A efetividade do direito à saúde através da iniciativa privada no Estado social de direito

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A efetivação do direito à saúde pela saúde suplementar

As discussões sobre a Saúde Suplementar raramente chamam atenção para a importância do setor da assistência à saúde na concretização do direito fundamental à saúde, bem como sua relevância para outros setores sociais, como a geração de renda, emprego e desenvolvimento tecnológico para tratamentos e procedimentos cirúrgicos.

A cadeia produtiva envolvida para na Saúde Suplementar não decorre de uma simples relação contratual, mas envolve uma longa e complexa rede de profissionais e empresas do setor de assistência à saúde, como médicos, clínicas, indústria farmacêutica, hospitais, enfim, todos os profissionais e equipamentos necessários para o atendimento obrigatório dos procedimentos e doenças instituído pelo plano-referência de assistência à saúde elaborada pela ANS.

A importância da dimensão econômica e social da Saúde Suplementar no Brasil contribui de modo a concretizar a assistência à saúde e bem-estar de seus usuários de pelo menos duas maneiras significativamente importantes, dentre outras questões positivas, que são: 1) Incentivo profissional na contratação de profissionais pelas empresas e; 2) A assistência à saúde em si.

A concretização do direito social e fundamental à saúde estampado na Carta Constitucional brasileira não pode ser analisada de forma restrita, mas devem ser sopesados todos os impactos que o sistema de assistência à saúde (pública ou privada) pode gerar para a sociedade de modo geral.

Evidentemente que o principal objetivo do direito à saúde é a prestação de assistência preventiva e a recuperação dos indivíduos, porém, o direito à saúde encontra-se em um meio-ambiente que envolve outras questões importantes e que devem conviver harmoniosamente, como a educação, a alimentação, o trabalho, lazer e moradia, todos também elencados como direitos sociais na Constituição Federal.

Nesse cenário social constitucionalmente protegido o principal bem a ser protegido, no final das contas, é a vida, e não somente, mas a vida com dignidade, cujos direitos sociais devem interagir entre si, de modo a gerar o meio-ambiente favorável para o desenvolvimento humano.

Nesse contexto social que se encontra inserido a Saúde Suplementar, a saúde, historicamente, sempre foi tratada como um cuidado necessário e adjacente para a proteção da vida, especialmente do trabalhador, conforme verificou-se no capítulo sobre o histórico constitucional, de modo que o incentivo ao trabalho que por sua vez movimenta toda a economia de um país, precisa tem uma assistência à saúde que proteja os trabalhadores.

Desta forma, neste cenário encontra-se a primeira faceta da Saúde Suplementar, na medida em que, de acordo com dados da ANS constam registrados aproximadamente 47 milhões de beneficiários de planos ou seguro saúde no Brasil, dentre os quais 31 milhões, ou seja, 66% são contratações de planos empresariais, denominado como “Coletivo Empresarial” [1].

Em conjunto com outra pesquisa realizada pelo IBOPE Inteligência (IBOPE/IESS, 2017) no ano de 2017, constatou-se que 95% dos brasileiros consideram o plano de saúde como um fator decisivo para escolha de um emprego. Tal fato demonstra a insatisfação com o serviço de assistência pública de saúde, na medida em que os indivíduos empregados ainda mencionam que a importância do plano de saúde perde somente para educação e casa própria, segundo a mesma pesquisa, ou seja, o plano de saúde é o terceiro maior desejo dos indivíduos no Brasil.

Com isso resta claro que, se desde as Constituições anteriores a de 1988 já havia a preocupação da proteção do trabalhador em relação à sua saúde, não se pode olvidar que de acordo com as informações acima mencionadas, boa parte dessa proteção se deve a iniciativa privada de assistência à saúde, bem como que grande parte dos custos são derivados do benefício de assistência médica oferecido e pago pelas empresas do setor privado.

Outra questão que merece destaque na concretização do direito social e fundamental à saúde pela Saúde Suplementar é no sentido dos gastos com as despesas de coberturas aos usuários dos planos e seguros privados de assistência à saúde que representaram no ano de 2017 cerca de 55% (cinquenta e cinco) de todo o gasto em saúde no Brasil (CCIFB, 2017).

Esses números demonstram, em termos financeiros, a representatividade da Saúde Suplementar na promoção e garantia do direito à saúde, na mesma medida em que se verifica a precariedade de recursos para o setor público, onde, proporcionalmente, significa bem menos do que o mínimo necessário para um atendimento público de qualidade, haja vista que apenas 22% da população brasileira tem acesso à Saúde Suplementar.[2]

Outro dado relevante que justifica a importância da atividade realizada pela Saúde Suplementar diz respeito à quantidade de internações realizada no período de um ano (2017), onde foram realizados 7,97 milhões de internações na rede referenciada pelas operadoras de assistência privada à saúde, de acordo com o Mapa Assistência da Saúde Suplementar (ANS, 2018, p. 25), dentro de um universo de aproximadamente 47 milhões de indivíduos.

No mesmo período de um ano, de acordo com levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina, o Sistema Único de Saúde realizou 11,5 milhões de internações no sistema público, dentro de um universo de aproximadamente 160 milhões de indivíduos.

Com isso denota-se que no sistema da Saúde Suplementar a taxa de internações é de 17 (dezessete) para cada grupo de 100 (cem) indivíduos, enquanto que no Sistema único de Saúde, a taxa é de 7 (sete) internações para cada o grupo de 100 (cem) indivíduos, portanto, estatisticamente, verifica-se que o papel desempenhado pela iniciativa privada tem relevante contribuição para a concretização do direito fundamental à saúde.

É certo, contudo, que a atividade de assistência à saúde prestada pela iniciativa privada tem um custo eu não advém dos cofres públicos, sendo também originário da atividade privada de cada um dos indivíduos beneficiários dos planos e seguros de saúde contratados.

Por certo também que o valor despendido pelo particular na contratação de um plano de saúde, de acordo com os números acima apresentados, reverte de forma mais efetiva para os indivíduos que são beneficiários do que no sistema público, na medida em que na Saúde Suplementar há o fator da concorrência no mercado privado, sendo assim, a busca pelo melhor atendimento reflete positivamente em seus usuários, o que não ocorre no SUS.

Nos exemplos apresentados, já é possível analisar a relevância da Saúde Suplementar no auxilio da concretização do direito social e fundamental à saúde, haja vista as deficiências do setor público que, por sua vez, não consegue fornecer, de modo universal e igualitário, atendimento médico-hospitalar a todos.

Vale repisar que a saúde como um direito social (artigo 6º da Constituição Federal), traz para o Estado o dever, também fundamental, de promover e tomar todas as medidas necessárias para a prestação dos serviços de saúde de forma universal, integral e igualitária, sendo que para isso destaca-se também a Lei 8.080 de 1990, que dispões sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, porém, foi insuficiente para atender as demandas de forma eficiente.

Ademais, conforme já mencionado, os recursos financeiros destinados à saúde pelo Estado também são insuficientes, de modo para atender de forma eficiente demandaria o sacrificar outras áreas sociais, como a educação e saneamento básico, que também já não são suficientes.

Por essas razões até agora expostas é que deu-se um ambiente propicio para o desenvolvimento da prestação de serviços de assistência à saúde pela iniciativa privada, a qual tem autorização expressa na Constituição Federal (artigo 199), cujos resultados já superam tanto em capacidade de atendimento como de orçamento os sistema público.

Não significa que a Saúde Suplementar no Brasil, sem embargo de se tratar de atividade privada que tem por objetivo o lucro, deve ser também ter suas atividades reguladas pelos mesmos princípios que norteiam a atividade pública, como a universalidade e integralidade, na medida em que deve se ponderar sua atuação de forma equilibrada, a fim de que a prestação de serviços seja ainda mais eficiente e, por outro lado, não se torne única e exclusivamente a completa mercantilização do direito à saúde.

Outro ponto de importante observação diz respeito à fiscalização do setor privados que, não obstante a insuficiência do Sistema Único de Saúde em promover atendimento suficiente, tal reflexo não ocorre na fiscalização da Saúde Suplementar, que se dá pela Agencia Nacional de Saúde Suplementar.

Essa atividade regulatória e fiscalizatória decorrem da natureza social e fundamental do direito à saúde, pois na medida em que o Estado delega seus deveres às entidades privadas, tem que melhorar sua regulamentação e fiscalização, não de modo a tão somente repreender, mas também de auxiliar o mercado a produzir benefícios sociais cada vez melhores para os indivíduos.

Um bom exemplo de intervenção do Estado na Saúde Suplementar diz respeito a garantia de atendimento, estabelecendo prazos máximos para agendamentos de consultas na rede privada, de modo a proporcionar a prestação de serviço mais eficaz aos usuários, algo que não ocorre no sistema público. Aliás, tais prazos encontram-se regulados pela RN nº 259/2011 pela ANS, encontrando-se no seu artigo 3º o seguinte:

Art. 3º A operadora deverá garantir o atendimento integral das coberturas referidas no art. 2º nos seguintes prazos:

I – consulta básica - pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia: em até 7 (sete) dias úteis;

II – consulta nas demais especialidades médicas: em até 14 (quatorze) dias úteis;

III – consulta/sessão com fonoaudiólogo: em até 10 (dez) dias úteis;

IV – consulta/sessão com nutricionista: em até 10 (dez) dias úteis;

V – consulta/sessão com psicólogo: em até 10 (dez) dias úteis;

VI – consulta/sessão com terapeuta ocupacional: em até 10 (dez) dias úteis;

VII – consulta/sessão com fisioterapeuta: em até 10 (dez) dias úteis;

VIII – consulta e procedimentos realizados em consultório/clínica com cirurgião-dentista: em até 7 (sete) dias úteis;

IX – serviços de diagnóstico por laboratório de análises clínicas em regime ambulatorial: em até 3 (três) dias úteis;

X –  demais serviços de diagnóstico e terapia em regime ambulatorial: em até 10 (dez) dias úteis;

XI – procedimentos de alta complexidade - PAC: em até 21 (vinte e um) dias úteis;

XII – atendimento em regime de hospital-dia: em até 10 (dez) dias úteis;

XIII – atendimento em regime de internação eletiva: em até 21 (vinte e um) dias úteis; e

XIV – urgência e emergência: imediato.

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O exemplo de regulação acima teve como objetivo estimular as operadoras a adaptarem suas redes de credenciados em melhorias na prestação de serviços no setor privado, fazendo ainda com que os prazos sejam os mesmo em todo o território nacional, independentemente das suas particularidades locais.

Sem embargo de que a maior parte dos usuários dos planos e seguros de saúde seja pago pelas empresas como benefício as trabalhadores empregados, o custo para a participação do indivíduo ainda é alto fora dos planos empresariais, de modo que a maioria da população brasileira ainda depende exclusivamente do sistema público de saúde.

Embora, como visto, a diretriz constitucional de ter a saúde como direito social, incluindo, inclusive, capítulo específico para tratar da saúde, após praticamente trinta anos de Constituição Federal democrática e de estabilidade institucional, o Sistema Único de Saúde ainda não se encontra adequado para os fins a que se propôs. Sobre isso Cechin (2012, p.197) tem o seguinte pensamento:

O SUS, em construção há quase um quarto de século (desde a Constituição Federal de 1988), ainda não logrou êxito completo em sua meta de universalidade e integralidade. Se o SUS estivesse em condições de cumprir satisfatoriamente com seu dever constitucional, garantindo às pessoas o efetivo acesso tempestivo aos serviços de assistência médica, não haveria porque as pessoas contratarem planos ou seguros de saúde, pois já estariam cobertas pelo sistema público. Apenas aquelas que desejassem serviços diferenciados de hotelaria hospitalar necessitariam de um seguro saúde adicional.

Com efeito, enquanto o SUS não conseguir suprir as demandas de assistência integral e universal à saúde dos indivíduos, a alternativa continuará sendo a busca da concretização do direito à saúde através da Saúde Suplementar, que nos últimos anos vem crescendo, enquanto que os recursos orçamentários para o setor público, em razão das crises politicas e econômicas, vem, cada vez mais, reduzindo.

Por fim, mister ressaltar a que em razão do principio da universalidade do serviço público de saúde, os indivíduos que possuem plano ou seguro privado, não ficam impedidos de utilizar o sistema público, porém, fazendo-o, instituiu a Lei 9.656/98, a obrigatoriedade de as operadoras ressarcirem ao Sistema Público de Saúde os procedimentos realizados no SUS por beneficiários de planos privados de assistência à saúde. Há, portanto, uma interconexão entre os sistemas público e privado, de modo que este não seja financeiramente beneficiado.

Sobre o autor
Marco Aurélio Franqueira Yamada

Mestrando em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito do Centro Universitário de Bauru/SP, mantido pela Instituição Toledo de Ensino - ITE. MBA em Direito Empresarial pela FGV-SP. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil para Instituição Toledo de Ensino – ITE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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