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A responsabilidade tributária do sócio na execução fiscal

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01/07/2005 às 00:00
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4. A LEI DE EXECUÇÃO FISCAL

A execução para cobrança do débito inscrito na dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias está regulamentada pela Lei 6.830/80, de 22.09.1980, a Lei de Execução Fiscal.

HUGO DE BRITO MACHADO 71 conceitua a lei de execução fiscal como:

"(...) o instrumento que a ordem jurídica oferece à Fazenda Pública para haver seus créditos – valer dizer, para forçar seus devedores ao pagamento de suas dívidas, sejam tributárias ou não,desde que tenham sido apuradas regularmente e estejam inscritas como dívida ativa."

Ela foi fruto de anteprojeto elaborado na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, visando a dar maior simplicidade e rapidez ao processo e fixar definitivamente o controle administrativo da legalidade acerca da inscrição do débito como dívida ativa da Fazenda Pública.

Todavia, de acordo com EDUARDO DOMINGOS BOTTALO 72:

"(...) em nada concorreu para o aprimoramento do processo judicial de cobrança da dívida ativa. Muito pelo contrário, o diploma em questão destaca-se pela tentativa de suprimir direitos fundamentais e atropelar procedimentos a respeito dos quais já se havia assentado pacífico entendimento, além de penetrar em áreas que refogem aos reconhecidos limites do processo, ou seja, àquelas reservadas ao direito material tributário em sentido estrito."

Com o mesmo enfoque é a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 73:

"Na verdade, padece a nova lei de execução fiscal de, pelo menos, dois graves defeitos fundamentais: a) a desconsideração de um princípio que já se integrara ao CPC, um todo harmônico e funcional; e b) a instituição de privilégios exagerados e injustificáveis para o Fisco, que foi cumulado com favores extremos."

O texto da LEF não contemplou um tratamento exaustivo da matéria de execução fiscal. Apenas estabeleceu, por conveniência, um regime específico para alguns tópicos e para outros aplica, em caráter subsidiário, as disposições trazidas pelo CPC para a execução por quantia certa, disciplinando não apenas o procedimento mais, também, por exemplo: os aspectos da dívida ativa – art. 2º, a legitimação passiva do certame – art. 4º, a competência – art. 5º, etc.

Ao contrário do que ocorre com os demais títulos enumerados pelo art. 585, do CPC, a Certidão da Dívida Ativa é um documento produzido unilateralmente pelo credor que, neste mister, deve apenas obediência às prescrições legais pertinentes, sem a necessidade da anuência do devedor. Ou seja, a Fazenda, gozando das prerrogativas pertinentes à Administração Pública, independe de qualquer ato de concordância ou adesão por parte do devedor. Entretanto, deve se ater às garantias constitucionais conferidas aos contribuintes.

A Dívida Ativa representa o crédito da Fazenda Pública regularmente inscrito no órgão e por autoridade competente, depois de esgotado o prazo final para pagamento fixado pela lei ou por decisão final, em processo administrativo regular. Esta dívida, regularmente, inscrita goza da presunção relativa de certeza e liquidez, que somente pode ser elidida por prova irretorquível a cargo do executado ou do responsável, a quem aproveite, conforme os artigos 202 e 204, do CTN.

Antes, portanto, de ingressar em juízo, tem a Fazenda Pública que promover o acertamento do seu crédito, por meio do procedimento de inscrição para determinar a existência do crédito, a quantia devida e a responsabilidade principal e subsidiária por seu resgate.

Em outras palavras, antes da própria execução fiscal do título, é relevante verificar quem deve, o que se deve e o porque deve. A questão dessa apuração da responsabilidade ainda no procedimento administrativo é um ponto primordial no tema da responsabilidade do sócio.

No procedimento administrativo prévio, anterior a inscrição do débito como Dívida Ativa, deveria a Fazenda realizá-lo respeitando a igualdade entre as partes litigantes, o contraditório, a ampla defesa e os cânones do devido processo legal, à luz do art. 5º, LIV e LV, da CF e do art. 201, do CTN. Tais regras indicam não só os modos pelos quais o processo administrativo deve se realizar, como ainda os casos em que ele pode ser feito, com esse objetivo de conduzir à inscrição da dívida. Entretanto, principalmente em relação ao responsável, esses ditames nem sempre são observados.

Somente se pode admitir a execução fiscal depois de exaurido todo o processo administrativo. A observância do preceito constitucional que garante a todos o direito à ampla defesa torna necessária a intimação do devedor da inscrição da dívida ativa, legitimando o procedimento administrativo instaurado pelo órgão estatal. De outra maneira, não merece prosperar a respectiva pretensão da Fazenda.

4.1. O SUJEITO PASSIVO DA EXECUÇÃO

Quando o Fisco não localiza o devedor ou seus bens se mostrem insuficientes tem início os abusos praticados contra terceiros, em especial o sócio. Todavia, é certa a possibilidade de integração no pólo passivo da lide, caso se verifique a ocorrência de algumas hipóteses, o redirecionamento da execução.

A questão do sujeito passivo na execução fiscal é estabelecida pelo art. 4º, mas fundada nos artigos 568, IV, do CPC, e 121, do CTN e, como temos defendido nesta monografia, deve ser apurada não apenas contra o devedor originário, mas também contra o eventual responsável tributário.

Para definir-se a legitimidade passiva não basta apurar a responsabilidade de quem, em tese, pode responder pela dívida. É indispensável identificar quem, concretamente, se acha vinculado ao título, já que nulla executio sine titulo 74. Aliás, a LEF e o CTN prevêem, expressamente, a necessidade de a inscrição em dívida ativa registrar o nome do devedor e dos co-responsáveis depois de finalizado o processo administrativo, sob pena de absoluta nulidade do procedimento administrativo. Essa é a vontade da lei, mas nem sempre respeitada.

Como à Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, se aplicam as normas relativas à responsabilidade previstas na legislação tributária, civil e comercial, dispõe o art. 4º da LEF que a execução fiscal pode ser promovida contra: o responsável nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Apesar do disso, o próprio art. 4º da LEF prevê que o título executivo dispõe de liquidez e certeza, requisitos sine qua non da execução forçada. Esses requisitos somente decorrem do regular procedimento do débito pelo órgão competente.

Oportuna a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 75:

"É preciso, portanto, sua qualidade de responsável tributário que está a reclamar acertamento antes do ingresso da Fazenda no Juízo executivo, pois, ao contrário, estar-se-ia admitindo a execução e, conseqüentemente, sem a certeza jurídica da obrigação que se intenta realizar, sob a coação estatal de medidas executivas, concretas, imediatas e definitivas."

Seria manifestamente absurdo o raciocínio de que o agente da administração tributária pudesse se desviar dos procedimentos que resguardam os direitos dos contribuintes, sob alegação de que, em última análise, sempre cabe ao particular o direito de pleitear, perante o Judiciário, a correção ou anulação dos atos da administração que viessem a causar lesões a seus direitos.

Nesse contexto afirma JAMES MARINS 76:

"Ao lado da necessidade de se buscar satisfazer o crédito fazendário, surge a necessidade de se buscar também o respeito incondicional ao sistema de garantias da relação jurídica tributária. Desse limite, por mais que se propugne pelo interesse publico da satisfação do credito, não se pode passar a execução fiscal."

Esclarece também HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 77:

"(...) o órgão judicial há de averiguar se ele se acha integrado inquestionavelmente ao título, como se dá com o fiador, o sócio solidário e outros similares. Em outras situações em que a responsabilidade depende de demonstração de fatos outros estranhos ao título ou às regras cogentes de lei, é claro que o órgão judicial não dispõe de um meio imediato e eficaz de verificação da certeza do vínculo do suposto devedor à responsabilidade executiva. Deve a Fazenda Pública apurar previamente os respectivos fatos."

Assim, esta monografia se posiciona no sentido de que é inadmissível, em feito da espécie, pretender a Fazenda Pública o acertamento de responsabilidade tributária do terceiro ou co-responsável que não figuram no procedimento administrativo e contra quem não se formou o título executivo, a CDA. Nesse sentido, inclusive, já se manifestou o STJ:

"Em se tratando de dívida fiscal, o título executivo é a certidão de dívida ativa, cuja formação está disciplinada na Lei 6.830, de 1980 e na qual são indicados os nomes do devedor e dos co-responsáveis (art. 2º, § 5º, I; CTN, art. 202, I). Portanto, a indicação, na Certidão de Dívida Ativa, do nome do responsável ou do co-responsável, confere ao indicado a condição de legitimado passivo para a relação processual executiva, autorizando que, contra ele, se promova ou se peça o redirecionamento da execução." 78

Mesmo com a prerrogativa do Fisco emendar ou substituir a CDA antes da decisão de primeira instancia, deve haver uma limitação à tal possibilidade. Pois, é impossível de se consagrar o acertamento do crédito após o ajuizamento do certame, por contrariar a estabilização da lide. É impossível sanar vícios materiais, sob pena de se ofender a defesa do contribuinte, bem como não cabe ao judiciário saná-los, sob pena de avocar competência da autoridade fiscal, responsável exclusiva pelo lançamento tributário.

Essa substituição visa corrigir erros materiais do título executivo ou mesmo da inscrição que lhe serviu de origem. Não tem, contudo, a força de permitir a convalidação de nulidade plena no plano do procedimento administrativo, como a que ocorre do cerceamento de defesa ou inobservância do procedimento legal no lançamento e na aplicação do crédito fazendário.

Em outras palavras, mesmo existindo a possibilidade de retificar ou substituir o título executivo, essa prerrogativa se limita aos casos em que se manteve a integralidade do procedimento administrativo.

Em suma, mesmo com as prerrogativas conferidas ao Fisco, na execução fiscal movida contra sócio só haverá certeza da sua responsabilidade quando se comprove a assunção do débito social pelo sócio e exista sentença declaratória da responsabilidade do sócio, apurada em prévio processo de cognição ou em regular procedimento administrativo. Imprescinde que, se tenha procedido ao lançamento e inscrição da dívida ativa não só em nome da sociedade, mas também do sócio como co-responsável tributário, de acordo com os artigos 202, I, do CTN e 2º, § 5º, I, da LEF.

Este trabalho, então, defende de forma veemente a necessidade do Fisco, ainda na fase administrativa, realizar um procedimento para apuração de responsabilidade pessoal. De outra forma, a inclusão do sócio, pelo redirecionamento do pleito é ilegal, pois, como previsto pela própria LEF, é necessária a inscrição como ato de legalidade do crédito fazendário, em nome do devedor e dos respectivos co-responsáveis – art. 2º, § 5º, I, da LEF e o art. 202 do CTN.

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A CDA deve refletir de forma idônea o que se apurou no procedimento administrativo. Semelhante detalhe por vezes escapa à autoridade fiscal. É o que ocorre, por exemplo, quando sem se fazer referencia expressa no titulo executivo busca o fisco cobrar a divida de suposto responsável cujo nome é estranho a execução ou proceder as alterações no titulo que não foram legitimadas por anterior acertamento.

JAMES MARINS 79 afirma que:

"O titulo executivo para ser válido, leia-se gerar presunção de liquidez e certeza deve espelhar fielmente o que se apurou no procedimento administrativo – que em seu turno deve ter sido realizado em absoluta adstritação à lei, material, formal e, em certos casos, processual – sob pena de ineficácia da execução e nulidade do titulo. Se não for regular o procedimento administração não haverá presunção de certeza impossibilitando qualquer pretensão do fisco."

4.2. A DEFESA DO SÓCIO

Realizadas essas considerações e constatado que, mesmo sem os requisitos primordiais para a aplicação da responsabilidade pessoal e da legitimidade passiva, o Fisco logra êxito no requerimento de redirecionamento da execução, convém estabelecer o meio processual de defesa do sócio indicado.

No caso de constar o nome do sócio na CDA, condição suficiente para estabelecer a legitimação passiva (CPC, art. 568, I), há condição da legitimação passiva para a relação processual executiva, autorizando que, contra ele, se promova ou se peça o redirecionamento da execução. No entanto, a configuração dos requisitos da legitimação passiva não significa, todavia, afirmação de certeza a respeito da existência da responsabilidade tributária. Para se saber se o executado é efetivamente devedor ou responsável pela dívida é necessária a prévia apuração, conforme o previsto pelo art. 135, do CTN. Caso contrário o sócio deve manejar sua defesa por meio dos embargos à execução, onde o ônus de provar que agiu dolosamente, com fraude ou excesso de poderes é imputado à Fazenda.

Parte do STJ vem seguindo esse caminho, estabelecendo que o redirecionamento é relativo apenas à condição de legitimado passivo para a relação processual executiva, mas não confirma, a não ser por presunção relativa (CTN, art. 204), a existência da responsabilidade tributária.

É diferente a situação quando o nome do eventual responsável pessoal não figura na Certidão de Dívida Ativa. Nesses casos não se configura a legitimidade descrita pelo art. 568, V, do CPC, cabendo à Fazenda Pública promover o devido procedimento prévio para apuração da responsabilidade.

É indispensável que o Fisco demonstre, em processo administrativo prévio, as hipóteses estabelecidas pelo legislador tributário. Não é o bastante, como vem acontecendo, apenas a petição fundamentada fazendo a simples referência ao art. 135, III, do CTN.

Nesses casos, não obstante os diversos entendimentos da doutrina, esta monografia defende a tese de que o sócio, por meio da exceção de pré-executividade, pode argüir as questões relativas às condições da ação e vícios objetivos do título, referentes à certeza, liquidez e exigibilidade, elidindo a temerária pretensão do Fisco.

Acerca da exceção de pré-executividade a 1ª turma, a 2ª turma e a 3ª turma do STJ já afirmaram ser cabível, de forma excepcional, sempre que se pretenda argüir questões relativas aos pressupostos processuais e condições da ação, desde que não demandem dilação probatória. Vale transcrever um importante entendimento nesse sentido:

"A exceção de pré-executividade consiste na defesa do executado, admitida pela doutrina e pela jurisprudência em situações excepcionais, sem a necessidade de segurança do juízo ou oposição de embargos do devedor. Se a controvérsia acerca da ilegitimidade puder ser resolvida por prova inequívoca, sem necessidade de qualquer dilação, cabível será a exceção de pré-executividade. A questão em torno da ilegitimidade passiva dos sócios, cujos nomes constam na CDA, demanda dilação probatória acerca da responsabilidade decorrente do artigo 135 do Código Tributário Nacional, em razão da presunção de liqüidez e certeza da referida certidão (art. 204 do CTN). In casu, é imprescindível a oposição de embargos à execução para a apresentação da defesa, visto que a análise da questão depende de produção de provas." 80

Esta monografia confirma que, em várias passagens, a Fazenda Pública, legitimada pela LEF e amparada pelo Colendo STJ, alcança indevidamente o patrimônio do sócio sem o devido procedimento prévio para apuração da responsabilidade tributária ou verificando simplesmente o não-recolhimento do tributo, autorizando o ajuizamento ou redirecionamento do certame executivo contra o sócio.

O STJ, em flagrante equívoco, permite o redirecionamento da execução fiscal sem a observância de quaisquer requisitos, a saber, a indicação do nome do sócio na CDA, acompanhada pelo respectivo procedimento administrativo necessário à apuração da responsabilidade pessoal, o que demonstra que no momento de apuração do crédito a Fazenda não se presta a perquirir acerca do representante da pessoa jurídica, tampouco acerca do eventual responsável tributário.

Permitir que o Fisco continue atuando dessa maneira, mesmo com o respaldo o interesse público, representa flagrante ilegalidade e iniqüidade, para não se falar em tirania. Não se pretende legitimar o caos no sistema tributário-econômico nacional, mas os sócios não podem funcionar como garantes universais das pessoas jurídicas. Não há norma legal para tanto.

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Sobre o autor
Danilo Menezes de Oliveira

Acadêmico do curso de Direito das Faculdades Jorge Amado, Salvador –BA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Danilo Menezes. A responsabilidade tributária do sócio na execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 730, 1 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6940. Acesso em: 18 abr. 2024.

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