O Brasil é o país com o maior número de feriados do mundo, instituídos sob as mais diversas justificativas: religiosas, cívicas, históricas, folclóricas etc. E estamos aqui nos referindo apenas aos legalizados pela União em 2018: 14 dias. Temos que incluir, ainda, os dos estados, municípios e distrito federal. E, se adicionarmos a estes os “informais” e “emendados” (que ocorrem na prática, sobretudo, porque, em 2018, 12 dos 14 feriados previstos cairão em dias úteis com invencíveis apelos de "enforcamento", totalizando, no mínimo, 26 dias sem expediente laboral) mais que campeões mundiais, devemos ser declarados hors concours no planeta. Somadas todas as reais possibilidades (incluindo as paralisações de fim de ano e emendas de carnaval, que, cada vez mais, se tornam regras, inclusive na iniciativa privada) esse número pode chegar a mais de 35 dias de ausência ao trabalho num ano. E, em determinadas instituições públicas mais ainda, como as vinculadas à Justiça, com quase 40 dias, se contarmos o recesso forense, historicamente legitimado, em certo aspecto, pelo fato de que os servidores públicos, particularmente do Poder Judiciário, não podem receber "hora extra" pelo excesso de expediente nas sessões de julgamento dos Tribunais que sempre têm horário para iniciar, mas jamais para terminar.
A título de comparação, os EUA e a China - os quais, “por acaso”, são as maiores potências econômicas do mundo – têm 10 e 6 dias de feriados, respectivamente. Contudo, em qualquer gráfico comparativo, incluindo todos os países, do Primeiro ao Terceiro Mundo, ninguém nos supera. Se em certo ano perdemos da Alemanha por 7 a 1 no futebol, por outro lado ganhamos dela por 35 a 11, em regra, todos os anos, nesse outro especial “esporte” nacional.
Seria esta façanha motivo de orgulho nacional? O que teria nos levado a atingir este inusitado recorde?
Vários estudiosos e literatos vêm se debruçando há anos para entender e descrever os aspectos de nossa ímpar sociologia brasileira e, desses estudos e observações, podemos chegar algumas conclusões, por dedução ou inferência. Em resumo, parece que caímos num círculo vicioso que é o resultado dos vetores do autoritarismo, do excessivo formalismo e da burocracia estatal contra o espírito macunaímico, malasarteano e malandro de resistência popular a essas imposições históricas. Os feriados, aqui, surgindo como um contrapeso – ainda que hipócrita – às compulsoriedades, complicações e dificuldades a que ao cidadão é obrigado a se submeter por um Estado autocrático, ao mesmo tempo que incompetente.
Exemplos disso são a obrigatoriedade de participação em pleitos eleitorais (dois turnos, aos domingos); a complexidade para se declarar o imposto de renda (com pesadas sanções para erros ou equívocos); o enfrentamento de enormes filas para qualquer procedimento (desde simples e urgentes atendimentos médicos até injustificáveis procedimentos cartoriais) nos órgãos públicos; as infinitas e desnecessárias burocracias formais e documentais exigidas do cidadão para qualquer pleito (até para compra de um simples remédio). Enfim, o Estado impõe, de diversas formas, verdadeiras armadilhas burocráticas, para tomar o tempo dos trabalhadores, que acabam, consciente ou inconscientemente, por reagir e se sentir legitimamente autorizados a reivindicar merecidas medidas compensatórias, algumas das quais são instituídas (demagogicamente, diga-se) pelos feriados formais e informais.
Um dos problemas dessa “solução” (tipicamente) brasileira é que ela acaba por beneficiar muitos poucos, enquanto prejudica a maioria da população. Os empresários, que criam os empregos e a riqueza do país, são obrigados a pagar por dias improdutivos (somente na cidade do Rio de Janeiro, o comércio varejista estima deixar de faturar quase R$ 5 bilhões em vendas em 2018, conforme noticiado pelo O Globo, em 25/12/17, p.6). Os trabalhadores acabam por ganhar menos, pois “não existe almoço grátis” e o salário é baseado nos custos e lucros das empresas. Os consumidores pagam mais caro pelos produtos e até o Estado acaba por recolher menos impostos. Enfim, quem perde é todo o país, que não cresce ou aproveita seu potencial.
Parece que os únicos ganhadores aqui são exatamente os que perpetuam e se aproveitam desse tipo de estado "cartorário" historicamente construído no Brasil. Nesse sentido, nossos políticos e administradores superaram os antigos romanos e seu panem et circenses. Além do pão (assistencialismo, paternalismo etc) e do circo (Carnaval, Copa do Mundo etc), “turbinamos” essa política com mais e mais feriados. Panem, Circus et Festi. Nada mais que um aumento na válvula de escape para diminuir as pressões sociais contra um estado explorador e inapto. E o povo, distraído dos problemas, alegremente festeja, dançando e cantando em direção às sutis armadilhas do poder.
Assim, as perguntas que ficam são: como o país sairá desse círculo vicioso? Quando entenderemos que a prosperidade (individual ou coletiva) só virá quando aliarmos o sonho de realização com o trabalho sério? E, principalmente, quando, em nossos trabalhos, deixaremos de sonhar apenas com o próximo feriado?