A relação entre o poder judiciário e os atos administrativos punitivos do Procon

Exibindo página 1 de 3
Leia nesta página:

Resumo: Este artigo apresenta uma análise da intervenção do Poder Judiciário aos atos administrativos punitivos, consistentes em multas, aplicados pelo PROCON, verificando a possibilidade dessa intervenção afetar a eficácia desses atos. Objetiva-se realizar um estudo sobre a interferência do Poder Judiciário nas decisões administrativas do PROCON, que acabam tornando ineficazes essas decisões e, ainda, criando uma imagem negativa da autarquia e subordinada ao Poder Judiciário. A realização deste artigo demonstra a importância da existência do PROCON e de sua efetiva atuação, sendo que sua eficácia prejudicada atingirá diretamente toda a sociedade, visto que dificilmente uma ilegalidade praticada em detrimento de apenas um consumidor, não revele uma dimensão coletiva e, do ponto de vista jurídico, vê-se a importância da existência do órgão administrativo, sendo dotado de especialidade, diminuindo as demandas consumeristas judiciais e solucionando os conflitos consumeristas de forma mais célere. Sendo assim, a reforma das decisões administrativas pelo Poder Judiciário ocasiona a perda da eficácia do ato administrativo, anteriormente pretendida pelo PROCON, na medida que sua aptidão para produzir seus efeitos de punição, educação e prevenção ficam prejudicados com as reformas realizadas, causando diretamente a ineficácia de todo o sistema do PROCON.  

Palavras chave:  Consumidor. PROCON. Penalidade. Administração. Intervenção. Mérito.


 1.INTRODUÇÃO

 O PROCON é uma autarquia atuante como mecanismo propiciador de especialidade, agilidade e facilidade ao atendimento das demandas consumeristas, sendo dotado de características que permitem sua autonomia em diversos aspectos.

Apesar dessa autonomia, e em razão de princípios existentes no ordenamento jurídico brasileiro, as decisões das demandas consumeristas prolatadas em sede administrativa pelo PROCON podem ser revistas, de forma limitada, pelo Poder Judiciário. Dessa forma, o presente artigo tem como tema: “A Relação Entre o Poder Judiciário e os Atos Administrativos Punitivos do PROCON”.

Nessa perspectiva, tem-se como problema: A intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos punitivos do PROCON pode afetar sua eficácia?

Considerando a expressa possibilidade de revisão e pretendendo responder tal questionamento tem-se como hipótese que a intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos punitivos do PROCON pode afetar sua eficácia, na medida que sua aptidão para produzir seus efeitos de punição, educação e prevenção ficam prejudicados com as reformas realizadas.

Este artigo tem como objetivo geral realizar um estudo sobre a interferência do Poder Judiciário nas decisões administrativas prolatadas pelo PROCON, que acabam tornando ineficazes essas decisões e ainda, criando uma imagem negativa da autarquia e subordinada ao Poder Judiciário.

Quanto à justificativa, pode-se dizer que a realização deste artigo demonstra a importância da existência do PROCON e de sua efetiva atuação, sendo que sua eficácia prejudicada atingirá diretamente toda a sociedade, visto que dificilmente uma ilegalidade praticada em detrimento de apenas um consumidor, não revele uma dimensão coletiva.

Do ponto de vista jurídico, entende-se o PROCON como uma entidade criada para solucionar conflitos entre os consumidores de forma célere, eficiente e satisfativa, considerando os princípios e critérios que estão distribuídos na legislação brasileira. Ocorre que esta solução de conflitos, que resulta em uma decisão administrativa, nem sempre possui condições de exercer a sua eficácia já que, muitas delas, acabam sendo revisadas e modificadas pelo Poder Judiciário, trazendo um descrédito na atuação do PROCON, pois as pessoas acabam tendo a compreensão de que este órgão administrativo não é resolutivo, já que irá prevalecer o resultado da decisão judicial sobre o caso.

Em relação ao referencial teórico, são pressupostos deste artigo o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal, visto serem veículos normativos que introduzem no ordenamento jurídico as normas pertinentes à relação de consumo e à defesa do consumidor; além disto, também foi utilizada a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Hely Lopes Meirelles no que se refere às explicações do Direito Administrativo, serviços públicos, atos administrativos, e jurisprudências colacionadas ao artigo.

No que tange à metodologia, o artigo fundamentou-se no método dedutivo, visto que utilizou-se de uma análise das legislações específicas que tratam sobre a questão do PROCON e o consumidor para, ao final, estabelecer uma relação entre as decisões administrativas e as decisões judiciais de forma a interferir na eficácia das primeiras. Também foi utilizada uma pesquisa bibliográfica, com consultas a diversos materiais, em fontes primárias a exemplo da Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor, o Decreto n° 2.181/97 e as fontes secundárias, a exemplo da doutrina e artigos. Em relação à coleta de dados, estes foram colhidos através de fichamentos, resumos, seleção de textos e materiais literários.


2. ATOS ADMINISTRATIVOS PUNITIVOS DO PROCON         

O ato administrativo é uma espécie do gênero do ato jurídico, sendo a expressão do exercício da função executiva da Administração Pública. Segundo Hely Lopes Meirelles: 

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.[2] 

Dessa forma, para caracterização do ato administrativo é necessário que a vontade emane da Administração Pública (por meio de seus agentes ou por aqueles dotados de prerrogativas públicas), com o fim de atender ao interesse público.

Os atos administrativos possuem cinco elementos formadores, que são requisitos de validade, sem os quais a sua manutenção restará juridicamente prejudicada, podendo, assim, ocasionar a sua invalidação. Hely Lopes Meirelles os classifica como competência, finalidade, forma, motivo e objeto.[3]

Os requisitos podem ser conceituados como: competência: poder legal conferido ao agente para desempenho das atribuições; finalidade: o ato administrativo deve se destinar ao interesse público; objeto: é aquilo que o ato determina; forma: é o modo de exteriorização do ato; e motivo: é a exposição da razão que justifica o ato administrativo.

A espécie de ato administrativo que permite a Administração Pública aplicar penalidades como multas, interdição de atividades, destruição de coisas, etc, classifica-se como ato administrativo punitivo. Meirelles conceitua como:

Atos administrativos punitivos são os que contêm uma sanção imposta pela Administração àqueles que infringem disposições legais, regulamentares ou ordinatórias dos bens ou serviços públicos. Visam a punir e reprimir as infrações administrativas ou a conduta irregular dos servidores ou dos particulares perante a Administração.[4]

Estes atos fazem parte do poder de polícia conferido à Administração, possibilitando-a coibir e prevenir ilícitos administrativos.

Os atos administrativos estão sujeitos a três planos lógicos distintos: existência ou perfeição, validade e eficácia.

Alexandre Mazza conceitua o plano da existência ou da perfeição como “o cumprimento do ciclo de formação do ato”; determinando que “o plano da validade envolve a conformidade com os requisitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico para a correta prática do ato administrativo”; e leciona que “o plano da eficácia está relacionado com a aptidão do ato para produzir efeitos jurídicos”.[5]

Sendo assim, o ato perfeito é aquele que preenche todas as etapas de sua formação; o ato válido é aquele que preenche todos os requisitos legais e regulamentares; e o ato eficaz é aquele que está apto a produzir todos os efeitos jurídicos e administrativos.

Os atos administrativos podem ser ainda classificados quanto ao grau de liberdade, se dividindo em vinculados e discricionários. Alexandre Mazza classifica os atos vinculados como “aqueles praticados pela Administração sem margem alguma de liberdade, pois a lei define de antemão todos os aspectos da conduta” e os atos discricionários como aqueles “praticados pela Administração dispondo de margem de liberdade para que o agente público decida, diante do caso concreto, qual a melhor maneira de atingir o interesse público”.[6]

Assim, os atos administrativos vinculados são aqueles que a lei determina obrigatoriamente a prática do ato e seu conteúdo também está exatamente previsto em lei, enquanto os atos administrativos discricionários são aqueles que se permite uma análise subjetiva através das valoração dos fatos.  

Segundo Hely Lopes Meirelles a atividade discricionária é justificada em virtude da impossibilidade do legislador catalogar na lei todos os atos que a prática administrativa exige.[7]

Dessa forma, tendo em vista ser impossível a previsão legal do valor de multa aplicada aos infratores da legislação consumerista em cada caso concreto, cabe ao PROCON, graduar essas sanções, observando os critérios previstos na lei, caracterizando-as como atos discricionários.

Exemplificando, pode-se dizer que quando a lei prevê um limite mínimo e máximo para gradação da sanção entre R$ 1.000,00 (um mil reais) e R$ 100.000,00 (cem mil reais), a autoridade administrativa deverá analisar os fatos, do caso concreto e decidir de acordo com os critérios previstos na legislação, qual o valor adequado da multa, sendo, então, a escolha da gradação da multa, discricionária.

No entanto, de acordo com princípios constitucionais, quais sejam, da Inafastabilidade de Jurisdição e do Duplo Grau de Jurisdição, quem sentir que seu direito está sendo ameaçado ou violado, poderá recorrer ao Poder Judiciário, em primeira e segunda instâncias. 


3. PRINCÍPIOS DA INAFASTABILIDADE DE JURISDIÇÃO E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO                    

Como já foi tratado anteriormente, não há que se falar em instância superior administrativa revisora das decisões administrativas das autarquias, em razão de não haver subordinação entre elas e a Administração Pública, e sim vinculação, por meio da qual a Administração apenas verifica o cumprimento das funções que lhe foram atribuídas, realizando controle finalístico.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No entanto, a Constituição Federal vigente consolidou, em seu artigo 5°, inciso XXXV, o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”[8]

Esse princípio, plasmado na Constituição, viabiliza ao cidadão o direito de invocar a atividade jurisdicional, por todo aquele, pessoa física ou jurídica, que o direito foi violado ou ameaçado de violação.

O legislador constitucional elencou esse princípio como um direito fundamental e será aplicável a todos, sem distinção. Nesse sentido, Pedro Lenza dissertou que “apesar de ter por destinatário principal o legislador (que ao elaborar a lei não poderá criar mecanismos que impeçam ou dificultem o acesso ao judiciário), também se direciona a todos, de modo geral.”[9]

Destarte, o Poder Judiciário pode imiscuir-se na análise da legalidade e legitimidade de um ato praticado pela Administração Pública, tendo em vista que a legislação não limita o detentor desse direito, ao contrário, o traz como direito fundamental. É possível entender, também, que não há obrigatoriedade do exaurimento da instância administrativa para que o Poder Judiciário seja acionado, pois essa condição estaria limitando o acesso ao Judiciário e a expressa previsão legal constitucional.

Ao se tratar do Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional é imprescindível tratar do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição. A Constituição não possui previsão expressa sobre esse princípio. No entanto, com o Decreto n° 678/92 houve a incorporação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, que prevê o “direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.”[10]

Esse princípio possibilita, por via de recurso ou automaticamente, no caso de remessa necessária, que as decisões jurídicas de primeiro grau sejam revistas nas instâncias hierarquicamente superiores. Associa-se o duplo grau de jurisdição a uma possibilidade de reexame da causa, em regra, por órgão de hierarquia superior.

Para Oreste Nestor Laspro, “o duplo grau deve ser conceituado como aquele sistema jurídico em que, para cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo a segunda em relação à primeira.”[11]

Esse sistema jurídico possibilita o reexame de apreciação de determinada causa, por outro órgão, colegiado de instância superior, efetivando a garantia de um segundo julgamento, de modo a substituir a decisão anterior.

O direito previsto nessa Convenção pode ser agregado aos direitos brasileiros em razão da previsão do parágrafo 2°, do artigo 5°, da Constituição, que prevê que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.[12] E, neste caso, o Brasil é signatário desta Convenção.

Em decorrência disto, as garantias previstas nesta Convenção passam a integrar o rol dos direitos e garantias protegidas constitucionalmente, por expressa previsão da própria Carta Magna.

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, lecionam que as garantias previstas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos "integram, hoje, o sistema constitucional brasileiro, tendo o mesmo nível hierárquico das normas inscritas na Lei Maior.”[13]

Sendo assim, o disposto nos tratados internacionais, que versarem sobre Direitos Humanos, em que o Brasil seja parte estarão no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais expressas, passando a ser considerados como se estivessem expressos na Constituição e não no âmbito da legislação ordinária.

O insatisfeito com a decisão prolatada na seara administrativa poderá, então, recorrer ao Poder Judiciário, visando à reforma ou anulação da mesma, em razão do princípio da inafastabilidade jurisdicional e, ainda, poderá recorrer da decisão do juiz de primeiro grau, à instância superior, através de recurso, em razão do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição.

Entretanto, o fato de haver uma necessidade de recorrer judicialmente das decisões administrativas pelo inconformado, é preciso lembrar que a interferência do Poder Judiciário não pode se dar de maneira absoluta, de forma que precisa-se respeitar determinados critérios, sob pena de incorrer em arbitrariedade do próprio Poder Judiciário.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos