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O exercício do poder de polícia administrativo pelos Municípios em matéria ambiental

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03/07/2005 às 00:00

Resumo:


  • A Constituição Federal de 1988 elevou os direitos fundamentais, inclusive os coletivos e sociais, e reforçou os mecanismos de gestão democrática, incluindo os Municípios como membros integrantes da Federação.

  • A discussão sobre o exercício do poder de polícia ambiental ganhou relevância no cenário jurídico brasileiro, especialmente com o ingresso dos Municípios como atores importantes na gestão ambiental.

  • Apesar das inovações da Constituição em aumentar a autonomia municipal, alguns obstáculos ainda persistem, como a limitação imposta por normas regulamentares estaduais que prejudicam o exercício pleno do poder de polícia administrativo pelos municípios.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3.Considerações Finais

Vivemos em um país onde presenciamos a realização incompleta dos ciclos dos direitos fundamentais, inclusive direitos de primeira geração, como o direito à vida, à igualdade (até mesmo formal), e à liberdade. Tal situação fica mais aguda quando tratamos dos direitos sociais de segunda, terceira e até quarta geração.Alias, como alerta Paulo BONAVIDES,

"A observância, a prática e a defesa dos direitos sócias, a sua inviolável contextura formal, premissa indeclinável de uma construção material sólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais importante com que fazer eficaz a dignidade da pessoa humana nos quadros de uma organização democrática da sociedade e poder (BONAVIDES, 2000:594)"

O desafio proposto à sociedade brasileira contemporânea de melhorar a qualidade vida para a atual e para as futuras gerações necessita de um correto funcionamento das instituições e dos mecanismos de efetivação dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, dentre os quais inclui-se o de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ora, sendo o ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, obviamente possui uma dimensão de concretização que deve ser realizada. Neste aspecto, é fundamental a atuação eficaz de todos os atores responsáveis, dentre os quais estão incluídos os Municípios. A partir do momento em que a constituição atribuiu competências para as administrações municipais para o exercício de determinadas atividades, também lhes outorgou as obrigações, em especial o exercício do poder de polícia administrativo, combatendo a poluição, a degradação e os danos ambientais. Esta determinação constitucional não é uma faculdade, e sim uma obrigação das administrações municipais.

Contudo, de nada vale o exercício do poder de polícia ambiental, se não forem respeitados alguns princípios que regem a sua aplicação, em especial o democrático e o do equilíbrio. Não existe mais espaço no Brasil para a cultura do mandato-controle, tão utilizada nos períodos ditatoriais. A gestão ambiental atual, inclusive na aplicação do poder de polícia, exige a participação popular nos processos de definição, através das audiências públicas, e de construção de um novo modelo mais equilibrado de desenvolvimento, sustentável, com base nas premissas da Agenda 21.

Para tanto é necessário um alargamento da consciência ambiental e dos espaços de decisão. Neste aspecto, as administrações municipais têm ao longo dos anos se mostrado como mais efetivas, embora não imunes aos problemas da má administração.Criar empecilhos para o ingresso dos Municípios na esfera da gestão ambiental, sob o pretexto da fragilidade dos órgãos municipais, antes de uma precaução e um grave equívoco estratégico, que apenas serve de justificação ideológica para a desídia dos prefeitos e dos administradores que não demonstram interesse em ver efetivados os comandos constitucionais que obrigam a preservação ambiental. Cabe ao Ministério Público e à sociedade civil pressionar para que isto ocorra, não só politicamente, mas utilizando também dos mecanismos oferecidos pela Constituição Federal, como a ação popular e a ação civil pública.

A história colocou diante de nós a tarefa, cabe-nos, portanto, realizá-la.


Notas

01 Não são poucos os que afirmam que os municípios não são capazes de resolverem os problemas locais. Alguns autores afirmam que o maior problema das administrações municipais reside na facilidade com que estão sujeitas às pressões quotidianas, principalmente das grandes empresas que chegam a exercem um papel fundamental na geração de empregos e tributos em determinadas cidades, e que os Estados e a União gozariam de uma maior "isenção técnica". Ora, com todo respeito às pessoas que defendem esta tese, é necessário ressaltar, também, que a possibilidade de pressão, numa sociedade democrática, não é um problema, e sim uma solução para os problemas ambientais. Ao mesmo tempo em que algumas empresas podem pressionar a administrar municipal, é inegável que a proximidade da administração municipal também facilita a ação daqueles que defendem o ambiente, principalmente dos setores organizados da sociedade civil. É uma ilusão achar que os Estados estão imunes às pressões das grandes empresas. Na realidade, quando levamos as decisões para a capital e para os centros de poder, afastamos também a população do processo decisório. A solução dos problemas ambientais não será produto de um técnico iluminado, nem de um legislador isento (se é que isto existe). É necessário aproximar a população da problemática ambiental, de forma que o conjunto da sociedade incorpore os valores da sua proteção, e neste aspecto as administrações municipais ocupam uma posição estratégica. Tentar afastar a gestão ambiental da política, é o mesmo que negar o seu aspecto humano, e defender a prevalência de uma ditadura tecnocrática.

02 Podemos citar como exemplo o orçamento participativo, reconhecido internacionalmente como modelo de gestão dos recursos públicos, exatamente por permitir uma maior ingerência da população no controle e administração dos gastos. Por outro lado somente uma experiência desta natureza foi aplicada no âmbito estadual com relativo sucesso enquanto existiu, no Estado do Rio Grande do Sul, entre 1999 e 2002, mas que não sobreviveu à mudança de governo.

03 Por certo, tal lógica se muito em torno do aspecto formal. No modelo liberal de Estado (o guarda-noturno), gestado nos primórdios do capitalismo, o papel de polícia do Estado, como destaca Vital MOREIRA, ficava resguardado à parte externa da empresa: "O direito ignora a fábrica, pára aos seus portões; dentro desta é ainda o direito geral de propriedade que dá ao empresário o poder regulamentar do processo do trabalho (jus utendi, fruendi). A propriedade da empresa não se distingue da propriedade de qualquer outro bem." (MOREIRA, Vital. "A Ordem Jurídica do Capitalismo". 4ª Edição. Editorial Caminho S.A.. Lisboa, 1987, pág. 64). É somente no século XX que o poder de polícia do Estado passa também a regular as relações contidas no contrato de trabalho.

04 C.A. BANDEIRA DE MELLO vai mais longe nas suas críticas ao equívoco conceito poder de polícia: "Além disto, a expressão «poder de polícia» traz consigo a evocação de uma época pretérita, a do «Estado de Polícia», que preceu o Estado de Direito. Traz consigo a suposição de prerrogativas dantes existentes em prol do «príncipe» e que se faz comunicar inadivertidamente ao Poder Executivo. Em suma: raciocina-se como se existisse uma «natural» titularidade de poderes em prol da Administração e como se dela emanasse intrinsicamente, fruto de um abstrato poder de «poder de polícia»". (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª Edição. Malheiros. São Paulo, 2000, pág. 665).

05 Notadamente os princípios da finalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação, que não sendo cumpridos poderão ensejar questionamento judicial, e por via de conseqüência anulação do ato por desvio ou abuso de poder. Há uma grande controvérsia doutrinária sobre a possibilidade ou não de intervenção do poder judiciário nos atos discricionários do executivo, especialmente em matéria de mérito, tendo em vista que isto ensejaria um desrespeito ao princípio liberal da independência dos poderes. Como bem destaca Victor Nunes LEAL, desde o famoso acórdão de SEABRA FAGUNDES na apelação cível n.º 1.422, tal entendimento encontra-se hoje superado: "os atos discricionários da administração escapam à revisão do judiciário, o mesmo acontecendo com os aspectos discricionários dos atos vinculados. Entretanto, segundo esclarece o des. SEABRA FAGUNDES, apoiado nos melhores autores, «no que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro». Quanto à finalidade dos atos administrativos (discricionários ou viculados), está ela sempre expressa ou implícita na lei; por isso mesmo, o fim legal, que é necessariamente um fim de interesse público também constitui aspecto vinculado dos atos discricionários suscetíveis, portanto, de apreciação jurisdicional." (LEAL, Victor Nunes. Poder Discricionário e Ação Arbitrária da Administração. Panteão dos Clássicos. Disponível em http://www,planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev-35/panteão.htm, acessado em 04/12/2004).

06 Havia regra explícita, em tal sentido, na Constituição Federal, de 16 de julho de 1934: "Compete ao Senado Federal: – propor ao Poder Executivo, mediante representação fundamentada dos interessados, a revogação de atos das autoridades administrativas, quando praticados contra a lei ou eivados de abuso de poder" (art., 91, III).

07 Idem ao item anterior, Cirne LIMA refere-se à Constituição de 1934.

08 Vários são os exemplos de transferência do poder de polícia administrativo para entes da administração indireta, inclusive pelo Governo Federal, através do IBAMA, que é uma autarquia. Como fundações, podemos citar como exemplos a FEPAM no Rio Grande do Sul, e a FATMA em Santa Catarina. Já como empresa pública temos o caso de São Paulo, através da CETESB. Existem estados que trabalham com a figura da agência (autarquia de regime especial criada com as reformas administrativas dos anos 90). Em todos os casos visa-se dar maior autonomia gerencial e executiva aos órgãos de fiscalização, contudo várias são as implicações destas iniciativas, inclusive tributárias como veremos mais adiante.

09 Curiosamente, a mesma Lei alterou o art. 6º da Lei Federal 6938/81, criando a figura dos órgãos locais, ausentes na redação original, o que demonstra que o legislador tinha conhecimento na nova ordem Constitucional. Sendo assim, a omissão realizada na alteração do art.10 da referida Lei, torna-se mais incompreensível e imperdoável.

10 Sendo assim, todas as atividades não enquadradas nestes artigos seriam de impacto local, e logo, de competência municipal.

11 Dois fatores de natureza tributária merecem relevância. O primeiro consiste na impropriedade técnica e jurídica, além de escancaradamente inconstitucional, de confundir a taxa de licenciamento ambiental com preço público. Apesar da maior parte das normas infraconstitucionais que tratam do tema, conceituarem a contrapartida pecuniária decorrente do exercício do licenciamento ambiental como preço público, na verdade estamos diante de uma taxa, tendo em vista que o licenciamento ambiental não é um serviço contratualmente colocado à disposição da população, e sim o exercício imperativo e obrigatório do poder de polícia administrativo. Logo, estamos diante de taxa, e não de preço público, logo um tributo, que somente pode ser instituído por lei, e sujeito ao princípio constitucional da anterioridade desta lei. Cinicamente esta determinação constitucional não tem sido respeitada. Como em vários Estados a política ambiental está sob a responsabilidade de empresas públicas, ou de fundações com estatuto jurídico de direito privado, o tributo tem sido tratado como preço público (tarifa), o que gera várias implicações, como por exemplo o fato de serem alterados por mero ato administrativo e não por lei, e o de serem majorados no mesmo exercício tributário, num claro e incontestável abuso de autoridade. Para piorar a situação, em face da escassez tributária, e em razão da necessidade de ser sustentado o sistema da administração indireta, foi criada pela Lei Federal n.º 10.650/2000, uma nova taxa, com fato gerador semelhante ao da taxa de licenciamento ambiental, a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, numa clara demonstração de que o SISNAMA, da forma como está organizada, privilegiando a administração indireta, não está mais dando conta das necessidade que lhe são colocadas pela população.

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12 A lógica absurda da Resolução CONSEMA-RS 005/98, foi levada para o Código Estadual do Meio Ambiente daquele Estado, Lei Estadual 11.520/2000, uma das normas ambientais das mais modernas existentes no país, mas eivada desse vício, onde lemos no parágrafo único do art. 69: "Art. 69 – caberá aos municípios o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades consideradas de impacto local, bem como aquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal de convênio. Parágrafo único – O órgão ambiental competente proporá, em razão da natureza, característica e complexidade, a lista de tipologias dos empreendimentos ou atividades consideradas como de impacto local, ou quais deverão ser aprovadas pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente."

13 Não é só em matéria de licenciamento ambiental que o CONSEMA-RS tem por hábito desbordar dos limites constitucionais de atribuição. Também no ano de 2000, o CONSEMA-RS instituiu a Resolução 006, que dispõe sobre quais órgãos da estrutura Decreto Federal 3179/99. Ocorre que tal matéria é de competência privativa do Governador do Estado, e a norma do CONSEMA é letra morta frente às constituições estadual e federal.

14 O Art. 3º da Resolução CONSEMA-RS 004/2000, é um exemplo do absurdo: "Art. 3º - Somente após a homologação da habilitação pelo CONSEMA, o Município estará apto para a realização do licenciamento ambiental das atividades de impacto local, conforme dispõe a Resolução CONSEMA n.º 005/98".

15 Este com certeza um dos maiores empecilhos para a ampliação do licenciamento ambiental local.

16 O que por sinal não é um privilégio municipal. Em face da falta de recursos e de quadros em seus órgãos estaduais de execução das políticas ambientais, muitos órgãos estaduais também não fiscalizam o cumprimento das licenças por eles emitidas, e quando fazem, os autos de infração emperram no excessivo número de recursos administrativos, que incluem além da administração indireta, a secretária na qual o órgão executivo está vinculado, e os conselhos ambientais estaduais, fazendo com que um procedimento essencial para a sadia qualidade de vida da poluição acabe ganhado um caráter meramente protocolar.


BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Lúmen Júris. Rio de Janeiro – RJ, 2002;

BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos (org). "10 anos da ECO-92: O Direito e o Desenvolvimento Sustentável". Instituto o Direito por um Planeta Verde. São Paulo-SP, 2002;

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LIMA, Ruy Cirne, "Princípios de Direito Administrativo Brasileiro". 3ª Edição. Livraria Sulina, Porto Alegre/RS, 1954;

MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. "Direito Ambiental Brasileiro". 10ª Edição. Malheiros, São Paulo-SP, 2002.

MEIRELLES, Helly, Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros, São Paulo – SP, 25ª edição, 2000;

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Sobre o autor
Sandro Ari Andrade de Miranda

Advogado no Rio Grande do Sul, Doutorando em Sociologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Sandro Ari Andrade. O exercício do poder de polícia administrativo pelos Municípios em matéria ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 728, 3 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6952. Acesso em: 26 dez. 2024.

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