O Tribunal Penal Internacional entrelaçado com os Direitos Humanos

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17/10/2018 às 13:48
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Trata-se da situação do Tribunal Penal Internacional, dando-se maior ênfase à análise dos mecanismos por ele ofertados de proteção aos direitos humanos e as suas respectivas sanções.

“O direito é um poder passivo ou pacificado pelo Estado

E é sinônimo de poder, pois sem esta participação.

E legitimação democrática,

Só resta a violência,

A descrença e a barbárie”.

Hannah Arendt – Filósofa

RESUMO: Este trabalho trata da situação do Tribunal Penal Internacional, dando-se maior ênfase à análise dos mecanismos por ele ofertados de proteção aos Direitos humanos e as suas respectivas sanções. Serão abordados, com acuidade e, de uma forma sucinta, os principais princípios norteadores do Tribunal de Haia, destacando-se a diferença entre este os demais Tribunais ad hoc criados no decorrer da História. Finalmente, será abordada a questão em si da compatibilidade entre o texto constitucional brasileiro e o Estatuto de Roma, demonstrando os fundamentos jurídicos para tanto.

Palavras chave: Tribunal Penal Internacional, Direitos Humanos, Constituição da República.


INTRODUÇÃO

Esta pesquisa vai tratar de um tema extremamente interessante que é o Tribunal Penal Internacional.

No presente trabalho será abordado o tema dos antecedentes históricos que deram margem ao surgimento do Tribunal Penal Internacional, seus princípios fundadores, suas características peculiares, analisando, com acuidade, os crimes julgados por ele, bem como temas correlacionados aos crimes violadores de Direitos Humanos e o cenário mundial e brasileiro de atuação do Tribunal Penal Internacional.

Os dois grandes marcos teóricos que podem ser apontados para enriquecer essa dissertação sobre o tema deságuam no surgimento dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, que ocasionaram, por si só, impacto de grande monta, uma vez que idealizaram a responsabilização criminal de indivíduos, ostentando uma nova versão do conceito de soberania, atuando na repressão e prevenção de práticas criminosas, de maneira em que foi fortalecendo o alicerce de um sistema normativo internacional de direitos humanos, deixando, pois, de ser um assunto de jurisdição doméstica para adquirir contornos internacionais.

O lastro de persecução penal internacional foi muito além dos dois Tribunais acima citados, deflagrando-se os Tribunais ad hoc para os territórios da Ex Iugoslávia e Ruanda, culminando com a criação do Tribunal Penal Internacional - originado pelo Estatuto de Roma, na data de 17 de julho de 1998, cujo marco institucional se deu em 11 de abril de 2002.

O combate aos crimes perpetrados em clara violação aos Direitos Humanos é preocupação iminente da comunidade internacional que busca, dentre suas metas primordiais, o fortalecimento do ideal humanitário de segurança, dando realce ao seu caráter preventivo, tendo em vista que após a consumação das atrocidades o prejuízo para o planeta é de dimensão incalculável.

Todavia, acurar se esse objetivo geral tem tido eficácia prática, em que pese à idoneidade de julgamentos levados a efeito pelo Tribunal Penal Internacional corrobora a proposta deste trabalho. Para tanto, iremos analisar a criação e a validade da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, a partir de fatos que o precederam, do seu modo de instituição e da forma como tem sido vistos os temas atinentes aos Direitos Humanos.

Como objetivos específicos deste trabalho pontuamos a análise da acepção dos Direitos Humanos no cenário mundial, com destaque na América Latina, bem como da internacionalização desses direitos após a deflagração da segunda guerra mundial. Para tanto visamos ao estudo das Cortes e Tribunais que precederam o Tribunal Penal Internacional, com os seus aspectos positivos e negativos para a humanidade. Levamos ao leitor a motivação precisa que ensejou a criação do Tribunal Penal Internacional, bem como a sua estrutura, os seus propósitos, a sua implementação e execução, nos moldes traçados pelo Estatuto de Roma. Tais objetivos passaram pela compreensão da segurança como vetor dos Tribunais Penais Internacionais, até então criados numa clara percepção de flexibilização (e não de mitigação!) do conceito de soberania, culminando com a aceitação dos países signatários ao Tribunal Penal Internacional validando-o em seara internacional.

No que toca ao problema objeto de estudo, ainda que haja o consenso deste organismo em distribuir uma justiça internacional, muito se tem discutido a respeito da legitimidade, justiça e efetividade dos seus julgados. Dessa feita, indaga-se: Deve ser aferida a soberania de um país e a autodeterminação de seu povo para que se realize uma punição adequada com uma ideologia doméstica, dos agressores e agredidos? O Tribunal Penal Internacional gozaria da pecha da imparcialidade? Seria esse organismo um verdadeiro instrumento de tutela aos Direitos Humanos? Apresenta o mesmo lastro de legalidade e legitimidade para existir no cenário mundial?

Um ponto crítico a ser estudado nesse trabalho é o fato do Tribunal Penal Internacional se relacionar com o Conselho de Segurança (que não é um órgão jurisdicional!) mantendo-se entrelaçado com os Estados - partes do Estatuto. É cediço que o Conselho de Segurança vincula todos os Estados membros das Nações Unidas não se limitando aos Estados – Partes do Estatuto de Roma e isso, de certa maneira, torna um tanto temerária a atuação do Tribunal Penal Internacional, tendo em vista que o veto de um único país que faça parte do Conselho de Segurança (ainda que não tenha aderido ao Estatuto de Roma!) ceifará toda atuação investigativa e processual que o Tribunal Penal Internacional possa levar adiante no que diz respeito a um Estado violador. Logo, comandaria a atuação do Tribunal Penal Internacional um país não signatário do próprio Estatuto, por via do Conselho de Segurança, que não é considerado um órgão jurisdicional.

Assim, no primeiro capítulo far-se-á um exame preliminar da criação do Tribunal Penal Internacional, bem como da posição chefiada pelos Estados Unidos da América na atualidade face ao seu Poder de Império, mostrando-se posição doutrinária acerca do tema e sua implicação, assim como um acurado estudo sobre o entrelaçamento do Direito Penal Internacional utilizado como uma bússola na implementação do Tribunal Penal Internacional, com os seus contornos históricos e políticos que o antecederam, logo após a Segunda Guerra Mundial.

No segundo capítulo, pretende-se tratar especificamente dos princípios estruturais do Tribunal Penal Internacional focando na validade territorial e extraterritorial do Tribunal face aos seus jurisdicionados, a sua eficácia perante os mesmos, sem esbarrar na soberania do país signatário do Tratado com as suas leis internas (princípio da complementaridade), tendo em vista a legalidade de seus julgamentos, a prescritibilidade de seus crimes e ao juiz natural para a causa. Ademais, ainda que transpareça ser uma grande ameaça para os Estados, o que em verdade não o é, ainda nesse enfoque o processo de internacionalização dos Direitos Humanos simboliza uma belíssima resposta desta dita comunidade no que toca a elaboração de princípios que visam assegurar a convivência pacífica e harmônica entre os Estados.

