nosso)

Neste contexto, podemos notar a diferença entre a psicopatia e outros transtornos comumente mais conhecidos, que possuem algum grau de alucinação, delírio, ou sofrimento mental como característica, como exemplo: Transtorno da Personalidade Paranoica, Psicose, Epilepsia, etc.

Desta maneira, como foi exibido acima e conforme o psiquiatra brasileiro Eça (2010, p.282) afirma, a psicopatia não é exatamente um problema mental, no sentido da loucura, sobre a qual estávamos acostumados a pensar, considerando-a como um distúrbio qualitativo; trata-se isto sim, de uma zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, pois, na prática, os pacientes não apresentam quadros produtivos, com delírios ou alucinações, tampouco perdem o senso da realidade, alterando-se somente a quantidade de reações que eles apresentam.

Para Barbosa (2008, p.114), existem basicamente três correntes dispondo sobre psicopatia e buscando sua conceituação. A primeira delas trata a psicopatia como uma doença mental. A segunda elenca como uma doença moral, enquanto a terceira a considera como transtorno de personalidade, sendo esta última, majoritária.

Contudo, muitos profissionais da psiquiatria não concordam esta primeira corrente, considerada muito conservadora, por conta da consciência que os psicopatas demonstram sob seus atos, que não possuem a cognição e partes neurológicas afetadas.

Sob a segunda corrente, pontua Hales (2006, p. 771) que a considera como “doença moral”, em virtude da inabilidade de entendimento dos aspectos sociais e jurídicos acerca de sua conduta. Já a terceira corrente, majoritária, entende que deve ser considerada as características da pessoa, elencado em distúrbios de personalidade, como já mencionadas pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V).

A psicopatia se estabelece como um transtorno que têm por características as contínuas atitudes antissociais do indivíduo. Ele não é necessariamente sinônimo de criminalidade, mas os portadores podem ter uma forte inclinação para práticas delituosas, por conta da dificuldade que possuem quanto o cumprimento de normas sociais impostas.

Pode também haver irritabilidade persistente como um aspecto associado. Transtorno de conduta durante a infância e a adolescência, ainda que não invariavelmente presente, pode dar maior suporte ao diagnóstico (OMS, 1993, p. 199-200). 14

Concluindo o conceito de psicopata, seduzir e atacar uma “presa’’ é o seu único e principal objetivo, tornando-se, em outras palavras, predadores sociais. (BARBOSA, 2008).

Sendo assim, podemos determinar que a psicopatia, ou personalidade psicopática, deriva de uma condição psicológica desequilibrada a qual se origina através da mudança de personalidade ou imaturidade.

São seres que possuem uma propulsão a agirem de forma agressiva, fria e com base em seus próprios interesses pessoais. Em suas atitudes, inexiste uma compreensão clara de empatia com o próximo.

2.1 CARACTERÍSTICAS

Nesta parte da pesquisa, iremos relacionar as variadas características expostas por especialistas, acerca da personalidade psicopática.

Observamos que a psicopatia é um distúrbio erroneamente associado às pessoas doentes mentais ou insanas. Mentir, trapacear e manipular são talentos inatos dos psicopatas. Com uma imaginação fértil e focada sempre em si próprios, os psicopatas também apresentam uma surpreendente indiferença à possibilidade de serem descobertos em suas farsas. (SILVA, 2004, p.71).

Além da inabilidade de sentimentos, possuem a manipulação, como sendo um traço forte em sua conduta. Trazendo consigo, a tendência para infração do direito dos demais uma peculiaridade notável, já que eles não se importam em cumprir normais sociais e tampouco sentem culpa ou remorso por isso ou pela reação de outras pessoas.

Cleckley, (1941) em seu trabalho Máscara da Sanidade, observou com base em 15 pacientes distintos, as principais características associadas à psicopatia, sendo elas:

Tabela 2- Características de Hervey Cleckey15

Características de Hervey Cleckey (1941/1988, p. 338-339)

1) Carisma superficial e boa inteligência

2) Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional

3) Ausência de manifestações psiconeuróticas

4) Desonestidade

5) Mentira

6) Falta de remorso ou culpa

7) Comportamento antissocial

8) Juízo pobre, dificuldade em aprender com a experiência

9) Egocentrismo patológico e incapacidade de amar

10) Pobreza em reações afetivas maiores

11) Déficit específico de insight

12) Irresponsabilidade em relações interpessoais

13) Comportamento fantasioso e desagradável sob efeito de álcool (às vezes sem)

14) Rara ocorrência de suicídio

15) Vida sexual superficial, trivial e fracamente integrada

16) Fracasso em seguir um projeto de vida

Compreendemos que na visão de Cleckley, em referência à estas características acima mencionadas, podemos delinear que em virtude do psicopata não conseguir estabelecer relações interpessoais consideradas normais com outras pessoas, isso teria relação direta com a existência de eventuais comportamentos antissociais apresentados ao longo da vida.

Um psicopata, pode facilmente fingir sentir emoções, somente para se sentir incluso em meio, por exemplo; ou conseguir algo para benefício próprio, utilizando o domínio de emoções que o mesmo não sente, almejando um objetivo específico.

No que se refere as características físicas, conforme demonstra Ilana Casoy (2004), 84% dos assassinos em série acometidos por psicopatia são caucasianos, 93% são do sexo masculino, 65% das vítimas são mulheres, 89% das vítimas são caucasianas e 90% possuem idade entre 18 e 39 anos.

Ainda sob este transtorno, a Associação Americana de Psiquiatria, alude que ele é mais habitual entre as pessoas do sexo masculino do que as do sexo feminino, estimando-se que a média geral seja de aproximadamente 3% em homens e 1% em mulheres.

Abusos na infância também constam como traços semelhantes entre os psicopatas, que por vezes podem maltratar animais ou serem portadores algum tipo de parafilia. A aparição precoce do comportamento antissocial (infância e adolescência) é um forte indicador de problemas transgressores e criminalidade no adulto. (SILVA, 2008, p. 85).

( ...)Seus atos criminosos não provêm de mentes adoecidas, mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com uma total incapacidade de tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e com sentimentos. Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos.

Um fato importante acerca do assunto que deverá ser observado, é o contexto familiar no qual a pessoa está inserida. As atitudes de um psicopata, iniciam-se muitas vezes na infância, tendo histórico de abusos sexuais, os quais realizados pelos pais ou por parentes próximos.

Segundo alguns autores relatam, essa psicopatologia pode se manifestar em crianças órfãs, adotadas, as quais viviam em ambientes onde passavam necessidades ou presenciavam atos agressivos e violentos com normalidade.

Atingindo por volta de 4% da população mundial, este transtorno poderá ser identificado já na infância ou adolescência. Segundo consta uma análise comparativa de psicopatas, todos apresentam características em comum neste período, como: auto estima baixa, isolamento social ou familiar, problemas para dormir, mentiras crônicas, fobias, masturbação compulsiva, piromania (mania de atear fogo), morte de animais de estimação, acessos de raiva e roubos, entre outros. É comumente mais frequente em homens. 16

Os laços familiares, que servirão de base para todas as demais relações. De três a nove meses de vida a criança cria laços com os pais, e estes, devem se interessar/preocupar em edifica-los de forma extrema, pois, a falta desses laços é um enorme fator do desenvolvimento da psicopatia. 17

Preliminarmente dentro deste âmbito, poderemos examinar a psicopatia em duas esferas: a Primária, e a Secundária. Na psicopatia primária, alude Jorge Trindade (2009, p.68-69) que ela deriva de deficiências biopsíquicas, ou seja, encontra-se como um fator biológico; vindo este a se desenvolver conforme o indivíduo cresce, atinente em sua personalidade.

Já a psicopatia secundária, relaciona-se com a decorrência de aprendizagem psicossocial, ou seja, experiências negativas ou do ambiente no qual a pessoa está inserida, geralmente tendo as primeiras causas na infância, conforme abordou-se anteriormente e desenvolvendo-se gradativamente ao longo da vida. Possuem personalidade mais introvertida, dependente e depressiva.

Conforme exemplificam JOAQUIM e CONCEIÇÃO no quadro abaixo:

Tabela 3- Psicopatas Primários e Secundários18

1 - Os Psicopatas Primários, caracterizados por traços impulsivos, agressivos, hostis, extrovertidos, confiantes em si mesmos e baixos teores de ansiedade. Neste grupo se encontram, predominantemente, as pessoas narcisistas, histriônicas, e anti-sociais. Sua figura pode muito bem se identificar com personalidades do mundo político.

2 - Os Psicopatas Secundários, normalmente hostis, impulsivos, agressivos, socialmente ansiosos e isolados, mal-humorados e com baixa auto-estima. Aqui se encontram anti-sociais, esquizóides, dependentes e paranóides. Podem ser identificados como líderes excêntricos de seitas, cultos e associações mais excêntricas ainda.

Isto posto, as autoras relatam que existem diferentes tipos de psicopatia e que elas possuem traços em comum, porém o Psicopata Secundário demonstra maior probabilidade de apresentar uma ansiedade social e um “critério mais amplo de borderlines da personalidade”.

Do ponto de vista psicológico, pode-se afirmar que o psicopata primário atua, invariavelmente, de maneira intencional e direta para maximizar seu ganho, prazer ou excitação, enquanto que o psicopata secundário age tipicamente como revanche, ou seja, reage em face de circunstâncias que exacerbam seus conflitos interiores, de natureza neurótica. (Trindade, 2009)

Millon (1998), desenvolveu uma subtipologia para os psicopatas em sua análise, que embasada no comportamento dos transtornos de personalidade, os classificou como:

Tabela 4 – Características de Millon19

Características de Millon (1998)

Psicopata Explosivo: Possuem uma agressividade forte, impulsos incontroláveis e são vingativos quando expostos a algo adverso ao que acredita).

Psicopata Carente de Princípios: Associado à personalidade narcisista - agem com arrogância e em toda oportunidade pretendem obter vantagem das pessoas;

Psicopata Malévolo: São pessoas destrutivas, vingativas e paranoicos. Acreditam que serão traídos a qualquer momento, e sentem prazer no sofrimento alheio;

Psicopatas Dissimulados: Transpõem frustrações e culpa em terceiros, sentem necessidade de aprovação e se confrontados são agressivos e vingativos;

Psicopata Ambicioso: Apresenta forte sentimento de retribuição, amor e reconhecimento, possui inveja de posses e alheias e acha que o destino não lhe deu o que é devido);

A Psicopatia é, muitas vezes, confundida com a Perturbação de Personalidade Antissocial dada à similaridade de conceitos, embora ambas denominações não sejam sinônimas.

Na psicopatia, se compreende a respeito do foro emocional, como a falta empatia e importância pelos sentimentos dos outros, enquanto o transtorno de personalidade, se aproxima mais da parte comportamental, como pela ação de comportamentos delinquentes.

Neste aspecto, também são ligados os sociopatas, o qual possuem sutis diferenças. Por exemplo, o sociopata tende a ficar nervoso mais facilmente e possuem acessos de raiva e atitudes mais espontâneas e impulsivas

Ambos dispõem o chamado Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), descrito atualmente pelo DSM-5 (TRINDADE, 2012, p.161). Entretanto, isso não significa que quem possui esse transtorno, inevitavelmente será um psicopata ou sociopata.

Para alguns especialistas, como Robert Hare, a diferença entre a psicopatia e a sociopatia consiste basicamente na origem do transtorno, sendo a sociopatia originando-se de uma maneira mais social, ou seja, a partir do meio no qual o indivíduo está inserido, como quem “aprendeu” a cometer atos ilícitos ou violentos, tal qual um ambiente de baixo nível econômico.20

2.2. CLASSIFICAÇÃO

As classificações da psicopatia, tanto na CID-10 quanto no DSM-V, se constituíram com base nos estudos do já mencionado Cleckley. Cada manual, possui algumas diferenças no que tange a forma de categorização do psicopata. Observaremos a seguir suas distinções.

Para o DSM, são considerados a presença de pelo menos três critérios dos fatores citados, apresentados de forma assídua, presentes desde os 15 anos de idade, sendo eles:21

Tabela 5 - Critérios Diagnósticos do Transtorno da Personalidade Antissocial 301.7 (DSM)22

Critérios Diagnósticos do Transtorno da Personalidade Antissocial 301.7 (DSM)

(1) Incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção

(2) Propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer

(3) Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro

(4) Irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas

(5) Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia

(6) Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou de honrar obrigações financeiras

(7) Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém

Para a CID, a psicopatia caracteriza-se como um Transtorno de Personalidade que dificulta o comportamento relativo às normas sociais predominantes, de modo que o indivíduo apresente:

Tabela 6- Transtorno de Personalidade Antissocial – F60.2 (CID-10)23

Transtorno de Personalidade Antissocial – F60.2 (CID-10)

1) Indiferença insensível pelos sentimentos alheios

2) Atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais

3) Incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em estabelece-los

4) Muito baixa tolerância à frustração e um baixo limiar para descarga de agressão, incluindo violência

5) Incapacidade de experimentar culpa ou de aprender com a experiência, particularmente punição

6) Propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que levou o paciente a conflito com a sociedade

Para ambos os manuais, observa-se que são associadas característica negativas para à psicopatia. Os critérios do DSM, são caracterizados por observações comportamentais.

