A expropriação-confisco: sua incidência e consequências no direito de superfície

22/10/2018 às 20:04
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Este Trabalho de Conclusão de Curso trata das principais controvérsias hermenêuticas, que emergem do substrato do polêmico Art. 243 da Constituição e das consequências de sua incidência no instituto do direito de superfície.

                                     

                                                                                    

                                                                                   

                                                                      




RESUMO
Este Trabalho de Conclusão de Curso trata das principais controvérsias hermenêuticas, que emergem do substrato do polêmico Art. 243 da Constituição e das consequências de sua incidência no instituto do direito de superfície. Para ascender nessa aspiração, aborda as espécies de expropriação – o confisco ou a perda de bens e a desapropriação –, diferenciando-as e situando-as como instrumentos jurídicos de interferência do Estado na propriedade privada, e define o instituto do direito de superfície, apresentando sua natureza jurídica, princípios, pressupostos e fundamentos, modo de constituição e de extinção. Ao final, formula hipóteses e conjetura sobre as consequências da incidência da expropriação- confisco de glebas de terra com cultivo ilegal de plantas psicotrópicas no instituto do direito de superfície. O percurso metodológico utilizado foi o da busca de diversas fontes do direito, da legislação, da doutrina e da jurisprudência pertinentes ao tema, em especial os Embargos de Declaração na Apelação Civel – EDAC 53 BA 2000.33.00.000053-0do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – e os Recursos Extraordinários – RE 543974/MG e RE 635336 RG/PE, ambos em tramitação no Supremo Tribunal Federal sendo o último, gerador de Repercussão Geral. Infere-se que, da análise da responsabilidade civil objetiva, resulta a expropriação-confisco de ambas as propriedades, tanto da do fundieiro, quanto da do superficiário. Enquanto que, da análise da responsabilidade civil subjetiva, se o fundieiro não tiver agido com culpa ou dolo, pode resultar a desapropriação de sua propriedade, mas com direito a prévia e justa indenização que lhe couber e, ao superficiário, se atuou com culpa ou dolo, resulta a expropriação-confisco de sua propriedade e, ainda, na hipótese de ambos serem inocentes, não estariam suscetíveis à expropriação.
Palavras-chave: Confisco. Resp. Objetiva. Resp. Subjetiva. Dir. de Superfície.
LISTA DE SIGLAS
Art.
CC
CP
CRFB
§
EDAC
RE
RG
Artigo
Código Civil de 2002
Código Penal de 1940
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Parágrafo
Embargos de Declaração na Apelação Civel
Recurso Extraordinário
Repercussão Geral
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7
2 INTERFERÊNCIA DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA ............................ 9
2.1 Considerações conceituais gerais .................................................................... 9
2.2 Instrumentos de interferência ............................................................................ 9
3 DO DIREITO DE SUPERFÍCIE .............................................................................. 14
3.1 Definição ............................................................................................................ 14
3.2 O direito de superfície no Estatuto da Cidade e no Código Civil de 2002 .... 14
3.3 Direito das partes, pagamento, transmissão do direito e preempção .......... 15
3.4 Extinção ............................................................................................................. 16
4 A EXPROPRIAÇÃO-CONFISCO DE TERRAS CULTIVADAS COM CULTURAS ILEGAIS DE PLANTAS PSICOTRÓPICAS EM ÁREAS SOB O REGIME JURÍDICO DO INSTITUTO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE ....................................................... 18
4.1 Consequências do uso da expressão cultivo ilegal, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, dissociado do exame da responsabilidade subjetiva daquele que detém a propriedade da terra ........................................................... 18
4.2 A expropriação-confisco de terras, pelo cultivo ilegal de plantas psicotrópicas no direito de superfície ................................................................... 22
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 30
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 32
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1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 institui, em seu artigo 5º, inciso XXIII, o princípio da função social da propriedade, como arquétipo social/coletivista amoldado ao nosso sistema capitalista, com o escopo de mitigar a visão clássica, romano - liberal - individualista de propriedade que, até então, imperava em nossa Pátria.
Protege-se a propriedade, Art. 5º, XXII, da Constituição de 1988, mas não mais de modo absoluto, relativizando-a conforme condições (critérios) diversas, sendo a principal a sujeição à sua função social. Busca-se a harmonização do interesse individual com o interesse público, dos meios e modos de produção com bem estar geral, dos escassos recursos com as infinitas necessidades e do interesse de todos para com a saúde do planeta, visando um “[...] meio ambiente ecologicamente equilibrado [...] e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (CRFB, Art. 225, caput).
Estabelece-se, no ordenamento jurídico brasileiro, com a nova Constituição, um novo instituto de interferência restritiva de caráter sancionatório sobre a propriedade e que mais assemelha-se a um confisco especial. Distinto dos preconizados até então e diverso da desapropriação, que tem por característica marcante a prévia e justa indenização do expropriado.
Assim é que o legislador ordinário reafirma na Lei nº 8.257/91 e no Decreto nº 577/92 o expresso pelo legislador constitucional, na Constituição Federal de 1988, segundo o que:
As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. (CRFB, Art. 243, caput).
Indica o dispositivo Constitucional, enfaticamente, a intenção de expropriação pela União daquelas glebas onde se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas.
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De igual forma procede a Lei nº 8.257/91, Art. 1º, parágrafo único, e o Decreto nº 577/92, Art. 8º caput, parágrafo único quando, seguindo o mandamento constitucional, dispõem ambos em idênticos termos:
Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias. (CRFB, Art.243, parágrafo único).
O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo geral, trazer algumas das controvérsias hermenêuticas que emergem em relação ao substrato do polêmico artigo 243 caput e seu parágrafo único da Carta Magna de 1988. Como e quando incide e quais as consequências dessa incidência no instituto do Direito de Superfície.
Destarte, para atingir o objetivo almejado, cogente se faz abordar no capítulo 1, alguns dos meios através dos quais o Estado interfere na propriedade privada. Feito isto, insurgir as discussões doutrinárias e jurisprudenciais que existem com relação às interpretações hermenêuticas feitas sobre os vocábulos expropriação, desapropriação e confisco.
Na sequência, no capítulo 2, a abordagem volta-se para o instituto do Direito de Superfície, sua definição, principais características, natureza jurídica, princípios e pressupostos.
Por fim, no capítulo 3, faz-se germinar como se daria o liame entre expropriação da espécie Confisco e o Direito de Superfície, formulando hipóteses e discutindo as consequências da incidência daquela neste, trazendo o entendimento atual dos tribunais, a inteligência hodierna do Supremo Tribunal Federal, e uma crítica à aplicação da sanção (expropriação da espécie confisco) sem a análise dos direitos subjetivos do expropriado.
O percurso metodológico utilizado foi o da busca de diversas fontes do direito, da legislação, da doutrina e da jurisprudência pertinentes ao tema.
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2 INTERFERÊNCIA DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA
2.1 Considerações conceituais gerais
O Estado pode interferir na propriedade privada de diversas formas, utilizando-se de instrumentos jurídicos que restringem, de alguma forma, uma ou mais das faculdades do proprietário, quais sejam a de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa.
Esse ato do Poder Público, fundado em lei, que pode retirar ou restringir os direitos dominiais privados, em prol do alcance da verdadeira e concreta função social da propriedade, denomina-se interferência do Estado na propriedade privada.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013, p. 131) define a citada interferência como restrição do Estado sobre a propriedade privada, e elenca modalidades que se especificam conforme o modo como cada qual afeta o direito de propriedade. São elas: as limitações administrativas, a ocupação temporária, o tombamento, a requisição, a servidão administrativa, a desapropriação e o parcelamento e edificação compulsórios.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2001, p. 359) nomeia como instrumentos jurídicos de que dispõe o Estado para intervir administrativamente na propriedade privada, que se destinam ou a evitar o uso da propriedade contrário ao interesse social, ou ao seu ajuste para melhor atender a sua função social.
2.2 Instrumentos de interferência
Os doutrinadores, em sua maioria, abordam a matéria referida no Título IX da Constituição da República – Das Disposições Constitucionais Gerais –, Art. 243, caput e seu parágrafo único, de modo superficial e sucinto.
O autor que mais se ateve ao tema talvez tenha sido Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2001, p. 380) que, ao trabalhar o confisco ou perda de bens, manifesta as diferenças existentes entre o confisco penal e o confisco ou perdimento de bens (confisco resultante de danos causado ao erário e o proveniente de enriquecimento ilícito), oportunidade em que abordou também, a por ele denominada, expropriação confiscatória, aqui chamada de expropriação-confisco.
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Todavia, para avançar no estudo deste complexo e controverso tema, faz-se cogente aprofundar o conhecimento sobre os institutos da desapropriação e do confisco, citando em espécie suas principais características, natureza jurídica, princípios e pressupostos, bem como sobre o termo expropriação, muito empregado nos textos examinados. Ademais, como ensina a boa hermenêutica, é necessário agir com cautela diante da situação que demande um exercício interpretativo sistemático, sobre qualquer preceito normativo.
Plácido De Silva (2007, p. 440) informa que na desapropriação não se retira o direito de propriedade logo, ela não representa diminuição do patrimônio do expropriado. Tão somente, ocorre a conversão do bem em valor monetário, mantendo o quantum patrimonial.
Ely Lopes Meirelles (2012, p. 677, grifo do autor) informa, as características da desapropriação mais relevantes para a Administração e para os administrados, assim é que:
A desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, porque não provém de nenhum título anterior, e, por isso, o bem expropriado torna-se insuscetível de reivindicação e libera-se de quaisquer ônus que sobre ele incidissem precedentemente, ficando os eventuais credores sub-rogados no preço.
Com efeito, do Decreto-lei 3.365/41, Art. 31, pode-se extrair que é no preço pago a título de indenização ao desapropriado que os terceiros titulares de direitos reais de garantia se sub-rogam, garantindo seus direitos. Arrimado neste mesmo Decreto-lei, Art. 26, Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 872, grifo do autor), entende que: “Os terceiros titulares de direitos obrigacionais relacionados com o bem expropriado só poderão encontrar satisfação para suas pretensões jurídicas através de ação direta, e não na ação expropriatória.”
Dentre os inúmeros princípios que norteiam a desapropriação, elencamos os que entendemos serem os mais relevantes para o tema objeto deste trabalho: o da função social da propriedade, o da prévia e justa indenização e o da razoabilidade e da proporcionalidade.
O princípio da função social da propriedade está previsto na Carta Magna de 1988, entre outros, no Art. 182, § 4º, onde ele é definido em conformidade com a política urbana, como adequado aproveitamento do solo urbano; e no Art. 186, aparecendo definido como aproveitamento racional e adequado, utilização adequada
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dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, em conformidade com a política agrícola e fundiária e a reforma agrária.
O princípio da prévia e justa indenização por sua vez preconiza que a indenização deva incluir o valor do bem, suas rendas, danos emergentes e lucros cessantes, além de juros compensatórios e moratórios, despesas judiciais, honorários de advogado e correção monetária. Esta indenização deve ser prévia, sendo pago ou depositado o preço ao desapropriado, antes do desapropriante entrar na posse do imóvel.
Já o princípio da razoabilidade e proporcionalidade figura como um limitador ao poder discricionário da Administração Pública. Com efeito, o ato desapropriatório está sujeito à apreciação do Poder Judiciário. Portanto, quando o ato administrativo não preenche os fundamentos de fato ou de direito que o sustentem, ou quando não leva em consideração os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios, ou ainda, quando não guarda uma proporção adequada entre os meios empregados e o fim almejado pela lei, revelando-se uma medida desproporcionada e excessiva em relação ao que se pretenda alcançar, ele, o ato administrativo desapropriatório estará sujeito à invalidação.
Quanto aos pressupostos e fundamentos, assim como em todo ato administrativo, haverá o ato desapropriatório de ter finalidade pública e enquadramento em algum interesse público específico legalmente suficiente para motivá-lo.
As hipóteses estritas, de assento constitucional, são a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social, previstas no Art. 5º, XXIV, e a sanção urbanística, instituída no Art. 182, § 4º, III. Na esfera da legislação ordinária, o Decreto-lei nº 3.365/41, Art. 5º engloba na categoria “utilidade pública” tanto os casos de necessidade pública como da utilidade pública.
Com relação à chamada desapropriação sancionatória, a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013, p. 166, grifo do autor) as dividiu em três modalidades: a desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana – Art. 182, § 4º, da Carta de 1988 –, da propriedade rural – Art. 186 da mesma Carta –, e a terceira, a desapropriação prevista na Carta de 1988, Art. 243, caput, expressa no texto constitucional como expropriação.
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Todavia, é de salientar-se que a expropriação é mais abrangente do que a desapropriação, podendo representar perda ou diminuição patrimonial. Destarte, diverge-se da opinião da autora quanto ao enquadramento da figura mencionada no artigo supracitado como uma terceira modalidade de desapropriação, entendendo-se que o termo expropriação utilizado no dispositivo constitucional concebe uma nova modalidade sancionatória, que, por não permitir indenização, não pode ser tida como desapropriação, mas sim, como expropriação-confisco ou expropriação confiscatória até porque a própria autora, reconhece que ela equipara-se ao confisco.
O vocábulo confisco ou confiscação, em regra, indica uma punição decorrente de crimes ou contravenções, que, além de outras sanções da lei, pode representar a perda total ou parcial dos bens e, consequentemente diminuição do patrimônio. (SILVA, 2007, p. 342). Sua natureza jurídica é forma originária de aquisição da propriedade porque não se deriva de nenhum título precedente. Pode ser empregado com o intuito de sancionar a hipótese extrema de uso anti-social da propriedade, caracterizada pelo uso da terra para o cultivo ilícito de plantas psicotrópicas, com a perda compulsória da gleba pela aqui chamada expropriação- confisco.
O legislador ordinário, na Lei nº 8.257/91, Art. 17, estabelece que não serão admitidos embargos de terceiro alicerçados em garantias de anticrese, penhor ou hipoteca, prevalecendo o ato expropriatório sobre direitos reais de garantia e institui no Art. 4º, que a desapropriação das glebas referidas nesta lei independe do título do titular da propriedade. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2001, p. 379) afirma que: “Em razão do sistema de direitos e garantias constitucionais, sua admissão excepcional, de direito estrito, só pode ter assento na própria Constituição Federal (hoje, alçada a garantia, no art. 5º, XLVI, b).”
Em linguagem penal1, todavia, figurando como efeito da condenação, o confisco representa a perda para a União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. A perda pode ser do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, com o Estado buscando evitar o enriquecimento ilícito do criminoso. A perda também pode ser dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo
1 CP, Art. 91, II, a, b.
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fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, com o Estado buscando evitar que o criminoso continue a utilizar-se desses instrumentos para a prática do crime.
A expropriação, por outro lado, também, pode ser entendida como gênero do qual derivam as espécies desapropriação e confisco.
De Plácido e Silva (2007, p. 440, grifo do autor) informa que:
[...] A desapropriação não se confunde com expropriação. Na primeira, não ocorre privação da propriedade nem mesmo diminuição do direito de propriedade, como se evidencia na expropriação, que tem sentido mais amplo e pode significar essa perda, ou diminuição patrimonial.
Logo, neste trabalho, entende-se que por ter sido utilizado o vocábulo expropriação ao invés de desapropriação no caput do Art. 243 da Constituição, e por não haver a indicação de indenização ao expropriado por parte do expropriante, que o mais adequado é entender-se como sendo um confisco especial – expropriação- confisco e não desapropriação.
Também pelo que até aqui foi levantado, percebe-se que o mesmo dispositivo constitucional, em seu parágrafo único, trata do perdimento de valores e de bens, tendo assento no Art. 5º, XLVI, b da Constituição, existindo uma visível ligação com o CP, Art. 91 que trata do confisco penal o qual estabelece esta modalidade de confisco, desde que, mediante processo penal e com análise da responsabilidade subjetiva do caso em concreto.
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3 DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
3.1 Definição
O direito de superfície é um instituto que genuinamente provém do direito romano, germinado da necessidade do Estado manter as terras públicas ocupadas, fortalecendo, protegendo e unificando o poder geopolítico de Roma.
Era conhecido no direito brasileiro pré-codificado, mas não constava do Código Bevilaqua. No atual Código Civil, consta do rol dos Direitos Reais, no artigo 1.225, inciso II.
Sendo um Direito Real de fruição ou gozo sobre coisa alheia, o proprietário desta coisa ou fundieiro exerce a posse indireta, ao mesmo tempo em que confere ao superficiário a posse direta da propriedade útil de seu imóvel, para que nele construa ou plante, podendo considerar-se uma limitação espontânea ao direito de propriedade, por parte do proprietário do imóvel.
Manifesta-se como exceção à regra de que o acessório segue o principal, incidindo sobre o princípio superficies solo cedit, segundo o qual, a superfície acede ao solo, de modo que a propriedade do solo fica separada da propriedade da superfície.
3.2 O direito de superfície no Estatuto da Cidade e no Código Civil de 2002
Aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários – na parte que trata do Direito das Coisas – o Enunciado 93 referente ao art. 1.369 do Código Civil 2002, que as “normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas ao direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) por ser o Estatuto instrumento de política de desenvolvimento urbano.”
Assim, quanto aos dispositivos conflitantes entre o Estatuto da Cidade (lei especial) e o CC/02 (lei geral) entendemos, conforme o Enunciado 93, que o Código não revoga o Estatuto.
De acordo com o que estabelece o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01 que trata dos imóveis urbanos, o direito de superfície pode ser por prazo determinado ou indeterminado. Contudo, o CC/02 (aplicado aos imóveis rurais), ao
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abolir a enfiteuse e introduzir o direito de superfície, estipulou sua constituição somente por tempo determinado (art. 1.369, caput).
Todavia, para a hipótese de área rural, se ao advento do termo final (causa de extinção do direito de superfície), as partes permanecerem na mesma situação, pode entender-se que o direito de superfície se prorroga por prazo indeterminado, operando-se então a sua extinção por denúncia vazia. Neste caso, poderia eventualmente invocar-se o dispositivo (CC, Art. 473, parágrafo único):
Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
Assim, em caso de denúncia imotivada, teria o superficiário o direito de reter as benfeitorias e acessões até o adimplemento da indenização, salvo hipótese de descumprimento contratual.
Em relação ao direito de sobrelevação, conforme aprovado na VI Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários – na parte que trata do Direito das Coisas – o Enunciado 568, referente ao artigo 1.369 do Código Civil e ao Estatuto da Cidade, artigo 21, diz que “O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.”
3.3 Direito das partes, pagamento, transmissão do direito e preempção
O contrato de constituição do direito de superfície gera efeitos somente entre as partes enquanto não for levado a registro a escritura pública, no Registro Imobiliário. A partir do registro, o titular do direito passa a ter a seu favor os efeitos erga omnes e de sequela, sendo possível, opor seu direito contra todos e buscar a coisa nas mãos de quem quer que injustamente a detenha.
O direito de superfície pode ser constituído a título gratuito ou a título oneroso, na dúvida presume-se oneroso. Se oneroso, é devido ao proprietário (fundieiro) o direito ao cânon superficiário – o solarium – que nada mais é do que o pagamento pela concessão da superfície, que pode ser efetuado de uma só vez ou de forma parcelada, conforme o artigo 1.370 do Código Civil. Da falta de pagamento
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podem insurgir a ação de cobrança e a de extinção da concessão por infração contratual.
Ao fundieiro cabe a expectativa de vir a ser o proprietário pleno, de tudo o que foi implantado, uma construção ou uma plantação, feitas pelo superficiário, sem qualquer ônus, após a extinção da concessão, salvo se as partes tiverem estipulado o contrário, como dispõe o CC, Art. 1.375.
O direito real de superfície, com a morte do superficiário, transfere-se aos herdeiros. Também é possível a transferência inter vivos. Em ambas as hipóteses, não pode o concedente impedir a transmissão, nem estipular qualquer pagamento pela transferência. O Estatuto da Cidade não tem esta proibição, contudo, como o Código Civil deve ser empregado supletivamente no que a lei especial for omissa, defende-se que, para os imóveis urbanos também haja a mesma restrição.
Quanto ao direito de preempção, cabe ele ao superficiário na hipótese de alienação do imóvel ao concedente na hipótese de alienação do direito de superfície, ambos em igualdade de condições em relação a terceiros, com vistas a consolidar a propriedade em um único titular, quando possível. (VENOSA, 2003, p.395).
Desrespeitado o direito de preferência, ao preterido cabe ingressar com ação de perdas e danos contra quem deixou de concedê-la e, solidariamente, contra o adquirente que agiu de má-fé, conforme autoriza o CC, Art.518, embora a doutrina divirja, havendo quem entenda aplicável, por analogia, o Art. 504 do Código Civil (TEPEDINO, 2011, p. 761).
No tocante à responsabilidade tributária, o artigo 1.371 do Código Civil, estipula que o superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre todo o imóvel, enquanto que o Estatuto da Cidade dispõe, em seu Art. 21, § 3º, que o superficiário tem que arcar com os tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva da área objeto da concessão do direito de superfície, salvo se acordado de forma diferente entre as partes, no contrato.
3.4 Extinção
A extinção do direito real de superfície pode ocorrer, pelo decurso do prazo determinado, pelo abandono ou renúncia do superficiário, pelo distrato, pela destruição da coisa (ex: destruição da laje concebida como direito de sobrelevação,
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“direito de superfície de 2º grau”, que cai em ruínas após deslizamento de encosta em favela), pela morte do superficiário que não deixa herdeiros, pela confusão (ex: quando o superficiário é filho do proprietário e herda o imóvel após sua morte), pela resolução do contrato por descumprimento dos deveres das partes (ex: pelo destino diverso daquele acordado, dado pelo superficiário à superfície, desde que feito de forma unilateral sem o consentimento do concedente; para evitar isto, deve ser formalizado o ajustado entre as partes, através de termo aditivo, em escritura pública, a ser também registrada no Cartório de Registro de Imóveis, alterando a cláusula específica anterior; ou pela falta), e ainda, pela desapropriação do imóvel.
Na hipótese de desapropriação do imóvel (terreno e superfície), a indenização cabe tanto ao proprietário, quanto ao superficiário, proporcional ao valor real a que cada um tem direito. Se as obras e benfeitorias pertencerem integralmente ao superficiário, a ele caberá seu respectivo valor.
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4 A EXPROPRIAÇÃO-CONFISCO DE TERRAS CULTIVADAS COM CULTURAS ILEGAIS DE PLANTAS PSICOTRÓPICAS EM ÁREAS SOB O REGIME JURÍDICO DO INSTITUTO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE
4.1 Consequências do uso da expressão cultivo ilegal, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, dissociado do exame da responsabilidade subjetiva daquele que detém a propriedade da terra
No meio agronômico, geralmente emprega-se a palavra cultura no sentido de sua botânica, referindo-se ao seu gênero, ou ao seu nome científico composto pelo gênero acompanhado da espécie, ou seu nome comum. Por exemplo, a cultura da Cannabis, ou Cannabis sativa L., ou Maconha. Já a palavra cultivo é empregada no sentido de como a cultura (planta) deve ser cultivada, quais serão os cuidados em relação ao preparo do solo, como deve ser propagada – via semeadura ou via plantio de mudas e estacas – e colhida – de que forma e em que época.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013, p. 169) constrói a frase “[...] desapropriação de glebas de terras em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, [...]” utilizando o termo “cultivadas” impregnado do sentido supracitado.
O legislador constitucional, ao redigir o caput do artigo 243 da Carta Magna, utilizou-se dos vocábulos culturas e cultivo2, não para evitar ser redundante, mas para buscar a melhor redação que pudesse tipificar a situação fática a ser coibida e sancionada. Embora na linguagem comum sejam sinônimos, na área agronômica podem evocar sentidos distintos, contudo afins. Essa escolha de palavras (culturas, cultivo e glebas) já causou, e ainda causa muita confusão, que devera ser dirimida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.
Destarte, a expressão – “onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas” – deve ser lida como “onde forem localizados gêneros ou espécies ilegais de plantas psicotrópicas”, e na expressão – “para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos” – deve ser lida como “para o preparo da terra destinada à semeadura, ou plantio, ou colheita de produtos alimentícios e medicamentosos”.
2 CRFB, Art. 243, caput: “As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”
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Já o legislador ordinário, ao redigir a Lei nº 8.257/91, Art. 3º, obrigou-se a repetir o termo cultura3, quando o mais apropriado seria utilizar o vocábulo cultivo, no sentido de “preparo da terra destinada à semeadura, ou plantio, ou colheita”. Bem mais claro e exitoso é o Decreto nº 577/92, Art. 4º, parágrafo único, nos incisos b – descrição da área onde localizada a cultura – e c – comprovação da existência de cultivo ilegal – diferenciando e empregando bem, e de forma técnica, a palavra cultura com o sentido de “gênero ou espécie de plantas psicotrópicas" e a palavra cultivo, com o sentido de “preparo da terra destinada à semeadura, ou plantio, ou colheita4”. A Lei nº 11.343/06 – Lei das Drogas –, ao tornar penalmente típica a conduta – “semeia, cultiva ou faz a colheita [...]”, (Art. 33, § 1º, II) traz a expressão “cultiva”, que se deriva do vocábulo cultivo e que na sentença traduz a mesma ideia dos textos acima aludidos, ou seja, em sintonia com seu significado agronômico – quem cultiva, quem cuida da terra e das plantas.
O Decreto nº 5.912/06 que, regulamenta a referida Lei nº 11.343/06, institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, trata das políticas públicas sobre drogas e da outras providências, estabelece, no Capítulo II – Da Competência e da Composição do CONAD, quem são os membros do CONAD, Conselho Nacional Antidrogas, com direito a voto. (Decreto nº 5.912/06, Art. 5º).
Ao examinar a composição do CONAD, pode-se constatar que ele tem, como membros com direito a voto, vários Ministérios e que, dentre eles figura o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, criado em 2004, pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, Ministério que tem a incumbência de conduzir a criação e gestão das políticas nacionais de desenvolvimento social, de segurança alimentar e nutricional, de assistência social e de renda de cidadania, bem como controlar os programas de transferência de renda, como o fome zero, cujo maior expoente é o Bolsa Família. Contudo, é estridente, a falta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) tanto por ser um dos maiores Ministérios, quanto por ter uma longa história – origem na Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras, criada por Dom Pedro II, em 28 de julho de 1860, pelo Decreto nº 1067 –, como, ainda, por suas capacidades técnica e estrutural, essencialmente direcionadas e vocacionadas
3 Lei nº 8.257/91, Art. 3º: “A cultura das plantas psicotrópicas caracteriza-se pelo preparo da terra destinada a semeadura, ou plantio, ou colheita.”
4 Decreto nº 577/92, Art. 4º, parágrafo único, b e c: “descrição da área onde localizada a cultura” e “comprovação da existência de cultivo ilegal.”
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aos assuntos da produção agropecuária e do agronegócio. Também não faz parte do Conselho o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que tem, dentre outras competências, a reforma agrária, o reordenamento agrário, a promoção do desenvolvimento sustentável da agricultura familiar e a regularização fundiária na Amazônia Legal, local de difícil acesso e onde há possivelmente muitos cultivos ilegais.
A constatação, destas ausências, aliada a outras que veremos adiante, parece evidenciar a intenção do Estado em não discutir com os cidadãos rurais o tema da expropriação-confisco de glebas de terra e de deixá-los sem representação no CONAD, evitando aqueles Ministérios que direta ou indiretamente vinculam-se a eles. Não deve perder-se de vista que, em linhas gerais, o que o Estado Brasileiro almeja, através da legislação, é coibir o mau uso da terra e punir os responsáveis pela prática.
Seguindo o raciocínio exposto, cultivo ilegal seria aquele em que o homem figura como responsável (pelo preparo da terra destinada à semeadura, ou plantio, ou colheita) de plantas psicotrópicas, sem a devida autorização de órgão competente do Ministério da Saúde que a dá tão somente para fins exclusivamente terapêuticos e científicos.
Todavia sabe-se que todas as plantas, independente de gênero e espécie, têm capacidade de disseminação seja via eólica (pelo vento), hídrica (pela água) ou zoocórica (pelos animais), aliás, o maior disseminador.
Vislumbram-se quatro situações hipotéticas de disseminação. A primeira de um homem, fumando, por exemplo, um cigarro de maconha e, em seguida, jogando a bagana, que contém sementes, em terreno alheio. A segunda, a da ave que pousa na planta e carrega, aderidas a seu corpo, sementes. A terceira, a da ventania que arrasta folhas, frutos e sementes. E, por último, a das águas caudalosas de um rio que carregam sementes, frutos ou, até mesmo, uma planta inteira até as margens de aluvião.
Nas quatro hipóteses descritas e possíveis no plano concreto e factual, houve semeadura natural de cultura psicotrópica considerada ilícita pelo Estado, mas somente na do homem, é cabível especular-se a respeito da realização do tipo penal, ou seja, se o homem agiu com dolo ou com culpa e, assim, ponderar-se, conforme sua responsabilidade subjetiva no campo penal.
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Se, na apreciação dos casos, utilizarmos o entendimento majoritário da doutrina, que também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a responsabilidade dos agentes nas infrações ao Art. 243 da Constituição é objetiva – isto é, que basta o vínculo patrimonial –, então todas as quatro hipóteses descritas representam cultivo ilegal de plantas psicotrópicas, vindo os proprietários dessas terras, independente de seu título de propriedade, embora sem culpa ou dolo, a perderem suas propriedades.
Nesse sentido, tem decidido o Supremo Tribunal Federal, em relação à responsabilidade do proprietário da gleba:
EMENTA: ART. 243 DA CF E ANÁLISE DE REQUISITO SUBJETIVO. A Turma iniciou julgamento de dois recursos extraordinários em que se discute se questões de índole subjetiva devem ser consideradas na aplicação do art. 243 da CF (“As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”). No caso, a União insurge-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que afastara a incidência do mencionado dispositivo constitucional ao fundamento de que os recorridos, pessoas idosas, não tinham como se opor ao plantio ilícito de plantas psicotrópicas em suas terras, promovido por terceiros com fama de serem violentos e andarem armados. A Corte de origem aduziu, ainda, que a área em que realizado o cultivo seria de difícil acesso e que o Poder Público não ofereceria condições para que os agricultores pudessem, sem risco, comunicar às autoridades as plantações de maconha em suas propriedades. O Min. Dias Toffoli, relator, proveu o recurso para decretar a expropriação do imóvel em tela. Asseverou que a efetividade da Constituição se imporia. Tendo em conta que a expropriação prevista no art. 243 da CF seria uma sanção, entendeu que não se exigiria nenhum tipo de análise de caráter subjetivo sobre o proprietário, recaindo a sanção sobre a propriedade. Assim, concluiu pela inviabilidade de se partir para a apreciação subjetiva da conduta do proprietário ou do possuidor da terra — sua culpabilidade —, bastando para a expropriação a existência, no imóvel, de cultura ilegal de plantas psicotrópicas. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia. (STF, 1ª Turma, RE 402839/PE e RE 436806/PE).
Suponha-se agora, levando ao extremo este entendimento do STF, que determinado proprietário tenha sua área de campo invadida, obrigando-se a evadir-se. Então ele socorre-se do amparo da tutela judicial do Estado para defender seus direitos e reaver sua posse. Imagine-se que este processo, que busca a
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reintegração de posse, prolongue-se por um certo lapso temporal, durante o qual seja possível a algum dos invasores cultivar uma cultura psicotrópica ilícita.
Lembremos que se o ato de cultivar consiste no preparo da terra destinada à semeadura, ou plantio, ou colheita é possível em espaço de tempo não muito longo, preparar a terra e jogar sementes ao solo. Pode-se até conjecturar que a semeadura de cultura psicotrópica ilícita, pelo invasor, tenha o intuito de incriminar o esbulhado. E mesmo que ele não tenha esta intenção, se a análise for feita em termos de responsabilidade objetiva, o que interessa é se existe ou não o cultivo da funesta planta e o vínculo dominial do proprietário com a área.
Se tal situação esdrúxula, a de não avaliar-se a responsabilidade do proprietário como de natureza subjetiva, persistir, além de legitimar-se a injustiça, far-se-á pairar sobre os institutos civilistas, e em especial nas áreas rurais, um céu de incertezas.
4.2 A expropriação-confisco de terras, pelo cultivo ilegal de plantas psicotrópicas no direito de superfície
O direito de superfície, como já explanado em capítulo anterior, quando aplicado a uma gleba de terra, cria uma nova propriedade, a propriedade da superfície, cujo domínio fica aos cuidados do chamado superficiário. Esta propriedade, só não é mais independente da propriedade do solo de domínio do fundieiro, porque ao cabo de determinado tempo, acordado entre as partes, a propriedade superficiária se resolve (propriedade resolúvel), agregando-se ao patrimônio do fundieiro tudo aquilo que foi construído ou plantado pelo superficiário, salvo se houver cláusula em contrário.
Todavia, na ocorrência de desapropriação, aplica-se o que dispõe o Código Civil, Art. 1.376, isto é, em caso de extinção do direito de superfície pela superveniência de ato expropriatório, caberá às partes o correspondente ao direito real de cada um. É de todo conveniente que as partes estipulem, através de cláusula particular, qual a quota do valor pago pela indenização que caberá a cada um em caso de desapropriação. Entende-se que deva ser levado em consideração em caso de ausência de cláusula, o prazo restante do direito de superfície.
Na hipótese da ocorrência da expropriação-confisco em uma área de terra sujeita ao instituto jurídico do direito de superfície, o que sucede é nada mais nada
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menos que o confisco de duas propriedades, de dois direitos reais, o da propriedade do solo e o da propriedade da superfície.
A discussão não gira somente em torno dos expropriados (fundieiro e superficiário), mas também em relação às consequências derivadas do ato que podem atingir outras pessoas, por exemplo, os terceiros titulares de direitos reais de garantia – penhor, anticrese ou hipoteca – que não terão seus direitos sub-rogados no preço pago a título de indenização porque, em se tratando de confisco, não há de se falar em indenização.
Ao condicionar-se, pura e simplesmente, a expropriação-confisco de terras à análise objetiva, – bastando a constatação da cultura ou o cultivo ilegais, desprezando-se uma possível averiguação subjetiva, que seria a mais prudente devido à complexidade do fato e da importância dos diversos institutos que ali possam estar envolvidos, submete-se os titulares de imóveis rurais a uma obrigação, diga-se de passagem, muito difícil de cumprir para não dizer impossível.
Hoje, um ruralista, mesmo seguindo a forma, a solenidade, os parâmetros e cuidados necessários, postos à disposição pelo direito civil e garantidos na Carta Magna, corre o risco de ser despido, não de um título, mas sim daquilo que é símbolo de dignidade e que representa o mais sagrado para a família – o lar. Em efeito, é comum, em se tratando de áreas de terra vocacionadas às atividades agro-silvo-pastorís ou hortigranjeiras de base familiar, ter-se mais de uma família – avós, pais e filhos – morando e ocupando, vivendo e convivendo em uma mesma gleba. Desnecessária é a discussão na seara do justo ou do injusto, pois está claro que o fardo é, por demais, pesado para aqueles que carregam nos ombros o alimento da Nação.
Se um traficante, mercador da morte, aluga uma residência no meio urbano e estabelece ali um ponto de venda de drogas ilícitas, é bem verdade que o titular do imóvel tem o direito e dever de cuidado, podendo até ser responsabilizado. Todavia, o tratamento dado a esse locador, é bem diferente daquele dispensado ao homem do campo, estando sujeito ao que prevê a Constituição Federal de 1988, Art. 5º, XLV e XLVI, b5 e ao que diz o Código Penal:
5 CRFB, Art. 5º, XLV e XLVI, b: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;” e “perda de bens.”
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São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. (CP, 1940, Art. 91, caput, I, II, a, b).
Conclui-se que, para esse locador urbano há de ser sopesado subjetivamente como se deram os fatos, se agiu de boa-fé e, em nada provado, que possa representar desvalia de sua conduta no sentido de contribuir para o crime, toda a sanção que lhe for atribuída restaria revestida de ilegalidade.
Tolerar a tese de que, a expropriação-confisco do Art. 243 da Carta de 1988, rege-se pelos princípios da responsabilidade civil objetiva do proprietário com o vínculo dominial é aceitar um abismo de discrepância entre os tratamentos dados aos institutos, sejam de direitos obrigacionais, sejam de direitos reais – salientados também os de garantia –, quando atacados no meio urbano, pelo confisco penal, em comparação ao tratamento dado aos mesmos institutos quando atacados no meio rural, pela expropriação-confisco do Art. 243, da Carta Magna.
Enfatiza-se o meio rural, porque as áreas urbanas geralmente constituem-se em terrenos de pequena área que dificilmente serviriam ao assentamento de colonos ou à produção agrícola, embora, reconheça-se, que também estão sujeitas ao mesmo gênero de expropriação e que é possível existir em área urbana propriedade com vocação de rural.
A ementa a seguir demonstra a complexa e bem justificada defesa que faz o Ministro Relator, Eros Grau, debruçado em todo o seu conhecimento, argumentos doutrinários, socorrendo-se da hermenêutica e teleologia jurídicas para dar solução a um caso concreto de expropriação-confisco de natureza rural:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EXPROPRIAÇÃO. GLEBAS. CULTURAS ILEGAIS. PLANTAS PSICOTRÓPICAS. ARTIGO 243 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO. LINGUAGEM DO DIREITO. LINGUAGEM JURÍDICA. ARTIGO 5º, LIV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O CHAMADO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. Gleba, no artigo 243 da Constituição do Brasil, só pode ser entendida como a propriedade na qual sejam localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. O preceito não refere áreas em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, mas as glebas, no seu todo. 2. A gleba expropriada será destinada ao assentamento de colonos, para
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o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 3. A linguagem jurídica corresponde à linguagem natural, de modo que é nesta, linguagem natural, que se há de buscar o significado das palavras e expressões que se compõem naquela. Cada vocábulo nela assume significado no contexto no qual inserido. O sentido de cada palavra há de ser discernido em cada caso. No seu contexto e em face das circunstâncias do caso. Não se pode atribuir à palavra qualquer sentido distinto do que ela tem em estado de dicionário, ainda que não baste a consulta aos dicionários, ignorando-se o contexto no qual ela é usada, para que esse sentido seja em cada caso discernido. A interpretação/aplicação do direito se faz não apenas a partir de elementos colhidos do texto normativo [mundo do dever-ser], mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de dados da realidade [mundo do ser]. 4. O direito, qual ensinou CARLOS MAXIMILIANO, deve ser interpretado "inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis". 5. O entendimento sufragado no acórdão recorrido não pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de expropriar-se 150 m2 de terra rural para nesses mesmos 150 m2 assentar-se colonos, tendo em vista o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 6. Não violação do preceito veiculado pelo artigo 5º, LIV da Constituição do Brasil e do chamado "princípio" da proporcionalidade. Ausência de "desvio de poder legislativo" Recurso extraordinário a que se dá provimento. Brasil (STF, Plenário, RE 543974/MG).
Alega que a interpretação de um vocábulo deve estar intimamente associada aos dados da realidade, ao “mundo do ser”. Defende que gleba deve ser entendida como toda a extensão da área do imóvel, no qual haja presença da cultura da planta ilegal psicotrópica, e não apenas aquela porção da área que foi cultivada.
Boa e acertada é a justificativa do ilustre Ministro que descompôs a inteligência preceituada pelo tribunal de origem. Todavia, peca quando diz: “O entendimento sufragado no acórdão recorrido não pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de expropriar-se 150 m² de terra rural para nesses mesmos 150 m² assentar-se colonos, tendo em vista o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos”. Arrisca-se, ao condicionar qual seria, afinal, a área a ser expropriada – aquela cultivada ou toda sua extensão – à sua destinação porque a aludida norma não abarca somente área rural, que por característica inerente a sua natureza de atividade, necessita ser maior que a área urbana. A expropriação-confisco abrange a todas as glebas de qualquer região do país, pequenas ou grandes, inclusive as urbanas, inclusive aquelas inferiores a 150 m², muito comuns nos centros urbanos, as quais seria impossível de serem destinadas ao
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assentamento de colonos e tampouco para produção de produtos alimentícios e medicamentosos.
Entendam-se os presentes comentários, não como uma crítica, mas sim como uma divergência no que se refere a interpretações, um diálogo subjetivo com vistas a contribuir para que esta norma seja aplicada da melhor e mais justa forma, prestando-se única e exclusivamente a coibir, impedir ou dificultar o avanço da criminalidade intimamente fomentada pela produção e comércio de drogas. Mas não podemos usar a expropriação-confisco como artifício, mesmo que inconscientemente, ou desavisadamente, para fazer-se uma reforma agrária indireta.
Ainda é oportuno mencionar que a maioria da doutrina segue o mesmo entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2001, p. 379) e Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 873) conforme o qual, a expropriação-confisco só poderia ter assento no artigo 5º, XLVI, b da Constituição6 em razão do sistema de direitos e garantias constitucionais. Contudo, a equiparação entre este dispositivo e o Art. 243, somente justifica-se frente à tentativa de sanar conflitos, adequando o mandamento do caput do artigo 243 da atual Carta Magna ao seu próprio sistema de garantias. Seus conteúdos e finalidade, no entanto, são distintos.
O caput do citado Art. 243 é muito claro ao definir especificamente, qual o destino que deve ser dado à área de terra que sofre a expropriação-confisco – servir ao assentamento de colonos e serem ocupadas com atividades inerentes ao cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos – ou seja, destinação totalmente diversa daquela prevista no parágrafo único do mesmo Art. 2437, qual seja, a de reverter em benefício de instituições e pessoal especializado que tratem e recuperem vítimas da drogadição, usuários, e no aparelhamento e custeio de atividades de órgãos de combate, controle, prevenção e repressão ao crime de tráfico de entorpecentes e drogas consideradas ilícitas.
Verifica-se notoriamente que este Art. 243 da Constituição é composto por dois confiscos. O primeiro, referido em seu caput, e aqui denominado de expropriação-confisco, pode ser entendido como um confisco especial. O segundo,
6 CRFB, Art. 5º, XLVI, b: “perda de bens.”
7 CRFB, Art. 243, parágrafo único: “Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.”
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referido no seu parágrafo único, se alinha ao confisco penal do artigo 91 do Código de Penal e ao perdimento de bens do Art. 5º, XLVI, b, da atual Carta Republicana.
Há diferença, também, quanto aos procedimentos expropriatórios. No primeiro, conforme o Decreto nº 577/92, Art. 7º, a incorporação do imóvel ao patrimônio público se dá após o trânsito em julgado da sentença, entende-se aqui aquela que declara a expropriação do imóvel. No segundo, a incorporação do imóvel ao patrimônio público se da nos moldes do Art. 91 do Código Penal, com a previsão de que o confisco ou a perda de bens só ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenatória, como conseqüência da condenação.
As diferenças prevalecem também quanto às consequências de suas incidências para com os terceiros, reforçando a tese que de que o confisco do Art. 243 da Constituição e o do parágrafo único do mesmo artigo.são absolutamente distintos. Assim é que, no confisco do caput, os terceiros de boa-fé não estão tutelados, enquanto que no confisco do parágrafo único, por ser afim ao perdimento de bens do Art. 91 do Código Penal, os terceiros encontram a proteção expressa no inciso II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. (grifo nosso).
Destarte, não há justificativa que impeça proceder-se a um exame subjetivo num caso que verse sobre a matéria ora apreciada. Sobre o tema, bem reporta-se a sábia Procuradora da República, Dra. Dulcinéia Moreira de Barros, quando emitiu o parecer no sentido de que se a Constituição Federal não diz expressamente que é necessária a responsabilidade subjetiva do proprietário para que se possa expropriar, também não é menos certo que o sistema penal pátrio assenta-se no princípio da repulsa à responsabilidade objetiva e que, quando a Carta Federal prevê a responsabilização objetiva de alguém, o faz de forma expressa, como no exemplo do Art. 37 , XXI , § 6º. Evidencia-se assim que a responsabilidade objetiva é exceção à regra geral da responsabilidade subjetiva.
Nesse mesmo sentido já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, quando, acolheu embargos de declaração, sem alteração do resultado do julgamento:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DESAPROPRIAÇÃO CONFISCO. PLANTIO DE PLANTAS PSICOTRÓPICAS. IMÓVEL ARRENDADO. AUSÊNCIA DE CULPA DO ARRENDADOR. SENTENÇA. NEGATIVA DE
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VIGÊNCIA AO ART. 243 DA CF E ART. 1º DA LEI Nº 8.257/91. OMISSÃO. VÍCIO SANADO. 1. Não é a simples constatação da existência de cultivo ilícito de plantas psicotrópicas na propriedade que determina sua perda. Existe o elemento subjetivo que deve ser considerado na análise do caso concreto, de modo a se verificar se o proprietário do imóvel praticou ou de alguma maneira contribuiu de forma consciente para a conduta ilícita. 2. O ordenamento jurídico brasileiro não admite a desapropriação sanção baseada apenas na responsabilidade objetiva, sem que exista a demonstração do elemento subjetivo do proprietário na prática do ato ilícito ensejador da desapropriação em casos que tais. 3. Não se pode levar em consideração apenas a responsabilidade objetiva como defende a União para se considerar a perda da propriedade que tenha sido objeto de plantio de plantas psicotrópicas. 4. Em assim sendo, não há que se falar em negativa de vigência do art. 243 da Constituição Federal e do art. 1º da Lei nº 8.257/91. 5. Embargos de declaração acolhidos sem alteração do resultado do julgamento. (TRF, 1ª Região, Quarta Turma, EDAC 53 / BA 2000.33.00.000053-0).
Fazendo-se uma apreciação holística da toada reflexiva até aqui desenvolvida, que busca identificar e esclarecer possíveis combinações resultantes da interação dos institutos jurídicos que tratam da expropriação-confisco com os institutos jurídicos que tratam do direito de superfície, pode afirmar-se que, atualmente, conforme jurisprudência dominante nos Tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Federal, o mais provável é que, na hipótese de ocorrência de expropriação- confisco do Art. 243, caput, da Constituição, em área sob o regime jurídico de direito real de superfície, ocorra o mesmo que ocorre na desapropriação, ou seja, ambas as propriedades, tanto a do superficiário, quanto a do fundieiro serão expropriadas sem indenização.
Todavia, em Plenário, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 635.336/PE:
EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Responsabilidade civil. Natureza objetiva ou subjetiva. Proprietário de terras. Cultivo ilegal de plantas psicotrópicas. Expropriação sem indenização. Art. 243 da Constituição Federal. Relevância do tema. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral recurso extraordinário que verse sobre a natureza da responsabilidade, para fins de expropriação, do proprietário de terras com cultivo ilegal de plantas psicotrópicas. (STF, Plenário, RE 635336 RG / PE).
Uma vez reconhecida a Repercussão Geral, resultou o sobrestamento de todos os recursos repetitivos. Se a decisão do mais alto tribunal da República for pela responsabilidade de natureza subjetiva, pode entender-se que, como no direito
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de superfície temos duas propriedades, na hipótese de o fundieiro não incorrer em culpa ou dolo e o superficiário, sim, ocorrerá, para este, a expropriação-confisco do Art. 243, caput da Constituição, enquanto que, para aquele, não deve haver expropriação-confisco. Mas, também não poderá ele, o fundieiro, reaver a propriedade da superfície, porque essa terá se incorporado ao patrimônio da União. Poderá ele ter sua propriedade desapropriada, mas cabendo-lhe a justa e prévia indenização a que tiver direito. Poderá ocorrer ainda, na hipótese de ambos serem inocentes, inexistência de culpa ou dolo, a possibilidade de ambas as propriedades, a do fundieiro e a do superficiário, serem insuscetíveis à expropriação-confisco.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No transcorrer desta monografia, subsidiado por fontes do direito acessadas por meio de pesquisa bibliográfica, doutrinária, jurisprudencial, legislativa, histórica, dentre outras, abordaram-se, desde as limitações impostas à propriedade, para fazer frente aos anseios, angústias e desafios de uma sociedade que sente, explora e se descobre, numa era globalizada, que alguns chamam de pós-modernidade, até os conflitos gerados da tentativa de organizar essa sociedade.
Lançada a proposição de explicar como funciona a norma do Art. 243, seu caput e parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, diante do direito de superfície, analisou-se as estruturas do dispositivo constitucional e do direito de superfície, seus enlaces e interações com as outras normas do sistema jurídico.
Apresentadas e explicadas as modalidade de restrição à propriedade privada de que dispõe o Estado e feitas as pertinentes considerações a respeito de seus vocábulos, princípios, pressupostos e fundamentos, foi possível identificar com qual delas o Art. 243 da Constituição mais se ajusta.
Chega-se à conclusão de que o caput afeiçoa-se mais a um confisco especial e, em sendo assim, melhor é denominá-lo através do arranjo terminológico “expropriação-confisco”, levando-se em consideração que sua ocorrência opera-se independente de sentença condenatória transitada em julgado e que sua destinação além de específica, é diversa daquela do confisco penal do Art. 5º, XLVI, b. e do Art. 91 do Código Penal.
Todavia, em se tratando do parágrafo único do citado Art. 243, conclui-se pelo seu alinhamento ao confisco penal, aplicável a tudo que tiver valor e que esteja associado à propriedade sujeita a expropriação, do confisco especial do caput “expropriação-confisco”. Só não se aplicará este confisco alinhado com o penal, à gleba de terra em si, porque esta servirá para o assentamento de colonos para que nela cultivem produtos alimentícios e medicinais.
Assim, diverge-se da doutrina majoritária que prefere utilizar-se da expressão “desapropriação-confisco” ou “desapropriação confiscatória” embora, ao final, reiteradamente ela afirme que equipara-se ao confisco, haja vista que, em dicionário jurídico, embora guardem similitudes, não são sinônimas e que a desapropriação tenha por pressuposto o pagamento da prévia e justa indenização.
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Constatou-se que há uma intensa discussão fruto da divergência entre a inteligência erigida pelos tribunais e aquela sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, em relação a se é necessária ou não a análise da responsabilidade subjetiva do proprietário da gleba para com o cultivo ilícito ou se basta o seu vínculo dominial com a gleba, sendo então a sua responsabilidade objetiva.
Pode-se verificar que há uma discrepância entre a expropriação-confisco quando aplicada ao meio rural e quando for aplicada ao meio urbano.
Isto porque as glebas de terra no meio urbano, na grande maioria, não se prestariam ao destino específico previsto na Constituição que é o de assentar colonos. Fica então a dúvida sobre, a aplicabilidade deste instituto àquelas pequenas ou diminutas glebas urbano-residenciais, levando-se em conta a hipótese de não enquadrarem-se no confisco, pelo perdimento de bens, do artigo 5º, XLVI, b, da Constituição.
Por fim, conclui-se que se for considerada a responsabilidade civil subjetiva no processo expropriatório pelo confisco, se demonstrado que o fundieiro agiu com culpa ou dolo, então ele sofrerá a expropriação da área. Todavia, se inocente, caberá a desapropriação da sua propriedade, mas com prévia e justa indenização, e a expropriação-confisco da propriedade do superficiário, se comprovada sua conduta contrária à lei. Sendo ambos inocentes, não caberia a incidência de ação expropriatória.
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REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código Penal. In: CURIA, Luiz Roberto; CÉSPEDES, Livia; NICOLETTI, Juliana. Vade Mecum. 13ª ed. atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 509-550.
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BRASIL. Decreto-lei nº5.912, de 27 de setembro de 2006.Regulamenta a Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006, que trata das políticas públicas sobre drogas e da instituição do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD, e dá outras providências. Disponível em:
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Sobre o autor
Rogério Ferreira Lopes

Formação em Engenharia Agronômica e Direito, pelas Universidades FAEM e Católica de Pelotas. Procurador de carreira no Município de Capão do Leão.

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Trabalho de Conclusão Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Pelotas. Orientador: Prof. Dr. José Alcides Renner

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