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Considerações sobre o Código do Consumidor

19/11/1996 às 00:00
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O CONSUMIDOR É...

... “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Tal é a definição contida no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, a qual não deixa margens a interpretações diversas.

Nosso Código foi bastante feliz ao estabelecer um conceito de tamanha simplicidade e abrangência em suas disposições preliminares. Ora, na elaboração de um Código de Defesa do Consumidor, nada mais lógico que, inicialmente, se delimitasse o que vem a ser considerado como “consumidor”; e nada mais justo, também, que esse conceito se mostrasse claro o suficiente a que todos os consumidores o compreendessem, sejam ou não estudiosos das intricadas letras jurídicas. É interessante ressaltar que nem mesmo a pioneira Constituição espanhola (primeira a assegurar a defesa do consumidor) ou as exaurentes doutrinas italiana, francesa e portuguesa haviam alcançado um conceito tão perfeito, que definisse ao certo o consumidor e a relação de consumo. Méritos as nossos legisladores e aos elaboradores do Anteprojeto do Código (Nelson Nery Júnior, Ada Pellegrini Grinover, Zelmo Denari, dentre outros).

Observe-se que é considerado consumidor tanto a pessoa física como a pessoa jurídica, e até mesmo a coletividade de pessoas. Se qualquer dessas pessoas adquire ou utiliza certo produto ou serviço como destinatário final, é consumidor. Entenda-se como “destinatário final” aquele que encerra o processo econômico, ou seja, utiliza o produto ou serviço para satisfação pessoal, para uso privado. Logo, não se considera consumidor quem adquire bens para revenda, como os intermediários e comerciantes que adquirem produtos direto de fábrica. É importante frisar que o fator nuclear para definição do consumidor é exatamente o caráter de destinatário final, a partir do qual ficam excluídos revendedores e intermediários, que tão somente repassam um dado produto. Estes - revendedores - devem recorrer as normas constantes no Código Civil e Comercial no caso de eventuais lesões, e não no Código de Defesa do Consumidor que, como o próprio nome já diz, é privativo dos CONSUMIDORES.

Na delimitação do consumidor, o Código vai mais além de uma simples conceituação. Nos arts. 17 e 29 trata de equiparação aos consumidores, ou seja, pessoas que, mesmo não sendo adquirentes diretas, utilizam o produto ou serviço em caráter final, ou de alguma forma estejam a ele vinculadas ou venham a sofrer qualquer dano em virtude de defeito do produto ou serviço. Tais pessoas - físicas ou jurídicas - são denominadas, na doutrina estrangeira, de bystanders, e podem socorrer-se das normas protetivas no Código de Defesa do Consumidor pleiteando indenizações. Justifica-se tal princípio pelo fato de que todos os produtos e serviços devem guardar condições de segurança não só para o adquirente direto, mas também para o público em geral, pois segurança é direito de todos e dever de quem põe o produto no mercado de consumo (fornecedores, fabricantes, comerciantes, todos solidários).

Assim podemos concluir que equiparam-se ao consumidor todos aqueles que estão expostos a práticas comerciais, como também aqueles que de alguma forma venham a sofrer prejuízos por ocasião de um evento danoso ocasionado pelo mau funcionamento do produto ou prestação do serviço contratado. Por este evento danoso respondem

solidariamente o fornecedor, o comerciante, o fabricante, produtor, o intermediário e todos aqueles que intermediaram a relação de consumo. Detalhe: mais uma vez o Código mostra-se peculiar na proteção do consumidor, pois esta responsabilidade de reparar os danos independe da comprovação de culpa. Sobre os comerciantes e todos aqueles qur inserem produtos e serviços no mercado de consumo, trataremos em outra oportunidade.

Enfim, estas são as breves considerações que podemos tecer a respeito do assunto para que nós, consumidores, tenhamos conhecimento de nossos direitos e possamos exigir tratamento compatível com a nossa dignidade, saúde e segurança, para que seja assegurada a devida proteção aos nossos interesses econômicos e a melhoria de nossa qualidade de vida.


DA VULNERABILIDADE DOS CONSUMIDORES

Freqüentemente, de forma até rotineira, sentimo-nos lesados quando adquirimos um certo produto mediante compra no comércio. Quase sempre o produto não corresponde às nossas expectativas, e o que é pior, jamais se igualará àquele que vimos nos anúncios da mídia escrita ou falada.

As estratégias de marketing nos seduzem de tal forma, que sempre somos levados a consumir algo relacionado com o produto que nos é mostrado de forma tendenciosa, e porque não dizer, de forma enganosa e mascarada. Isto porque vivemos em uma sociedade de consumo, profundamente marcada pela compulsiva aquisição de bens, dominada por comerciantes, produtores e fornecedores, capazes dos mais insinuantes ardis com o intuito de repassar suas mercadorias.

Queiramos ou não, nós consumidores somos vulneráveis, flagrantemente mais fracos que estes comerciantes, produtores e fornecedores, dentre outros. Reconhecendo esta hipossuficiência, nossa Magna Carta de 1988, no seu generoso art. 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, estabelece que “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Deste comando normativo constitucional, nasceu a Lei nº 8.078, de 11 de dezembro de 1990. A referida lei alberga uma gama infindável de normas de garantem uma efetiva proteção aos consumidores, sendo mais conhecida como “Código de Defesa do Consumidor”.

Infelizmente, o teor da protetora Lei nº 8.078/90 é desconhecida da grande maioria dos consumidores, destinatários diretos e imediatos do texto legal. Continuam, dia após dia, a ter seus direitos vilipendiados por fabricantes que não especificam corretamente o que produzem, por fornecedores que negam garantia necessária nas prestações de serviço e por comerciantes que repassam produtos que sabem não apresentar a segurança necessária. De maneira direta, renegam aos consumidores informações e garantias que obrigatoriamente devem prestar.

Informação e garantia são apenas alguns dos poucos direitos que encontram-se fartamente distribuídos no Código de Defesa do Consumidor. Tais direitos asseguram, por exemplo, a imediata devolução do dinheiro expendido na aquisição de produtos defeituosos ou a troca por outros de iguais especificações, bem como reparação por eventuais danos materiais e até morais.

Também asseguram, de forma inovadora, a prestação de tutela específica e a inversão do ônus da prova, favorecendo o consumidor e sobrepassando o princípio geral de Direito Processual Civil que reza que o ônus da prova incumbe a quem aciona a Justiça (onus probandi incubit ei qui agit).

O Código também estende seu manto de proteção para os destinatários dos serviços públicos em geral, obrigando o Poder Público a adequar-se aos padrões de vigência do estatuto protetor dos consumidores. Isto porque define-se como consumidor toda pessoa - física ou jurídica - que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Como se pode constatar, o conceito é por demais amplo, merecedor de mais aprofundamentos, o que desde já fica prometido para uma outra oportunidade.

Enfim, são direitos que já estão positivados. Direitos endereçados a nós, consumidores em potencial, possuidores por força de lei, da facilitação de nossa defesa e do célere acesso à Justiça. Passemos a estudá-los e a conhecê-los, empunhando o Código de Defesa do Consumidor como um escudo contra os abusos a que nós, consumidores, estamos sujeitos na já não mais desigual relação de consumo.


O CONSUMIDOR SEMPRE TEM RAZÃO

Comumente ouve-se a despretensiosa frase que diz: “o cliente tem sempre a razão!” Apesar de aparentemente despretensioso, este é o mandamento maior imperante na organização empresarial e comercial. Mesmo que o cliente esteja errado, deve-se dar a razão ao mesmo. O tema foi amplamente discutido na 4ª CONVENÇÃO DO COMÉRCIO LOJISTA DO PIAUÍ, onde todos os conferencistas (excelentes, diga-se de passagem), bateram na tecla do tratamento preferencial que deve ser dado ao consumidor.

Isto porque somos nós, consumidores, o alvo principal das estratégias de marketing. É para nós que são lançados os grandes produtos e os inovadores serviços. A captação de clientes (digo, consumidores) é fato que, há muito, vem preocupando comerciantes, que agora procuram, além de atrai-los, conquistar sua fidelidade. Para tanto, vários são os meios empregados, como o prazo dilatado, o uso de cartões personalizados, os descontos, promoções relâmpagos etc. Isto porque, com a crescente globalização da economia, está cada vez mais difícil “segurar” o consumidor. Este vai em busca do melhor pelo menor preço, que sempre variam de lugar para lugar, de instante em instante. Se há alguns anos era praticamente impossível aliar as qualidades “bom e barato”, hoje em dia é imperiosa a necessidade de se atender ao binômio segurança/qualidade aliada a um preço vantajoso. E a instituição que não se calcar nas lindes da qualidade total, inevitavelmente estará fadada a quebrar.

Logo, é bom que procuremos sempre. Uma boa pesquisa de mercado é imprescindível antes de qualquer compra e a nossa exigência deve ser cada vez maior. Ou “eles” entendem nossas reivindicações ou perdem a freguesia. E isso é a última coisa que “eles” querem. É o que mais temem. As variações de preços mostram-se gritantes, e se um ponto comercial começa a vender menos que um outro, logicamente deve ajustar seu preço ou melhorar sua qualidade. Deve mostrar-se mais vantajoso. Caso contrário, o abandono dos clientes decretará sua ruína. Com essa competitividade, evidentemente somos nós, consumidores, quem sairemos sempre ganhando.

Mais do que nunca, devemos estar atentos aos nossos direitos como consumidores, que como já afirmamos, são de uma amplitude abissal, estando positivados no Código de Defesa do Consumidor. Parte dos comerciantes, empresários, produtores e prestadores de serviços (dentre estes, os instituições bancárias) já têm a plena ciência da arma que foi entregue aos consumidores e procuram evitar que esta arma lhes seja apontada. Já entenderam que o consumidor não mais está desprotegido. Mas outra parte ainda não se apercebeu do caráter protetivo do Código (se perceberam, fazem vista grossa) e continuam, impunemente, a explorar e a ludibriar a sociedade consumidora através de práticas abusivas. Os artifícios são muitos, e pretendemos, com a publicação de artigos vindouros, esclarecer, um a um, todos estes ardis, que geralmente aparecem com uma roupagem de legalidade.

Somente para exemplificar a dimensão de nossos direitos e as ardilosas técnicas comerciais, veja-se o caso das vendas por telefone veiculadas pela televisão ou anúncios escritos. Freqüentemente, após o anúncio do produto e do preço do mesmo, acompanha uma mensagem de que no caso de insatisfação com o produto, fica garantida a devolução de toda a quantia expedida. A mensagem é veiculada como se a garantia de devolução do dinheiro fosse um grande favor prestado. Na realidade, isto é um direito nosso, reconhecido no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor. Toda mercadoria vendida por telefone, caso não atenda aos anseios do comprador pode ser devolvida independentemente de justificativa, garantindo-se a completa devolução do dinheiro. Isto porque nessa modalidade de vendas o consumidor está impossibilitado de constatar o grau de veracidade constante nos anúncios, haja vista que não tem o produto em mãos para uma avaliação imediata. O desigualdade entre comprador/vendedor, nestes casos, mostra-se altamente acentuada, e o Código não poderia abandonar o consumidor numa circunstância como esta. Deu-lhe um prazo de reflexão, onde o produto é avaliado, sendo facultada a devolução do mesmo e a restituição do capital expendido.

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Assim, tenhamos sempre em mente que, adentrando em qualquer local para firmar uma relação de consumo, somos nós, consumidores quem temos sempre a razão. Agindo dessa forma ajudaremos não só a nós mesmos, na aquisição de um produto ou serviço com preço e qualidade vantajosa, como também, através de nossas reclamações e exigências, estaremos abrindo os olhos do comerciante para que o mesmo saiba como reconquistar seu “infiel” cliente.


O FIM DOS CONTRATOS

Em geral, a aquisição de bens ou serviços formaliza-se através de um acordo de vontades, no qual há uma prévia discursão a respeito da forma de prestação, pagamento, garantias, multas, indenizações, etc. A este acordo de vontades, dá-se o nome de contrato. Para uma maior segurança, o mesmo é reduzido a termo, ou seja, escrito e em seguida, assinado por ambas as partes e algumas testemunhas do ato.

O contrato faz lei entre as partes, obrigando os contraentes quanto ao seu conteúdo. O que lá foi ajustado deve ser cumprido à risca. Em certos casos há incidência de multas no caso de descumprimento do acordo. Fomaliza-se o que em latim chamamos de pacta sunt servanda.

Entretanto, muitas das vezes o consumidor é enganado no ato de manifestação de sua vontade e já assina um contrato previamente elaborado. Contrato este de difícil entendimento, com letras diminutas, recheado de cláusulas de interpretações dúbias e repleto de “exceções”, que quase sempre, negam todo o direito que imaginávamos ter no momento da assinatura do contrato. E muita das vezes estes instrumentos contratuais trazem até mesmo ônus excessivos ao próprio consumidor, renegando-lhe direitos que não deveriam nem mesmo ser objeto de contrato. Ilustramos como exemplo alguns planos de saúde e certos contratos de seguro. Imagina-se que, com o simples ato de apor a assinatura ao fim do contrato, o consumidor fica inelutavelmente vinculado, nada mais podendo reclamar.

Nestes casos, não há como se negar a excessiva vulnerabilidade do consumidor, conforme já discutido em outro nosso artigo. A desigualdade, o desequilíbrio entre as partes é flagrante. O consumidor tem acesso ao contrato já elaborado, sendo-lhe dificultada qualquer oportunidade de discursão. E as cláusulas obscuras, de difícil compreensão e de interpretação nebulosa terminam por assegurar direito aparentes. No ato de reclamar esses direitos o consumidor descobre ter-se vinculado a um verdadeiro embuste.

Reconhecendo esses ardis, o Código de Defesa do Consumidor traz vários artigos protetores que contornam essa situação. O art. 47, por exemplo, estabelece que todas as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor. Assim, havendo mais de uma possibilidade de interpretação com respeito a uma cláusula contratual, prefere-se aquela que mais favoreça ao consumidor. Anula-se, desta feita, toda e qualquer desigualdade que porventura possa existir entre o fornecedor e o consumidor.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, outros artigos fulminam de nulidade toda e qualquer cláusula que dificulte o entendimento por parte do consumidor ou que exija deveres manifestamente excessivos. Cláusulas contratuais existem que proibem o direito a reclamação, vedam a restituição do capital nos casos de produtos defeituosos, autorizam alterações contratuais apenas por parte do comerciante, permitem a cobrança excessiva de juros e a retomada do produto sem a restituição de prestações já pagas. Em tais casos, todas essas clásulas são abusivas, passíveis de nulidade, posto que tolhem direitos inquestionáveis além de permitirem o locupletamento às custas alheias, o enriquecimento ilícito.

Sujeitam-se às regras de alteração ou nulidade até mesmo os contratos de adesão, ou seja, contratos já previamente elaborados, no qual o consumidor apenas tem a faculdade de aderir ou não, sem que possa discutir ou alterar o seu conteúdo. Ocorre que aderir nem sempre significa consentir. No mais das vezes, nesta modalidade de contratos, o consumidor nem mesmo chega a intervir, havendo apenas aposto sua assinatura no contrato em situações escusas, e porque não dizer, em situações fraudulentas e omitentes. Arriscamos até afirmar que, nestes casos, inexiste vínculo contratual, e em assim sendo, inexiste obrigação.

Enfim, contratos como os de seguro (dentre tantos outros) que aparentemente prometem mundos e fundos, mas que por trás de exceções e obscuridades negam todo o outrora exposto, por força do Código de Defesa do Consumidor, apenas virão a nos ofertar mais e mais benécias, em caso de ingresso nas vias judiciais. Urge, para seu próprio bem, que as seguradoras e os demais contratantes discutam e especifiquem da maneira clara, transparente e responsável possível seus contratos com os consumidores. Dia após dia, nós, consumidores, cientificamo-nos mais e mais a respeito de nossos direitos. Não mediremos esforços no ato de defendê-los.

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Sobre o autor
Leandro Cardoso Lages

advogado em Teresina (PI)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGES, Leandro Cardoso. Considerações sobre o Código do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 1, n. 1, 19 nov. 1996. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/693. Acesso em: 19 abr. 2024.

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