Podemos dizer que a psicopatia é compreendida como uma alteração do comportamento que deriva de anomalias da personalidade ou de estados de incapacidade do indivíduo em relação a si próprio ou ao ambiente que está incorporado. Portanto, é a personalidade que está irregularmente estruturada. (FONSECA, 1997, p.201)

Inerente neste sentido, também podemos caracterizar alguns níveis de psicopatia com base em seus comportamentos. São denominados com três níveis/graus diferentes, sendo eles: Leve, Moderado ou Grave.

Tabela 7- Graus/Níveis da Psicopatia24

Graus/Níveis da Psicopatia

No Grau Leve: Se enquadram os psicopatas que frequentemente mentem, gostam de causar discórdia possuem uma boa lábia. São o tipo mais comum entre os demais, porém difíceis de serem reconhecidos, por serem sociáveis e imperceptíveis na sociedade. Dificilmente vão para à cadeia, e se vão possuem bom comportamento, enganando a todos. Geralmente são muito inteligentes e com um alto grau de manipulação e frieza quanto as outras pessoas.

No Grau Moderado: Eles são impiedosos e não medem esforços para atingir seus objetivos, não se importando com qualquer obstáculo. Em relação ao grau leve, mostram-se um pouco mais elevados pelo sentimento de contemplação que possuem ao verem o sofrimento alheio.

Já no Grau Grave: Estão elencados os criminosos brutais, que por vezes são chamados de assassinos em massa, ou serial killers. São sádicos, não tem sentimentos por nada nem ninguém, geralmente possuem comportamentos rebeldes como abuso de drogas, estelionato e vandalismo. Podem ser acometidos com doenças como ansiedade, depressão e distúrbios de personalidade, e sentem um grande vazio que preenchem com condutas estimulantes e proibidas. Geralmente apresentam sintomas desde a infância, sofrem com traumas e possuem dificuldade para terminar o que começam.

Em relação aos parâmetros deste transtorno, e como forma alternativa de avaliação além dos já citados CID e DSM, não podemos deixar de abordar o Teste de Psicopatia de Hare (PCL-R), ou do inglês, Hare’s Psychopathy Checklist.25

Este teste foi elaborado para avaliar de maneira direta, o nível de psicopatia no indivíduo, apontando conjuntamente a isso, seu grau de periculosidade e chance de readaptação em sociedade no caso de prisioneiros já condenados. Dedicado há mais de três décadas aos estudos da psiquiatria, a escala criada e desenvolvida pelo influente professor canadense Robert Hare, se consolida como um dos instrumentos mais respeitados do mundo.

Em seu uso clínico, ela funciona classificando 20 itens específicos. Cada item, recebe uma pontuação dentro da escala (sendo 0, 1 ou 2) e segue como norma dois fatores: 1) Os aspectos ligados aos sentimentos e relacionamentos 2) Os aspectos ligados ao comportamento e estilo de vida. A somatória quantificará a gravidade da psicopatia de um indivíduo.

Tabela 8- Aspectos de Robert Hare26

1) Aspectos ligados aos sentimentos e relacionamentos interpessoais

2) Aspectos ligados ao estilo de vida e comportamento antissocial27

Eloquente e Superficial

Impulsivo

Egocêntrico e Grandioso

Fraco Controle do Comportamento

Ausência de Remorso ou Culpa

Necessidade de Excitação

Falta de Empatia

Falta de Responsabilidade

Enganador e Manipulador

Problemas de Comportamento Precoce

Emoções ‘’Rasas’’

Comportamento Adulto Antissocial

No aspecto 1, relacionado aos sentimento e relacionamentos interpessoais, podemos observar características inatas aos psicopatas propriamente ditos. Já no aspecto 2, associada aos traços de comportamentais, vemos peculiaridades mais inclinadas de um perfil psicopático mais agressivo, com violência impulsiva e forte tendência à criminalidade.

Com a Escala Hare o diagnóstico da psicopatia é o método mais confiável e indispensável e que somente pode ser realizada por profissionais da área de saúde mental, desde que, esteja treinado e ambientado para a realização desta. A Escala Hare estuda de uma forma mais detalhada os diversos ângulos da personalidade psicopática, desde os ligados aos sentimentos e relacionamentos interpessoais até o estilo de vida e a convivência com a sociedade. (SILVA, 2008, p. 67-68)

A fim de que o diagnóstico através da escala de Hare seja concreto, é necessário que o sujeito se inclua na maioria dos sintomas explicitados acima, possuindo um perfil específico ao qual é enquadrado, analisando também todo o seu contexto.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas à Banca Examinadora da Faculdade de Direito.Orientadora: Christiane Schmidt

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos