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Direito e Economia entre o positivismo e a ética

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04/07/2005 às 00:00
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RESUMO

Este artigo busca evidenciar que o afastamento da ética ocorrido tanto no direito como na economia têm um mesmo fundamento: a influência determinante do positivismo. Primeiramente, realizou-se uma breve retrospectiva histórica da filosofia das ciências, pondo em evidência a importante mudança do paradigma da produção do conhecimento ocorrida a partir do Iluminismo, que transformou o conhecimento num instrumental técnico e afastou radicalmente os problemas éticos do âmbito da "ciência oficial", especialmente nas ciências sociais. Essa maneira de produzir o conhecimento foi e continua sendo um instrumento extremamente importante para legitimar a ordem capitalista. Por outro lado, procurou-se evidenciar que as ciências humanas ou sociais não podem existir isoladas dos problemas éticos. Apesar do esforço positivista em excluir as questões éticas do âmbito do conhecimento, problemas éticos são uma constante tanto na reflexão jurídica como na econômica, ainda que de modo latente ou secundário.

PALAVRAS-CHAVE: Direito e Economia, epistemologia, positivismo, razão instrumental, ética.


ABSTRACT

This essay examines how the ethics was and are distanced of law and economics theoretical problems by the positivism determinant influence on this sciences. Firstly, it was made a brief historical approach to philosophy of sciences to make evident the importance of the paradigm change occured from The Enlightenment, when the instrumental reason was transformed hegemonic. In this way, the structure of knowledge production is a very important mecanism to legitimate the capitalist order. On the other hand, it was searched to show that the social sciences can not to exist separated of ethicals questions. Although the positivist effort to exclude the ethicals questions from the sciences, they come back as in the legal as the economics reasoning, even so latent or secondary.

KEY-WORDS: Law and Economics, epistemology, positivism, instrumental reason, ethics.


INTRODUÇÃO

Este texto é parte de uma monografia apresentada à disciplina de Metodologia do Ensino Superior, lecionada pelo professor José Eduardo Faria, na pós-graduação da FADUSP. A idéia da monografia surgiu a partir da leitura e reflexão sobre um texto de Pérsio Arida, denominado Direito e economia, disponibilizado pelo professor José Eduardo Faria durante seu curso. O texto de Arida foi lido e bastante discutido num pequeno e informal grupo de estudos composto por alguns colegas [01] vinculados àquela disciplina, que se reunia às quintas-feiras à tarde durante aquele semestre. O debate foi bastante instigante, provocado principalmente pelas inusitadas interpretações da economia – ao menos para quem não está acostumado com a abordagem econômica – sobre o papel do direito em nossa sociedade. O texto também foi particularmente oportuno para o autor deste artigo por coincidir com uma série de leituras iniciadas em 2003, relacionados aos problemas entre epistemologia, ética, direito e economia.

O objetivo da monografia foi direcionado a dois aspectos centrais, dos quais apenas o primeiro está sendo publicado neste periódico. Nesta primeira parte da monografia, o objetivo foi identificar que o afastamento da ética, tanto no direito como na economia, têm por fundamento um mesmo motivo: a influência determinante do positivismo. Esse assunto foi tratado a partir de uma breve retrospectiva histórica da filosofia da ciência, destacando a importante mudança do paradigma da produção do conhecimento ocorrida a partir do Iluminismo, que instrumentalizou o conhecimento e, por conta disso, afastou radicalmente os problemas éticos do âmbito da "ciência oficial", especialmente nas ciências sociais. Essa postura teórica foi e continua sendo extremamente importante para legitimar a ordem capitalista. A par dessa situação, o fato é que as ciências humanas ou sociais não podem existir isoladas dos problemas éticos. Apesar do esforço do positivismo em excluir as questões éticas do âmbito do conhecimento científico, elas (as questões éticas) sempre se mantiveram na reflexão jurídica e econômica, ainda que de modo latente ou secundário.

A segunda parte da monografia, infelizmente não publicada aqui porque ficaria demasiado extenso este artigo, foi direcionada prioritariamente ao problema ético na ciência econômica, na qual buscou-se identificar que o afastamento ético na economia é forte no âmbito teórico, mas impossível no mundo real e que muitas teorias econômicas positivas ainda assim reconhecem que um mínimo de ética é fundamental para a manutenção da ordem social.

Não se pretendeu realizar um grande aprofundamento analítico neste texto, por isso a sua caracterização como um ensaio. Buscou-se, em vez disso, uma abordagem didática, ilustrada com exemplos, acessível. Talvez esse trabalho possa servir como uma introdução interessante aos problemas da ética relacionados ao direito e à economia. Não pretende, portanto, aprofundar em demasia os temas tratados, mas apresentá-los de forma clara e agradável, especialmente àqueles colegas da área jurídica que têm pouco trato com a ética e economia. É possível que essa abordagem seja reflexo de um ato involuntário do autor em adequar o auditório às suas próprias necessidades... Espera-se, contudo, que isso não torne o trabalho inútil para outros que porventura tenham interesse nos temas aqui tratados.


1 Direito e Economia: duas ciências, um mesmo problema. breve história da razão no Ocidente

Observar o atual debate em torno da ética e suas relações com a economia, promovido por alguns importantes economistas contemporâneos, como Amartya Sen, proporcionam ao jurista crítico – crítico aqui, em oposição ao dogmático – uma sensação de dejà-vu. Afinal, um debate recorrente no direito é justamente aquele sobre o papel e importância dos valores no estudo do fenômeno jurídico. Esse debate, durante os tempos, foi assumindo diferentes roupagens, mas mantém um núcleo de problematização constante.

Já entre os filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, o problema da relação entre direito e ética era levantado a partir da oposição entre a lei e a justiça, a primeira representada pelas normas postas pela cidade (cidade-estado), fruto dos interesses e contingências humanas, e a segunda representada pelas normas da natureza, de valor universal e eternas. Uma boa ilustração dessa oposição pode ser encontrada na Antígona, de Sófocles, na qual a disputa entre Creonte e Antígona sobre o direito de enterrar o corpo de seu irmão é fundado nesta dicotomia: de um lado, Creonte, argumentando a necessidade de aplicação do direito da cidade (lei), do outro Antígona, argumentando com base na justiça, que constituía a lei universal e natural. Entre os gregos, diferente do que se verifica hoje, a relação entre a lei posta e a justiça era muito estreita e nenhum filósofo do período clássico grego admitiria excluir o problema da justiça como irrelevante ou desprezível, muito menos negá-lo como um "não-saber" [02]: pelo contrário, o fundamental ao abordar o problema da lei da cidade – conteúdo que modernamente viria a ser declarados "ciência do direito" – envolvia necessariamente o problema da justiça.

O que justificava essa maneira de ver o mundo dos gregos clássicos era o fato de que a produção do conhecimento caracterizava-se como uma cosmologia, ou seja, uma perspectiva universalista do saber, que não comportava divisões estanques ou profundas entre as áreas conforme hoje. A filosofia era o conhecimento que agregava todos os demais, desde a medicina, passando pelo direito e chegando à botânica. O filósofo grego buscava "uma verdade" [03] que era universal e cujos princípios gerais serviam tanto ao estudo da fisiologia do corpo humano como astronomia.

Há sete janelas dadas aos animais no domicílio da cabeça, através das quais o ar é admitido no tabernáculo do corpo, para aquecê-lo e nutri-lo.

Quais são essas partes do microcosmos? Duas narinas, dois olhos, dois ouvidos e uma boca. Da mesma forma, nos céus, como num macrocosmos, há duas estrelas favoráveis, duas desfavoráveis, dois luminares e Mercúrio, indeciso e indiferente. A partir dessas e de muitas outras similaridades na natureza, tais como os sete metais etc, que seria cansativo enumerar, concluímos que o número dos planetas é necessariamente sete. [04]

O exemplo acima, retirado de uma obra produzida no século XVI, demonstra que a visão cosmológica grega persistiu com grande influência até o Renascimento [05]. A fundação das primeiras universidades, durante a Idade Média, é um reflexo dessa visão universalista e boa parte dos grandes renascentistas desenvolveram suas aptidões dentro dessa perspectiva de um conhecimento universal. Isso explica em parte o fato de que ao mesmo tempo em que eram brilhantes engenheiros ou matemáticos também eram artistas plásticos notáveis. Da Vinci é um exemplo interessante desse período, mas não o único.

É com o movimento iluminista que "a razão" passa ocupar um lugar privilegiado no mundo ocidental. Isso não significa que até o Iluminismo a razão tivesse uma importância pequena, pois desde Parmênides, passando por Heráclito, Sócrates, Platão até os pensadores medievais, a razão sempre foi um elemento importantíssimo na constituição dos saberes. Aliás, foi justamente a valorização da razão que teria viabilizado, segundo algumas interpretações sobre a origem da filosofia ocidental, o chamado "milagre grego" [06] e o conseqüente nascimento da filosofia como uma nova forma de compreender o mundo, que abandona a reflexão dogmática fundada nos mitos e dá condições para o permanente questionamento racional: o "sei que nada sei" socrático. Ocorre que a visão cosmológica de mundo exigia dos gregos uma reflexão sobre objetos da mais variada espécie, que precisavam ser articulados dentro de uma razão universal e abrangente. Esse esforço para compatibilizar várias áreas de saber dentro de uma mesma racionalidade exigia do pensar humano fórmulas dinâmicas, que pudessem sobreviver aos paradoxos e incompatibilidades entre os diversos temas tratados.