No terceiro capítulo enfoca-se os crimes que são da competência do Tribunal Penal Internacional verificando os cenários políticos e jurídicos no Brasil e no mundo no tocante ao combate das respectivas infrações penais. Paulatinamente, após a sentida experiência vivenciada pela comunidade internacional com o Nazismo, constituiu-se um esqueleto de normas jurídicas atinente aos crimes de guerra e contra a humanidade. A existência de um Direito Penal Internacional que previsse crimes internacionais (conjunto de atos praticados por indivíduos que violam valores reputados como fundamentais por grande parte dos Estados) e suas respectivas penas nada mais significou que uma exigência de cunho moral dos povos para o progresso da humanidade.

No quarto capítulo, a ênfase gira em torno de temas que guardam relação com a prática de crimes que são objeto de julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, desde discussões iniciais de eficácia das reprimendas nacionais e internacionais, com amostra de julgamentos nacionais e de como a questão vem repercutindo mundo a fora. Estuda-se nesse tópico a responsabilidade criminal do individuo e do Estado por delitos que repercutem internacionalmente falando.

No quinto capítulo discute-se a forma como o Tribunal Penal Internacional é visto pela Constituição da República Federativa do Brasil. Assim tornou-se imperiosa a verificação do contexto da política nacional, desde as discussões iniciais acerca da criação do Tribunal Penal Internacional, passando por sua aprovação e ratificação em nosso território e seu processo de implementação e validez face a Constituição da República Federativa do Brasil, com espeque na pena de prisão perpétua, a entrega de nacionais e a imprescritibilidade, seus aparentes conflitos e  aparentes antinomias com a lei interna.

Por fim, não seria crível apresentar um estudo de defesa aos Direitos humanos sem uma conclusão que levasse o leitor a uma reflexão acerca do que tem sido, até então, implementado pelo Tribunal Penal Internacional no Brasil e no mundo, bem como daquilo que ainda poderá, no futuro, ser implementado por ele, pela força e potência que já adquiriu desde os primórdios de sua criação até a atualidade. Quais os crimes ainda poderiam ser objeto de julgamento pelo Tribunal Penal Internacional que ainda não constam de sua pauta e de suas discussões.


CAPITULO I - Antecedentes históricos e a criação do Tribunal Penal Internacional, bem como a posição chefiada pelos Estados Unidos da América, na atualidade.

Passemos agora a um breve apontamento de seus antecedentes históricos.

O tema do Tribunal Penal Internacional, para ser bem compreendido, necessita de um levantamento histórico, ainda que breve. O Tribunal Penal Internacional é o resultado de um longo processo histórico pela tomada de poder, onde ditadores, obcecados pela posse de poder, se valiam da prática de crimes bárbaros. Vamos encontrar em nossa história recente os principais marcos para que o Tribunal Penal Internacional Permanente seja criado. Perspassando a linha demográfica da história, destacamos o ano de 1919. Nesta data houve a previsão no Tratado de Versalhes, de uma Corte especial para julgar determinado indivíduo. Apontamos liminarmente, o Tratado de Versalhes que simbolizou, pois, um tratado de paz, cujo horizonte maior era a paz Européia, encerrando oficialmente à Primeira Guerra Mundial. Fora assinado em 28 de junho de 1919 com sede na cidade de Versalhes.  Tal documento abordava também a criação da Liga das Nações, organização cuja finalidade última era a de promover a paz e a prevenção de conflitos. O destaque do tratado ditava que a Alemanha seria apontada como a responsável pelo início da guerra, e assim sendo, deveria cumprir uma série de reparações acoimadas aos integrantes da Tríplice Entente, o nome da coalização adversária de Alemanha e seus aliados.

Vale dizer: A assinatura de um tratado tão rígido causou um grande choque na Alemanha. Sua população apontava como desonra a aceitação por parte de seu próprio governo de opressivas condições, sem esforços em conduzir negociações de paz mais planejadas. Fato é que, nas exigências rigorosas do Tratado de Versalhes podemos encontrar o embrião da Segunda Guerra Mundial. Assim, com previsão no Tratado de Versalhes, a Corte Especial fora prevista, porém não implementada na prática, para o julgamento exclusivo de kaiser Guilherme II, cuja denúncia fora feita basicamente por ofensa suprema contra a moral internacional e a chamada autoridade sagrada dos tratados. Isso porque houve a recusa na extradição deste, oriunda dos países baixos, sob a assertiva de que os delitos por eles perpetrados não guardavam o caráter criminal e sim político. O nível de massacre e devastação originados, pois da segunda guerra mundial, infundiram a ideia de responsabilização dos agressores.

 Logo, o primeiro marco data de 1920, a segunda guerra mundial, que externou os excessos ditatoriais, onde é feita uma proposta da liga das Nações para a criação de um Tribunal Penal Internacional, proposta essa que não foi adiante. No contexto da segunda guerra mundial, em 1943, as Nações Aliadas, chamadas Nações Unidas vão se juntar e firmar o compromisso de criar tribunais específicos para o julgamento dos criminosos de guerra, compromisso esse que deu origem a própria criação da ONU (Organização das Nações Unidas).

A ONU é uma organização internacional que foi criada em 1945, após a segunda guerra mundial, com o fito de substituir a Liga das Nações, criada como uma organização internacional no lapso temporal da primeira guerra mundial (em 1919) pela Conferência de Paz, traduzindo-se em miúdos como um acordo de paz e resolução dos conflitos internacionais, não atingindo os seus reais propósitos, devido a sua instabilidade institucional, não contando com a adesão de grandes potências da época, tais como dos Estados Unidos da América, Itália e União Soviética. Fato esse que historicamente se explica pelo fato de ter havido a recusa de o Congresso norte-americano em ratificar o Tratado de Versalhes, o que impediu que os Estados Unidos da América se integrassem como membro do novo organismo. 

O objetivo primordial da ONU consiste em deter a guerra entre os países cuja missão maior é estabelecer uma plataforma de diálogo entre eles, bem como fomentar relações amigáveis entre eles, em trabalho conjunto para eliminação da pobreza, analfabetismo e preservação do meio ambiente, incentivando e respeitando a preservação de liberdades individuais e internacionais, atuando, pois como um verdadeiro centro de paz.

Em 1945 e em 1946 são criados dois Tribunais importantes, quais sejam: o Tribunal de Nuremberg em 1945 e o Tribunal de Tóquio, em 1946. Ambos para julgarem os indivíduos responsáveis pelas violações dos direitos humanos.

 O Tribunal de Nuremberg, especificamente, para julgar os nazistas. Surgiu através de um acordo entre os líderes da Ex- URSS, dos Estados Unidos da América, da Grã Bretanha e da França; após o lapso temporal da segunda guerra mundial no território de Nuremberg, na Alemanha, apresentando a natureza jurídica de um verdadeiro Tribunal apto ao julgamento dos crimes perpetrados pelos nazistas durante a guerra. Estima-se que tenha julgado cento e noventa e nove homens sob acusações diversas, de prática de crimes contra o direito internacional e até mesmo de incitação a guerra.

O Tribunal de Tóquio ou Tribunal de crimes de Guerra de Tóquio ou também conhecido como Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente encontra o seu fundamento de validade na Declaração de Cairo cujos representantes foram Estados Unidos da América, Grã Bretanha e China, e cujos objetivos primários eram o de colocar fim a agressão japonesa, levando a julgamento os seus agressores no combate aos crimes de guerra. Tribunal este composto de juízes das onze nações aliadas; quais sejam: Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, Grã Bretanha, França, Índia, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas e União Soviética. Esses Tribunais apresentaram alguns avanços, mas também apresentaram algumas críticas. Um dos principais avanços é o de promover a responsabilização internacional do indivíduo. E aqui temos um marco extremamente importante no desenvolvimento dos direitos humanos: a responsabilização penal dos indivíduos. Até aquele momento a responsabilidade internacional era focada sobre o Estado. O Estado seria o sujeito de direitos. Apenas o Estado. Aqui nós encontramos não apenas o Estado, mas também o indivíduo, como sujeito de direitos e obrigações no plano internacional. Tanto ele é sujeito de obrigações no plano internacional que ele pode, inclusive, ser responsabilizado por violações decorrentes sobre os direitos humanos.

O que se deu é que vários nazistas foram levados a julgamento, alguns recebendo a sanção de prisão perpétua, outros, com a pena de morte pelo enforcamento.

Agora, em que pese esse avanço da responsabilização internacional do individuo, também há que se fazer referência a algumas críticas. Vou pontuar as seguintes críticas: Trata-se de um Tribunal pós factum, ou seja, é um tribunal criado após o fato. É um Tribunal ad hoc. É um Tribunal criado para o ato. E é um Tribunal composto pelos vencedores. Então nós temos os vencedores julgando os vencidos, por meio de um Tribunal que foi constituído após o fato, e apenas para aquele ato. Alguns chegam a dizer que essas características, por si só, já seriam suficientes para caracterizar estes Tribunais como de exceção, o que denotaria um desrespeito às garantias processuais do indivíduo.

Agora, em que pesem tais críticas considera-se que os avanços superam as críticas, especialmente por força da gravidade e da dimensão das atrocidades, praticadas no período da Segunda Guerra Mundial processadas. Tivemos-nos mais de 11 (onze) milhões de pessoas mortas, das quais 6 ( seis) milhões de judeus. Foi um verdadeiro massacre. Um verdadeiro genocídio, não só de judeus, mas de ciganos, negros, homossexuais e tantos outros grupos que foram dizimados pelo regime nazista. As atrocidades praticadas davam legitimidade para a atuação dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. Esses, os dois grandes marcos para o surgimento de um Tribunal Penal Internacional.

Após esses Tribunais terem existido e terem atuado há um debate no âmbito da ONU sobre a criação do Tribunal Penal Internacional. Debate este que gerou uma comissão de estudos, com pareceres e propostas de criação do TPI. O problema é que, logo após a Segunda Guerra Mundial, começa o problema de bipolarização mundial na década de 50, se agravando com aquilo que chamamos de guerra fria, paralisando-se, assim, o debate para a criação do TPI. O debate é restaurado após a guerra fria, ou seja, com a queda do muro de Berlim e com o colapso da União Soviética.

A guerra fria nada mais foi que uma disputa travada entre os Estados Unidos da América e a União Soviética pela titularidade do poder mundial, assim denominada por simbolizar uma guerra econômica, diplomática e ideológica, assim sucedida no intuito maior da conquista de zonas de influencia. Disputa esta que bipolarizou o mundo em duas grandes potências, numa disputa armamentista, que perdurou por quarenta longos anos. Apresentavam sistemas econômicos e políticos discrepantes, ameaçando o continente com uma guerra nuclear, com devastações incalculáveis. Politicamente os Estados Unidos se apresentavam ao cenário mundial com sistema político do capitalismo e a União Soviética com o comunismo.

Em 1990 é apresentada uma nova proposta formal perante a ONU para a criação do TPI. Em 1993 e 1994 são criados dois Tribunais de extrema importância. Em 1993 para julgar os crimes cometidos na antiga Iugoslávia e em 1994 para julgar os crimes praticados em Ruanda. Esses Tribunais também são caracterizados como Tribunais ad hoc e, após o fato, e há outra crítica relevante a tais Tribunais: Tais Tribunais foram criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou seja, por um órgão não jurisdicional. Atente-se para a circunstância de desde meados de 1991, o conflito armado na Iugoslávia estava na pauta da agenda do Conselho de Segurança, que estava agindo de diversas formas com o fito de conter hostilidades em países que ostentavam desintegração violenta. Em 1992, com a deflagração do conflito da Bósnia e diante da pesada situação humanitária, o Conselho de Segurança se pronunciou no sentido de atribuição de responsabilidade individual àqueles que perpetraram violações graves do direito internacional humanitário; exigindo das partes beligerantes a paralisação imediata das violações, deixando claro que o não cumprimento da determinação ocasionaria a adoção de medidas adicionais. Tal advertência não fora atendida pelos beligerantes, que seguiram cometendo ações de limpeza étnica.

Se o Conselho de Segurança não é um órgão jurisdicional há um questionamento relevante sobre a sua competência para criar um órgão de natureza jurisdicional, sem haver previsão nos tratados internacionais para tanto.

Esse questionamento serve inclusive para se questionar a legitimidade dos Tribunais da ex Iugoslávia e Ruanda. Marco histórico para tanto pode ser apontado como o ano de 1994, em que se desencadeou outra catástrofe humanitária mundial que chamou a atenção das Nações Unidas, qual seja, o genocídio praticado em Ruanda, objeto da vitimização de oitocentas mil pessoas num contexto temporal de três meses. Fato esse que se deu no bojo de uma guerra civil que acontecia naquele território. Se vendo impotente de evitar uma catástrofe desse patamar apresentada, o Conselho de Segurança, por força dos Estados Unidos e Nova Zelândia resolveu, pois, adotar solução semelhante à imposta no caso atinente a antiga Iugoslávia, criando, pois um Tribunal Internacional para Ruanda, com o fito de processar e julgar os agentes por genocídio e outros graves ataques do direito internacional humanitário. As decisões do Conselho, ainda que dessem margem a controvérsias, foram assim impostas em respeito ao clamor da comunidade internacional frente às atrocidades cometidas na Bósnia e em Ruanda. 

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Além desses antecedentes históricos aqui mencionados (e são aqui os principais!) nós vamos ter o debate sendo aprofundado no âmbito da ONU, sendo criado um órgão específico para esse debate, e em 1998, à partir de uma conferência internacional, conferência esta que dura vários dias e com o seu término  foi elaborado um tratado internacional, que criou o Tribunal Penal Internacional. Esse tratado internacional é chamado de Estatuto de Roma, exatamente por ser Roma a cidade em que se sediou a conferência e o tratado foi elaborado.

Esse tratado próprio criou o TPI. Qual é a natureza jurídica do Estatuto de Roma? A natureza jurídica do Estatuto de Roma é de tratado internacional. Esse tratado elaborado em 1998 somente vai entrar em vigor em 1º de julho de 2002. Logo, na Lei Maior, foi inserida a Emenda Constitucional n. 45 integrando o Tribunal Penal Internacional ao Rol dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Com a sua criação, seu objetivo maior se delineou no julgamento e punição dos indivíduos oriundos de países que ratificaram o tratado e que cometessem crimes de maior gravidade contra a humanidade (genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão de um país contra outro – art. 5º do Estatuto de Roma, Decreto nº 4.388 de 25 de setembro de 2002). Assim, a Corte Penal Internacional mostrava-se, já na sua criação, identificada com as tendências jurídico-sociais contemporâneas, tendo em vista que os atentados aos Direitos Humanos (objeto jurídico do Estatuto de Roma) vão além das fronteiras de qualquer nação, na medida em que violam toda a coletividade, expondo as vulnerabilidades do ser humano, mitigando em certo ponto a soberania dos países, com o fim de coibir a prática de atrocidades mundiais de grave monta.

 No âmbito de criação desse Tribunal Penal Internacional há uma Assembléia de Estados, composta pelos Estados membros do TPI, que realiza a supervisão do próprio tratado e também tem a possibilidade de realizar a revisão do tratado.

O Tribunal Penal Internacional é um órgão independente, um órgão que não integra o sistema da ONU e está sediado em Haya. Não há que se confundir o Tribunal Penal Internacional com o Tribunal Internacional de Justiça. Ambos são internacionais e ambos estão sediados em Haya, na Holanda. Essas são as semelhanças.

Vamos traçar as distinções: O Tribunal Penal Internacional constitui-se em órgão independente. Possui personalidade jurídica de direito internacional própria e é criado por um tratado específico, e, portanto, não integra a ONU. Já o Tribunal Internacional de Justiça é um órgão integrante da ONU e, portanto, não é um órgão independente. Outra distinção é a de que o Tribunal Penal Internacional julga pessoas responsáveis pela violação dos direitos humanos e não julga Estados. O Tribunal Penal Internacional julga o indivíduo. Já o Tribunal Internacional de Justiça ele julga o Estado e não o individuo.

O Tribunal Penal Internacional ostenta competência para julgar indivíduos por crimes que estão tipificados no próprio Estatuto de Roma. São 4 ( quatro) tipos de crimes tipificados no Estatuto de Roma: são eles os seguintes: o crime de genocídio, o crime contra a humanidade, o crime de agressão e os crimes de guerra. Vamos entender a idéia inicial de cada um desses crimes. Começando pelo crime de genocídio. O crime de genocídio é um ataque para a destruição total ou parcial de um determinado grupo que apresenta uma identidade, ou seja, de uma determinada raça, de um determinado grupo nacional, de um determinado grupo religioso. É um ataque entre um grupo que apresenta um elo de identidade. Então, se eu ataco os judeus eu estou atacando um grupo que apresenta um elo de identidade, que seria uma forma de genocídio. O genocídio pode se dar de diversas formas e o extermínio de pessoas não é a única. Mas não se resume a isso. Nós podemos encontrar, por exemplo, um processo de deslocamento forçado, onde um grupo é retirado de uma determinada região e levado para outra região. Um processo, por exemplo, de escravidão sexual ou de esterilização em massa ou um processo de infanticídio. Um processo que, imediatamente, não gere um extermínio, mas que vai gerar uma destruição a médio e longo prazo.

O segundo crime é o crime contra a humanidade. Nos crimes contra a humanidade nós também encontramos um ataque contra um grupo. Só que aqui não é um ataque contra um grupo de uma mesma identidade, com um mesmo ele de identidade ou uma mesma cultura, raça, origem, nação. Aqui é a população civil de forma geral. Do mesmo modo, o crime contra a humanidade, ou seja, esse ataque generalizado contra uma população civil pode se dar pelo extermínio, por armamentos que o direito internacional da guerra não permite, pode se dar também pelo deslocamento forçado de pessoas, pela escravidão sexual, pela escravidão laboral, enfim... São varias as formas que existem de crimes contra a humanidade, tendo como objeto central esse ataque generalizado contra uma população civil.

O terceiro crime é o crime de guerra. Os crimes de guerra são violações praticadas contra as convenções de genebra, de 1949 e contra o direito da guerra. As convenções de genebra de 1949 estabelecem regras sobre o direito humanitário, ou seja, sobre o atendimento e socorro aferidos em período de guerra. O direito internacional da guerra estabelece, por exemplo, os tipos de armas, projéteis, bombas, mísseis que podem ser utilizados, como um prisioneiro de guerra pode ser tratado. Enfim, o direito de guerra estabelece um código de conduta mínima no período das hostilidades, no período de conflitos armados. Se houver a violação de qualquer dessas regras haverá a caracterização de um crime de guerra e o indivíduo pode, então, ser levado a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional.

E o quarto tipo de crime seria o crime de agressão. Crime esse que originalmente o Estatuto de Roma não tipificou. Previu o crime de agressão sem uma tipificação específica.

Vamos ver agora as competências do Tribunal Penal Internacional e quais as penas que ele pode aplicar. A competência do TPI é exercida sobre indivíduos que sejam membro de um Estado parte ou que tenham praticado um crime num estado parte do Tribunal Penal Internacional .

A jurisdição do Tribunal Penal Internacional será exercida através da aplicação do principio da complementaridade. O que é o princípio da complementaridade? Significa que o Tribunal Penal Internacional somente funciona no caso de falência das instituições internas, ou seja, o Estado em que à violação foi praticada ou o Estado do qual o indivíduo é membro buscou responsabilizá-lo, buscando a materialidade e autoria e, efetivamente, atuou na responsabilização desse indivíduo. Ora, se houve essa atuação efetiva do Estado em relação ao individuo, nesse caso, resta afastada a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Por outro lado, se nós verificarmos que há uma negligencia, uma demora injustificada ou que a jurisdição interna atuou sem que a responsabilidade tenha sido de fato praticada ou efetiva, nesse caso, a jurisdição do TPI pode atuar. Então, ela é complementar a jurisdição interna. Uma noção bastante grave e baseada nessa ideia de complementaridade é a seguinte:

Vamos imaginar que a jurisdição interna do país devesse atuar na responsabilização do indivíduo que praticou a violação, só que a atuação que existiu foi marcada por um processo fraudulento ou foi marcada por uma pena ou por uma conclusão flagrantemente contrária aos direitos humanos. Suponhamos que o indivíduo era um ditador e praticou graves violações aos direitos humanos. Veio a responder internamente por essas violações e foi condenado a uma pena irrisória de fornecimento de uma cesta básica para uma instituição qualquer. Uma pena completamente desproporcional em relação à gravidade dos fatos praticados por ele. Nesta situação específica, é possível o Tribunal Penal Internacional relativizar a coisa julgada interna para submeter o indivíduo a um novo processo e julgamento perante o próprio TPI, o que implica numa mitigação do próprio processo do ne bis in idem, ou seja, ninguém pode ser julgado e processado pelo mesmo fato duas vezes.

 É uma situação mais delicada porque isso coloca em risco a soberania estatal. Essa questão da soberania estatal em relação aos direitos humanos é um dos pontos sensíveis que ainda existe hoje no plano internacional. Até que ponto a soberania estatal prevalece sobre os direitos humanos ou até que ponto os direitos humanos prevalecem sobre a soberania estatal? Pode, por exemplo, um Estado ser obrigado a não aplicar a sua lei interna se, por ventura, se verificar que essa lei interna viola os direitos humanos? Citamos, a título de exemplo, em 2010, um caso bastante rumoroso versando sobre uma mulher que teria praticado o crime de adultério no Irã, cuja pena seria capital e o modo de execução seria por apedrejamento. Seria legítimo se entender que essa legislação interna deveria ceder espaço para os direitos humanos? Ou seria ofensa a soberania interna do país? Eis a questão. Nossa posição é a de dar uma proeminência aos direitos humanos sem que isso sacrifique o conceito de soberania. Contudo, o Tribunal Penal Internacional só vai atuar se verificar que a decisão interna é desproporcional e ilegítima porque a atuação do TPI é complementar e subsidiaria a atuação da jurisdição interna.

Vejamos agora como está estruturado o TP Tribunal Penal Internacional.

 Há uma presidência, com duas vice-presidências, além disso, existem os órgãos ou decisões judiciais. Esses órgãos podem ser enquadrados em 3 (três) situações. Nós temos os órgãos de instrução ou turmas de instrução, com a função de dilação probatória, e também temos as turmas de julgamento que, como o próprio nome indica, julgam o caso e equivalem a órgão de primeiro grau. Temos também a turma de apelação para onde vai à turma de julgamento. Além desses, nós temos a procuradoria ou gabinete do procurador e a secretaria geral do Tribunal Penal Internacional.

A procuradoria faz a função do Ministério Público e, uma vez recebida a notitia crimines, ele vai exercer a função de investigação, e poderá oferecer denuncia perante o TPI, que vai gerar o início do processo. Pode ser provocado por um Estado- parte ou pelo Conselho de Segurança da ONU. São 18 ( dezoito) juízes que compõe o TPI, eleitos pela assembléia dos Estados- partes, embora não representem o seu país, com mandato a título pessoal. No Brasil há que ser citada como nossa representante a juíza Silvia Helena Stainer, eleita por um mandato de 9 ( nove) anos. A competência do Tribunal Penal Internacional é racione tempores; só julga os crimes praticados após a entrada em vigor do Estatuto e pelos Estados - partes. O indivíduo responde perante o TPI e não perante o Estado, lembrando que a idade mínima  para ser julgado é a de 18( dezoito) anos.

As penas que são aplicadas pelo Tribunal Penal Internacional são as seguintes: pena de prisão perpétua, pena de reclusão até 30 anos, a depender da alta gravidade já fixada na prisão perpétua. Outro tipo de pena: multa e confisco de bens provenientes direta ou indiretamente da prática criminosa. Não necessariamente a pena será cumprida onde foi violado o bem jurídico. Não há uma polícia que exerça uma coação para efetivar a decisão do TPI, que acaba por depender de uma cooperação internacional. A ausência dos EUA culmina por enfraquecer o TPI no cenário internacional, pela significativa população mundial. Está enfraquecido, mas o TPI não está relegado a papel irrelevante. Mostra disso foi à prisão do presidente do Sudão realizada pelo TPI.

Alguns pontos de tensão entre o Tribunal Penal Internacional e a CRFB. O Brasil incorporou o Tribunal Penal Internacional no ano de 2002, e houve emenda dizendo o que Brasil integrará ao Tribunal Penal Internacional. O primeiro ponto de tensão é a previsão de pena de prisão perpétua e a vedação constitucional interna. A Constituição da república prevê que o brasileiro nato não pode ser extraditado. Aqui vamos diferençar entrega de extradição. A extradição envolve duas jurisdições nacionais, já a entrega envolve a entrega de uma jurisdição nacional para uma jurisdição internacional. Ambas as vedações se referem à jurisdição nacional e não internacional a qual o Brasil integra. Se a jurisdição interna atuar a priori resta afastada a atuação do Tribunal Penal Internacional, salvo decisão fraudulenta ou um simulacro de jurisdição porque envolvida a própria humanidade

A criação do Tribunal Penal Internacional e a posição chefiada pelos Estados Unidos da América, na atualidade.

O Tribunal Penal Internacional veio ao mundo no dia 9 de Julho de 1998 em Roma, através da Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, com o escopo de criar uma jurisdição criminal internacional. A sede determinada para o Tribunal foi Haya (para tanto se justificam as nomenclaturas Tribunal de Haya ou Corte Internacional de Haya ou Corte de Haya). Há que se fazer sobre a criação do mesmo um último registro: Tal sede localiza-se nos Países Baixos.

Apresenta a natureza jurídica de organismo internacional judicial – elaborado pelo do Estatuto de Roma, que guarda compatibilidade lógica de nomenclatura com o local de sua aprovação; qual seja: Roma. Em dados mais precisos: elaborado em 17 de julho de 1998, com adoção final do texto, e cuja entrada em vigor de deu em 01 de julho de 2002. Detentor de personalidade jurídica própria ostenta no cenário mundial o papel de uma Corte Criminal Permanente, localizada geograficamente em Haya, na Holanda. É órgão autônomo e independente da Organização das Nações Unidas. Não possui nenhuma vinculação com a mesma. Tal assertiva consta da previsão do art. 13 c.c o art. 16 do Estatuto de Roma, ambos levam à essa interpretação.

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, formalmente falando, obteve a aprovação de não menos que cento e vinte (120) Estados, embora grande parte do território do planeta tenha se subtraído (por vontade própria) de sua Jurisdição. Registre-se, pois, sete (7) votos contrários a sua aprovação, com vinte e uma (21) abstenções. Dentre os votos contrários, elencamos o voto da maior potência mundial; qual seja, os Estados Unidos da América, caminhando ao seu lado os seguintes países: China, Filipinas, Israel, Índia, Sri Lanka e Turquia. Alguns motivos podem ser elencados pela não adesão de alguns países. Os EUA, em defesa, alegaram que o Tribunal Penal Internacional, por si só, poderia debilitar o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, bem como, que a Corte não deveria ter competência sobre cidadãos de países que não tivessem ratificado o Estatuto de Roma.

Já a China votou de forma contrária à criação do Tribunal Penal Internacional, em detrimento da questão do Tibet. A China alega que o Tibete faz parte de seu território desde meados do século XIII e deverá ficar sob o comando de Pequim. Todavia, muitos tibetanos, no entanto, possuem uma outra visão da história, sob a assertiva de que a região do Himalaia ficou independente durante vários séculos e que o domínio chinês nem sempre foi uma constante. Conclusão: O Tibete vem sendo palco de protestos contra os mais de 50 anos de domínio chinês

No que tange a Índia foi, e ainda é contrária ao “princípio da complementaridade”, sob a assertiva de a mesma ofender a sua soberania interna.

No que toca Israel manifestou sua contrariedade em virtude do conceito, adotado no Estatuto de Roma, de crimes de guerra.

Segue a pergunta que não quer calar: Os Estados Unidos da América, ao não ratificarem o Estatuto de Roma, assumiram uma postura diametralmente contrária a sua criação mundialmente falando?

A resposta negativa se impõe, por mais paradoxal que isso possa parecer. Do contrário ficaria sem sentido explicar a direta participação da maior potência do planeta no que tange ao alcance material do crime de genocídio.

No ano de 2000, devido à péssima repercussão internacional do seu voto contrário à criação do Tribunal Penal Internacional, os Estados Unidos da América estenderam “bandeira branca” à Corte Criminal Permanente. Subscreveu o Estatuto de Roma, manifestando, ainda que de forma implícita, o desejo de colaborar com o Tribunal. 

Ainda que não o tenha ratificado e, assim, ainda que tenha notificado expressamente o Secretário Geral das Nações Unidas no ano de 2002, em razão do atentado terrorista ocorrido em 11 de setembro do mesmo ano, de que não possuía a intenção de se tornar parte no Tratado (em razão do medo em perder a sua soberania, já ameaçada por bombas), ainda assim, não se pode perder de vista a sua posição de amigo da Corte, ente colaborador ou qualquer outra nomenclatura a que se queira dar.

A explicação acima se justifica pelo registro de propostas até então apresentadas. No escólio de Valério de Oliveira Mazzuoli: “Países como os Estados Unidos tiveram, contudo, a oportunidade de oferecer as suas propostas para o alcance material do crime de genocídio ao grupo de trabalho sobre os elementos do crime”. [1]

Assim, o Estatuto conceitua o crime de genocídio como qualquer ato praticado com intenção de destruir total ou parcialmente grupo nacional, étnico, racial e religioso, encampando:

  • Matar membros do grupo;
  • Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
  • Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capaz de

Ocasionar-lhes a destruição física, total ou parcial;

  • Adotar medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo, e,
  • Efetuar a transferência forçada do grupo para outro grupo.

Ainda sob o aspecto formal cumpre a nós tecermos as seguintes considerações: O Estatuto de Roma, apesar de sua nomenclatura Estatuto ostenta a natureza jurídica de um tratado. Sabemos todos que não é rótulo que muda a substância das coisas. Assim, o tratado nada mais significa que um acordo internacional concluído entre Estados, em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica. Na ótica mais abalizada de Francisco Rezek, trata-se de “todo acordo formal concluído entre sujeitos de Direito Internacional Público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. [2]

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, materialmente falando, representou um avanço gigantesco no contexto político, social e cultural entre os povos; pois graças a ele conseguiu-se obter o imprescindível consenso para levar a julgamento, por um Tribunal de índole internacional, políticos, chefes militares e pessoas comuns praticantes de crimes gravíssimos que lesam a humanidade como um todo e, que, até o presente momento, tinham ficado impunes, sob o manto da soberania. Constitui, pois, o retrato maior da efetividade da proteção internacional dos Direitos Humanos.

Ensina-nos Oscar López Goldaracena: “ La implementación del Estatuto de Roma representa una excelente oportunidad para que los Estados que aun no han incorporado las infracciones graves de los Convenios y Protocolos de Ginebra y demás instrumentos internacionales, revisen y actualicen toda su normativa interna en relación con las obligaciones que emanan del Derecho Internacional Humanitario, desarrollando una legislación adecuada en lo vinculado con la tipificación, persecución y juzgamiento de los crímenes de guerra. Sin perjuicio, también resulta una oportunidad inestimable para cumplir con las obligaciones que impone el derecho internacional de los derechos humanos en relación con otros crímenes internacionales”.[3]

A criação do Tribunal Penal Internacional inaugura, pois, um novo estágio da atuação da ONU no cenário mundial.

Com proficiência esclarece-nos: Maia Marielle: “O ingresso dos 121 países, com a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, pode ser considerado o passo mais importante da sociedade internacional na batalha contra a impunidade e em favor de um maior respeito aos Direitos Humanos”. [4]

Isto posto, conclui-se que embora não ratificando a atuação do Tribunal Penal Internacional, os Estados Unidos da América, com o receio de serem réus freqüentes por seus crimes de seara internacional, a nosso ver, não fecharam os olhos para a realidade existente no mundo internacional. Atuam, ainda que mediatamente, através do Conselho de Segurança, que exerce o controle internacional na jurisdição do Tribunal Penal Internacional, embora não se apresente como órgão jurisdicional. Um verdadeiro paradoxo!

A jurisdição doméstica de um país de braços dados com a soberania.

Ao nos reportarmos ao aspecto cronológico destacamos a Idade Média como ápice do Estado Moderno na Europa face à tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. O dito Estado Moderno entrava no cenário mundial com características peculiares, dentre elas, a soberania, que nada mais significava que a subtração das competências normativas de vários centros de poder, até então existentes, passando o Estado ao posto de summapotestas em cotejo aos demais poderes que dentro dele atuavam.

Uma definição concisa e precisa acerca de soberania nos foi ministrada, com maestria, por Bodin que profetizava: “A soberania era o poder absoluto e perpétuo do Estado”. [5]

A inexistência de um direito absoluto para esses “direitos”, já que a dogmática jurídica se caracterizava pela historicidade, sendo o Direito passível de constantes modificações, advindas da sociedade, da cultura, da moral, e, sobretudo, da economia, se alteravam, dia após dia. Não se pôde dar, assim, um fundamento eterno para algo que necessariamente sofreria modificações.

Um preceito só pode ser considerado jurídico quando nele estiver presente o caráter repressivo, que lhe concede eficácia. Se a Ordem Jurídica nada pode fazer para assegurar o cumprimento desses preceitos, eles não podem ser denominados “direitos”, pois são meras expectativas de conduta, meras expressões de boas intenções que orientam a ação para um futuro indeterminado, incerto.

Atualmente, porém, há uma tendência à “positivação” dos direitos humanos, de forma a inseri-los nas Constituições Estatais, através da criação de novos mecanismos para garanti-los, além da difusão de sua regulação por meio de mecanismos internacionais, como os Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos.

Assim, após a conquista de sua supremacia interna, o Estado conquistou a soberania de reflexos externos que, em outras palavras, nada mais significa que a sua independência e que, por conseqüência, desaguou na cláusula de jurisdição doméstica, termo utilizado para traduzir o princípio da não intervenção de organismos internacionais nos assuntos internos dos membros, princípio este encampado expressamente no art. 2º, parágrafo 7º, da Carta da ONU.

Registre-se que o princípio da jurisdição doméstica acoberta a responsabilidade ou irresponsabilidade do Estado a nível internacional, sendo palco para o cometimento de genocídio, massacres, assassinatos, torturas, mutilações e demais ofensas aos direitos humanos, e prevaleceu por um bom tempo na história da humanidade, corporificado, sobretudo, doutrinariamente com a obra de Maquiavel, em 1503: O Príncipe, segundo a qual: “um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados bons, sendo frequentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade e a religião”. [6]

O manto da irresponsabilidade dos governantes somente caiu por terra depois da Primeira Guerra Mundial. Houve, pois, um verdadeiro clamor da sociedade internacional pela efetiva consagração da responsabilidade penal internacional, ainda que tal pretensão não fosse considerada absolutamente imparcial e universal. As teses de que os Estados deveriam ter uma soberania absoluta e sem limites cederam lugar a que os doutrinadores afirmassem que “a soberania estatal não é um princípio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitações, em prol dos direitos humanos. Os direitos humanos tornam-se uma legítima preocupação internacional com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU, em 1948 e, como consequência, passam a ocupar um espaço central na agenda das instituições internacionais. No período do pós-guerra, os indivíduos tornam-se foco de atenção internacional. A estrutura do contemporâneo Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a se consolidar. Não mais poder-se-ia afirmar, no fim do século XX, que o Estado pode tratar de seus cidadãos da forma que quiser, não sofrendo qualquer responsabilização na arena internacional. Não mais poder-se-ia afirmar no plano internacional that king can do no wrong”[7].

Ensina-nos Valério de Oliveira Mazzuoli:

A segunda grande guerra, que ensangüentou a Europa entre 1939 e 1945, ficou marcada na consciência coletiva mundial por apresentar o ser humano como algo simplesmente descartável e destituído de dignidade e direitos. O que fez a chamada Era Hitler foi condicionar a titularidade de direitos dos seres humanos ao fato de pertencerem à determinada raça, qual seja a raça pura ariana, atingindo-se, com isto, toda e qualquer pessoa destituída da referida condição. Assim, acabaram os seres humanos tornando-se refugiados e apátridas. E por faltar-lhes um vínculo com a ordem jurídica nacional, acabaram não encontrando lugar num mundo como do Século XX, totalmente organizado e ocupado politicamente. Conseqüentemente, tais vítimas do regime nazista acabaram se tornando – de fato e de direito – desnecessárias porque indesejáveis erga omnes, não encontrando outro destino senão a própria morte nos campos de concentração. [8]

Isto posto, conclui-se que, a nosso sentir, a tendência universalística de se propor normas gerais atinentes a proteção dos Direitos Humanos foi bastante positiva e teve, pois, o mérito de colaborar para uma ocidentalização do mundo e propiciar responsabilidade internacional, a quem para ela virava as costas, no governo particular de cada um por si e Deus para todos!

1.2. Tribunal Penal Internacional x Tribunais ad hoc.

Os Tribunais ad hoc guardam a natureza jurídica de Tribunais de exceção, criados posteriormente a prática do fato delituoso - definido como crime ou contravenção penal, perpetrados por indivíduos, e em frontal violação aos bens jurídicos mais caros a que a ordem jurídica busca proteger. Vislumbrando a paz como bússola a evitar um mal maior frente aos crimes bárbaros, até então existentes, a ideia de uma corte criminal internacional passou a significar o sonho dourado aspirado por muitos países massacrados no contexto mundial, tendo em vista que as atrocidades já ultrapassavam os limites da barbárie frente às guerras e, por conseqüência, os ataques bélicos simbolizavam, sem nenhum exagero, um passo para o fim dos tempos.

No mundo a sensação de impunidade passou a incomodar governantes e governados, fato esse que levou a um grito por justiça e, com ele, a instituição nos anos de 1993 e 1994 de dois Tribunais ad hoc (Nuremberg e Tóquio); com o real e firme propósito da intervenção da comunidade internacional na ex – Iugoslávia frente a uma luta fratricida, que lançou sérvios contra croatas e outras etnias. Igual proteção fora oferecida ao território de Ruanda, palco em que extremistas hutus reduziram a pó os rivais da nação tutsi, em frontal violação as regras mais “comezinhas” de dignidade da pessoa humana, coisificando o homem como objeto a ser conquistado ou perdido em uma disputa internacional afeta a pobreza de espírito dos pseudo-s detentores do poder.

A intervenção por uma Corte Internacional Superior aos entes envolvidos passou a ser, pois, uma questão de sobrevivência a própria conservação da espécie humana.

Todavia, se por um lado os Tribunais ad hoc, até então instituídos, tiveram o condão de criar o precedente do julgamento de pessoas que cometeram crimes considerados de caráter interno, que até então se subtraiam da legislação penal internacional face à irresponsabilidade do agente causador do dano, reafirmado no conceito distorcido de soberania, tendo em vista que essa nunca foi sinônima de massacre; por outro lado, a História registrou o lado negativo dos respectivos Tribunais de exceção; qual seja a falta de autonomia do Tribunal, preso as correntes por ele mesmo criadas. Acima afirma sobre a vinculação do TPI e da ONU, incidiria no mesmo resultado!

Assim, os Tribunais ad hoc, no julgamento dos delitos a ele afetos, dependiam de decisão do Conselho de Segurança da ONU, que oscilava de acordo com as convicções políticas do momento. São, pois, carecedores de legitimidade, força moral e poder político.

A grande verdade é a de que em um Estado que se intitula um Estado Democrático de Direito, em perfeita consonância de legitimidade na tomada de decisões com a vontade popular, deve nele reinar o princípio do juiz natural, princípio esse totalmente compatível com o Tribunal Penal Internacional e incompatível com os Tribunais de exceção. Garante-se a igualdade com a pré-determinação do juízo competente e de vedação para julgamentos casuísticos.

Nas preciosas lições de Pontes de Miranda: “a proibição dos Tribunais de exceção representa, no Direito Constitucional Contemporâneo, garantia constitucional: é Direito ao juízo legal comum, indicando vedação à discriminação de pessoas ou casos para efeito de submissão a juízo ou Tribunal que não o recorrente para todos os indivíduos”. [9]

Desta feita, O Tribunal Penal Internacional “sai na frente” dos Tribunais ad hoc em seara democrática, ou seja, enquanto estes últimos são criados pelo Conselho de Segurança da ONU, composto de quinze (15) membros (15 países, dos 189 que o integram), destituídos de legitimidade, força moral e poder jurídico, embora com o fim nobre de sinalizar as atrocidades cometidas no mundo, não ostentam o status de Cortes predeterminadas em lei constituídas anteriormente aos fatos, em clara violação ao princípio do juiz natural, poluindo o sistema, sem o respeito devido à democracia, que deve vigorar não apenas internamente com o Estado parte; mas, sobretudo, com reflexos externos a ditar uma democracia internacional e igualitária entre os Estados, partes ou não.

Sobre o tema, ensina-nos com maestria Valério de Oliveira Mazzuoli: “Apesar do entendimento já consagrado pela consciência coletiva mundial de que aqueles que perpetraram atos bárbaros e hediondos contra a dignidade humana devam ser punidos internacionalmente, os Tribunais ad hoc não passaram imunes a críticas, dentre elas a de que tais Tribunais (que têm caráter temporário e não permanente) foram criados por resoluções do Conselho de Segurança da ONU (sob o amparo do Capítulo VII da Carta das nações Unidas, relativo às ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão), e não por tratados internacionais multilaterais, como foi o caso do Tribunal Penal Internacional, o que poderia prejudicar (ao menos em parte) o estabelecimento concreto de uma justiça Penal Internacional de caráter permanente”. [10]

Estabelecer Tribunais Penais Internacionais ad hoc por meio de resoluções (ainda que com isso se resolva o problema da imparcialidade e insuspeição dos Estados partícipes daquelas guerras) significa torná-los órgãos subsidiários do Conselho de Segurança da ONU, para cuja aprovação não se requer mais do que nove votos dos seus quinze membros, incluídos os cinco permanentes. Este era, aliás, um argumento importante, no caso da antiga Iugoslávia, a favor do modelo de resolução do Conselho de Segurança, na medida em que o modelo de tratado seria muito moroso ou incerto, podendo levar anos para a sua conclusão e entrada em vigor internacional.

Outra crítica assaz contundente voltada àqueles Tribunais ad hoc – que já se ouvia desde a criação do Tribunal de Nuremberg – era no sentido de que os mesmos violavam a regra basilar do Direito Penal, segundo a qual o juiz, assim como a lei, deve ser pré-constituído ao cometimento do crime e não ex pos fato.

Foi justamente pelo fato de que tais Tribunais tiveram a sua criação condicionada pelos fatos que imediatamente a antecederam, que alguns países, dentre eles, o Brasil, ao aprovarem a instituição de Tribunais ad hoc, expressamente expressaram o seu ponto de vista pela criação, por meio de um tratado internacional, de uma corte penal internacional permanente, imparcial, competente para o processo e julgamento dos crimes perpetrados depois de sua entrada em vigor no plano internacional.

Mas ainda que existam dúvidas acerca do alcance da Carta das Nações Unidas em relação à legitimação do Conselho de Segurança da ONU, para a criação de instância judiciária internacional ad hoc, as atrocidades e os horrores cometidos no território da ex – Iugoslávia e em Ruanda foram de tal ordem e de tal dimensão que parecia justificável chegar-se a esse tipo de exercício, ainda mais quando se têm como certas algumas contribuições desses Tribunais para a teoria da responsabilidade penal internacional dos indivíduos, a exemplo do não reconhecimento das imunidades de jurisdição para crimes definidos pelo Direito Internacional e do não reconhecimento de ordens superiores como excludentes de responsabilidade internacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em resolução da III Seção Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas proclama: “A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob a sua jurisdição”.

A Carta das Nações Unidas de 1945 consolida o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos ao propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito Internacional, bastando, para tanto, examinar os arts. 1.º (3), 13, 55, 56, 62 (2 e 3) da Carta das Nações Unidas.

Nos termos do art.1. º (3), fica estabelecido que um dos propósitos das Nações Unidas seja alcançar a cooperação internacional para a solução de problemas econômicos, sociais, culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Neste sentido, cabe à Assembléia Geral iniciar estudos e fazer recomendações, com o propósito de promover a cooperação internacional para a solução de problemas econômicos, sociais, culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, em conformidade com o art. 13 da Carta. Também ao Conselho Econômico e Social cabe fazer recomendações, com o propósito de promover o respeito e a observância dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, bem como preparar projetos de Convenções Internacionais para este fim, nos termos do art. 62 da Carta da ONU.

O art. 55 reforça o objetivo de promoção dos Direitos Humanos, quando determina: “Com vistas à criação de condições de estabilidade e bem estar, necessárias para a pacífica e amistosa relação entre as Nações, e baseada nos princípios da igualdade dos direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão o respeito universal e a observância dos Direitos Humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. O art. 56 reafirma o dever de todos os membros das Nações Unidas em exercer ações conjugadas ou separadas, em cooperação com a própria organização, para o alcance dos propósitos lançados no art. 55. Alguma discussão há sobre a natureza jurídica da Declaração, assim como sobre seu valor jurídico.

O doutrinador Carlos Weis, escrevendo a respeito, afirma que a Declaração não decorre do surgimento de direitos subjetivos aos cidadãos, nem obrigações internacionais aos Estados, uma vez tratar-se de recomendação. Assinala, todavia, sua contribuição, pelo fato de ter influenciado vários textos constitucionais, sustentando que refletiu e deu origem a vários tratados internacionais, os quais, sim, com força vinculante[11].

Com maestria Flávia Piovesan, sobre o tema, aduz que “a Declaração Universal não é um tratado. Foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas sob a forma de resolução, que, por sua vez, não apresenta força de lei” [12].

Sobre o tema Fábio Konder Comparato, por seu turno, professa que “tecnicamente, a Declaração Universal do Homem é uma recomendação, que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas), artigo 10” [13].

Embora a Declaração Universal de 1948 não configure um tratado internacional, Flávia Piovesan e Fábio Konder Comparato, entre outros, entendem que a Declaração tem força jurídica obrigatória e vinculante, pela qual os Estados, à luz desse documento, têm o compromisso de assegurar tais direitos às pessoas. Assim, entendem que a Declaração integra o Direito Internacional, que, a par dos tratados e convenções, também recebe o influxo dos costumes e princípios gerais de direito.

Arrematando o tema, J. A. Lindgren Alves elucida que as declarações, em contraposição aos tratados, convenções, pactos e acordos, não têm força jurídica compulsória. Assinala, todavia, o caráter especial e peculiar da Declaração Universal.

Nesse sentido, e tendo em conta que a Declaração Universal é encarada como uma interpretação autorizada da Carta das Nações Unidas, “a Declaração teria, para alguns intérpretes, os efeitos legais de um tratado internacional”. Para outros, porém, “a força da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a de qualquer outro documento congênere, advém de sua conversão gradativa em norma consuetudinária” [14].

Daí o motivo pelo qual avultava de importância a criação e o estabelecimento efetivo de uma instância penal internacional com caráter permanente e imparcial, instituída para processar e julgar os acusados de cometimento dos crimes mais graves, já conhecidos no planeta, que ultrajam a consciência da humanidade e que constituem infrações ao próprio Direito Internacional Público, a exemplo do genocídio, dos crimes contra a humanidade, dos crimes de guerra e dos crimes de agressão.

Entretanto, a grande mácula da Carta das Nações Unidas, nesse ponto, ainda é a de que jamais o Conselho de Segurança poderá criar Tribunais com competência para julgar e punir eventuais crimes cometidos por nacionais dos seus Estados-membros com assento permanente. Não se traduz em órgão jurisdicional. Por ser o Conselho de Segurança um órgão de grande repercussão política questiona-se a sua interferência junto ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista que, por si só, amplia a competência do Tribunal Penal Internacional via casos a ele enviados pelo Conselho de Segurança, através de órgão não jurisdicional, e, se tal ampliação for usada discricionariamente, países que não aderiram ao Tribunal, mas que estão atrelados ao Conselho de Segurança, vão dominar o cenário internacional, de acordo com os seus interesses próprios. 

Isto posto conclui-se que apesar da crítica de o Conselho de Segurança afetar a imparcialidade do Tribunal Penal Internacional, para que não haja um julgamento precipitado, necessária a reflexão sobre a compatibilidade dos objetivos do Conselho de Segurança e do Tribunal Penal Internacional. O ponto em comum entre ambos é a manutenção da paz e da segurança internacional, os objetivos de ambos, portanto não são colidentes. A competência do Tribunal engloba a do Conselho, pois o fim último é a justiça internacional. Não haveria uma quebra de igualdade entre os Estados com a interferência de Estados aderentes ao Conselho de Segurança levando casos ao TPI afetando, pois, a sua imparcialidade, tendo em vista que a atuação conjunta do Conselho de Segurança, dentro do Tribunal Penal Internacional, propicia uma maior efetividade nas investigações do Tribunal chancelando a ele (com a adesão de Estados não partes) um caráter universal no objetivo comum, qual seja, a justiça internacional. Do contrário, a investigação ficaria restrita e fracionada aos países signatários do Tribunal Penal Internacional. A questão de o Conselho de Segurança poder interromper inquéritos em andamento na Corte e, com tal desiderato, atingir a sua imparcialidade cai por terra, a partir do instante em que se verifica que uma exigência para atuação do Conselho de Segurança breca os inquéritos e processos no TPI, sendo o consenso de seus cinco membros permanentes a respeito do tema, o que na prática torna a atuação do órgão muito difícil, já que rara a unanimidade. Nossa conclusão a respeito do tema é de que apesar das preocupações geradas as críticas de atuação do Conselho de Segurança junto ao Tribunal Penal Internacional, tais críticas são impertinentes, se analisadas em sua profundidade. Em termos de proporcionalidade, o bem da atuação é maior que qualquer temor a afetação de soberania.

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Sobre o autor
Paula Naves Brigagao

Advogada.Mestre em Direito das Relações Internacionais.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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