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Mediação de conflitos no Programa Municipal de Pacificação Restaurativa Petrópolis da Paz

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15/09/2019 às 23:10
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PROJETO MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

Taíse Trentin, Viviane Coitinho e Aline Casagrande, mestres em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), de Santa Catarina, em trabalho intitulado “Mediação Comunitária como Política Pública de Inclusão Social no Tratamento de Conflitos”,[5] remetem à obra do jurista brasileiro Clovis Gorcevski, também de SC. Ele diz que a mútua colaboração para o alcance da solução do conflito deve estar presente, em especial, se as pessoas envolvidas convivem juntas, visto que, no futuro se apoiarão uma na outra.

O Programa Petrópolis da Paz, em consonância com o pensamento do renomado jurista catarinense, acredita que, a médio e longo prazos, institucionalizará a Mediação Comunitária na sociedade petropolitana. É ela que – por meio de técnicas específicas de escuta, comunicação e negociação – apoia as partes conflituadas, promove o diálogo e ajuda a encontrar soluções justas e satisfatórias, promovendo a tão sonhada – e necessária – paz social nas comunidades. Trata-se de uma nova concepção para a gestão de conflitos, apoiada na redefinição das relações interpessoais. É uma prática que se baseia na escuta, na aceitação, na compreensão e no respeito pelos membros de um sistema multicultural e heterogêneo, reforçando a diversidade. Além disso, por ser um processo de comunicação, deve ser implementado também como método pedagógico e válido para todos os atores sociais.

A mediação comunitária possui como objetivo desenvolver entre a população valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura político-democrática e uma cultura de paz. Busca, ainda, enfatizar a relação entre os valores e as práticas democráticas e a convivência pacífica e contribuir para um melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento adequado daqueles problemas que, no âmbito da comunidade, perturbam a paz. (SALLES, 2003, pág. 135)

Os objetivos do Programa na aplicação dessa vertente propõem:

  • Produção de identidades sociais;
  • Elaboração de novos espaços de socialização e a criação de modelos alternativos de gestão das relações sociais – visando a intervenção, prevenção e resolução de conflitos latentes;
  • Promoção do desenvolvimento das capacidades e competências interpessoais e sociais, essenciais para o exercício de uma cidadania participativa e para a construção da cultura da paz;
  • Elaboração de um programa de prevenção da violência;
  • Conscientização da organização do valor social do conflito;
  • Criação de um contexto cooperativo;
  • Capacitação em resolução, procurando valorizar o diálogo, a fim de promover a pacificação e a superação das diferenças.

É como se o mediador fosse um cidadão entre os cidadãos, ou seja, alguém que tem consciência de que “ser mediador cidadão é uma arte que, como todas as artes, não termina jamais de refinar-se” (SPENGLER, 2012, p. 237).[6] Muito mais que simplesmente resolver conflitos, a Mediação Comunitária vem implantar o respeito mútuo no cotidiano de todos. Com ela, as pessoas aprendem a resolver seus conflitos à base do entendimento e do diálogo.

Tudo isso se daria mediante técnicas e procedimentos operativos informais (desinstitucionalizados), em favor de uma Justiça que pretende resolver o conflito, dar satisfação à vítima e à comunidade, pacificar as relações sociais interpessoais e gerais danificadas pelo delito e melhorar o clima social: sem vencedores nem vencidos, sem humilhar nem submeter o infrator às “iras da lei”, nem apelar à “força vitoriosa do Direito”. (GOMES, 2011, p.3)[7]  


PROJETO JUSTIÇA RESTAURATIVA

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução 225 de 31 de maio de 2016, dispondo sobre a Justiça Restaurativa, tem como missão implantar uma nova possibilidade, no país, de construir um novo olhar por meio de formas alternativas de solução de conflitos.

      Seu artigo 1º cita: “constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado, sendo necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima, bem como das suas famílias e dos demais envolvidos (...).”  Por que a participação de vítimas e ofensores se faz necessária e com peso idêntico? Porque, segundo Daniel Achutti[8], doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), o Estado, ao se apropriar dos conflitos e substituir a noção de perda ou dano pela de infração, colocou a vítima em segundo plano. Isto é, chamou o delito para si e deixou a vítima como mera espectadora do processo. Um processo que a deixa à espera de uma decisão sobre a qual ela não tem qualquer participação.  A quebra de paradigma trazida pela Justiça Restaurativa baseia-se na responsabilidade social e na interação entre vítimas, ofensores e comunidade. Todos são colocados frente a frente para, juntos, participarem ativamente do processo. Na justiça convencional (retributiva) a vítima não é admitida, já que o processo penal, segundo Achutti, existe apenas para satisfazer os interesses punitivos do Estado. Com a justiça restaurativa, a parte atingida pelo dano, crime ou infração é trazida para o centro da questão. Os impactos do que ela e todos ao seu redor sofreram são debatidos, inclusive, por quem o causou. Dessa forma, seus efeitos são minimizados. Assim, procura-se diminuir os impactos da punição, bem como suas consequências.

O Programa Municipal de Pacificação Restaurativa Petrópolis da Paz implanta, no Município, a Câmara Pública, para atender, por meio da Justiça Restaurativa e da Mediação Conflitos, todos os conflitos encaminhados pelos espaços públicos do Município. Problemas relacionados à violência física, moral, psicológica e, futuramente, patrimonial contarão com voluntários capacitados em práticas restaurativas. Dessa forma, relações tumultuadas e conflituosas contínuas (brigas entre vizinhos etc.) e próximas (contendas familiares, por exemplo) tendem a ser resolvidas na base do diálogo e do entendimento entre as partes, que chegarão a uma solução que beneficie ambas. Ainda pouco conhecidas pelo grande público, as práticas restaurativas, convém enfatizar, trazem para a comunidade novas e ágeis forma de solucionar suas pendências. A figura do culpado, que tem de ser identificado e punido, cede espaço à participação efetiva da vítima no processo. Ela é chamada para participar ativamente da solução do conflito. Com isso, ambos os lados da contenda têm peso idêntico; e com o auxílio de um mediador, resolvem suas diferenças e saem enriquecidos da experiência, visto que saberão resolver seus próprios problemas na base do entendimento e da cooperação mútuas. Com a Justiça Restaurativa, empodera-se a comunidade. Todos passam a zelar pela integridade física e moral de todos. Afinal, todos aprendem a ouvir e a intervir de forma conciliadora no problema apresentado. Com isso, mesmo que família e comunidade não percebam, estão reafirmando o compromisso de respeitar uns aos outros, rejeitar a violência e desenvolver a cultura da paz.  

Quando, portanto, o assunto Justiça Restaurativa está em pauta, emerge não só a questão de educar os membros da comunidade a resolverem suas próprias diferenças na base do diálogo. É mais profunda a proposta. Trata-se de, aos poucos, devolver aos cidadãos o ensejo de restaurar a reparação dos danos e as necessidades de todos os envolvidos: vítima, ofensor, comunidade e sociedade. Assim, a justiça, no que há de mais nobre, abre-se para o meio social, que passa a entender seu real significado e a praticá-la tendo como base o bem comum.

A Justiça Restaurativa possui também três pilares de sustentação: dano, compromisso e participação. O dano remete às necessidades da vítima. Ela tem de ser o centro do processo. Por isso, a Justiça Restaurativa se preocupa com a vítima, identificando-lhe as necessidades e reparando o mal por ela sofrido. Depois do dano, temos o compromisso. Quem causou o dano tem de se conscientizar da gravidade do que fez e querer repará-lo. Para tanto, espontaneamente, irá ouvir e ser ouvido. Irá conversar com a vítima para entender o outro lado da questão. Por fim, temos a participação, que é o terceiro pilar. Nessa fase, tanto vítima quanto agressor participam ativamente no processo judicial e em sua decisão, que será satisfatória para ambos.

  • O Núcleo do Programa será chamado de Câmara Pública e é composto por mediadores judiciais e extrajudiciais.
  • Os casos são acompanhados também para fins estatísticos.

A metodologia do Programa segue as modalidades em voga no Brasil. São elas: mediação, processos circulares e conferência de grupo familiar. Serão promovidos pelo Programa nas escolas e atendidos na Câmara Pública.  A “Cartilha sobre Justiça Restaurativa”[9] do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) auxiliará na escolha das ferramenta que o mediador/facilitado  poderá utilizar caso a caso.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa estudado trata-se de uma iniciativa pública inovadora no âmbito municipal, vindo engrossar o calibre dos trabalhos que objetivam a implementação do instituto da mediação e os métodos adequados de solução e tratamento dos conflitos em suas variadas aplicabilidades. Ele está em consonância com os demais diplomas legais que regulam a matéria: a Resolução 125 de 29 de novembro de 2010, a Lei de Mediação de nº 13.140 de 26 de junho de 2015 e a Resolução 225 de 31 de maio de 2016, além do novo Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 16 de março de 2015. O mesmo se dá através da Mediação Escolar, da Mediação Comunitária e da Justiça Restaurativa, forma a principal pirâmide de trabalho. Essas práticas são implementadas nos demais órgãos da administração pública, visando à criação e incorporação de núcleos de tratamento adequado dos conflitos.

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REFERÊNCIAS

ACHUTTI, Daniel Silva. Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal: Contribuições para um Novo Modelo de Administração de Conflitos no Brasil. Disponível em http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/5/TDE-2012-09-28T135742Z-4085/Publico/441970.pdf

BRANCHER, Leoberto (coordenador). A Paz que Nasce de Uma Nova Justiça - Paz Restaurativa – 2012 a 2013. Um ano de Implantação de Justiça Restaurativa Como Política de Pacificação Social em Caxias do Sul.

CABRAL, Lia Maria Suzin – O Programa Caxias da Paz Refletindo na Implantação da Justiça Restaurativa na Cidade de Guaporé. Disponível em http://pitangui.uepg.br/eventos/justicarestaurativa/_pdf/ANAIS2016/

CATARINA, M. Isabel. Mediação em Contexto Escolar: Transformar o Conflito em Oportunidade. 2009. Disponível em www.exedrajournal.com/docs/01/43-56.pdf.

CHRISPINO, Álvaro; DUSI, Miriam Lúcia Herrera Masotti - Uma Proposta de Modelagem de Política Pública para a Redução da Violência Escolar e Promoção da Cultura da Paz. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n61/v16n61a07.pdf

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) – Manual de Mediação Judicial – Conselho Nacional de Justiça, 2016, Brasília. DF.

FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim. Ed. Imago, 2ª Edição revisada e ampliada, 2005, Ed. Imago, Rio de Janeiro, RJ.

GOMES, Luiz Flávio. Justiça Conciliatória, Restaurativa e Negociada. Universidade Anangüera, Uniderp, Ipan, Rede LFG, 2011.

GORCZEVSKI, Clovis. Jurisdição Paraestatal: Solução de Conflitos com Respeito à Cidadania e aos Direitos Humanos na Sociedade Multicultural. Imprensa Livre, 2007. Porto Alegre, RS.

NASCIMENTO, Mirella – Justiça Restaurativa – O Olho no Olho na Resolução de Conflitos e Crimes, Mesmo os Mais Graves. Publicada em 08 de janeiro de 2018. Disponível em https://tab.uol.com.br/justica-restaurativa/#frases-8

RESOLUÇÃO SE 41/2017 – Institui o Projeto Mediação Escolar e Comunitária na Rede Estadual de Ensino de SP. Publicada em 23 de setembro de 2017. Disponível em https://publicadoeducacao.wordpress.com/tag/resolucao-se-412017/

SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e Mediação de Conflitos. Belo Horizonte. Del Rey, 2003.

SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos Políticos da Mediação Comunitária. Ijuí; Ed. Unijuí, 2012, Ijuí, RS.

TRENTIN, Taíse Rabelo Dutra; COITINHO, Viviane Teixeira Dotto; CASAGRANDE, Aline. Mediação Comunitária como Política Pública de Inclusão Social no Tratamento de Conflitos. Disponível em https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/11803/1537

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Cartilha sobre Justiça Restaurativa. Grupo Globo, 2017, Rio de Janeiro, RJ.

URY, William. Como Chegar ao Sim com Você Mesmo. Ed. Sextante, 1ª Edição, 2015, Rio de Janeiro, RJ.


Notas

[1] O Prêmio Innovare tem como objetivo identificar e difundir práticas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil. www.premioinnovare.com.br

[2] BRANCHER, Leoberto (coordenador). A Paz que Nasce de Uma Nova Justiça - Paz Restaurativa – 2012 a 2013. Um ano de Implantação de Justiça Restaurativa Como Política de Pacificação Social em Caxias do Sul.

[3] www.tjrj.jus.br

[4] CHRISPINO, Álvaro; DUSI, Miriam Lúcia Herrera Masotti - Uma Proposta de Modelagem de Política Pública para a Redução da Violência Escolar e Promoção da Cultura da Paz. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n61/v16n61a07.pdf

[5] TRENTIN, Taíse Rabelo Dutra; COITINHO, Viviane Teixeira Dotto; CASAGRANDE, Aline. Mediação Comunitária como Política Pública de Inclusão Social no Tratamento de Conflitos. Disponível em https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/11803/1537

[6] SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos Políticos da Mediação Comunitária. Ijuí; Ed. Unijuí, 2012, Ijuí, RS.

[7] GOMES, Luiz Flávio. Justiça Conciliatória, Restaurativa e Negociada. Universidade Anangüera, Uniderp, Ipan, Rede LFG, 2011.

[8] ACHUTTI, Daniel Silva. Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal: Contribuições para um Novo Modelo de Administração de Conflitos no Brasil. Disponível em http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/5/TDE-2012-09-28T135742Z-4085/Publico/441970.pdf

[9] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Cartilha sobre Justiça Restaurativa. Grupo Globo, 2017, Rio de Janeiro, RJ.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Elsie-Elen Loureiro. Mediação de conflitos no Programa Municipal de Pacificação Restaurativa Petrópolis da Paz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5919, 15 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69582. Acesso em: 23 dez. 2024.

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