Com o Iluminismo esse quadro altera-se radicalmente. A percepção de que a racionalidade humana é um instrumento poderosíssimo para o domínio da natureza provocou uma modificação profunda no modo do homem produzir o conhecimento. A razão passa a ser meio para o domínio – razão instrumental – e fica profundamente vinculada à necessidade de desenvolvimento tecnológico e atrelada à produção capitalista então emergente [07]. Essa instrumentalização do conhecimento gera a necessidade de compartimentalização ou separação dos saberes: a divisão do conhecimento até então universal em ciências – cada uma com seu objeto e método rigorosamente definidos – foi uma exigência da modernidade, que ainda hoje se manifesta através do processo de especialização que ocorre dentro das ciências. Não existem mais advogados simplesmente, mas penalistas, tributaristas etc.

A razão instrumental é uma razão profundamente vinculada à técnica e, como tal, funda-se exclusivamente numa racionalidade formal, que traz consigo a exigência de um saber exato, preciso, demonstrativo, inquestionável portanto. Horkheimer e Adorno (1985, p. 42), a respeito da razão instrumental, ponderaram ser ela um "instrumento universal", servindo para a fabricação de todos os demais instrumentos. "Saber é poder", sentenciaria Bacon, mas esse poder só é absoluto quando domina satisfatoriamente a realidade de maneira a otimizar a produção. Conhecimento sem aplicabilidade prática não será considerado verdadeiro conhecimento porque inútil. Conhecimento que não tenha a força da exatidão e da demonstração inquestionável também não será mais considerado conhecimento digno do título de científico, pois somente a inquestionabilidade lhe dará o poder para o domínio sobre os homens também.

Por fim, a razão instrumental aplicada às ciências em geral – e ao direito e à economia em específico – criou instrumentos para excluir do seu âmbito tudo aquilo que não fosse passível de instrumentalização à produção. Foram então estabelecidos critérios para que um saber pudesse ingressar no templo da ciência, que variavam desde a competência do seu emissor até critérios de conteúdo do saber produzido. Para efeitos deste estudo, é importante ressaltar dois critérios fundamentais para se obter o título de cientificidade: a possibilidade de demonstração experimental e a exatidão lógica. Além desses critérios há outro, normalmente não expresso em termos científicos, mas igualmente fundamental, que é o critério da utilidade do conhecimento, indispensável ao caráter instrumental das novas ciências. Claro que essa utilidade não é abstrata ou vazia: representa a utilidade pautada pelas necessidades do sistema de produção capitalista (MARCUSE, op. cit., p. 143-4). A respeito desse último critério – da utilidade – há uma experiência pessoal de Celso Furtado que ilustra bem esse problema:

Estive exilado algum tempo nos Estados Unidos, como pesquisador visitante na Universidade de Yale. Aproveitei para escrever um trabalho de natureza teórica sobre o subdesenvolvimento, essa conformação social que é confundida com atraso e pobreza. Fiz uma conferência sobre o tema para professores e pesquisadores. Saí satisfeito pensando que havia marcado um ponto. Mas o primeiro comentarista foi franco: "muito interessante o que você sugere, mas duvido que obtenha financiamento para realizar uma pesquisa sobre esse tema. Nenhuma revista de prestígio se interessa por esse tipo de assunto". Estava tudo dito. [08]


2 O conhecimento positivo

Para compreender melhor o surgimento do sistema de produção de conhecimentos científicos, com critérios rigorosos de seleção de saberes, é importante compreender a proposta da escola positiva, inaugurada por Auguste Comte no século XIX.

Auguste Comte faz uma interessante descrição do que ele denomina a "marcha progressiva do espírito humano" [09] na sua conhecida teoria dos três estados. O conhecimento humano teria passado por três fases (estados). A primeira fase, chamada estado teológico, foi aquela em que o método para explicação dos fenômenos consistia na busca das causas primeiras e finais, ou seja, na busca de um conhecimento absoluto, cuja explicação fundava-se, em última análise, na ação direta, contínua e arbitrária de "agentes sobrenaturais" (COMTE, 1978, p. 4). O período pré-filosófico da sociedade grega serve como um bom exemplo para esse estado comteano, visto que praticamente a totalidade dos fenômenos eram explicados através da mitologia e com fundamento na ação dos mais variados deuses (Zeus, Marte, Penúria, Eros etc).

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O segundo estado comteano seria o estado metafísico, no qual os homens passam a explicar o mundo e os fenômenos naturais através do recurso a conceitos abstratos e não verificáveis, transcendentais. Esses conceitos abstratos do estado metafísico, conforme Comte, acabam substituindo os "agentes sobrenaturais" do estado teológico e todos os fenômenos observados passam a ser explicados pela relação que possuem com cada entidade abstrata correspondente. Há aí uma clara referência à filosofia clássica – apesar de não exclusivamente a ela , da qual seria um bom exemplo para a tese comteana a filosofia platônica, que para explicar o mundo faz referência ao chamado "mundo das essências". Para Platão, os seres e objetos que o homem experiencia em sua vivência cotidiana são meras aparências. Os seres e objetos existem realmente apenas no "mundo das essências", onde a alma humana vivia até ser encarnada no corpo. Lá, os objetos existiam em sua forma pura e aqui na terra, através de nossos parcos sentidos, o que vemos e vivemos são apenas sombras dessas formas ideais [10]. Somente identificamos esses seres e objetos graças à reminiscência que se tem do tempo em que a alma humana habitou o "mundo das essências" [11]. Nesse exemplo platônico, o fundamento do real está numa "realidade metafísica", o que faz com que seu pensamento esteja situado no segundo estado comteano.

Finalmente, o terceiro estado é o estado positivo. Afirma Comte ser esse o último estágio da razão humana, aquele em que ela alcança a sua "virilidade". A principal característica do terceiro estado é que nele:

[...] o espírito humano reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. (COMTE, op. cit., loc. cit.)

Essa descrição caracteriza o conhecimento positivo da realidade, que pode, num primeiro momento, ser compreendido negativamente com relação aos estados anteriores, ou seja, o estado positivo é essencialmente o estágio em que a razão humana renega o conhecimento de fundamento divino ou metafísico. Para o conhecimento positivo, que representa o conhecimento científico, o estabelecimento de relações de causa e efeito constitui o seu núcleo, independentemente da área do conhecimento em questão. Aliás, Auguste Comte propôs também uma hierarquização das ciências, de forma que as ciências consideradas exatas seriam as mais simples e as ciências sociais as mais elevadas. A sociologia seria a ciência mais elevada de todas, mas assumiria a forma de uma "física social" (physique sociale) (Ibid., p. 9 et seq.). Além disso, foi Auguste Comte quem fundamentou como imprescindível a determinação rigorosa de objeto e método para a configuração de um determinado campo saber como "conhecimento científico" e, portanto, integrante das ciências positivas.


3 A ética rejeitada

É neste ponto que direito e economia encontram-se na trajetória do conhecimento acima ilustrada, tendo em vista os objetivos deste trabalho.

O conhecimento científico é um tipo específico de conhecimento, historicamente situado, que tem seus primórdios no empirismo experimental inaugurado por Galileu Galilei e que foi alçado à condição de conhecimento ideal na Idade Moderna. Uma das exigências fundamentais dessa nova forma de produzir conhecimento era a necessidade de precisão lógica e a possibilidade de demonstração mediante experimentos. Isso gera a necessidade de um recorte epistemológico radical nos conhecimentos até então existentes, pautados que eram pela cosmologia. Tudo aquilo que não fosse passível de rigorosa averiguação empírica ou enquadramento racional lógico não poderia ser considerado digno de ingressar no âmbito da ciência.

Eis o problema da ética nas mais variadas ciências.

A ética é um dos típicos objetos de estudo que são, a princípio, inapreensíveis pela nova estrutura formal e instrumental adquirida pelo conhecimento a partir da Idade Moderna. O conhecimento científico não oferece suporte para a compreensão dos valores, pois a exigência de verificabilidade do conhecimento mediante provas experimentais e a explicação através de rigorosos procedimentos lógico-formais acabam por tornar a ética um objeto de estudo incompatível com o novo modelo de conhecimento [12]. Marcuse (1967, p. 152-4) chama a atenção ao fato de que a racionalidade científica, como razão instrumental que é, precisa ser livre de valores e não pode estipular quaisquer fins práticos, pois é com a formalização que ela consegue atender praticamente a todos os fins, sendo um eficaz instrumento para a dominação do homem pelo homem.

Hoje, a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia, mas como tecnologia, e esta garante a grande legitimação do crescente poder político que absorve todas as esferas da cultura. (Ibid., p. 154, grifo do autor)

Esse fenômeno – da exclusão da ética dos meios científicos – pode ser constatado tanto na economia como no direito.

3.1 No direito

Kelsen, para efeitos deste ensaio, configura-se um exemplo bastante significativo de uma proposta científica do direito. A própria denominação de sua principal obra já é bastante ilustrativa: teoria pura do direito. A sua proposta metodológica é radical:

Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto é, purificada de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica do seu objeto. [13]

Mais adiante, logo no início do primeiro capítulo, Kelsen afirma ainda:

Quando a si própria se designa como "pura" teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental (Ibid., p. 1).

Fica clara, nestas passagens, a importância atribuída por Kelsen à necessidade de especificar-se rigorosamente o objeto da ciência jurídica, que no transcorrer de sua obra ficará definido como a norma jurídica. A análise da norma jurídica, no entanto, precisa ser demonstrativa, exata, neutra em última instância, pois o direito precisa orientar-se pelos mesmos princípios científicos das ciências naturais e compartilhar os mesmos interesses: "o interesse no progresso da técnica" (Ibid., p. XIV).

[...] as suas proposições [da ciência jurídica] são [...] – tal como as leis naturais da ciência da natureza – uma descrição do seu objeto alheia aos valores. Quer dizer: esta descrição realiza-se sem qualquer referência a um valor metajurídico e sem qualquer aprovação ou desaprovação emocional [...], ainda que tenha por injustiça e desaprove a imputação do ato coercitivo ao seu pressuposto [...], independentemente do fato de o autor da afirmação considerar tal conduta boa ou má moralmente, independentemente de ela merecer a sua aprovação ou desaprovação. (Ibid., p. 89)

Claro que não se pode reduzir a ciência jurídica à proposta kelseniana, mas muito provavelmente Kelsen tenha sido quem melhor ilustrou o desejo de cientificidade do direito contemporaneamente, tendo levado ao limite o seu princípio metodológico fundamental de pureza [14].

Independentemente do projeto específico de Kelsen, o que se pode verificar é que o positivismo jurídico em geral sempre defendeu uma perspectiva científica do direito, aqui entendida como uma instrumentalização do saber, pautada pela exigência de objetividade e neutralidade (científica), o que impede a abordagem dos valores como conhecimento jurídico. A síntese feita por Bobbio a esse respeito é bastante ilustrativa.

O direito é considerado como um conjunto de fatos, de fenômenos ou de dados sociais em tudo análogos àqueles do mundo natural; o jurista, portanto, deve estudar o direito do mesmo modo que o cientista estuda a realidade natural, isto é, abstendo-se absolutamente de formular juízos de valor. Na linguagem juspositivista o termo "direito" é então absolutamente avalorativo, isto é, privado de qualquer conotação valorativa ou ressonância emotiva: o direito é tal que prescinde do fato de ser bom ou mau, de ser um valor ou um desvalor. [15]

O positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão desses últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato. (Ibid., p. 135, grifos do autor)

Esse modelo de conhecimento jurídico é aquele designado por Tercio S. Ferraz Jr. como sendo a dogmática jurídica [16]. A dogmática jurídica seria um modelo de produção do conhecimento jurídico limitado pelos marcos da ordem vigente, que são tomados como um dado inquestionável e ponto de partida de qualquer investigação jurídica. Claro que além do enfoque dogmático há o enfoque zetético, que admite uma abordagem bastante abrangente do fenômeno jurídico, no entanto

[...] é preciso reconhecer que, nos dias atuais, quando se fala em Ciência do Direito, no sentido do estudo que se processa nas Faculdades de Direito, há uma tendência em identificá-la com uma produção técnica, destinada apenas a atender às necessidades do profissional (o juiz, o advogado, o promotor) no desempenho imediato de suas funções. Na verdade, nos últimos 100 anos, o jurista teórico, por sua formação universitária, foi sendo conduzido a esse tipo de especialização, fechada e formalista. (Ibid., p. 48)

Em síntese, a realidade da produção teórica no direito revela-se profundamente formalista, o que leva a excluir a problematização dos valores. A formalização da ciência jurídica é o mecanismo que permite a sua transformação num instrumento universal, sem compromisso com qualquer abordagem valorativa e, portanto, reflexo de uma razão puramente instrumental, conforme afirmaram Adorno e Horkheimer. A partir dessa constatação fica mais claro compreender a indignação de Kelsen com as críticas que sofreu, por serem provenientes das mais variadas orientações políticas.

Os fascistas declaram-na [a Teoria Pura do Direito] liberalismo democrático, os democratas liberais ou sociais-democratas consideram-na um posto avançado do fascismo. Do lado comunista é desclassificada como ideologia de um estatismo capitalista, do lado capitalista-nacionalista é desqualificada, já como bolchevismo crasso, já como anarquismo velado. O seu espírito é – asseguram muitos – aparentado com o da escolástica católica; ao passo que outros crêem reconhecer nela as características distintas de uma teoria protestante do Estado e do Direito. E não falta quem a pretenda estigmatizar com a marca de ateísmo. Em suma, não há qualquer orientação política de que a Teoria Pura do Direito não se tenha ainda tornado suspeita. Mas isso precisamente demonstra, melhor do que ela própria o poderia fazer, a sua pureza. (KELSEN, op. cit., p. XIII-XIV)

Não se pode, contudo, concordar com a conclusão de Kelsen no parágrafo acima, pois a "pureza" da teoria, ao invés de garantir plena neutralidade axiológica – segundo a crença de Kelsen –, representa justamente o seu caráter instrumental, a sua total disponibilidade para que o poder instituído, seja ele democrático ou fascista, possa manter a estrutura de dominação existente. A neutralidade ou pureza é o instrumental da dominação capitalista no âmbito teórico. Essa mesma formalização (pureza) da teoria é exatamente o caráter teórico que exclui a discussão dos fins do direito, dos seus valores em última análise, tornando irrelevante ou desprezível o fato da ordem jurídica ser boa ou má, conforme referido por Bobbio.

3.2 Na economia

Não somente no direito o afastamento da ética tem gerado profundos problemas e distorções. Amartya K. Sen, em seu livro "Sobre ética e economia", aborda uma série de dificuldades que a teoria econômica tem enfrentado por excluir a ética de suas preocupações [17].

É importante observar que o abandono da ética na economia também está relacionado a uma forte influência do positivismo na metodologia científica econômica. A epistemologia positivista fornece os fundamentos da economia positiva e um dos seus postulados fundamentais é o abandono das preocupações valorativas e a recusa em produzir julgamentos éticos. Para o positivismo, especialmente na forma de sua configuração no século XX, como positivismo lógico, as proposições normativas  aquelas que envolvem valores – não só não cabem na ciência como também não fazem sentido: "o estudo apropriado da humanidade refere-se ao comportamento humano" [18]. Conforme Hollis e Nell (Op.cit., p. 71), o triunfo do positivismo na economia significou o triunfo da utilidade.

Apesar da forte influência positivista na economia contemporânea, Sen (Op. cit., p. 19 et seq.) aponta que historicamente a economia teve duas origens distintas, uma que priorizou um enfoque mais vinculado à ética, outra mais preocupada com os aspectos de "engenharia" econômica. É interessante observar que essa diferença de enfoque parece ser comparável àquela diagnosticada por Ferraz Jr. na área jurídica, na qual o enfoque zetético poderia corresponder ao enfoque ético em economia [19] e o enfoque dogmático corresponderia ao enfoque de engenharia ou logístico. Outra coincidência importante pode ser constatada na seguinte afirmação de Giannetti:

No século XX, entretanto, e principalmente no pós-guerra, acabou predominando a chamada "engenharia econômica". A conseqüência disso foi um completo divórcio entre ética e teoria econômica. [20]

Assim, foi justamente no último século, com a preponderância da abordagem positivista, que a economia afastou-se mais e mais dos problemas éticos, restringindo-se aos problemas "de engenharia". Observe-se ainda o seguinte apontamento de Sen (Op. cit., p. 23):

Pode-se dizer que a importância da abordagem ética diminuiu substancialmente com a evolução da economia moderna. A metodologia da chamada "economia positiva" não apenas se esquivou da análise econômica normativa como também teve o efeito de deixar de lado uma variedade de considerações éticas complexas que afetam o comportamento humano real e que, do ponto de vista dos economistas que estudam esses comportamento, são primordialmente fatos e não juízos normativos.

Esse afastamento dos problemas éticos acabou por empobrecer a economia moderna, pois ela se distanciou da busca dos fins da ordem econômica e abandonou questões como o que pode promover o "bem para o homem" ou o "como devemos viver?". Os fins normalmente são simplificados pela economia logística e reduzem-se a alguns motivos simples e facilmente identificáveis (Ibid., p. 20). O que surpreende é que historicamente a economia, durante muito tempo, foi considerada um ramo da ética. Mesmo um grande economista como Adam Smith, a quem se atribui a criação da economia moderna – ressaltando, portanto, esses que lhe atribuem tal título, o aspecto "logístico" de sua obra , tratou no conjunto de seus escritos vários temas relacionados à ética. A ética teve uma importância considerável no conjunto da obra smithiana, que inclusive produziu um trabalho denominado "Teoria dos sentimentos morais"; Smith foi também professor de filosofia moral na Universidade de Glasgow. No conjunto dos principais economistas, Adam Smith, o "pai da economia moderna", destaca-se como sendo um dos pensadores que atribuiu grande importância às questões éticas em economia. Isso não significa que Adam Smith tenha ignorado as questões de engenharia, mas o importante é notar que ele também tratou dos aspectos éticos, não os rejeitando simplesmente (Ibid., p. 18, passim).

Deixando de lado esses aspectos históricos da ciência econômica, o fato é que a produção de conhecimento na área econômica ficou muito aquém do que poderia ter produzido se se mantivesse atenta às questões éticas (Ibid., p. 23 et seq.). Sen questiona-se ainda – questionamento bastante pertinente para o direito também – como é possível a economia moderna ter conscientemente afastado o aspecto ético de suas análises, visto que ela pretende supostamente ocupar-se de pessoas reais? Parece difícil acreditar no extraordinário desenvolvimento da economia no último século, se se tiver em vista a maneira como foram caracterizadas as motivações humanas, em termos "tão espetacularmente restritos". O comportamento das pessoas que povoam os tratados de economia não se aproximam nem um pouco das pessoas reais (Ibid., p. 17, passim).

Essa situação torna-se bastante evidente no estudo realizado por Sen a respeito da forma como o comportamento humano é tomado pela teoria econômica tradicional (positiva). Em primeiro lugar, a teoria econômica supõe que os seres humanos agem sempre racionalmente. Assim, reduzem o comportamento real a um comportamento permanentemente racional. Isso nega exatamente algumas características estritamente humana, que é o erro, o engano, a confusão, bem como a vontade e o desejo. Conforme acrescenta de maneira espirituosa o próprio Sen, "o mundo decerto tem sua cota de Hamlets, Macbeths, Lears e Otelos. Os tipos friamente racionais podem povoar nossos livros didáticos, mas o mundo é mais rico" (Ibid., p. 27).

A segunda redução importante realizada pela teoria econômica tradicional, para efeitos desse ensaio [21], é aquela que iguala comportamento racional a maximização do auto-interesse. Essa visão de racionalidade, reduzida ao auto-interesse, implica uma necessária rejeição de uma motivação relacionada à ética, ou seja, significa excluir qualquer possibilidade de interferência ética nas tomadas de decisão pelos indivíduos (Ibid., p. 31). Stigler representa bem essa perspectiva, sustentando a "confortável e simplificadora hipótese" (GIANNETTI, op. cit., p. 24) segundo a qual "cada indivíduo é eternamente um maximizador de utilidade, no seu lar, no seu escritório (público ou privado), na sua igreja, no seu trabalho científico, em suma, seja lá onde for" [22]. Sen contesta incisivamente essa perspectiva da Escola de Chicago.

De fato, pode ser menos absurdo afirmar que as pessoas sempre de fato maximizam o auto-interesse do que afirmar que a racionalidade deve invariavelmente requerer a maximização do auto-interesse. O egoísmo universal como uma realidade pode muito bem ser falso, mas o egoísmo universal como um requisito da racionalidade é patentemente um absurdo. (Ibid., p. 32)

Hollis e Nell traçam um quadro divertido a respeito da redução operada pela economia positiva, na qual o homem real é reduzido a um mero "homem econômico", possuindo características ou improváveis ou indeterminadas, que vale a pena reproduzir.

Poucos livros-textos contêm um retrato direto do homem econômico racional. Ele é introduzido furtivamente e gradualmente, o que talvez explique porque usualmente passem desapercebidas as dificuldades que levantaremos. Espreita por entre os pressupostos que levam uma vida esclarecida entre insumos e produção, estímulo e resposta. Não é alto nem baixo, gordo nem magro, casado ou solteiro. Não se esclarece se ele gosta do seu cachorro, espanca a mulher ou prefere o jogo de dardos à poesia. Não sabemos o que deseja; mas sabemos que, o que quer que seja, ele maximizará impiedosamente para obtê-lo. Não sabemos o que compra, mas temos a certeza de que, quando os preços caem, ele ou redistribui seu consumo ou compra mais. Não podemos adivinhar o formato de sua cabeça, mas sabemos que suas curvas de indiferença são côncavas em relação à origem. Pois, em lugar de seu retrato, temos um retrato falado (com os traços gerais). Ele é filho do iluminismo e, portanto, o individualista em busca de proveito próprio da teoria da utilidade. É um maximizador. Como produtor, maximiza sua fatia de mercado ou seu lucro. Como consumidor, maximiza a utilidade, por meio da comparação onisciente e improvável entre, por exemplo, morangos marginais e cimento marginal. [...] Está sempre no ponto que considera ótimo, acreditando (por mais falsa que seja essa crença) que qualquer mudança marginal seria para pior. Da indiferença individual ao comércio internacional, está sempre alcançando os melhores equilíbrios subjetivos entre desincentivo e recompensa. Este é o primum nobile racional da economia neoclássica. (HOLLIS e NELL, op. cit., p. 77-8)

Outra questão importante levantada por Sen está na sua crítica ao chamado "welfarismo". O welfarismo seria uma concepção em que as únicas coisas de valor intrínseco para o cálculo ético e a avaliação dos estados são as utilidades individuais (Sen, op. cit., p. 56). Nesse caso, a utilidade seria uma espécie de reflexo do bem-estar. Mas o problema principal é que uma pessoa pode dar valor a determinadas ações ou eventos que não tenham uma relação com a melhora do seu bem-estar pessoal, mas muitas vezes com a da sua família, de sua classe ou partido (Ibid., p. 57, passim) [23]. Além disso, nem sempre a utilidade – entendida como a satisfação de desejos - é um critério válido de bem-estar, pois pode haver a influência de muitas circunstâncias contingentes sobre a métrica da utilidade. É o caso de imaginar-se pessoas em diferentes situações sociais ou econômicas. João Bosco e Aldir Blanc parecem ter compreendido bem essa diferença fundamental na métrica da satisfação de desejos, ao ilustrarem o cotidiano dos bóias-frias:

Os bóias-frias

Quando tomam umas biritas

Espantando a tristeza

Sonham com bife a cavalo

Batata-frita e a sobremesa

É goiabada-cascão com muito queijo

Depois café, cigarro e um beijo

De uma mulata chamada Leonor

Ou Dagmar [...] [24]

O bem-estar, portanto, envolve um problema de valoração mais complexo do que o previsto pelas teorias econômicas tradicionais: a felicidade ou a satisfação de desejos dependem das contingências da vida de cada pessoa ou grupo social e não conseguem refletir adequadamente o valor do bem-estar. É necessária uma maior profundidade na consideração desses valores, pois "na medida em que estamos preocupados com as realizações da pessoa, ao fazer o juízo ético, a realização da utilidade pode muito bem ser parcial, inadequada e desorientadora" (SEN, op. cit., p. 63). Sen sintetiza sua crítica sobre a visão da teoria tradicional a respeito do bem-estar e da utilidade em dois tópicos: 1) o bem-estar não é a única coisa valiosa, 2) a utilidade não representa adequadamente o bem estar (Ibid., loc. cit).

Há por fim um outro aspecto interessante a ser abordado, no qual não só a economia, mas também a ética perdeu alguma coisa com o afastamento ocorrido entre essas áreas do saber no último século. Sen chama a atenção ao fato de que os métodos tradicionalmente empregados na economia podem ser bastante úteis na análise de questões éticas no mundo moderno, especialmente ao lidar com temas que envolvem interdependência relacionados a problemas éticos complexos, mesmo não havendo variáveis econômicas envolvidas (Ibid., p. 25-6). Uma análise pontual sob essa perspectiva é realizada por Sen em outra obra [25], na qual ele analisa a questão da igualdade a partir da metodologia "logística" da teoria econômica tradicional, oferecendo contribuições muito interessantes a respeito.

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Sobre o autor
Antonio Augusto Tams Gasperin

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), mestre e atualmente doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Coordenador Acadêmico e de Pesquisa e Monografia na Faculdade Radial (SP), onde leciona as disciplinas de Introdução ao Estudo do Direito e Filosofia Geral e Jurídica. Coordena também o Núcleo de Direitos Humanos da Faculdade de Direito do UniRitter (RS), onde leciona ainda a disciplina Metodologia do Direito, Advogado na área de contratos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GASPERIN, Antonio Augusto Tams. Pensar o passado e pensar o futuro.: Direito e Economia entre o positivismo e a ética. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 729, 4 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6954. Acesso em: 16 abr. 2024.

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